APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
PENHORA DE PENSÃO
Sumário

Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem. Igualmente se optou respeitar o constante das peças processuais, não obstante os lapsos de escrita que algumas possam apresentar.
I. A apresentação à insolvência implica o reconhecimento da existência da impossibilidade de cumprimento das obrigações pela devedora/pessoa singular, mesmo que não ocorra ainda incumprimento efectivo de obrigações, desde que seja possível vislumbrar tal incumprimento a curto prazo (em face da concreta situação da devedora) – artigos 3.º, n.ºs 1 e 4 e 28.º, ambos do CIRE.
II. Apenas em caso de manifesta improcedência é que a insolvência não deverá ser declarada – artigo 27.º, n.º 1, al. a), do CIRE.
III. Tendo a devedora alegado a dívida que sobre a mesma impende e a sua impossibilidade de a cumprir, mais tendo alegado os rendimentos auferidos e as despesas suportadas, não ocorre um quadro de manifesta improcedência.
IV. A tal conclusão não obsta o facto de o passivo ser integrado por uma única dívida, a qual sempre veio a ser coercivamente cumprida, através da penhora/desconto mensal efectuada na pensão da devedora.

Texto Integral

Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
AA, viúva, veio apresentar-se à insolvência – alega encontrar-se numa situação de insolvência actual, invocando o disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRE. Mais deduziu pedido de exoneração do passivo restante.
Para tanto alegou, em síntese: -  viver sozinha numa casa arrendada (renda no valor de 359,07€); - auferir pensões de velhice e sobrevivência, bem como uma pensão BCP (no montante global bruto de 1,863,18€); - ser-lhe penhorada a quantia mensal de 416,13€ (na sequência da execução movida por BB e CC, na qual a quantia exequenda ascende a 57.283,45€, pelo que o pagamento da dívida será ad aeternum); - ter despesas mensais de cerca de 1.573,71€; - apresentar problemas de saúde; - estar em situação de insolvência “há cerca de doze anos”; - não ter possibilidade de liquidar as suas dívidas; - serem os seus principais e únicos credores BB e CC. Juntou prova documental.
Por sentença proferida em 24/11/2023, foi a insolvência declarada.
Inconformados com tal sentença, da mesma vieram interpor recurso[1] os credores KK, YY, WW, ZZ e CC, tendo para tanto formulado as seguintes CONCLUSÕES:
“a) O presente recurso de apelação tem por objeto a impugnação da Sentença proferida em 24.11.2023, pela qual o Tribunal a quo declarou a insolvência da devedora AA, decisão que é errada e ilegal e com a qual os recorrentes não se podem conformar;
b) Os recorrentes têm legitimidade para interpor o presente recurso de apelação, pois são os únicos e universais herdeiros de BB, credor indicado nestes autos, falecido em 01.04.2023, assumindo a posição que a este cabia enquanto credor, e, no que concerne à Recorrente CC, tal legitimidade assiste-lhe igualmente pelo facto de ser ela, também, credora originária da devedora;
c) A decisão em crise viola, designadamente, as seguintes normas jurídicas: artigos 1.º, n.º 1, 3.º, n.º 1 e 11.º do CIRE, e artigo 352.º e do Código Civil, e artigos 414.º e 607.º, n.º 5 do CPC relativos às regras do ónus da prova e à valoração da prova pelo Tribunal;
d) A devedora não se encontra em situação de insolvência, não preenchendo os pressupostos legais para assim poder ser considerada;
e) A devedora recorreu ao processo de insolvência por forma a se eximir ao pagamento da única dívida que alega ter, que é, precisamente, a dívida aos aqui recorrentes, dívida essa que não entrou em incumprimento, antes vinha a ser pontualmente cumprida desde há vários anos a esta parte, através da penhora de pensão;
f) Com os elementos que constavam dos autos à data da prolação da sentença, impunha-se ao Tribunal a quo fazer uma ponderação rigorosa da situação de facto existente, tendo designadamente em conta o princípio do inquisitório constante do artigo 11.º do CIRE, o que não fez, tendo errado na decisão de facto proferida;
g) A Sentença efetuou também uma errada – mesmo considerando os factos que o próprio Tribunal a quo deu como provados – subsunção dos factos ao Direito, pois o que decorre dos primeiros é que a sentença de insolvência não devia ter sido proferida, e padece de ilegalidade;
h) No que concerne à decisão quanto à matéria de facto, foram erradas as respostas do Tribunal a quo quanto aos factos provados sob os números 1), 2), 4), 6) (repetido face ao facto provado sob o n.º 2)), e 8);
i) Quanto ao facto provado n.º 1, o Tribunal a quo deu como provado que: “A requerente vive sozinha, em casa arrendada, pelo que o único rendimento é o proveniente das suas pensões de velhice e sobrevivência e pensão BCP.”, o que terá feito com base na alegada confissão da devedora, uma vez que não foi junto qualquer documento ou produzido qualquer outro meio de prova que permitisse dar esse facto como provado;
j) Este facto não podia ter sido dado como provado com base em confissão, atento o que dispõe o artigo 352.º do Código Civil;
k) O Tribunal a quo não poderia dar o facto em questão como provado, uma vez que (i) não se trata de facto desfavorável e que favorecesse a parte contrária, pelo que o mesmo não era suscetível de prova por confissão; (ii) a devedora não juntou nem produziu qualquer outro meio de prova que permitisse dar o facto em questão como provado; (iii) nos termos do artigo 1069.º do Código Civil, o contrato de arrendamento tem de ser celebrado por escrito, e, na ausência do contrato, a prova do arrendamento apenas se pode faze mediante demonstração do pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses, o que a devedora não fez;
l) A este respeito, a devedora não provou o pagamento de rendas, e juntou um contrato de arrendamento, mas celebrado em nome da filha, que residirá no mesmo prédio da devedora, em diferente andar, pelo que subsiste a dúvida sobre se a devedora reside efetivamente sozinha, ou se com a filha, sendo esta que paga a renda;
m) Ainda quanto ao facto provado n.º 1, a confissão é inaplicável à questão dos rendimentos da devedora, pois pese embora decorra dos elementos dos autos que a devedora tem, pelo menos, aqueles rendimentos, nada permite demonstrar que não tenha outros, tendo inclusivamente junto um documento aos autos de que decorre que em 2018, estaria a trabalhar na receção de um court ténis;
n) A resposta ao facto n.º 1 dos factos provados devia ter sido:
- A requerente aufere, pelo menos, os rendimentos provenientes das suas pensões de velhice e sobrevivência pagas pelo Centro Nacional de Pensões e pensão BCP”;
o) Quanto aos factos provados n.ºs 2 e 6, o Tribunal a quo deu como provado que “A título de renda mensal, paga o montante de € 359,07 (trezentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos)” e que “Paga atualmente o valor de renda de €359,07 (trezentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos).”;
p) Pelas exatas mesmas razões aduzidas a este propósito quanto à impugnação do facto provado sob o n.º 1, expendidas nas alíneas i) a l) das presentes conclusões, que se dão por reproduzidas, o Tribunal a quo também não podia ter dado este facto como provado, atenta a absoluta ausência de prova neste sentido, e estes factos devem ser dados como não provados;
q) Quanto ao facto provado n.º 4, o Tribunal a quo deu como provado que “Não consegue fazer face às despesas.”;
r) Este facto é irrelevante para a declaração de insolvência e é conclusivo e, nessa medida, não devia ter sido incluído na matéria de facto provada;
s) Este facto não podia também ser dado como provado, atenta a absoluta falta de prova carreada para os autos por parte da devedora, em concreto, faturas que demonstrassem as despesas alegadas, bem como a circunstância de desafiar as regras da experiência comum, que os tribunais devem considerar na sua atuação, o valor das despesas que a devedora indica, tendo em conta se tratar de pessoa idosa e que viverá sozinha;
t) É falso que exista uma despesa mensal de 164,00 € a título de IRS; esta alegação é uma distorção do que consta nos Docs. n.ºs 3 e 4 da petição inicial, em que o valor de retenção na fonte de IRS é de apenas 49,00 € e 51,00 €, correspondendo o montante de 164,00 € antes ao valor de descontos acumulado ao longo do ano de 2023;
u) Como o Tribunal a quo deu como provado (Facto n.º 3), o rendimento mensal bruto da devedora será de 1.863,18 €, e aceitando-se que o valor da penhora mensal efetuada à ordem do processo executivo em que os ora recorrentes são credores é de 416,13 €, por uma questão de lógica o valor que remanesce não é o indicado pela devedora no artigo 5.º da petição inicial, mas sim valor aproximado dos 1.400,00 € mensais;
v) Mesmo que se considerassem as despesas alegadas pela devedora no artigo 29.º da petição inicial, retirando naturalmente o valor da penhora, já subtraído, e que não pode ser subtraído duas vezes, e o valor da retenção na fonte de IRS que inquestionavelmente é menor ao alegado, dessa operação aritmética resulta um saldo positivo, a favor da devedora, de cerca de 402,00 €;
w) O facto n.º 4 devia ter sido julgado como não provado;
x) Quanto ao facto n.º 8 dos factos provados, o Tribunal a quo deu como provado: “A impossibilidade para fazer face às obrigações contraídas.”;
y) Este facto é conclusivo, pelo que não devia ter sido incluído na matéria de facto dada coo provada;
z) A única obrigação identificada pela devedora é o cumprimento do pagamento da quantia em que foi condenada aos aqui recorrentes, a qual, por não ter sido objeto de cumprimento voluntário, foi alvo de execução, no processo n.º 6648/14.9T2SNT do Juízo de Execução de Sintra – Juiz 3, que vinha sendo pontualmente cumprida, mediante a penhora/desconto nas pensões de reforma da devedora, desde 2014 até novembro de 2023, data em que a penhora foi suspensa, em virtude da declaração de insolvência;
aa) A obrigação não está em incumprimento, e não existe impossibilidade de fazer face ao cumprimento da mesma;
bb) A devedora tem solvabilidade;
cc) O facto n.º 8 dos factos provados devia ter sido julgado não provado;
dd) Requer-se o aditamento à matéria de facto do seguinte facto provado:
“Desde 2014 até novembro de 2023, foi efetuado o desconto/penhora nas reformas auferidas pela requerente, para pagamento da dívida reclamada no processo judicial executivo n.º 6648/14.9T2SNT do Juízo de Execução de Sintra – Juiz 3.”;
ee) Este facto está demonstrado pela alegação da devedora nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial, e pelos Docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial;
ff) Com a decisão proferida, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, as normas contidas no artigo 352.º do Código Civil, e nos artigos 414.º e 607.º, n.º 5 do CPC;
gg) Mesmo sendo mantida a decisão da matéria de facto, nos exatos termos em que foi estabelecida pelo Tribunal a quo, a decisão da matéria de direito do mesmo Tribunal deverá ser revogada;
hh) Compulsada a Sentença recorrida, verifica-se que a decisão de declaração da insolvência é errada perante os factos declarados provados na Sentença, pois mesmo partindo da factualidade que o Tribunal a quo deu como provada, não devia ter sido decretada a insolvência, uma vez que a devedora simplesmente não se encontra em situação de insolvência;
ii) Como estabelece o artigo 3.º, n.º 1 do CIRE, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, e para que a insolvência possa ser declarada, exige-se uma impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos;
jj) Essa impotência não resulta demonstrada nestes autos, nem dos próprios factos julgados como provados pela Sentença recorrida, já que os factos dados como provados na Sentença recorrida não traduzem nem permitem concluir, por um lado, pela impossibilidade para a devedora, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos, sendo manifestamente insuficientes para se poder declarar uma insolvência;
kk) A devedora em nenhum momento alegou a impossibilidade de cumprir pontualmente a sua única obrigação vencida; o que a devedora alega é a alegada impossibilidade de continuar a pagar as suas despesas, no quadro do estilo de vida a que se habituou, e que o cumprimento da sua única obrigação vencida, consubstanciada na penhora mensal, está a “incomodar”;
ll) Não existem obrigações em incumprimento pela devedora;
mm) O Tribunal a quo bastou-se com a mera afirmação pessoal da devedora, e assim proferiu a declaração de insolvência sem qualquer outra exigência, e sem factos que o justificassem ou permitissem;
nn) Não podendo ter sido declarada a insolvência da devedora, por falta dos pressupostos legais para o efeito, pelo que o Tribunal a quo violou a norma prevista no artigo 3.º, n.º 1 do CIRE;
oo) Não resulta dos factos considerados pelo Tribunal a quo que a devedora se encontre impossibilitada de satisfazer as suas obrigações vencidas, nos termos exigidos pelo artigo 3.º, n.º 1 do CIRE, pelo que fica irremediavelmente comprometido o fundamento que permite a declaração de insolvência de uma pessoa singular, previsto naquela norma;
pp) O Tribunal a quo violou igualmente o disposto no artigo 11.º do CIRE, pois descurou o dever de verificar a veracidade subjacente à alegação da devedora, quanto à afirmação da situação de insolvência;
qq) Resulta dos autos que a devedora tem uma filha que, na alegação da própria constante da petição inicial reside no mesmo prédio, e que, com descendente da devedora, está sujeita a deveres assistenciais, previstos no artigo 1874.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil;
rr) A observância de tais deveres bastar-se-ia, no caso concreto, pelo acolhimento da devedora no domicílio da filha, o que, só por si, bastaria para evitar o dispêndio do alegado valor de 357,09 € mensais a título de renda, e para criar um superavit que permitiria fazer face a todas as despesas, considerando o alegado pela devedora no artigo 31.º da petição inicial;
ss) Os deveres assistenciais cumprem aos descendentes, e não aos credores;
tt) Com o recurso ao processo de insolvência, a devedora desvirtua a função social, de proteção dos credores de alguém que se encontra num estado de insolvência, que, quanto mais cedo for declarada, melhor, definida de acordo com a lei;
uu) A Sentença recorrida, ao dar procedência à pretensão da devedora, desvirtua igualmente a função do processo de insolvência, assim violando os fins deste processo, e incorreu em violação do disposto no artigo 1.º, n.º 1 do CIRE;
vv) Em consonância e conformidade com aquela que é a finalidade legal do processo de insolvência, é entendimento que o processo de insolvência não deve prosseguir – e, por maioria de razão, não deve ser sequer declarada a insolvência – quando o devedor tenha apenas um único credor, que é o que precisamente sucede neste caso;
ww) Também por esta razão, e tendo apurado o facto de existência de uma única obrigação/um único credor, o Tribunal a quo não podia ter decretado a insolvência, por evidente falta de pressupostos, e, tendo-o feito, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1.º, n.º 1 do CIRE;
xx) Entendendo estar em situação que o justificasse, sem conceder, à devedora cumpria apresentar-se a PEAP, nos termos dos artigos 1.º, n.º 3 e 222.º-A e seguintes do CIRE, negociando com o seu credor com vista a concluir um acordo de pagamento;
yy) Com a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou também, designadamente, as normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, 11.º do CIRE.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, requer-se a este Tribunal, face a tudo o que foi adrede expendido, que se digne conceder provimento ao presente recurso, revogando a Sentença recorrida, com todas as legais consequências, só assim se fazendo Justiça.”
Pela devedora/insolvente foi apresentada RESPOSTA nas quais pugnou no sentido de ser negado provimento ao recurso e de ser confirmada a sentença recorrida.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida não viola qualquer normativo legal, pelo que deve ser mantida nos mesmos termos em que foi proferida.
II. Até porque, in casu, estamos perante uma caso em que é clara a situação de insolvência da recorrida, que se encontra impossibilitada de cumprir com as suas obrigações, por insuficiência de meios económicos e financeiros.
III. A confissão efetuada pela recorrida subsume-se, assim, na situação de insolvência, prevista no n.º 1, do art. 3.º, do CIRE.
IV. Verificando-se, in toto, o “(...) facto-índice ou presuntivo elencado na al. b), do n.º 1, do art. 20.º do CIRE (...).
V. A recorrida desencadeou a presente insolvência pela existência duma situação de impossibilidade de cumprir as obrigações assumidas.
VI. Contudo, os recorrentes, para fazer valerem a sua posição, focam-se, apenas e tão só, nos rendimentos que a recorrida aufere, esquecendo-se, porquanto do seu interesse, das despesas mensais que a mesma tem e que a levaram, não de ânimo leve, a recorrer ao presente procedimento.
VII. Quanto à impugnação de facto feita pelos recorrentes, a mesma não deve proceder, porquanto os argumentos aduzidos, melhor esmiuçados, são, apenas e tão só, “uma mão cheia de nada”, pelo que não podem determinar uma decisão em sentido inverso da proferida.
VIII. Ou seja, devem ser mantidos, nos seus exatos termos, porquanto provados os factos n.ºs 1, 2, 4, 6 e 8, constantes da decisão proferida.
IX. Até porque, se tivermos em atenção o facto n.º 1, verificamos que os recorrentes numa alegação nervosa, apressada, e denotadora de lapso de raciocínio, procuraram criar a dúvida no douto tribunal, pondo assim em causa a sentença proferida, sem atentar ao que foi produzido pela recorrida na sua p.i.
X. Não vislumbraram que a recorrida apenas conseguiu um lugar para habitar com a ajuda dos seus amigos FF e GG.
XI. Habitando em imóvel propriedade destes últimos, a título de arrendamento, cujo contrato teve que ser celebrado em nome da descendente da recorrida, por via desta ter ativo penhorável, contrariamente à recorrida.
XII. A recorrida, efetivamente, vive sozinha, não se percebendo como podem os recorrentes querer fazer valer o inverso, apenas e tão só porque a descendente desta habita no mesmo prédio.
XIII. Realidade que até nem se verifica, porquanto a descendente da recorrida alterou a sua residência para a freguesia de Belém, concelho Lisboa, ainda em outubro de 2023.
XIV. Mas mesmo que assim não fosse, não se percebe como tal facto pode criar dúvida nos recorrentes, quando estamos a falar de frações totalmente independentes e com custos fixos inerente a cada uma.
XV. Deve assim o facto n.º 1 ser mantido nos seus exatos termos.
XVI. O mesmo acontecendo com os factos n.ºs 2 e 6, por tudo o já aduzido na presente resposta, bem como pelo doc. n.º 5 junto com a p.i., que é o comprovativo de pagamento da renda da habitação onde a recorrida habita.
XVII. Já no que ao facto n.º 4 da sentença diz respeito, vêm os recorrentes, através de factos que não correspondem à realidade, referir que a devedora não tem o nível de despesas que aduziu, não demonstrando em que é que se baseou para tal facto.
XVIII. O que por si só demonstra que os recorrentes vivem numa realidade paralela, diversa da recorrida, que é real e atual, ou seja, tem em atenção o aumento absurdo do custo de vida, demonstrativo do sufoco em que a mesma vive.
XIX. A recorrida vive das boas graças dos seus amigos acima identificados, pois conforme primitivamente aduzido, a renda da sua habitação tem o valor atual de mercado de €600,00 (seiscentos euros).
XX. Estamos assim perante um chorrilho de argumentos trazidos pelos recorrentes, que tentam, através dos mesmos, pôr em espécie o aduzido pela recorrida na sua p.i., mas que quando analisados a fundo, percebe-se que mais não são do que uma “mão cheia de nada”, em face da realidade atual e já plasmada.
XXI. No que à despesa mensal com o IRS diz respeito, não é uma distorção do que consta nos docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a p.i., mas sim uma realidade, conforme se pode comprovar pelo doc. n.º 1 que se junta, ao abrigo do consignado no art. 651.º do CPC.
XXII. A documentação que os recorrentes alegam que a recorrida não juntou para prova dos factos que aduziu, não tem que ser junta nesta sede, até porque vai ser objeto de envio para o Sr. Administrador Judicial para posterior elaboração do seu relatório, para assim se aferir da veracidade da confissão feita.
XXIII. Também se percebe que operações aritméticas não são o forte dos recorrentes, porquanto a simplicidade das mesmas revela-se de extrema complexidade para os mesmos.
XXIV. Melhor concretizando, calculando valor médio líquido mensal recebido pela recorrida (€922,67 + €948,76 = €1871,43; €1871,43/2 = €935,72), as suas despesas mensais (€1.157,58), temos que o produto final mensal da mesma é negativo (€935,72 - €1.157,58 = - €221,86).
XXV. Ou seja, a recorrida tem um valor mensal negativo de cerca de €221,86 (duzentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos), por força da diferença entre o valor médio que efetivamente recebe e as despesas mensais que tem, que apenas são sanadas com a poupança que faz aquando do recebimento do subsídio de férias e natal, bem como com a ajuda da sua descendente e amigos.
XXVI. Não se percebendo assim como chegaram os recorrentes a um saldo positivo de €402,00 (quatrocentos e dois euros).
XXVII. Devendo assim também o facto n.º 4, dado como provado, manter-se nos seus exatos termos.
XXVIII. Por fim, no que ao facto n.º 8 diz respeito, a sentença não errou, conforme procuram os recorrentes fazer valer, por tudo o já veiculado na p.i. e no presente recurso.
XXIX. A recorrida atualmente apenas sobrevive com a ajuda permanente da sua descendente, porquanto, conforme já aduzido, tem um saldo negativo mensal de €221,86 (duzentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos), não tendo assim solvabilidade.
XXX. A recorrida não se pretende eximir ao pagamento de qualquer dívida, contudo, neste momento, não tem condições para fazer face à mesma.
XXXI. Existe assim, efetivamente, uma impossibilidade comprovada da recorrida de fazer face às suas obrigações.
XXXII. Devendo assim este facto, manter-se nos seus exatos termos, porquanto consonante com a realidade.
XXXIII. A recorrida, efetivamente, encontra-se em situação de insolvência.
XXXIV. É assim comummente aceite que os factos descritos nas als., do n.º 1, do art. 20.º, do CIRE, são factos-índice ou presuntivos da insolvência, reveladores, atenta a experiência da vida e critérios de normalidade, da insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações.
XXXV. Tendo a decisão proferida apoiado-se nos mesmos para decretar a insolvência a recorrida.
XXXVI. Encontra-se assim verificada a situação de insolvência da recorrida.
XXXVII. Devendo assim falecer a argumentação dos recorrentes, impondo-se, destarte, a manutenção da sentença recorrida, in totum.
XXXVIII. Até porque o que foi alegado pelos recorrentes esgota-se assim em meras considerações e opiniões pessoais quanto à situação e intenção da insolvente.
Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., a douta decisão que determinou a insolvência da recorrida, não violou qualquer disposição legal, não merecendo qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida na íntegra, negando-se assim provimento ao recurso.
Assim se fazendo a tão acostumada, JUSTIÇA!”
Juntou um documento.
O recurso foi correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelos recorrentes, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são:
- Questão prévia: admissibilidade da junção de documentos com a resposta às alegações;
- Impugnação da matéria de facto;
- Preenchimento dos legais pressupostos para a declaração da insolvência.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além dos factos e ocorrências processuais que resultam do relatório supra enunciado, na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos[2]:
1. A requerente vive sozinha, em casa arrendada, pelo que o único rendimento é o proveniente das suas pensões de velhice e sobrevivência e pensão BCP.
2. A título de renda mensal, paga o montante de € 359,07 (trezentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos).
3. O valor bruto das pensões da requerente, atualmente, centra-se no montante de €1.863,18 (mil oitocentos e sessenta e três euros e dezoito cêntimos).
4. Não consegue fazer face às despesas.
5. A Requerente actualmente é devedora de € 57.283,45.
6. Paga atualmente o valor de renda de €359,07 (trezentos e cinquenta e nove euros e sete cêntimos).
7. Teve em curso contra si o processo n.º 6648/14.9T2SNT, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Sintra - Juízo Execução - Juiz 3, na sequência do qual saiu do imóvel.
8. A impossibilidade para fazer face ás obrigações contraídas.
9. Registo criminal não abrangendo crimes previstos no art. 227 e 229 do Código Penal.
Motivou-se tal factualidade nos seguintes termos: “Face à prova documental junta aos autos, e á sua própria declaração mostram-se provados os factos invocados na Petição inicial – que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, tratando-se de actos provados por confissão nos tempos do art. 352 do Código Civil e por documento (art. 369 e segs. Do Código Civil).”
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Defendem os recorrentes que a devedora não se encontra em situação de insolvência, traduzindo o presente processo uma forma de a mesma se eximir ao pagamento da única dívida que possui (da qual são credores os recorrentes), dívida essa que vinha sendo pontualmente cumprida através da penhora de uma parcela de uma das três reformas pela mesma auferidas.
Argumentam que é reduzido o valor da penhora e que a devedora tem um rendimento mensal bruto de cerca de 2.000€, pelo que sempre a insolvência deveria ter sido indeferida.
Defendem terem sido violados os artigos 1.º, n.º 1, 3.º, n.º 1 e 11.º do CIRE,  artigo 352.º do Código Civil e artigos 414.º e 607.º, n.º 5 do CPC.
Questão prévia - junção de documentos em sede de recurso:
Com a resposta que apresentou às alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, veio a devedora/insolvente juntar um documento, invocando fazê-lo ao abrigo do artigo 651.º do CPC ex vi do artigo 17.º do CIRE.
Cumpre apreciar.
Não dispondo o CIRE de qualquer norma atinente à junção de documentos, por força do estatuído no seu artigo 17.º, n.º 1, haverá que recorrer ao que, nessa matéria, prevê o CPC.
Estatui o artigo 651.º, n.º 1 do CPC que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como decorre expressamente deste n.º 1, a possibilidade de junção de documentos às alegações reveste carácter excepcional. Para além da situação em que tal junção se mostra necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (decisões surpresa), o que aqui não releva, uma vez encerrada a discussão e sendo interposto recurso, apenas serão admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – como previsto no artigo 425.º.
Nesta segunda hipótese incluem-se os casos de superveniência objectiva (como sucede quando, por exemplo, o documento se encontra em poder de terceiro, o qual só posteriormente o disponibiliza) e de superveniência subjectiva (situações nas quais, pese embora a parte tenha actuado de forma diligente, só posteriormente teve conhecimento da existência do documento).[3]
Assim, e como tem vindo a ser decidido uniformemente pela nossa jurisprudência, será de recusar a junção de um documento que, pese embora potencialmente útil à causa, esteja relacionado com factos que, já antes da decisão, a parte sabia estarem sujeitos a prova (e, como tal, que já deveriam ter sido juntos).[4]
No presente caso, a apelada requereu a junção de um documento, alegando no ponto 40 da sua peça processual: “No que à despesa mensal com o IRS diz respeito, não é uma distorção do que consta nos docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a p.i., mas sim uma realidade, conforme se pode comprovar pelo doc. n.º 1 que se junta (…)”.
Contudo, tratando-se de um documento que se encontra na posse da mesma desde data anterior àquela na qual a mesma se apresentou à insolvência (o que sucedeu em 21/11/2023, sendo que o documento em causa se reporta a um “aviso de pagamento a prestações”, o qual foi pago em 29/04/2023), caso entendia que o mesmo assumia relevância para a decisão da causa, sempre lhe teria sido possível, e exigível, que tivesse procedido à respectiva junção aquando da instauração da acção.
Ter-lhe-ia, pois, sido possível carrear para os autos, em tempo útil, perante o juiz e em momento anterior ao da prolação da sentença, tal elemento de prova.
Por assim ser, não estando em causa qualquer situação enquadrável na previsão do artigo 651.º, n.º 1 do CPC, não se admite a requerida junção.
Da impugnação da matéria de facto
Considerando que os apelantes deram cumprimento às exigências previstas pelo artigo 640.º, n.º 1, do CPC, nada obsta à apreciação da requerida impugnação da matéria de facto.[5]
Importa, contudo, realçar que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do CPC[6]), pelo que o tribunal sustentará a sua decisão (relativamente às provas produzidas), na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (força probatória plena dos documentos autênticos – artigo 371.º do CCivil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o citado princípio.
Mais se dirá que resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ser admissível que, através do recurso, seja alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, ou procedendo inversamente (o que poderá suceder a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa).
Alegam os recorrentes que o tribunal a quo não fez uma “ponderação rigorosa da situação de facto existente, tendo designadamente em conta o princípio do inquisitório constante do artigo 11.º do CIRE”, sendo que incumbia ao tribunal a quoapurar se efetivamente existia uma “impossibilidade para fazer face às obrigações contraídas”, o que não fez”.
Mais acrescentam: “O Tribunal não cuidou de apurar se a devedora era ou é titular de poupanças a que pudesse recorrer, não tratou de comprovar a veracidade das supostas despesas alegadas, não tratou de aferir se, designadamente, a devedora tinha acesso a crédito bancário para suprir as alegadas dificuldades que veio narrar nos autos. (..) Com o que se demitiu de fazer um correto apuramento e decisão da matéria de facto.
Insurgem-se quanto à factualidade vertida nos pontos 1, 2, 4, 6 e 8 e requerem o aditamento de um novo facto.
Analisemos cada um dos pontos da factualidade considerada provada pela 1.ª instância, sendo que, no entanto, por se encontrarem interligados, analisar-se-ão conjuntamente os seguintes factos:
Facto n.º 1:  “A requerente vive sozinha, em casa arrendada, pelo que o único rendimento é o proveniente das suas pensões de velhice e sobrevivência e pensão BCP”;
Factos n.º 2 e 6: A título de renda mensal, paga o montante de € 359,07 (…)” / “Paga atualmente o valor de renda de €359,07 (…)”.
Segundo os apelantes, em face da inexistência de qualquer meio probatório, o facto de se ter considerado que a devedora vivia sozinha, em casa arrendada apenas poderá ter subjacente a confissão da mesma. Porém, contrapõem, tratando-se de facto que não lhe é desfavorável, nem favoreça a parte contrária, não poderia o mesmo ter sido dado por provado – artigo 352.º do CC.
Mais acrescentam não ter sido junto qualquer contrato de arrendamento celebrado em nome da devedora ou do qual resultasse que se destinava à habitação da mesma, assim como qualquer recibo de renda em seu nome.
O contrato de arrendamento junto com a p.i. - Doc. 6 - foi outorgado por e em nome da filha da devedora e o comprovativo de pagamento - Doc. 5 -, não permite aferir quem o fez e porque o fez.
Consideram, pois, ser duvidoso se a devedora reside sozinha ou com a filha, sendo esta quem paga a renda.
Já no que concerne aos rendimentos auferidos pela devedora, consideram que nada permite concluir que, para além das pensões, não existam outros, já que, da documentação junta com a p.i. – Doc. 10 - resulta que, em 2018, aquela declarou “estar a trabalhar na receção de um court de ténis” (pelo que, argumentam, segundo as regras da experiência comum, seria remunerada).
Concluem que apenas poderia ter sido considerado provado que: “A requerente aufere, pelo menos, os rendimentos provenientes das suas pensões de velhice e sobrevivência pagas pelo Centro Nacional de Pensões e pensão BCP”.
A apelada contrapõe que, tal como alegado na p.i., a renda foi fixada em face das suas dificuldades económico-financeiras (já que o valor real actual de mercado é de 600€) e o contrato de arrendamento foi efectuado em nome da sua filha devido à mesma ter “ativo penhorável, contrariamente à recorrida” (para “salvaguarda do eventual não pagamento de rendas”).
Em face dos elementos constantes dos autos, dir-se-á que efectivamente o contrato de arrendamento que foi junto aos autos identifica como inquilinos DD e o marido, do mesmo constando que se destina exclusivamente à habitação dos mesmos.
E, não obstante a devedora ter invocado que assim sucedeu para “salvaguarda do eventual não pagamento de rendas”, porquanto não possui “activo penhorável” (ao contrário da filha)[7], de tal contrato, assim como do comprovativo de transferência bancária junto aos autos, não resulta quem suporta o encargo inerente ao arrendamento (sendo desconhecida a identificação da conta bancária de origem, da qual a quantia transferida foi retirada).
Como tal, apenas será possível dar como assente que a casa habitada pela devedora é arrendada, arrendamento esse que foi celebrado em nome dos outorgantes do respectivo contrato e cuja renda ascende ao montante de 359,07€.
Já no que respeita aos rendimentos da devedora, releva essencialmente o constante do facto n.º 3 (que os recorrentes não impugnaram). Quanto ao mais, sendo certo que, dos registos clínicos juntos aos autos, resulta que a devedora terá referido que se encontraria a trabalhar na recepção de um court de ténis[8], julgamos que tal informação não assume a relevância que os recorrentes lhe atribuem, tanto mais que se reporta ao ano de 2018. 
Isto posto, entendemos que a matéria de facto será alterada nos seguintes termos:
Facto 1:
Com relação à fracção correspondente ao 2.º andar direito do prédio urbano sito na xxxxx, Lisboa, na qual a devedora reside, foi outorgado o acordo denominado contrato de arrendamento, datado de 27/06/2013, celebrado entre SUC – Sociedade de Urbanizações e Construção, SA (na qualidade de senhoria) e DD e marido EE (na qualidade de inquilinos) – Doc. 6 junto com a pi.
De tal acordo, para além do mais, constam as seguintes cláusulas: 2.ª: “(…) a primeira outorgante dá de arrendamento aos segundos outorgantes, estes reciprocamente, tomam de arrendamento o identificado andar, para si (…)”; 7.ª: “A renda mensal é de Euro: 350,00 € (…)”; 8.ª “A renda mensal (…) será paga através de transferência bancária para a conta da senhoria no Banco Comercial Português – Balcão do Estoril, com o NIB nº 00 33 000000007264234.05 (…)”; 12.º: “O local arrendado destina-se exclusivamente a Habitação dos inquilinos (…) não podendo dar-lhe outro uso, nem subloca-lo, no todo ou em parte, sem a prévia autorização por escrito da proprietária”, e 18.ª: “Caso o arrendamento se transmita, deverá igualmente ser celebrado um Aditamento ao Contrato, em que se mencione esse facto, e a identificação daquele para quem o arrendamento se transmite, só após o que passarão os recibos de renda, a ser emitidos em nome deste.
Facto 2:
Actualmente, a renda ascende a 359,07€ mensais, sendo que, em 06/06/2023 foi efectuada uma transferência bancária nesse montante (para o NIB identificado na cláusula 8.º a que se alude no facto anterior, sendo desconhecida a identidade do titular da conta de origem) – Doc. 5 junto com a p.i..
O facto 6.º será eliminado, uma vez que reproduz exactamente o que já constava do facto n.º 2.
Facto n.º 4: Não consegue fazer face às despesas”.
Alegam os recorrentes tratar-se de um facto conclusivo e irrelevante (já que apenas releva a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas – artigo 3.º, n.º 1 do CIRE), pelo que não deveria ter sido incluído. Mais acrescentam não ter sido produzida prova nesse sentido, nenhuma factura tendo sido junta (supermercado, água, luz, gás, renda, saúde/medicamentos).
Argumentam que não foram demonstradas despesas mensais de 1.573,71€ - não ser crível que a devedora (idosa que alegadamente vive sozinha) despenda 357€ em supermercado e 100€ em vestuário, bem como 58,22€ com “operadora fixa” (valor que consideram manifestamente exagerado). Referem também ser falsa a invocada despesas mensal de 164€ a título de IRS (sendo que dos Docs. 3 e 4 apenas resulta uma retenção na fonte de IRS de 49€ e de 51€, sendo o valor de 164€ referente a descontos acumulados ao longo do ano de 2023).
Por fim, referem que, estando provado que a devedora recebia um rendimento mensal bruto de 1.863,18€ (como alegado), e que o montante do valor penhorado ascende a 416,13€, restam ainda cerca de 1.400€ e, mesmo a considerar-se as despesas invocadas, restariam cerca de 402€.
Contrapõe a insolvente que apenas tem que apresentar ao AI a documentação comprovativa das despesas que suporta (para efeitos de elaboração do relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE), defendendo que, do confronto entre os rendimentos auferidos e as despesas suportadas, resulta um valor negativo mensal de 221,86€ (935,72€-1.157,58€)[9].
Ora, para além de, para que a insolvência seja declarada, apenas relevar a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas, e já não as despesas que alegadamente suporta, e independentemente da questão de terem ou não sido juntos documentos comprovativos destas últimas, o certo é que o “facto” em análise assume-se claramente conclusivo, pelo que não poderá o mesmo ser mantido – cfr. artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
Determina-se, pois, a sua eliminação.
Facto n.º 8: A impossibilidade para fazer face às obrigações contraídas”.
Pugnam pela sua eliminação, porquanto não se trata de qualquer facto, mas antes de uma conclusão.
Sem prejuízo, referem que a única obrigação da devedora é o cumprimento do pagamento da quantia em que foi condenada a pagar aos recorrentes, a qual veio a ser executada e que foi pontualmente cumprida mediante penhora/desconto nas pensões de reforma desde 2014 até 2023, data em que foi suspensa em virtude da declaração de insolvência. Concluem, assim, pela solvabilidade da devedora, ao que acrescentam que o tribunal sequer deu como provado o incumprimento generalizado das obrigações da devedora, pelo que este facto deve ser dado como não provado.
Uma vez mais estamos em face de um juízo conclusivo e não de um facto concreto, razão pelo qual não poderá integrar a matéria de facto.
Determina-se, assim, a sua eliminação.
Os recorrentes requererem ainda o aditamento do seguinte facto provado:
Desde 2014 até novembro de 2023, foi efetuado o desconto/penhora nas reformas auferidas pela requerente, para pagamento da dívida reclamada no processo judicial executivo n.º 6648/14.9T2SNT do Juízo de Execução de Sintra – Juiz 3.”.
Sustentam a sua inclusão na matéria de facto com o alegado pela devedora nos artigos 6.º e 7.º da p.i. (com a ressalva, quanto a este último, de a penhora se ter iniciado no ano de 2014 e não de 2011 como é aí indicado) e o constante dos Docs. 3 e 4.
Considerando o alegado na p.i. e a documentação junta, adita-se um novo facto com a seguinte numeração e teor:
10. Na sequência da execução referida no facto n.º 7, entre 2014 e até novembro de 2023, foi efetuado o desconto/penhora na reforma BCP auferida pela requerente, penhora essa que ascende ao montante mensal de 416,13€ - docs. n.º 3 e 4 juntos com a p.i..
Em face da matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido, e do que resultou da apreciação e decisão da impugnação à mesma apresentada, cumpre apreciar do mérito do recurso.
Do preenchimento dos pressupostos para a decretação da insolvência
Alegam os recorrentes que nunca a insolvência poderia ter sido declarada, porquanto é exigível uma “impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”, o que não resulta destes autos, nem dos próprios factos julgados como provados pela sentença recorrida - “a devedora em nenhum momento alega, ademais, a impossibilidade de cumprir pontualmente a sua única obrigação vencida. (…) O que a devedora alega, e é coisa distinta, é a alegada impossibilidade de continuar a pagar as suas despesas, no quadro do estilo de vida a que se habituou, e que o cumprimento da sua única obrigação vencida, consubstanciada na penhora mensal, está a “incomodar”.
Que, não resultando dos factos provados “que a devedora se encontre impossibilitada de satisfazer as suas obrigações vencidas”, ficou “irremediavelmente comprometido o fundamento que permite a declaração de insolvência de uma pessoa singular, tal como se encontra previsto no artigo 3.º, n.º 1 do CIRE”.
Entendem que, nos termos previstos pelo artigo 11.º do CIRE, deveria o tribunal a quo ter verificado a “veracidade subjacente à alegação da devedora, quanto à afirmação da situação de insolvência (..) apreciar os concretos factos invocados para aferir da real existência de impossibilidade de incumprimento das obrigações vencidas”.
Mais referem que sempre a filha da devedora estará obrigada ao dever de assistência à mãe (artigo 1874.º, n.ºs 1 e 2 do CC); que a insolvência não deveria ser declarada porquanto existe um único credor; que a devedora podia ter recorrido à instauração de um PEAP (já que, do art. 31.º da p.i, resulta que conseguiria encaixar o pagamento de um valor, ainda que de montante inferior).  
Em resposta, a apelada/insolvente refere que “se vê numa situação em que a sua subsistência encontra-se posta em causa, numa dívida de pagamento interminável até ao fim dos seus dias”, que “Se apresentou à insolvência, porquanto a sua condição de vida se tornou insustentável a curto, médio e longo prazo”, que não tem solvabilidade, que “não se pretende eximir ao pagamento de qualquer dívida, contudo, neste momento, não tem condições para fazer face à mesma”, existindo “uma impossibilidade comprovada da recorrida de fazer face às suas obrigações”.
Sendo que, na p.i., havia alegado: “43. E, apesar de a requerente auferir três pensões, as mesmas não se revelam suficientes para fazer face às despesas do seu dia-a-dia, encontrando-se já a incumprir com as suas obrigações mensais, as quais, por enquanto, mas a muito custo, são supridas pela sua descendente DD”; “48. O montante das obrigações decorrentes do seu passivo é superior aos rendimentos que aufere, não possuindo meios financeiros para solver as suas dívidas”; “54. De forma incontornável, se impõe concluir que a requerente se encontra impossibilitada de cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas e vincendas” e “57. Encontra-se, a requerente, numa situação de insolvência nos moldes configurados no art. 3.º do CIRE e impossibilitada de cumprir as obrigações vincendas, tendo o intuito de, através do respetivo processo, evitar o agravamento da situação”.
Apreciando.
Tendo subjacente a finalidade do processo de insolvência - “processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores” (artigo 1.º, n.º 1) – diz-nos o artigo 3.º, n.º 1 que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Para efeitos de aferição do estado de insolvência não assume critério determinante o valor do património do devedor[10], impondo-se observar o critério da solvabilidade, ou seja, o da capacidade que o mesmo tem (ou não) para cumprir pontualmente com as suas obrigações (possuir ou não liquidez para atingir tal objectivo). Tratando-se de devedor/pessoa singular (como aqui sucede), será esse o único critério relevante para aferir da situação de insolvência (critério do cash-flow, o qual, corresponde à diferença entre as receitas obtidas e as despesas suportadas).
Porém, o n.º 4 do mesmo preceito equipara à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.
De tais previsões, e como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda[11], resultam duas certezas: “por um lado, só o incumprimento de obrigações vencidas suscetibilizar o requerimento de insolvência por iniciativa de outro legitimado que não o próprio devedor (…) por outro, à possibilidade de, em caso de insolvência iminente, o devedor poder, desde logo, requerer judicialmente que ela seja declarada”, acrescentando, depois, que o dever de apresentação à insolvência impõe-se “quando, apesar de faltar ainda o incumprimento efetivo de obrigações, este se vislumbra já no horizonte, em ponderação da situação concreta do devedor e das expectativas que objetivamente deve ter quanto à capacidade de honrar atempadamente os respetivos compromissos, levando, designadamente, em conta a relação entre o seu ativo e o seu passivo. (…) A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exatamente pela insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[12].
No caso previsto no n.º 4 do artigo 3.º, como refere Maria do Rosário Epifânio, existe “um juízo de prognose sobre a incapacidade de pagamento futura do devedor que deve ser feito num plano financeiro de liquidez que evidencie quer os meios líquido existentes, quer as entradas e saídas previstas[13].
Importa, contudo, ter em conta que apresentando-se o devedor a requerer a sua declaração de insolvência, “esse procedimento não pode deixar de envolver, para ele, o reconhecimento da existência da impossibilidade de cumprimento das obrigações”.[14]
Com efeito, estatui o artigo 28.º do CIRE “a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento”.
Decorre deste artigo um efeito cominatório no que concerne aos factos alegados na p.i. e que respeitam à situação de insolvência (só assim não sucedendo com relação aos factos atinentes ao pedido de exoneração do passivo restante), pelo que a mesma apenas não deverá ser declarada nas situações previstas no artigo 27.º[15] do mesmo diploma, designadamente, no que aqui interessa, se o pedido for manifestamente improcedente – al. a) do n.º 1 -, ou seja, “quando, em face da própria matéria alegada e da documentação apresentada, resulte, com clareza, a inexistência do pressuposto da declaração judicial de insolvência – no caso a situação de insolvência iminente[16].
Claro está que, como previsto no artigo 23.º, n.º 1, não fica o devedor exonerado da obrigação de alegar os factos que integram os pressupostos do pedido de declaração da insolvência, a saber, os pressupostos de facto a que aludem as diversas alíneas do artigo 20.º – na petição “são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida[17].
Importa, contudo, realçar que a improcedência do pedido tem que ser manifesta, pelo que, como já Alberto dos Reis[18] escrevia, a p.i. apenas deverá ser indeferida “quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial. // O caso típico é o de a simples inspecção da petição inicial habilitar o magistrado a emitir, com segurança e consciência, este juízo: o autor não tem o direito que se arroga. // Se realmente as coisas se apresentam com esta evidência e com esta nitidez, para que há-de o juiz mandar citar o réu e deixar seguir a instância até ao despacho saneador ou até à sentença? Tudo o que se praticasse no processo seria em pura perda. Impõe-se, portanto, o indeferimento imediato”.
Daí que, como refere Catarina Serra[19], em caso de apresentação, “[o] juiz parece não ter aqui, até pela escassez do prazo, qualquer poder de evitar a declaração de insolvência quando essa seja a vontade do apresentante. No limite, isso pode conduzir a que seja judicialmente declarada uma insolvência que, na prática, não se verifica.
A indevida apresentação à insolvência pela devedor poderá, no entanto, caso exista dolo, dar origem a responsabilidade civil pelos prejuízos causados aos credores – cfr. artigo 22.º.
Na p.i., a devedora alegou qual a dívida que sobre a mesma impende e a sua impossibilidade de a cumprir, sendo que, em face do montante de tal dívida, dos rendimentos auferidos pela requerente/devedora e das despesas invocadas (não sendo aqui o momento para aferir da veracidade das mesmas, tanto mais que os documentos que poderão suportar tais despesas não se incluem nos que têm obrigatoriamente que ser juntos com a p.i. – cfr. artigo 24.º), impõe-se concluir não estarmos em face de um quadro de manifesta improcedência.
Consequentemente, não se mostra possível defender a não verificação (clara e evidente) dos pressupostos exigidos para que a insolvência fosse declarada.
É certo que estamos perante uma única dívida e que a mesma sempre veio a ser coercivamente cumprida (através da penhora/desconto mensal efectuada na pensão da devedora) mas, em face da factualidade constante da p.i. (a única existente nesta fase), dúvidas inexistem de a devedora não ter capacidade para liquidar integralmente o seu passivo.
Para além de o facto de estar a ser efectuada a referida penhora, por si só, significar que a dívida estava já vencida (o que afasta qualquer juízo de cumprimento pontual da obrigação em causa), a circunstância de existir um único credor não obsta a que se dê por apurada a situação de insolvência (a incapacidade de satisfação de apenas uma obrigação pode caracterizar tal quadro, desde que as circunstâncias revelem a impossibilidade de cumprimento [20]).
Citando, uma vez mais, Catarina Serra[21], “a pluralidade de credores não é nem um requisito do processo de insolvência nem uma condição da sua procedência. (…) A admissibilidade da insolvência com um só credor só se compreende plenamente quando se reconhece que o processo não visa apenas a tutela de interesses privados – dos credores e dos devedores – e tem um (adicional) fundamento público. Só assim é possível perceber as suas especialidades e por que a sua utilidade prevalece independentemente do número de credores. // O interesse público que está (também) na base do processo de insolvência dirige-se à defesa da economia contra o fenómeno singular: a insolvência.”
Mais acrescentando a autora: “o incumprimento é um facto enquanto a insolvência é um estado ou uma situação. // Deve compreender-se, depois, que a insolvência não se identifica nem depende do incumprimento. Embora ela possa manifestar-se, e geralmente se manifeste, através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento e até quando não há incumprimento algum. // Por outras palavras, existem casos de impossibilidade de cumprimento sem incumprimento assim como existem casos de incumprimento sem impossibilidade de cumprimento (o devedor não cumpre porque não quer ou porque discorda da exigibilidade da dívida). (…) A única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. (…) para a insolvência não releva nem o número nem o valor pecuniário das obrigações vencidas.” 
Não se mostra, assim, susceptível de censura o decidido pela 1.ª instância, o qual será de manter.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação e, nessa sequência, manter a sentença que declarou a insolvência dos recorrentes.
Custas pelos apelantes.

Lisboa, 11 de Março de 2025
Renata Linhares de Castro
Isabel Maria Brás Fonseca
Fátima Reis Silva
_______________________________________________________
[1] Não obstante tenham sido juntos documentos com as alegações de recurso, todos eles são referentes à legitimidade recursória dos apelantes, o que aqui não assume relevância por os mesmos terem já sido habilitados a prosseguir nos autos em substituição do falecido credor BB.
[2] Procedeu-se à numeração dos factos (o que não foi feito na sentença), por forma a facilitar a sua identificação.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção declarativa comum, Almedina, 4ª edição, pág. 291.
[4]  ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2.ª edição, reimpressão, 2020, pág. 813.
[5] Decorre desta norma que o recorrente que impugne a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
[6] Segundo este preceito, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
[7] Sendo certo que a garantia de pagamento da renda poderia ter sido salvaguardada através da inserção de uma cláusula no contrato de arrendamento pela qual a filha da insolvente e o marido assumissem a posição de fiadores.
[8] Do Doc. 10 junto com a p.i, resulta que a devedora esteve internada no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, EPE, Hospital Egas Moniz, Lisboa, entre 27/06 e 04/07/2018 (data em que lhe foi atribuída alta médica), constando dos registos clínicos (2018) a seguinte menção: “(…) 70 anos, vive sozinha no seu domicílio, apoio regular da filha. Reformada. Desde há 10 dias a trabalhar na recepção de um court de tenis”.
[9] Alega: “a. “(...) O valor bruto das pensões da requerente, atualmente, centra-se no montante de €1.863,18 (…), contudo, por via dos descontos e penhora a que a  mesma é sujeita, a mesma recebe apenas a quantia líquida variável entre os €922,67 (…) e €948,76 (…) // b. A penhora,  atualmente, tem uma incidência mensal de €416,13 (…) sobre as pensões da requerente. (...)” // (….) Calculando, temos: // a. o valor médio líquido mensal recebido pela recorrida: // i. €922,67 + €948,76 = €1871,43; €1871,43/2 = €935,72. // b. as despesas mensais da recorrida: // i. €1.157,58. // c. o produto final: // i. €935,72 - €1.157,58 = - €221,86.”
[10] Cfr. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, págs. 81/82 - “nos termos do art. 3º, a verificação da situação de insolvência é aferida em função da incapacidade ou da impossibilidade do devedor para cumprir as suas obrigações vencidas, independentemente, portanto, do balanço ativo e passivo da sua situação patrimonial.” Já MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7.ª edição, 2020, pág. 28, alerta que  “pode até acontecer que o passivo seja superior ao ativo mas não exista situação de insolvência, porque há facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias. E, por outro lado, pode acontecer que o ativo seja superior ao passivo vencido, mas o devedor se encontre em situação de insolvência por falta de liquidez do seu ativo (é dificilmente convertido em dinheiro).”, acrescentado na nota 43 que activo líquido significará “por ex., dinheiro em caixa, depósitos bancários vencidos, produtos e títulos de crédito fácil e oportunamente convertíveis em dinheiro”.
[11] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2015, págs. 85-87.
[12] Ainda segundo os mesmos autores, pág. 86, “De há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. // O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. // Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante”.
[13] Obra citada, pág. 31.
[14]  CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, pág. 231.
[15] Prescreve o artigo 27.º do CIRE: “1 – No próprio dia da distribuição, ou, não sendo viável, até ao 3.º dia útil subsequente, o juiz: a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente; b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada. 2 (…)”. O disposto deste n.º 1 é igualmente aplicável aos casos de apresentação à insolvência, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito.
[16] CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, págs. 87/88.
[17] A p.i. deve ser suficientemente elucidativa da situação de insolvência, posto que, sendo o processo desencadeado por apresentação, não há lugar a audição de mais quem quer que seja (devendo a insolvência, em princípio, ser declarada, só devendo o juiz indeferir o pedido nos casos do já citado artigo 27.º) – nesse sentido, CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, obra citada, pág. 213.
[18] Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 3.ª edição, 1981, pág. 385.
[19] Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 3.ª edição, 2025, pág. 148.
[20] Nesse sentido já se pronunciava ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra Editora, págs. 322 e ss., bem como CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, pág. 64, doutrina que mantém a sua total actualidade face ao regime do CIRE (atendendo a que, neste último, foi eliminada a fase de justificação de créditos prévia à apreciação da situação de insolvência pelo que, na esmagadora maioria dos casos de insolvência requerida, avalia-se apenas o incumprimento para com um único credor).
[21] Obra citada, págs. 44-47 e 58/59.
Cfr., ainda, SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 4.ª edição, 2022, págs. 69/70 – “O número de obrigações vencidas é irrelevante. (…) Só releva a impossibilidade de cumprir.”