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PEDIDO GENÉRICO
LIQUIDAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
ERRO NO MEIO PROCESSUAL
CONVOLAÇÃO
Sumário
Sumário da responsabilidade do relator: I. O pedido de condenação da ré na realização de obras necessárias a reparar danos em edifício, a apurar na sequência de perícia, integra um pedido genérico; II. Nos termos do nº 2 do Artigo 556º do Código de Processo Civil, no caso de formulação de pedido genérico nos termos da al. b), o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358º do Código de Processo Civil. III. No que tange ao limite temporal da formulação da liquidação, o mesmo deve ser formulado até ao início das alegações orais previstas no Artigo 604º, nº 3, al. e), do Código de Processo Civil. IV. Tendo a parte incorrido em erro na eleição do meio processual (formulando articulado superveniente), colhe aplicação o disposto no Artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil, cabendo ao tribunal corrigir oficiosamente o meio processual, determinando que se sigam aos termos processuais adequados, no caso os da liquidação. Nada obsta à atuação da convolação porquanto, aquando da formulação do articulado superveniente, a parte estava em tempo para deduzir o incidente de liquidação.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO (...), (...) - ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS, S.A., AL(...), LDA. e (...) GESTÃO DE BENS IMÓVEIS, LDA. intentaram ação sob a forma de processo comum, contra (...) – ENGENHARIA, SA, pugnando pela procedência da ação, e, consequentemente:
a) Na obrigação de realizar todas as obras necessárias para reparar os danos causados no Edifício (...), sito na Rua (...), n.º 5, (...), a apurar na sequência de perícia;
b) Subsidiariamente, se assim não se entender, no pagamento de indemnização pela Ré às Autoras, no valor necessário para realização de todos os trabalhos de reparação dos danos identificados, a apurar na sequência de perícia e em sede de liquidação e execução de sentença;
c) No pagamento de todas as custas e despesas de procuradoria.
Para tanto, alegaram que a Ré foi a promotora imobiliária e a construtora do prédio urbano contíguo a poente, sito na Rua Dr. (...), n.º 7 e seguintes, em (...), edifício esse de forma comum conhecido como “NP (...)”. Sucede que, no decurso da execução da obra de reabilitação do referido Edifício “NP (...)”, a Ré causou diversos danos nos prédios propriedade da Autoras, descrevendo-os, sem, até à data, os ter reparado, e, bem assim, invocando os concretos trabalhos levados a cabo naquele edifício e na base dos aludidos danos.
Foi realizada a citação urgente da Ré e veio esta contestar, defendendo-se por exceção – em concreto alegando a exceção dilatória de formulação de pedido genérico ilegal e, bem assim, a prescrição do direito das Autoras-, e por impugnação, apresentando a sua versão dos factos e negando existir qualquer nexo causal entre os alegados danos e a construção por si levada a cabo.
Concluiu pela procedência das exceções ou improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de formulação ilegal de pedidos genéricos arguida pela Ré, afirmando-se a validade e regularidade da instância, foi fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
No despacho saneador de 12.4.2022, a exceção dilatória foi apreciada nestes termos:
«Veio a Ré invocar a exceção dilatória que ora cumpre apreciar, em concreto, de pedido genérico ilegal.
Em sede de contraditório, vieram as Autoras pugnar pela improcedência de tal exceção alegando, em síntese, não existir pedido genérico ilegal, porquanto pede a reparação de danos ocorridos num determinado e concreto imóvel como consequência de obras executadas pela Ré em edifício contíguo, danos que se apurarão através de perícia.
Cumpre decidir.
Em primeira linha, impõe-se transcrever a norma contida no art.º 556 do Código de Processo Civil, que nos diz: 1 - É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes: a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito; b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil; c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu. 2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior, o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358.º, salvo, no caso da alínea a), quando o autor não tenha elementos – nosso sublinhado.
Face a tal norma e, especificamente, no que aqui interessa, sobre a faculdade de dedução de pedidos genéricos nos termos da sublinhada alínea b), salienta Lebre de Freitas que, é admitida a formulação de pedido genérico quando, no momento da propositura da ação de indemnização, não é ainda possível fixar de modo definitivo as consequências do facto ilícito: o autor pede uma indemnização cujo quantitativo não precisa, quer por tal lhe ser ainda impossível (não é ainda conhecida toda a extensão do dano), quer por usar da faculdade que lhe concede a 1.ª parte do 569.º do Código Civil – em “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 2.ª edição, p. 266.
Relembre-se, ainda, que estipula esta última citada norma de direito substantivo, o seguinte: Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exata em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da ação, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos – cf. art.º 569.º do Código Civil.
Volvendo à situação entre-mãos, o pedido formulado emerge dos alegados danos causados pela Ré por execução de obra em edifício contíguo ao prédio das Autoras, alegando-se concretos danos – cf. art.º 16.º da petição inicial-, a que acrescem outros que perícia identificará (ou não, falecendo a prova, neste caso), nos termos plasmados e requeridos no articulado inicial.
Assim, o pedido formulado enquadra-se manifestamente na faculdade de dedução de pedido genérico, assente que, só através da perícia se apurará a extensão dos mesmos, assim como o valor para os reparar, do mesmo modo que, a não ser possível, subsidiariamente foi peticionada a liquidação em execução de sentença, como, aliás, é comum acontecer em casos da mesma índole.
Ademais, sempre diremos que, a Ré discordar e, nessa medida, impugnar os alegados danos, como o fez em sede de contestação -, entre outros, art.º 46 a 51.º- é nitidamente distinto do pressuposto processual em causa, não se vislumbrando qual a ilegalidade a que se reporta, desde logo, porque reconhece ter levado a cabo a reabilitação e, nesse quadro, a execução de obras no prédio contíguo ao prédio das Autoras.
Assim, a petição inicial não se encontra ferida da invocada exceção, razão pela qual, sem demais considerações, deve ser julgada improcedente.
Nestes termos, julgo improcedente, por não verificada, a exceção dilatória de formulação ilegal de pedidos genéricos arguida pela Ré.
Notifique.»
Foi determinada e realizada perícia com prestação de esclarecimentos.
Em 15.11.2023, em pleno julgamento, o mandatário dos autores requereu a apresentação de articulado superveniente nestes termos:
«1- Com a precipitação ocorrida no Outono de 2023, foram detetadas várias manifestações de humidade decorrentes de infiltrações no prédio dos AA. causadas pela realização da obra efetuada pela R. a que se referem os presentes autos.
2- De resto, como já concluído pela prova pericial, no relatório de 9 de Novembro de 2022, ref. Citius 4885503, quando é afirmado "em resumo, os peritos entenderam que a realização da obra efetuada pela ré, provocou os danos identificados e como tal deverá ser responsável pela sua reparação, de acordo com as boas normas de construção”.
3- Tais infiltrações e manifestações de humidade são agora mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas do que na data da petição inicial e nas datas dos sucessivos relatórios periciais.
4- Acentuando os danos no prédio das AA. identificados na petição inicial e nos sucessivos relatórios periciais.
5- Com efeito, através de relatório, datado de 2 de Novembro p.p., elaborado por técnico para o efeito credenciado, Engenheiro Civil EJ, inscrito na Ordem dos Engenheiros com o número OE24036, relativamente às paredes do arquivo da Companhia de Seguros FIDELIDADE, localizado no Edifício (...), melhor descrito na petição inicial, mais precisamente a parede que confronta a poente com o hall de entrada do referido edifício, pela Rua Dr. (...), nº 5, (...), é identificada "a existência de manchas de humidade permanentes, conforme fotos anexas
6- Concluindo que tais manchas decorrem do "elevado teor de humidade existente, quer no teto quer no pavimento do hall de entrada”.
7- Após medições dos níveis de humidade o referido relatório conclui pela "existência de teores de humidade considerados elevados para o local”.
8- Concluí, ainda, o mesmo relatório que "há fortes evidências de que a origem das infiltrações resultam das outras infiltrações existentes no edifício (...), provocadas pelas obras realizadas no Edifício NP”
9- As medições realizadas, através de pinos, em quatro pontos, a partir de ponto de referência 0 (sem humidade) revelam níveis de humidade de 0.6, 0.7, 0.7e 0.9 10- Tudo conforme documento com medições e fotografias que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (cf. doc. 1).
11- Em idêntico sentido conclui relatório preliminar de peritagem, datado de 8 de Outubro p.p., elaborado por técnico para o efeito credenciado, Engenheiro Civil BF, inscrito na Ordem dos Engenheiros com o nº OE45949, relativamente a diversos pontos do prédio dos AA., ao referir “após a realização das primeiras leituras, tendo em conta os valores apurados, verificamos a existência de teores de humidade considerados já elevados, coerentes com o descrito pelo interlocutor, no que concerne à ocorrência de infiltrações provenientes de nível superior ao do teto da zona do hall de entrada.”
12- O mesmo relatório clarifica que “na análise às leituras efetuadas consideramos que os valores de humidade com recurso a medição pinless, ou seja, com uma capacidade de leitura em profundidade de até 3cm, são registadas medições com teores considerados já elevados, essa situação indicia a ocorrência continua de infiltrações, sendo que no presente verão, ocorreram com frequência precipitação na zona de (...), conforme é possível verificar pelos registos obtidos no sítio de internet widguru”.
13- Adiantando que “esta situação é coerente com a existência de infiltrações com carácter quase constante, sendo que por outro lado o baixo volume de precipitação provoca a secagem mais rápida na zona superficial do teto”.
14- Identificando “a existência de indícios claros de escorrimento de água em paredes e teto, manifestando a entrada de água com bastante intensidade, sendo inclusive que se registam danos decorrentes da mesma”.
15- Tal relatório baseou-se em “dois tipos de leituras, inicialmente com recurso a leitor de humidade do tipo ‘pinless’, tendo como ponto de referência 0 o ponto 0”.
16- E, em seguida, “medições com medidor de teor de humidade com pinos em todos os pontos sinalizados”.
17- Identificando, ainda, que “o teor de humidade do ar médio no local, aquando das nossas leituras foi de 56%".
18- De acordo com as medições realizadas em 12 pontos, a partir de ponto de referência 0 (sem humidade), através de leitura “pinless" - com capacidade de leitura em profundidade de até 3 cm -, foram registados níveis de humidade 40, 29, 67, 72, 58, 35, 76, 62, 67, 91, 72 e 55.
19- As medições dos mesmos pontos, através de pinos, revelaram os seguintes níveis de humidade: 0.9, 0.7, 0.7, 0.7, 0.7, 0.9, 0.8, 0.5, 0.4, 0.8, 0.6 e 0.3.
20- De acordo com tal relatório é salientado "que o ponto 10 se trata da zona com maiores vestígios de infiltrações, localizada junto da parede de encosto com edifício vizinho, zona esta identificada pelo interlocutor humidade como zona causadora das infiltrações"
21- Tudo conforme documento com medições e fotografias que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (cf. doc. 2).
22- A intensidade e profundidade dos danos verificados no prédio dos AA., nos meses de Setembro e Outubro de 2023, tendo como causa direta e necessária as infiltrações provocadas pela obra realizada pela R., são também confirmadas por relatório elaborado por técnico para o efeito credenciado, engenheiro técnico Carlos Vicente de Medeiros Pimentel, inscrito na Ordem dos Engenheiros Técnicos com o nº 24299.
23- Este relatório refere-se, expressamente, “aos danos ocorridos em outubro de 2023 no edifício (...) situado na Praça (...) situado em (...), que forma o término nascente do quarteirão servido pelas ruas Conselheiro (...), (...), Largo Dr. (...) e rua Nova (...), registados após o início das obras do NP (ano de 2018)."
24- De acordo com tal relatório “o edifício, com entrada principal pela rua (...), nº 5, manteve-se sem mazelas desde 1991 (ano da sua construção) e acusa desde o início das obras do NP uma progressiva degradação provocada por infiltrações descontroladas que no início do Outono de 2023, provocaram ainda mais danos para além dos já acusados que abaixo se descrevem: (…)
25- O mesmo relatório adianta que “a humidade torna-se mais evidente nos dias de maior intensidade pluviométrica, chegando a assumir escorrimentos pelas paredes, pingueiras pelo teto e alagamento do piso (comprovam as fotos anexas).”
26- Tal relatório anexa “uma relação de trabalhos e respetiva estimativa de custos, relativas à reparação dos danos visíveis que poderão evoluir dependendo do agravamento do estado do edifício resultante do tempo que decorrer até à data da intervenção”.
27- E, bem assim, “um relatório das medições de humidade no teto do hall de entrada do edifício (...)”.
28- Esclarece, ainda, o mesmo relatório que “nos trabalhos previstos em cantarias danificadas, foram consideradas as substituições gerais das primeira e segunda ordens altimétricas por forma a homogeneizar a textura e evitar matizes entre pedras novas e as existentes no mesmo nível.”
29- Referindo, também, que “relativamente aos espelhos oxidados foi considerada a substituição total para garantir a mesma tonalidade em todos os espelhos.”
30- Concluindo que 'Importa considerar que todos os trabalhos que se enumeram só devem ser executados após a verificação do comportamento estanque da interface dos edifícios, cujos trabalhos não se referem neste caderno por serem encargo do NP e que sejam atingidos os teores de humidade aceitáveis para a execução dos trabalhos de reparação e para os materiais nele empregues. ”
31- Tudo conforme documento com medições e fotografias que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (cf. doc. 3).
32- Constata-se, assim, um agravamento profundo e expressivo dos danos verificados no prédio dos AA., a partir dos meses de Setembro e Outubro do corrente ano.
33- Tais danos têm origem e causa direta na forma deficiente e violadora das legis artis como a R. realizou a obra de construção civil em causa nos autos.
34- Para proceder às intervenções necessárias à correção dos vícios de tal obra e reparação dos danos causados no prédio dos AA é necessária a realização de um conjunto de intervenções, melhor descritas no orçamento que acompanha o documento 3.
35- De acordo com tal orçamento, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, o valor global das intervenções necessárias à reparação dos danos causados pelas infiltrações do Edifício NP é de 31.732,92€.
36- A toda a factualidade superveniente ora alegada acresce o aumento exponencial dos preços no sector da construção civil que exigem uma atualização dos valores necessários às reparações exigíveis na sequência dos danos causados, pela obra do Edifício NP no Edifício (...).
37- Toda a factualidade alegada, na sequência da pluviosidade dos meses de Setembro e Outubro de 2023, só chegou ao conhecimento das AA, com a entrega dos três relatórios citados, em 2 de Novembro, 8 de Outubro e6de Novembro de 2023.
38- Torna-se, assim, necessária realização de nova perícia, de acordo com os factos ora articulados, o que se requer.»
O despacho proferido em ata foi o seguinte:
«Apresentado articulado superveniente neste momento, dada a extensão do mesmo e da documentação que foi junta, uma vez que a Ré solicitou prazo, para exercer o seu contraditório relativamente à superveniência e à prova do mesmo, o Tribunal concede 10 dias para o exercício de pronúncia, determinando, desde já, que após, se abra, de imediato, conclusão. Considerando o art.º 589.º, do CPC, a apresentação de articulado superveniente e tendo presente que o Tribunal ainda se irá pronunciar quanto à sua apresentação, passa-se de imediato à produção da prova. Notifique.»
Subsequentemente, em 18.12.2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
«Vieram as Autoras, ao abrigo do disposto nos artigos 588.º e 589.º apresentar articulado superveniente, alegando novos factos/danos, e nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do CPC, e requerer a ampliação do pedido que formularam nestes autos, nos termos que resultam plasmados no requerimento formulado no inicio da audiência final, e que aqui se dão por reproduzidos.
Para o efeito alega, em síntese, que, em virtude da precipitação ocorrida em outubro passado foram detetadas várias manifestações de humidade decorrente de infiltrações no prédio das Autoras, causadas pela realização da obra efetuada pela Ré, e em discussão nestes autos.
Juntou 3 documentos denominados “relatório de análise às manifestações de humidade – companhia de seguros Fidelidade – edifício (...)”, datado de 2 de novembro de 2023 – doc.1”, “relatório preliminar de peritagem – medição teores de humidade – hall de entrada do edifício (...)”, datado de 8 de outubro de 2023 – doc. 2, e “relatório de avaliação de danos – edifício (...)-(...)”, datado de 6 de novembro de 2023- doc3.
Mais requereu realização de nova perícia, indicando os respetivos quesitos.
Foi dado contraditório à Ré, a qual veio exercê-lo nos termos da pronúncia que antecede, cujo teor por questão de economia processual se dá por reproduzido, pugnando pela rejeição do articulado superveniente, invocando, em súmula, que os factos ora carreados para os autos, não têm qualquer relação causal entre a execução das obras de reabilitação e construção efetuadas pela Ré no edifício denominado “NP” e não são supervenientes.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do preceituado no artigo 265.º, n.º 2, do C.P.C., o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, sendo unânime, acrescentamos nós, que o réu o pode efetuar nos mesmos termos quando haja deduzido reconvenção.
Como bem esclarece Alberto dos Reis, o regime especial da ampliação do pedido – e que se mantém na versão atual da lei processual civil - importa dois limites: um limite de tempo e um limite de qualidade ou de nexo. Quanto ao limite temporal, está preenchido nos termos da citada norma se for apresentado até ao encerramento da discussão em primeira instância. Quanto ao nexo, a ampliação há de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, ou seja, há de estar contida virtualmente no pedido inicial – cf. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 92.
No mesmo sentido, a ampliação supõe que – dentro da mesma causa de pedir – a pretensão primitiva se modifica para mais; pelo contrário, a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto ou ato, se junta outro fundado em ato ou facto diverso – cf. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 94.
Neste passo, importa ter presente as normas contidas nos seguintes artigos do CPC: Artigo 611.º: 1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. 3 - A circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 536.º.
Mais se lê, no artigo 588.º, n.º 1, do C.P.C., - que determina os termos em que são admitidos os articulados supervenientes-, (O)s factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão, acrescentando o seu n.º 2 que (D)izem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
Acrescenta o n.º 4 da norma em apreciação que (O) juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quando à resposta, o disposto no artigo anterior.
Por último, de acordo com os n.ºs 5 e 6, do mesmo artigo, as provas devem ser logo oferecidas com o articulado e com a resposta (n.º 5), e os factos articulados que interessem à decisão da causa são incluídos na base instrutória ou, quando esta já esteja elaborada, são-lhe aditados, aplicando-se o disposto no artigo 511.º (n.º 6).
Considerando tais normas legais, importa, ainda, referir, no que tange à superveniência dos factos como elemento essencial para a sua admissibilidade, que podemos estar na presença de uma superveniência (factual) objetiva, ou seja, factos ocorridos posteriormente à apresentação da petição ou da contestação (ou da réplica, se a elas houver lugar), consoante a pertinência desses factos ao respetivo articulado (cf. artigo 588,º, n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C.), e, por outro, a superveniência subjetiva, isto é, os factos verificados antes desses momentos, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento das partes, que o mesmo é dizer que esse conhecimento só se verificou depois de findar o prazo de apresentação dos articulados pertinentes (cf. artigo 506,º, n.º 2, 1.ª parte, do C.P.C.) – (vide, Marques, Remédio J.P., in Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, 2009, Coimbra Editora, págs. 500 e 501).
Nas palavras de Teixeira de Sousa, (...) a superveniência objetiva é facilmente determinável: se o facto ocorreu depois da apresentação do articulado da parte, ele é necessariamente superveniente. Mais complexa é a aferição da superveniência subjetiva, por que importa verificar em que condições se pode dar relevância ao desconhecimento do facto pela parte, na medida em que pressupõe o desconhecimento não culposo do facto. – (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, LEX, 1997, Lisboa, págs. 298 e 299).
Concretizando.
Relativamente à tempestividade da ampliação deduzida, dado o atual estado dos autos, em concreto, ainda não foi encerrada da discussão da causa, dúvidas não restam que o mesmo cumpre o limite temporal determinado pela norma em aplicação.
Quanto ao exigido nexo, as Autoras pretendem, através do requerimento ora apresentado, ampliar o pedido efetuado, sustentando tal propósito em relatórios particulares, elaborados nos meses de outubro de novembro de 2023, e como motivo da superveniência é alegada a precipitação ocorrida nesses meses.
Ora, analisando os aludidos relatórios, diga-se, efetuados de acordo com as instruções das Autoras, extrai-se que se tratam de análises feitas ao arquivo da Companhia de Seguros Fidelidade, sito à Rua Conselheiro (...), n.º 5, (...). Donde, ressalta, desde logo, que o pretendido pelas Autoras não se trata de qualquer consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, mas antes uma tentativa de introduzir um novo pedido e referente a terceiro que não é parte, segundo relatórios cingidos à análise às manifestações de humidade – companhia de seguros Fidelidade – edifício (...) e hall de entrada.
Vale isso por dizer, que é manifesto, no caso concreto, não se tratar o pedido de ampliação formulado de qualquer pedido de juros ou atualização monetária (como devido), nem de factos novos que tenham ocorrido, conforme as normas vindas a citar. E, mais importante, confrontando o teor do requerimento apresentado e os relatórios que o sustentam, fácil é de ver que o pretendido não é mais, repita-se, do que a formulação de um novo pedido, o que não se concede.
De outro modo, em qualquer fase do processo as partes solicitavam relatórios às entidades/peritos que bem entendessem, e alteravam os valores peticionados conforme a sua conveniência e, como na situação entre mais, para satisfazer danos de terceiros que não são parte.
Na verdade, sempre diremos, com o devido respeito, a superveniência nos termos em que foi alegada é descabida, por um lado, atento o facto notório das chuvas constantes na presente ilha de (...) (todos os meses), e, por outro lado, sem qualquer nexo com o objeto do litigio, bastando atentar ao facto do espaço onde alegadamente se agravaram infiltrações se localizar no lado oposto ao prédio construído pela Ré e à parede confinante com aquele.
Com efeito, entre a última data a que se reportam os danos que as Autoras alegam e a presente data decorreram cerca de 2 anos, e a ampliação do pedido não configura qualquer adequação do pedido, com o fim das Autoras o ajustarem à integralidade mais recente da sua lesão.
Em síntese, o pedido formulado pelas Autoras consubstancia uma alteração dos seus pedidos com base em relatórios por estas solicitados, por forma a englobar as aludidas infiltrações sem nexo causal com o objeto da presente ação.
E, não podemos deixar de dizer que, no limite, as Autoras poderiam de aqui a uns meses solicitar novos relatórios ficando o tribunal e a Ré dependente das novas precipitações, reitere-se, que ocorrem nesta ilha sucessiva e constantemente, como é facto notório.
Assim como, impõe-se reiterar, que os próprios relatórios aludem somente à companhia de Seguros Fidelidade instalada no edifício (...), que veio reclamar junto do Condomínio as infiltrações que ocorrem no respetivo espaço (como, aliás, foi corroborado pelo administrador do Condomínio em sede de audiência), consubstanciando, o articulado em apreço, com o merecido respeito, uma forma encapotada de incluir um pedido substancialmente maior do primitivo (4 vezes mais), de alegados danos a terceiro que não é parte nestes autos, o que não se concede.
De referir, ainda, que a conclusão supra exposta, reporta-se a um plano estritamente processual, por referência à norma em aplicação contida no citado artigo 265.º, n.º 2, do C.P.C., e não à aplicação de quaisquer normas substantivas, ou seja, à apreciação da relação substantiva entre as partes.
Por último, relativamente aos relatórios juntos, não provada a superveniência (leia-se, esta criada artificialmente pelas Autoras por meio de solicitação a seu critério destes relatórios), são legalmente inadmissíveis, nos termos do artigo 423.º, n.º 3 do CPC, a contrario.
Cumpre, pois, decidir em conformidade.
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas:
a) por inadmissibilidade legal, indefiro o articulado superveniente e ampliação do pedido deduzido pelas Autoras;
b) não se admite a junção aos autos dos relatórios apresentados com o mesmo articulado.
Fica prejudicado o pedido de realização de perícia, em face da decisão proferida.
Custas do incidente pelas Autoras, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) unidade de conta - cf. artigo 7.º, n.º s 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais. Notifique.»
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar a Ré (...) – Engenharia, S.A. a realizar as obras identificadas na estimativa orçamental incluída no facto provado 12 (discriminadas de 1 a 8), no Edifício (...), sito na Rua (...), n.º 5, (...), para reparar os seguintes danos:
- humidades nas paredes e tetos da I.S. e copa, na zona confinante com o edifício “NP (...)” na fração do primeiro andar esquerdo designado pela letra “C”;
- humidades nas paredes e tetos do hall de entrada do edifício, na zona confinante com o edifício “NP (...)”;
- humidades na parede confinante com o “NP (...)”, na zona da rampa de acesso à garagem;
- levantamento de soalho e vestígios de humidade na fração localizada no primeiro andar esquerdo (fração C);
- vestígios de humidade nas paredes junto ao pavimento da cave.
- queda de “um painel” no hall de entrada revestimentos (reparação do mesmo).»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelaram os Autores formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
D) A sentença recorrida está viciada pela decisão de indeferimento de articulado superveniente dos AA. e respetivas provas, depois do mesmo ter sido admitido.
E) No início da audiência de julgamento, em 15 de Novembro de 2023, conforme consta da Ata com a referência Citius 56189740, e da respetiva gravação áudio (…), o mandatário dos AA. requereu apresentação de articulado superveniente com o seguinte teor:
(…)
F) A Meritíssima Juíza a quo proferiu despacho imediato com o seguinte teor:
“Apresentado articulado superveniente neste momento, dada a extensão do mesmo e da documentação que foi junta, uma vez que a Ré solicitou prazo, para exercer o seu contraditório relativamente à superveniência e à prova do mesmo, o Tribunal concede 10 dias para o exercício de pronúncia, determinando, desde já, que após, se abra, de imediato, conclusão. Considerando o art.º 589.º, do CPC, a apresentação de articulado superveniente e tendo presente que o Tribunal ainda se irá pronunciar quanto à sua apresentação, passa-se de imediato à produção da prova. Notifique.”
G) A R., em 24.11.2023, pronunciou-se no sentido de o “Articulado Superveniente ser rejeitado por carecer de fundamento legal, atendendo a que não apresenta factos constitutivos e/ou modificativos supervenientes” (…).
H) O Tribunal recorrido, em 18.12.2023, por Despacho (…) decidiu:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas: a) por inadmissibilidade legal, indefiro o articulado superveniente e ampliação do pedido deduzido pelas Autoras; b) não se admite a junção aos autos dos relatórios apresentados com o mesmo articulado. Fica prejudicado o pedido de realização de perícia, em face da decisão proferida. Custas do incidente pelas Autoras, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) unidade de conta – _cf. artigo 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais. Notifique.”
I) Porém, salvo o devido respeito, indevidamente.
J) O Tribunal está vinculado ao poder/dever de decidir de acordo com a situação existente no momento do julgamento em cumprimento do disposto no nº 1, do artigo 611º do CPC, ao estabelecer que “deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
K) O articulado superveniente apresentado pelas AA. visa, exatamente, apresentar ao tribunal factos modificativos do direito em que assenta a causa de pedir e o pedido que se produziram posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão tenha por base a situação de existente no momento do julgamento.
L) A petição inicial foi apresentada pelas AA. em 23.10.2021, referência Citius 4342743.
M) O relatório pericial relativo à factualidade alegada na petição inicial foi apresentado ao Tribunal em 23.09.2022, referência CITIUS 4814303.
N) Os esclarecimentos ao referido relatório pericial foram apresentados em 09.11.2022, 26.01.2023 e 21.03.2023, referências CITIUS, respetivamente, 4885503, 5001471 e 5095029.
O) Entretanto, na sequência da precipitação ocorrida no Outono de 2023, foram detetadas várias manifestações de humidade decorrentes de infiltrações no prédio dos AA. causadas pela realização da obra efetuada pela R. a que se referem os presentes autos.
P) Tais infiltrações e manifestações de humidade, em Novembro de 2023, eram mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas do que na data da petição inicial e nas datas dos sucessivos relatórios periciais.
Q) Fazendo com que os danos identificados na petição inicial e nos sucessivos relatórios periciais fossem mais acentuados.
R) Estamos, assim, perante factualidade superveniente objetiva – precipitação no Outono de 2023, infiltrações e manifestações de humidade, em Novembro de 2023, mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas, causando danos mais acentuados do que os referidos na petição inicial e no relatório pericial e respetivos esclarecimentos.
S) Tal factualidade superveniente, modificativa do direito das AA., ora Recorrentes, no sentido de ampliar o ressarcimento dos danos causados pela R., ora Recorrida foi, precisa e rigorosamente, apresentada ao Tribunal recorrido, através de 3 relatórios técnicos, datados, respetivamente, de 08.10.2023, 02.11.2023, e 06.11.2023, elaborados por técnicos para o efeito credenciados.
T) De acordo com o último relatório referido “o edifício, com entrada principal pela rua (...), nº 5, manteve-se sem mazelas desde 1991 (ano da sua construção) e acusa desde o início das obras do NP uma progressiva degradação provocada por infiltrações descontroladas que no início do Outono de 2023, provocaram ainda mais danos para além dos já́ acusados que abaixo se descrevem: - Existência de humidade na parede da fração J, R/C Esq. que confronta com o hall de entrada do Edifício (...) e que pertencente à Companhia de Seguros Fidelidade. Da vistoria efetuada ao prédio, concluiu-se que os danos verificados tem as seguintes causas: - Deficiente encaminhamento de águas pluviais da cobertura do NP (conforme fotos anexas); - Ausência de caleira de recolha das águas da cobertura do NP, conforme fotas anexas. - Permeabilidade de algeroz do NP, junto ao Edifício (...) que apresenta uma fenda longitudinal expressiva (conforme fotos anexas); - Ausência de tratamento eficaz de juntas na interface dos dois edifícios (conforme fotos anexas); - Fratura da parede estrutural do edifício (...) ao nível do 4o Andar – empena poente do lado Sul (rua Nova (...)) - provocada pela abertura de roço longitudinal para execução do remate perimetral de sistema de cobertura do NP (trabalho executado sem autorização do proprietário do Edifício (...)).”
U) O mesmo relatório adianta que “a humidade torna-se mais evidente nos dias de maior intensidade pluviométrica, chegando a assumir escorrimentos pelas paredes, pingueiras pelo teto e alagamento do piso (comprovam as fotos anexas).”
V) Tal relatório anexa “uma relação de trabalhos e respetiva estimativa de custos, relativas à reparação dos danos visíveis que poderão evoluir dependendo do agravamento do estado do edifício resultante do tempo que decorrer até à data da intervenção”.
W) E, bem assim, “um relatório das medições de humidade no teto do hall de entrada do edifício (...)”.
X) Concluindo que “importa considerar que todos os trabalhos que se enumeram só́ devem ser executados após a verificação do comportamento estanque da interface dos edifícios, cujos trabalhos não se referem neste caderno por serem encargo do NP e que sejam atingidos os teores de humidade aceitáveis para a execução dos trabalhos de reparação e para os materiais nele empregues.”
Y) Tudo conforme documento com medições e fotografias que se juntou e se deu por integralmente reproduzido com o articulado superveniente, para todos os devidos e legais efeitos.
Z) Verificou-se, assim, um agravamento profundo e expressivo dos danos revelados no prédio dos AA., a partir dos meses de Setembro e Outubro de 2023.
AA) Tais danos têm origem e causa direta na forma deficiente e violadora das legis artis como a ora Recorrida realizou a obra de construção civil em causa nos autos.
BB) Para proceder às intervenções necessárias à correção dos vícios de tal obra e reparação dos danos causados no prédio das Recorrentes é necessária a realização de um conjunto de intervenções, melhor descritas no orçamento que acompanhou um dos relatórios referidos.
CC) De acordo com tal orçamento, que se deu por integralmente reproduzido no articulado superveniente para todos os legais efeitos, o valor global das intervenções necessárias à reparação dos danos causados pelas infiltrações do Edifício NP é de 31.732,92€, conforme especificamente discriminado e aqui se dá por integralmente reproduzido.
DD) A toda a factualidade superveniente ora alegada acresce o aumento exponencial dos preços no sector da construção civil que exigem uma atualização dos valores necessários às reparações exigíveis na sequência dos danos causados, pela obra do Edifício NP no Edifício (...).
EE) Toda a factualidade alegada, na sequência da pluviosidade dos meses de Setembro e Outubro de 2023, só chegou ao conhecimento das AA, com a entrega dos três relatórios citados, em 2 de Novembro, 8 de Outubro e 6 de Novembro de 2023 – superveniência subjetiva
FF) Toda a factualidade superveniente acima descrita fundamenta a necessidade de realização de nova perícia, de acordo com os factos alegados com o articulado superveniente, o que foi requerido.
GG) As AA, ora Recorrentes, não se limitaram a alegar os factos supervenientes que fundamentam a alteração do valor do pedido, indo ao ponto de apresentar prova documental com três relatórios que precisam os danos em causa e a sua superveniência, para além de terem requerido a produção de prova.
HH) Desde logo, prova pericial para responder aos quesitos expressamente descritos que se revelam essenciais para a decisão justa do litígio e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
II) E, bem assim, prova testemunhal.
JJ) Por tudo o que acima se alega, considerando os factos modificativos, pela ampliação dos mesmos, na sua extensão, dimensão e danos, do direito dos Recorrentes, ocorridos nos meses de Setembro e Outubro de 2023 e conhecidos nos meses de Outubro e Novembro de 2023, deveria ter sido deferido o articulado superveniente, com a admissão da prova requerida.
KK) E, bem assim, alterado o valor do pedido para 31.732,92€,
LL) Perante tão relevante factualidade e evidente superveniência, o Tribunal recorrido não poderia ter indeferido o articulado superveniente.
MM) Salvo o devido respeito, não foi apresentada a fundamentação adequada, necessária e suficiente.
NN) Desde logo, o Tribunal a quo limita a participação da parte no processo e parece confundir o papel dos diversos intervenientes processuais.
OO) Com efeito, cabe à parte alegar e ao Tribunal apreciar a prova produzida e julgar.
PP) O que está vedado ao Tribunal é fazer uma apreciação apriorística da prova, sem permitir que esta seja produzida, conforme acontece na decisão recorrida.
QQ) Sendo que a decisão deve corresponder à situação existente no momento do julgamento, o que foi impedido pelo Tribunal.
O despacho recorrido, datado de 18.12.2023, faz menções desvalorizadoras da prova apresentada com o articulado superveniente, sem que, contraditoriamente, tivesse sido permitida a produção de prova, nomeadamente pericial, conforme requerida.
SS) Sendo certo que cabia ao Tribunal recorrido apreciar essa prova e não desvalorizar e impedir que a mesma fosse confirmada ou infirmada e ajuizar sem que a mesma tivesse sido produzida, nomeadamente através da requerida e indeferida prova pericial.
TT) Acresce que o despacho recorrido avança para conclusões que não fundamenta nem cuidou de verificar factualmente, através da necessária produção de prova que foi indeferida, nomeadamente, quando refere: “donde, ressalta, desde logo, que o pretendido pelas Autoras não se trata de qualquer consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, mas antes uma tentativa de introduzir um novo pedido e referente a terceiro que não é parte, segundo relatórios cingidos à analise as manifestações de humidade – companhia de seguros Fidelidade – edifício (...) e hall de entrada.”.
UU) Quando, pelo contrário e na verdade, o articulado superveniente é expresso e preciso ao alegar e demonstrar que o pretendido pelas AA., ora Recorrentes, é uma consequência e desenvolvimento do pedido inicial. Veja-se o alegado em 1 a 4, do articulado superveniente que aqui se dá por integralmente reproduzido
VV) Porém, o despacho recorrido insiste na conclusão de “que é manifesto, no caso concreto, não se tratar o pedido de ampliação formulado de qualquer pedido de juros ou atualização monetária (como devido), nem de factos novos que tenham ocorrido, conforme as normas vindas a citar. E, mais importante, confrontando o teor do requerimento apresentado e os relatórios que o sustentam, fácil é de ver que o pretendido não é mais, repita-se, do que a formulação de um novo pedido, o que não se concede.”
WW) Quando, pelo contrário e na verdade, o articulado superveniente é expresso e claro a demonstrar que as AA., ora Recorrentes, pretendem é, exata e precisamente, atualizar a avaliação dos danos, agravados com a precipitação dos meses de Setembro e Outubro de 2023, e a consequente ampliação do pedido para o valor correspondentes às intervenções necessárias à reparação de tais danos.
XX) Conforme alegam as AA., a precipitação ocorrida no Outono de 2023 – factualidade superveniente – evidenciou infiltrações no prédio das AA., ora Recorrentes, causadas pela realização da obra efetuada pela R. a que se referem os presentes autos.
YY) Sendo que, conforme também alegado pelas AA., ora recorrentes, tais infiltrações e manifestações de humidade passaram a ser mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas do que na data da petição inicial e nas datas dos sucessivos relatórios periciais.
ZZ) Com o que foram acentuados os danos no prédio das AA. identificados na petição inicial e nos sucessivos relatórios periciais.
AAA) Isto é, em ligação direta e como consequência evidente da causa de pedir e com ampliação do pedido inicial, as AA., ora Recorrentes, alegaram que a precipitação ocorrida no Outono evidenciou infiltrações, mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas do que na data da petição inicial e nas datas dos sucessivos relatórios periciais, acentuando os danos já identificados.
BBB) Não se trata de avaliar se chove ou não chove todos os meses na ilha de (...).
CCC) Trata-se, sim, de avaliar se a precipitação ocorrida em data posterior à petição inicial e aos sucessivos relatórios periciais evidenciou infiltrações mais numerosas, evidentes, expressivas e profundas do que as já identificadas nos autos e se isso levou, de forma direta e causal, ao acentuar dos danos já identificados.
DDD) De resto, salvo o devido respeito, o despacho recorrido não poderia sustentar que “impõe-se reiterar, que os próprios relatórios aludem somente à companhia de Seguros Fidelidade instalada no edifício (...), que veio reclamar junto do Condomínio as infiltrações que ocorrem no respetivo espaço (como, aliás, foi corroborado pelo administrador do Condomínio em sede de audiência), consubstanciando, o articulado em apreço, com o merecido respeito, uma forma encapotada de incluir um pedido substancialmente maior do primitivo (4 vezes mais), de alegados danos a terceiro que não é parte nestes autos, o que não se concede”.
EEE) Desde logo, porque os relatórios, com o orçamento apresentado, e, bem assim, a factualidade alegada no articulado superveniente fazem referência expressa a várias partes do prédio das AA., que não apenas a fração da Companhia de Seguros Fidelidade.
FFF) Fazendo mesmo referência expressa a partes comuns como a cave e o hall.
GGG) E, ainda, porque aquilo que é alegado e expresso nos relatórios é que a dimensão dos danos se alastrou, ampliou e aprofundou, chegando a partes do prédio a que não tinha chegado antes.
HHH) Ora, se os danos na data do julgamento não são os mesmos que foram identificados na petição inicial e nos sucessivos relatórios periciais – por serem mais evidentes, expressivos e profundos - e se isso levou ao aumento dos custos das respetivas reparações, não haveria outra possibilidade de promover essa atualização – dos danos e do pedido – que não fosse através de articulado superveniente.
O mesmo é dizer que se, em 23 de Outubro de 2021 (data da entrada da petição inicial), os danos causados no prédio das AA., ora Recorrentes, pela obra de construção do prédio da R., ora Recorrida, eram os que foram identificados pelas AA., ora recorrentes, e pelos relatórios periciais, posteriormente, e, bem assim, os correspondentes custos para a respetiva reparação, é obvio, natural e lógico que os danos não sejam os mesmos passados mais de três anos e, do mesmo modo, os respetivos custos.
JJJ) Um dos temas de Prova identificados é, exatamente, “- Danos e indemnização”.
KKK) Sendo que a sentença recorrida dá como provados factos que não são atuais, nomeadamente os relativos aos danos e aos custos das respetivas reparações.
LLL) Com o despacho recorrido, o Tribunal a quo não valorou a situação de facto existente à data do julgamento.
MMM) Pelo que não poderia ter sido indeferido o articulado superveniente, nem os respetivos requerimentos de prova documental, pericial e testemunhal.
NNN) Salvo o devido respeito, a decisão relativa à matéria de facto peca por deficiência, contradição e obscuridade.
OOO) Assentando tais vícios no indeferimento do articulado superveniente, conforme aduzido supra.
PPP) Com efeito, a decisão recorrida dá como provado que
“6.A Ré cometeu um erro na zona de encontro das empenas entre o edifício das Autoras e da Ré. 7.A Ré previu e executou a cobertura do prédio em telha em forma de pano inclinado, fazendo com que a água escoe para a zona de encontro das empenas dos dois prédios, e diretamente para o terraço da fração do 5.º esquerdo do prédio das Autoras. 8.Tendo instalado entre as duas empenas uma caleira de pequenas dimensões para escoar as águas pluviais, 9.Que se revela insuficiente para abarcar o volume de águas pluviais existente.”
QQQ) Porém, impediu a identificação de toda a amplitude dos danos atualizados decorrentes de tal factualidade dada como provada.
RRR) Com o que impossibilitou a correta e justa identificação das anomalias no prédio das AA., ora Recorrentes, que não são, apenas e especificamente, aquelas que estão identificadas em 10 e 11 dos Factos dados como Provados.
SSS) Mas também as que estão descritas em 24 no articulado superveniente.
TTT) Como impossibilitou a correta e justa estimativa orçamental de todos os trabalhos necessários para corrigir as patologias identificadas, que não é a descrita em 12 dos Factos Provados.
UUU) Mas, de forma atualizada, a descrita em 35 do articulado superveniente.
VVV) Fazendo, assim, com que a decisão recorrida não tenha tido em consideração os factos no momento da decisão.
WWW) Pois, a decisão recorrida dá como assentes danos desatualizados.
XXX) E, bem assim, estimativa orçamental que não corresponde, minimamente, aos valores correspondentes às intervenções necessárias.
YYY) Foram, assim, incorretamente julgados os factos dados como provados em 10, 11 e 12 da sentença recorrida.
ZZZ) Conforme alegado supra, deveria ter sido deferido o articulado superveniente, com o que se permitiria que a decisão final assentasse na situação existente no momento do julgamento.
AAAA) Com o deferimento do articulado superveniente e respetivas provas teria de ser dado como provado:
A) Existência de humidade na parede da fração J, R/C Esq. que confronta com o hall de entrada do Edifício (...) e que pertencente à Companhia de Seguros Fidelidade. B) Da vistoria efetuada ao prédio, concluiu-se que os danos verificados têm as seguintes causas: a) Deficiente encaminhamento de águas pluviais da cobertura do NP; b) Ausência de caleira de recolha das águas da cobertura do NP; c) Permeabilidade de algeroz do NP, junto ao Edifício (...) que apresenta uma fenda longitudinal expressiva; d) Ausência de tratamento eficaz de juntas na interface dos dois edifícios (conforme fotos anexas); e) Fratura da parede estrutural do edifício (...) ao nível do 4º Andar – empena poente do lado Sul (rua Nova (...)) - provocada pela abertura de roço longitudinal para execução do remate perimetral de sistema de cobertura do NP (trabalho executado sem autorização do proprietário do Edifício (...)); f) Os atuais níveis de humidade verificados nas paredes do arquivo da Companhia de Seguros FIDELIDADE, localizado no Edifício (...), melhor descrito na petição inicial, mais precisamente a parede que confronta a poente com o hall de entrada do referido edifício, pela Rua Dr. (...), nº5, (...); nas paredes do Edifício (...) que confrontam com o NP; e em todos os pontos identificados nos relatórios apresentados;
BBBB) Com o deferimento do articulado superveniente teria de ser dado como provado que o valor global das intervenções necessárias à reparação dos danos causados pelas infiltrações do Edifício NP é de 31.732,92€, conforme expressa e rigorosamente discriminado.
CCCC) O despacho de indeferimento do articulado superveniente recorrido viola o disposto no artigo 611º, nº 1 do CPC.
DDDD) Os factos alegados no articulado superveniente são modificativos, por ampliarem, o direito alegado pelas AA., ora Recorrentes, e têm pertinência e relevância para a decisão da causa, sendo essenciais para o conhecimento dom mérito da causa. EEEE) A lei impõe e a jurisprudência dominante confirma que a decisão deve corresponder à situação existente no momento do julgamento.
FFFF) Entre vasta jurisprudência sobre a matéria, cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.02.2022, relativo ao Processo com o nº 12071/18.9T8LRS-A.L1-7, ou, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14.01.2021, relativo ao Processo nº 168/05.0TBVVC-N.E1, e, entre muitos outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.03.2023, relativo ao Processo 915/14.9TVLSB-B.L1-7.
GGGG) Não poderia, assim, o despacho recorrido ter indeferido o articulado superveniente.
HHHH) Acresce a incorreção do mesmo despacho, conforme é entendimento da jurisprudência dominante da qual se volta a citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.02.2022, relativo ao Processo com o nº 12071/18.9T8LRS-A.L1-7,
IIII) Com efeito, a Meritíssima Juiz a quo admitiu o articulado superveniente, permitiu que a contraparte se pronunciasse sobre o mesmo e, posteriormente, veio a indeferir o referido articulado.
JJJJ) Ora, conforme fundamenta o aresto citado, “impunha-se-lhe um procedimento como o que se exemplifica”
(…)
LLLL) Assim, com outra decisão relativamente ao articulado superveniente e, nessa sequência, quanto à matéria de facto, conforme descrito supra, diferente deveria ter sido a sentença declarando-se a ação procedente com as consequências peticionadas, de acordo com a alteração da factualidade e do valor do pedido constantes do articulado superveniente.
Assim, deverá ser revogado o despacho recorrido na parte em que indefere a admissão do articulado superveniente, das provas requeridas e a ampliação do pedido, o qual deve ser substituído por outro que, admita o articulado superveniente apresentado, os documentos com ele apresentados, a produção da prova requerida, bem como a ampliação do pedido deduzido, assim, também e em consequência, revogada a sentença, com todas as consequências legais fazendo-se Justiça.»
*
Por despacho proferido em 28.10.2024, foi indeferido, por intempestividade, o recurso de apelação no que concerne ao despacho proferido em 18-12-2023, ou seja, do despacho que inferiu o articulado superveniente e os meios de prova.
Os apelantes reclamaram de tal não admissão.
Por decisão do relator de 14.1.2025, foi deferida a reclamação apresentada, admitindo-se o recurso interposto, conjuntamente com o recurso da decisão final, quanto ao despacho proferido em 18.12.2023, requisitando-se o processo principal com os dois recursos.
Contra-alegou a apelada, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Se deve ser revogado o despacho de 18.12.2023 que não admitiu o articulado superveniente e a ampliação do pedido;
ii. Na afirmativa, se deverá ser corrigido o erro no meio processual adotado.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
A jurisprudência citada neste acórdão sem menção da origem encontra-se publicada em www.dgsi.pt.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.
2. A Ré foi a construtora do prédio urbano contíguo a poente, sito na Rua Dr. (...), n.º 7 e seguintes, em (...), edifício esse de forma comum conhecido como “NP (...)”.
3. A Ré executou a obra de reabilitação do Edifício NP (...) de 2017 a 2019, tendo realizado trabalhos de demolição de um edifício antigo e construção de um novo prédio, incluindo demolição da empena contígua à do prédio das Autoras.
4. Na execução desses trabalhos, a Ré causou vibrações decorrentes do processo de demolição.
5. Na fase da construção do novo edifício, na fase da aplicação do reboco, verificou-se queda de detritos no prédio das Autoras.
6. A Ré cometeu um erro na zona de encontro das empenas entre o edifício das Autoras e da Ré.
7. A Ré previu e executou a cobertura do prédio em telha em forma de pano inclinado, fazendo com que a água escoe para a zona de encontro das empenas dos dois prédios, e diretamente para o terraço da fração do 5.º esquerdo do prédio das Autoras.
8. Tendo instalado entre as duas empenas uma caleira de pequenas dimensões para escoar as águas pluviais,
9. Que se revela insuficiente para abarcar o volume de águas pluviais existente.
10. Foram verificadas as seguintes anomalias no prédio das Autoras:
- humidades nas paredes e tetos da I.S. e copa, na zona confinante com o edifício “NP (...)” na fração do primeiro andar esquerdo designado pela letra “C”.
- humidades nas paredes e tetos do hall de entrada do edifício, na zona confinante com o edifício “NP (...)”.
- humidades na parede confinante com o “NP (...)”, na zona da rampa de acesso à garagem.
- levantamento de soalho e vestígios de humidade na fração localizada no primeiro andar esquerdo (fração C)
- deficiente impermeabilização no terraço existente no piso 1 e ainda degradação da cobertura das claraboias existentes.
- vestígios de humidade nas paredes junto ao pavimento da cave.
- queda de “um painel” no hall de entrada revestimentos;
11. Do relatório pericial junto aos autos a fls. 86 a 91verso, conclui-se o seguinte, relativamente às desconformidades insertas no facto anterior, à exceção da queda de um painel:
- Humidades nas paredes e tetos, na zona confinante com o edifício “NP (...)” na fração do primeiro andar esquerdo (I.S. e copa) designado pela letra “C”, danos com proveniência na má execução da caleira do 5.º piso (da cobertura do NP (...)) na zona do terraço da fração 5.º esquerdo;
- Humidades nas paredes e tetos do hall de entrada do edifício, na zona confinante com o edifício “NP (...) com proveniência na má execução da caleira do 5.º piso (da cobertura do NP (...)) na zona do terraço da fração 5.º esquerdo”. Parte dos vestígios de humidade no teto, julgamos que provêm da deficiente impermeabilização do terraço, degradação da cobertura das claraboias e ainda da infiltração causada por inundação ocorrida na fração C;
- Humidades na parede confinante com o “NP (...)”, na zona da rampa de acesso à garagem com proveniência na fase de construção da obra do NP (escavação e construção de muro de suporte) conforme indicado pelos representantes do Autor e da Ré aquando da deslocação dos peritos ao local.
12. A estimativa orçamental, à data de março de 2023, de todos os trabalhos necessários para corrigir as patologias identificadas no facto 10, à exceção da queda de um painel, é a seguinte:
(…)
13. A Autora Administração do Condomínio, comunicou verbalmente ao Diretor de Obra responsável pela execução, o Eng.º AF, desconformidades (ao nível da garagem, detritos, descolamento de painel de entrada e infiltrações), e remeteu à Ré a seguinte missiva, datada de 29.01.2018:
(...) ASSUNTO: ANOMALIAS PROVOCADAS NO EDIFICIO (...) EM (...) Exmos. Senhores, No seguimento dos contactos anteriores com o Vosso diretor, Eng.º AF, vimos apresentar um relatório fotográfico dos danos provocados no nosso edifício, resultantes das escavações para implantação da Vossa Obra “NP”. Assim, chamamos a especial atenção para o estado em que se encontram à data de hoje, algumas zonas atingidas, no nosso edifício: 1. Infiltrações de águas nos revestimentos do hall de entrada (fotos nº 1 e 2). 2. Revestimento caído na sequência das vibrações provocadas, pelas escavações da rocha (fotos nº 3 e 4). 3. Painéis de revestimento nos halls dos vários pisos descolados, motivados pelas vibrações das escavadoras/martelo. (fotos nº 5 e 6) 4. Infiltrações em tetos das áreas comuns (fotos nº 7 e 8) 5. Infiltrações nas paredes da cave (fotos nº 9,10,11,12,13 e 14) 6. Danos provocados pela projeção de detritos, sobre os aparelhos de ar condicionado e, no acrílico da cobertura da estrutura existente no pátio no piso 1, (fotos nº 15,16,17,18) 7. Deslocamento da porta de vidro na entrada do nosso no edifício. Alertamos V. Exas, para a necessidade de serem tomadas medidas imediatas que permitam desde já, evitar o agravamento dos danos já existentes. Sugerimos que sejam tomadas medidas, no sentido de proceder, mesmo que provisoriamente, ao isolamento da junta entre os dois edifícios por forma a evitar as infiltrações de água que já se manifestam na cave e hall de entrada com alguma gravidade. Na expectativa da Vossa melhor compreensão para as situações identificadas, aguardamos as Vossas iniciativas a fim de minorar os prejuízos documentados.
(...)
14. Em 02.11.2018, a Autora Administração do Condomínio, em seu nome e das restantes Autoras, endereçou uma comunicação ao Eng.º AF, onde questionou a falta de resposta à carta enviada.
15. Tendo o referido Eng.º AF, em resposta, nesse mesmo dia 02.11.2018, enviado a seguinte comunicação à Autora Condomínio, por via de correio eletrónico:
“Exmos. Senhores, Não procedemos à resposta pois queria responder de uma maneira mais formal que, infelizmente não consegui ainda ter disponibilidade, mas, dado que acha que andamos a fugir ou ignorar, e conforme dito pessoalmente, declaro o seguinte, via email: 1. De tudo o que for da nossa responsabilidade, a (...) irá reparar, conforme combinado pessoalmente. Assim que os indícios de progressão de humidade tiverem estagnado ou até regredido (basicamente quando a parede tiver mais “seca”) procederemos às pinturas das áreas afetadas devido ao decorrer dos nossos trabalhos; 2. O mármore que foi ficou descolado, iremos proceder à sua colocação na mesma base; 3. As zonas com detritos de obra irão ser todas limpas. Aproveito, mais uma vez, para reforçar que estamos aqui não é para complicar a vida a ninguém – se existem áreas danificadas pela execução dos trabalhos, iremos proceder à sua reparação nos moldes combinados.”
16. A Autora Administração do Condomínio solicitou à Câmara Municipal de (...) vistoria ao imóvel, tendo resultado da mesma o auto de vistoria, datado de 27.10.2020.
17. Na sequência da referida vistoria, a Autora Administração do Condomínio remeteu à Administração do Condomínio do Edifício NP (...), a seguinte missiva, registada, datada de 29.10.2020:
(...) ASSUNTO: ANOMALIAS PROVOCADAS NO EDIFICIO (...) EM (...). Exmos. Senhores, No seguimento dos contactos anteriores com o Diretor de Obra, Eng.º AF, que se manifestaram sempre infrutíferos, embora tanto pessoalmente, como em correio eletrónico que oportunamente nos remeteu, tenha assumido a responsabilidade por todos os danos provocados no Edifício (...), em resultado da edificação do NP (...) e (...), que lhe é contiguo. Porque até á conclusão da obra, contrariamente ao que sempre nos afirmou, não procedeu a qualquer reparação dos referidos danos, vimo-nos forçados a requerer á Câmara Municipal de (...), em 25 de Junho p.p. uma vistoria ao nosso Edifício, no sentido de aquela entidade, confirmar a natureza dos danos, que efetivamente se verificam no nosso edifício e apresentar um relatório que a reportagem fotográfica dos mesmos documenta, bem como as infrações ao RGEU e do Código Civil, que se anexam a este oficio. Assim, chamamos a Vossa especial atenção, para a urgente necessidade de se manifestarem num prazo de 15 dias úteis, relativamente á posição que assumem quanto á necessidade de urgente reparação dos referidos danos, que a aproximação do Inverno tenderá a agravar. Caso no prazo estabelecido, não haja da Vossa parte, qualquer manifestação de resolução deste assunto, seremos forçados a procurar a defesa dos nossos interesses de forma litigiosa, que supomos não é do interesse de nenhuma das partes.
18. A Administração do Condomínio do Edifício NP (...) remeteu à Administração do Condomínio (Autora) por via de correio eletrónico, datado de 06.11.2020, comunicação com o seguinte teor:
(…)
19. A Autora Condomínio remeteu à Ré, por meio de correio registado e com aviso de receção, a seguinte missiva, datada de 09.08.2021:
(...) Exmos. Senhores, Na qualidade de mandatário da administração do condomínio do Edifício (...), sito na Rua (...), n.º 5, em (...), e na sequência das variadas comunicações já trocadas com a minha constituinte, referentes ao assunto em epígrafe, venho por este meio interpelar expressamente V. Exas. para procederem à reparação dos danos causados no supra identificado edifício, os quais, até à data, permanecem por reparar. De facto, e como é do vosso conhecimento, aquando da realização das obras de construção civil do Edifício “NP (...)”, sito na Rua (...), n.º 7, em (...), foram produzidos por V. Exas., fruto da omissão de deveres de cuidado e proteção na sua execução, vários danos no Edifício contíguo (a nascente) “(...)”, danos esses que importa reparar. Com efeito, fruto (i) das vibrações ocorridas na fase de demolições do edifício e da deficiente (ii) execução da cobertura do vosso prédio e impermeabilização da empena, as águas pluviais escorrem para o terraço do Edifício (...), e para a zona de junção das empenas dos dois edifícios, na sequência do que resultaram os seguintes danos: a) Infiltrações nos revestimentos das paredes do hall de entrada; b) Queda de revestimentos, proveniente das vibrações ocorridas na fase de demolições da Obra; c) Painéis do hall de entrada e outros pisos danificados, com queda de revestimentos, proveniente das vibrações ocorridas na fase de demolições da Obra; d) Acumulação de detritos nos equipamentos de ar condicionado, bem como no acrílico da cobertura do edifício, com projeção de vestígios de argamassa que nunca foram limpos; e) Deslocamento da porta de vidro da entrada do edifício; f ) Infiltrações em tetos das áreas comuns, sendo visíveis manchas de água e desprendimento da tinta existente; g) Infiltrações nas paredes da cave, sendo visíveis manchas de água e desprendimento da tinta existente; h) Fissuras no terraço do edifício; i No rés-do-chão, presença de manchas escurecidas de humidade no teto do vestíbulo de entrada, sinais de escorrência de água e eflorescências resultantes da presença de humidade, na face interior da parede correspondente à empena poente do edifício, acompanhado de queda de uma das peças do revestimento pétreo; e j) No primeiro-andar esquerdo, presença de manchas escurecidas de humidade no teto da instalação sanitária, atingindo grande parte da sua área, bem como os roda-tetos; Esta situação foi-vos oportunamente transmitida a 29/01/2018, tendo o vosso Diretor de Obra e responsável pela produção (...), Eng.º AF, reconhecido por comunicação datada de 02/11/2018, a responsabilidade de V. Exas. e a vossa vontade em reparar todos os danos causados. Contudo, até à data, nada foi corrigido O arrastar da situação sem que a mesma seja solucionada tem compreensivelmente provocado o seu agravamento. Nesse sentido, vimos interpelar expressamente V. Exas. para, no prazo que reputamos razoável de 10 (dez) dias, virem indicar o modo e prazo em que se propõem reparar os danos causados, sob pena de avançarmos de imediato para a via judicial, o que decerto quererão evitar. Mais solicitamos que, no mesmo prazo, nos forneçam a informação referente à vossa apólice de seguro de responsabilidade civil, obrigatória por lei, bem como nos transmitam se, em algum ponto deste processo, foi participado este sinistro.
(...)
20. A Ré remeteu à Autora Condomínio a seguinte missiva, datada de 9 de setembro de 2021:
(…)
21. A presente ação deu entrada em juízo em 24 de outubro de 2021 e a Ré (...) – Engenharia, S.A. foi citada, por via postal registada, em 02 de novembro de 2021 (fls. 2 e 18).
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
As Autoras intentaram ação, sob a forma de processo comum, contra a Ré formulando os seguintes pedidos de condenação:
a) Na obrigação de realizar todas as obras necessárias para reparar os danos causados no Edifício (...), sito na Rua (...), n.º 5, (...), a apurar na sequência de perícia;
b) Subsidiariamente, se assim não se entender, no pagamento de indemnização pela Ré às Autoras, no valor necessário para realização de todos os trabalhos de reparação dos danos identificados, a apurar na sequência de perícia e em sede de liquidação e execução de sentença.
O pedido principal formulado sob a) integra um pedido genérico, admissível nos termos do Artigo 556º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil.
Isto mesmo foi afirmado e decidido no despacho saneador proferido em 12.4.2022, o qual não foi objeto de recurso. Assim, tal despacho formou caso julgado formal (Artigo 620º, nº1, do Código de Processo Civil).
Nos termos do nº2 do Artigo 556º do Código de Processo Civil, no caso de formulação de pedido genérico nos termos da al. b) (sendo este o caso), o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 358º do Código de Processo Civil.
No que tange ao limite temporal da formulação da liquidação, entendemos que o mesmo deve ser formulado até ao início das alegações orais previstas no Artigo 604º, nº 3, al. e), do Código de Processo Civil (cf. neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, pp. 453-454).
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª. Ed., 2014, p. 698 afirmam:
«Implicando o novo articulado, tal como o requerimento de liquidação, o direito de resposta da parte contrária, em prazo de que só esta pode prescindir (arts. 588-4 e 589-2), e a inclusão dos factos alegados no quadro dos temas da prova (art.º 588-6; o Código de Processo Civil de 1961, na base instrutória), não se vê que deva ser mais apertado o regime de admissibilidade do incidente de liquidação do que o do novo articulado. Preferível é, pois, entender a expressão em causa como significando até ao início da discussão propriamente dita, isto é, dos debates entre advogados, interpretação mais generosa (regime inteiramente equivalente ao do novo articulado) não consentindo a legra do preceito.
Melhor seria, no entanto, unificar os regimes do articulado superveniente e da liquidação, reduzindo esta a um fundamento do primeiro.»
Deste modo, as Autoras – em vez de deduzirem um articulado superveniente – deveriam ter deduzido a liquidação, nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 556º, nº2, 358º, nº1, 359º, nº1, todos do Código de Processo Civil.
A formulação de articulado superveniente só seria admissível se, ab initio, as Autoras tivessem formulado um pedido líquido - não sendo esse o caso – vindo, posteriormente, a invocar novos danos.
A este propósito, em anotação ao Artigo 265º do Código de Processo Civil, refere Teixeira de Sousa, CPC ONLINE, CPC: art.º 130.º a 361.º, Versão de 2024/11, p. 142:
«O âmbito de aplicação do preceito é restringido pela circunstância de a modificação do objeto do processo com base em factos supervenientes ser regulada pelo regime – aliás, bastante menos exigente – de alegação destes factos (art.º 588.º s.). P. ex.: os novos danos sofridos pelo autor depois da propositura da ação podem ser alegados até ao encerramento da discussão (art.º 611.º, n.º 1) de acordo com o estabelecido no art.º 588.º, n.º 1 e 3 (RP 5/2/2024 (3389/20); tb RE 12/1/2023 (1422/21)).»
Todavia, insiste-se, este cenário está precludido a partir do momento em que a opção das Autoras foi a formulação de pedido ilíquido, havendo decisão sancionadora com a força de caso julgado formal.
Flui do que fica dito até agora que não cabia no caso a dedução de articulado superveniente, mas sim de liquidação.
Tendo a parte incorrido em erro na eleição do meio processual, colhe aplicação o disposto no Artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil, cabendo ao tribunal corrigir oficiosamente o meio processual, determinando que se sigam aos termos processuais adequados, no caso os da liquidação. Nada obsta à atuação da convolação porquanto, aquando da formulação do articulado superveniente, a parte estava em tempo para deduzir o incidente de liquidação (cf. supra).
Naturalmente, que a dedução da liquidação poderá implicar o aumento do valor do processo, nos termos do Artigo 299º, nº4, do Código de Processo Civil. «O enunciado no n.º 4 não pode ser considerado taxativo, dado que a liquidação de um pedido genérico (art.º 556.º) através do incidente de liquidação (art.º 358.º, n.º 1) tb pode alterar o valor da causa» (Teixeira de Sousa, CPC ONLINE ,CPC: art.º 130.º a 361.º, Versão de 2024/11, p. 207; cf. também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.2019, Abrantes Geraldes, 21112/16).
Há que atentar no seguinte: a liquidação do pedido deve ater-se aos danos sofridos na esfera jurídica das Autoras, não de terceiros nomeadamente da Fidelidade, SA. Com efeito, está ultrapassado o prazo em que a Fidelidade, Sa poderia intervir no processo (cf. Artigos 311º e 314º do Código de Processo Civil).
Sendo a apelação parcialmente procedente nos termos analisados supra, há que anular a sentença proferida. Com efeito, a liquidação dos danos constitui matéria prejudicial e condicionante da sentença final a proferir, havendo que alargar a produção de prova (cf. Artigo 360º, nº2, do Código de Processo Civil). A produção da prova ocorrida em 9.1.2024 persiste válida, sem prejuízo de, eventualmente, as partes quererem reinquirir as testemunhas em sede de liquidação.
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, a apelação deve ser julgada parcialmente procedente.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se o despacho proferido em 18.12.2023;
b) Anula-se a sentença proferida;
c) Determina-se que o tribunal a quo profira despacho convolando o requerimento que formalizou o articulado superveniente em dedução de liquidação, seguindo-se os termos subsequentes.
Custas pelas apelantes e pela apelada, na vertente de custas de parte, na proporção de 1/5 e 4/5, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 11.3.2025
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186. [2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana LuísaGeraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge Leal, 331/21, de 11.6.2024, Leonel Serôdio, 7778/21, de 29.10.2024, Pinto Oliveira, 5295/22. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, FonsecaRamos, 971/12).