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DECISÃO SURPRESA
ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CADUCIDADE DO DIREITO À RESOLUÇÃO
Sumário
Sumário da responsabilidade do relator (arteº 663º nº 7 do Código de Processo Civil): I- Cabe ao Juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa. II- Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever. III- A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de actos prejudiciais a este património. IV- São requisitos gerais da resolução em benefício da massa insolvente : -Realização pelo devedor de determinado acto. -Prejudicialidade do acto em relação à massa insolvente. -Verificação desse acto nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. -Existência de má-fé do terceiro.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1- “Good Sleep, Ldª” intentou a presente acção de impugnação da resolução em benefício da Massa Insolvente contra a Massa Insolvente de “Enfis – Hotelaria e Turismo, Ldª”, pedindo que o Tribunal considere a resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, outorgado em 5/9/2017, referente ao prédio urbano sito na Av. …, Santarém, designado como Hotel “…”, improcedente e, por conseguinte, decrete a manutenção e validade do contrato de arrendamento.
Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, que, por carta datada de 2/11/2022, remetida a 3/11/2022 e recebida em 7/11/2022, a Administradora da Insolvência declarou resolver o contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5/9/2017, mas não o fez nos seis meses seguintes ao conhecimento do alegado acto.
Com efeito, no dia 28/4/2022 foi a Administradora da Insolvência informada da existência de um contrato de arrendamento, outorgado entre a insolvente e a A., referente ao prédio urbano sito na Av. …, Santarém, designado como Hotel “…”, tendo-lhe sido explicada a proveniência e motivo da outorga do contrato de arrendamento, do Memorando de Entendimento e do Aditamento ao contrato de arrendamento.
Mesmo que a Administradora da Insolvência apenas tivesse tido conhecimento dos actos em 6/5/2022, não fez com que a declaração de resolução fosse entregue ao destinatário no prazo de seis meses.
O artº 120º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) prevê a possibilidade de resolução dos actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. A lei não restringe a resolução à verificação de efeitos do contrato, mas sim, ao contrato que é prejudicial à massa.
Nas palavras da Administradora da Insolvência é o contrato de arrendamento outorgado em 5/9/2017 que diminui, frusta, dificulta, põe em perigo e retarda a satisfação dos credores da insolvente. Em momento algum é alegado que a outorga do aditamento em 9/12/2019 é prejudicial para a insolvência.
Finalmente, sustentou a falta de verificação concreta dos fundamentos, pressupostos e requisitos da resolução.
2- Regularmente citada, veio a R. contestar, dizendo que, em 28/4/2022 apenas foi dado conhecimento à Administradora da Insolvência da existência do contrato de arrendamento do Hotel “…” e não das demais contingências que envolveram a respectiva elaboração, teor, data de celebração, condicionalismos, produção de efeitos, clausulado, bem como do respectivo aditamento, de 1/12/2019.
O início do prazo de 6 meses para proceder à resolução do contrato de arrendamento de 5/9/2017 e do respectivo aditamento de 1/12/2019 apenas teve lugar com a recepção do segundo “e-mail” dos representantes da gerência da “Enfis, Ldª”, de 10/5/2022, com o “conhecimento integral da factualidade inerente ao acto indesejado”.
A Administradora de Insolvência remeteu a carta de resolução por correio registado com aviso de recepção em 3/11/2022.
O contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 5/9/2017 (e o respectivo aditamento de 1/12/2019), constitui um contrato de execução continuada ou duradoura que ainda não está cumprido.
A prejudicialidade deste negócio para os credores da massa insolvente foi determinada pelo aditamento de 1/12/2019, que determinou o início da produção de efeitos do arrendamento em causa. Tal aditamento foi celebrado dentro do prazo de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (4/12/2020).
No mais defendeu a verificação dos requisitos da resolução, concretamente, a prejudicialidade do negócio e a má-fé.
Peticionou que a excepção de caducidade invocada pela A., bem como a impugnação, sejam julgadas não provadas e improcedentes.
3- Foi designada data para a realização de uma audiência prévia e, realizada a mesma, o Tribunal proferiu despacho a indicar que o processo estava em condições para conhecer do mérito e, ao abrigo do princípio da adequação formal, concedeu às partes prazo para alegarem por escrito.
4- As partes apresentaram as suas alegações.
5- Posteriormente foi proferida Sentença a julgar a acção procedente, constando da sua parcela decisória : “Pelo exposto, julgando a presente acção integralmente procedente, declaro inválida e, consequentemente, sem nenhum efeito, a declaração de resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5 de Setembro de 2017 e seu aditamento de 1 de Dezembro de 2019. * Fixo o valor da acção em €30.000,01 – art. 296º, 305º, nº 4 e 306º, nº 2 do Código de Processo Civil. Custas pela massa insolvente. Registe e notifique”.
6- Desta decisão interpôs a R. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as conclusões que se seguem : “A – Da insuficiente instrução probatória do processo 1ª. No presente processo nunca seria possível ao Tribunal a quo conhecer imediatamente do mérito da causa, não permitindo às partes a produção de prova quanto a factos expressamente invocados pela ora recorrente na contestação, relativamente aos quais nada se refere na sentença recorrida, dando-os simplesmente como não provados e violando o disposto nos arts. 5º, 6º, 410º, 411º, 574º/2, 587º/1 e 595º do CPC – cfr. texto n.ºs 1 a 3; 2ª. Ainda que assim não se entendesse, sempre seria necessária a instrução do processo e a consequente produção de prova, ex vi dos arts. 5º, 6º, 7º, 410º e 411º do CPC, em virtude de subsistirem factos controvertidos e relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, nomeadamente os constantes dos arts. 4º a 6º, 26º, 29º, 31º, 32º, 35º, 41º, 42º, 45º a 47º, 49º a 65º e 68º da contestação, de 2023.03.27 – cfr. texto n.º 3; 3ª. O Tribunal a quo (i) não fez qualquer referência aos demais factos invocados pela ora recorrente, (ii) não permitiu a produção da prova testemunhal e pericial requerida pela ora recorrente e pela recorrida Good Sleep, Lda., (iii) nem ordenou a produção de qualquer outro meio de prova, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 5º, 6º, 410º, 411º, 574º/2, 587º/1 e 595º do CPC (v. Ac. TCA Sul, de 2010.04.20, Proc. 03632/09; de 2005.7.13, Proc. 00480/05, in www.dgsi.pt), pois, “se o impugnante invoca questões factuais susceptíveis de serem clarificadas mediante prova testemunhal, mostra-se errado o juízo formulado na 1ª instância quanto à desnecessidade dessa prova” (v. Ac. TCAS de 2019.06.05, Proc. 390/09.0BELRA, in www.dgsi.pt) – cfr. texto n.º 3; 4ª. A omissão ou falta de realização dos actos de instrução necessários à prova dos factos controvertidos no presente processo pode ser sindicada no recurso interposto da sentença final, ex vi “do n.º 3 do artigo 644.º do CPC” (v. Acs. TCAS de 2022.01.27, Proc. 56/19.2BEALM-S1; de 2022.02.10, Proc. 1630/14.9BELRA-S1; de 2020.04.06, Proc. 384/109.2BESNT; Ac. TCAN de 2017.04.07, Proc. 02587/15.4BEBRG-A, todos in www.dgsi.pt) e “a procedência do recurso deste despacho determina a sua revogação, na parte em que decidiu que a prova documental era suficiente para decidir do mérito da causa e determinou a notificação das partes para alegações, e, consequentemente, a anulação do processado subsequente, em que se inclui a sentença recorrida” (v. Ac. TCAS de 2021.12.16, Proc. 3087/11.7BELSB, in www.dgsi.pt; cfr. arts. 644º/3 e 662º e segs. Do CPC) – cfr. texto n.ºs 4 e 5; B – Da nulidade da Sentença recorrida 5ª. A sentença recorrida, de 2024.01.03, é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão (v. art. 615º/1/c) do CPC), pois: a) Assume como fundamentos da decisão (i) a caracterização da resolução em causa como sendo “incondicional”, estabelecendo que o presente processo tem como “objecto do litígio (…) aferir se (se) verificam os pressupostos legais da resolução incondicional declarada pela Administradora de Insolvência na carta resolutiva” (v. fls. 3 da sentença; cfr. arts. 596º e 607º do CPC) e (ii) que “a lei estabelece no artigo 120º (do CIRE) os pressupostos gerais de que depende a resolução, prevendo o artigo 121º, sob a epígrafe de “resolução incondicional”, um conjunto de actos que são resolúveis independentemente da verificação dos pressupostos estabelecidos no preceito anterior” (v. fls. 26 da sentença), reconhecendo ainda que “o nº 3 do (art. 120º do CIRE), estabelece uma presunção inilidível de prejudicialidade dos actos que enumera no art. 121º, independentemente de terem sido praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados” (v. fls. 26 da sentença); e b) Decidiu julgar a presente ação procedente, “por falta de verificação de um dos requisitos gerais que habilita a resolução de um negócio” prevista no “texto do art. 120º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, (que estatui que) são resolúveis em benefício da massa insolvente os actos praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”, que, nas suas próprias palavras, não constitui “pressuposto legal da resolução incondicional” que, nos termos da sentença recorrida, integra o objecto do presente litígio e que está prevista no art. 121º do CIRE (v. fls. 3, 31 e 33 da sentença recorrida; cfr. art. 615º/1/c) do CPC) – cfr. texto n.ºs 6 a 9; C – Da violação do princípio do contraditório 6ª. A pretensa questão da “falta de verificação de um dos requisitos gerais que habilita a resolução de um negócio” não foi suscitada pela impugnante e ora recorrida na p.i., não tendo a ora recorrente sido, em qualquer momento do processo, notificada para se pronunciar sobre a mesma, pelo que foi inovatoriamente decidida na sentença recorrida, de 2024.01.03, que integra o objecto do presente recurso, constituindo verdadeira decisão-surpresa – cfr. texto n.ºs 10 e 11; 7ª. A referida questão nova não foi objecto de prévia notificação à ora recorrente, o que a impediu de sobre ela se pronunciar, constituindo frontal violação do princípio do contraditório (v. arts. 3º e 4º do CPC; cfr. art. 17º/1 do CIRE), bem como do direito de acesso aos Tribunais da ora recorrente e do princípio da proibição de indefesa (v. art. 20º da CRP) –cfr. texto n.º 11; 8ª. No caso sub judice verificou-se assim nulidade processual, por omissão de uma formalidade que a lei prescreve, que influiu no exame e na decisão da causa, ex vi do art. 195º do CPC (v. art. 17º/1 do CIRE; cfr. Ac. STA de 2006.02.08, Proc. 0810/05, in www.dgsi.pt; Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ªed., vol. II, p.p. 300 e 301) – cfr. texto n.ºs 11 e 12; 9ª. Como tem constituído entendimento pacífico da nossa jurisprudência e doutrina, “estando a decisão-surpresa coberta por decisão judicial, nada obsta a que a nulidade processual seja invocada e conhecida em sede de recurso” (v. Ac. RE de 2023.02.09, Proc. 4476/21.4T8STB.E1; cfr. Ac. RP de 2019.12.02, Proc. 14227/19.8T8PRT.P1; Ac. RL de 2009.06.04, Proc. 67/00.1DSTB-B.L1.2, todos in www.dgsi.pt; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p.p. 183) – cfr. texto n.ºs 12 e 13; D – Dos erros de julgamento 10ª. Contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a ora recorrente tem o direito – que exerceu validamente, em 2022.11.07 - a resolver o “aditamento celebrado em 2019.12.01”, que, como a ora recorrente se propõe provar no presente processo, determinou o início e a produção de efeitos do arrendamento do Hotel …, sendo portanto um negócio que (i) tem prejudicialidade autónoma para a ora recorrente, (ii) foi objecto da resolução comunicada à ora recorrida e (iii) foi celebrado dentro do prazo de dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, em 2020.12.04, pelo que é manifesta a validade da resolução operada, em 2022.11.07; 11.ª Como a Good Sleep, Lda. sempre reconheceu, a ora recorrente explorou por si e com sucesso, o Hotel … até 2021.05.21, data em que, face ao disposto na cláusula 3ª/2 e 3 do Aditamento anexo ao Doc. 3, junto com a contestação, o imóvel deixou de estar na posse da sociedade Enfis – Hotelaria e Turismo, Lda., tendo esta procedido à entrega do mesmo à ora recorrida, pelo que nunca seria admissível – como se decidiu na sentença recorrida – que a data da celebração do primitivo contrato de arrendamento impedisse que in casu a resolução do negócio pudesse operar em benefício da massa insolvente, quando esse mesmo arrendamento apenas produziu efeitos e se iniciou com a celebração do aditamento, de 2019.12.01 (v. Doc. 3, junto com a contestação), sendo este claramente o acto prejudicial à massa cuja resolução foi comunicada à ora recorrente, em 2022.11.07 (v. Ac. STJ de 2018.10.23, Proc. 2252/14.0T2SNT-D.L2.D1, in www.dgsi.pt); 12ª. Nos termos do disposto no art. 120º/2 do CIRE, “consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”, sendo manifesto que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, o aditamento, de 2019.12.01, cuja resolução se deverá manter, integra um negócio autonomamente prejudicial à ora recorrente, pois, além do mais: i. Determinou o início do arrendamento em causa (v. cláusula 2ª do aditamento anexo ao Doc. 3, junto com a contestação) e que a ora recorrente deixasse de poder explorar o Hotel … e de obter, para si, os respectivos proveitos económicos, pois, sem que tivesse ocorrido esse facto autónomo e determinante, o contrato, de 2017.09.05, poderia subsistir até ao presente, sem se ter iniciado a respectiva produção de efeitos, nem terem ocorrido quaisquer prejuízos para a ora recorrente, e ii. Determinou, mais tarde, o início do pagamento de renda pela ora recorrida, de valor muito inferior ao valor locativo do imóvel, bem como a entrega do prédio à arrendatária e respectiva oneração; 13ª. Este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não pode assim deixar de revogar a sentença recorrida, que enferma de manifestos erros de julgamento, e reconhecer a validade e eficácia da resolução do aditamento, de 2019.12.01, e do consequente arrendamento, em benefício da massa insolvente, que “permit(irá) recuperar bens ou direitos que o devedor tentou subtrair à massa, em prejuízo dos credores” (v. Ac. RP de 2022.02.07, Proc. 3992/19.2T8OAZ-K.P1, www.dgsi.pt) – cfr. texto n.ºs 14 e 15. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso: a) Revogando-se o despacho, de 2023.11.03; e b) Anulando-se ou revogando-se a douta sentença recorrida, de 2024.01.03, nos termos expostos e com as legais consequências. Só assim se decidindo será cumprido o direito e feita Justiça”.
7- A A. apresentou contra-alegações, onde conclui : “A) Dos factos alegados pela Recorrente retira-se que a mesma considera que nunca seria possível ao Tribunal a quo conhecer imediatamente do mérito da causa, não permitindo às partes a produção de prova quanto a factos expressamente invocados pela ora Recorrente na contestação. B) Acontece que os factos alegados pela Recorrente não podem ser admitidos, senão vejamos: C) Esclarece a douta Sentença de fls… que “Sem prejuízo, esta questão perde relevância porquanto, ainda que se concluísse que o direito à resolução não havia caducado, a presente acção iria proceder pelas razões que passamos a expor. (…) ”. A interpretação propugnada pela Ré Massa Insolvente não tem apoio nem na lei, nem a mesma é defendida pela vasta doutrina e jurisprudência sobre a matéria, (…) Com efeito, foi o contrato de arrendamento que constituiu a insolvente na obrigação de dar o imóvel de arrendamento e não o aditamento, (…) Nestes termos não é defensável que tenha sido o aditamento ao contrato de arrendamento (que, como resulta da própria designação, é apenas um “plus” e não “O” contrato) que fez surgir o prejuízo para a massa insolvente, sendo este apenas uma concretização do já estipulado no acordo celebrado em 2017 e, portanto, em momento anterior ao prazo de dois anos previsto na norma referida. (…) Deste modo, tendo a Autora (sobre quem impendia o ónus da prova) demonstrado que a Administradora da Insolvência procedeu à resolução de um negócio celebrado mais de dois anos antes do início do processo de insolvência, terá de proceder a acção, por falta de verificação de um dos requisitos gerais que habilita a resolução de um negócio (e já não da excepção de caducidade do direito de resolução. Assim sendo e sem necessidade de outras apreciações, a impugnação deduzida pela Autora deve ser julgada procedente”. D) Já estando reconhecida e tendo sido aceite pelas partes que a resolução não foi realizada no prazo de 2 anos após a outorga do contrato de arrendamento, tal como prevê o artigo 120º do CIRE, dúvidas não existem que se verificou a caducidade do direito da Recorrente por força do incumprimento do prazo previsto no artigo 120.º do CIRE. E) Acrescenta-se que, em momento algum veio a Recorrente alegar que era necessário proceder-se à inquirição das testemunhas que foram por si apresentadas. Tais factos não foram alegados pela Recorrente na Audiência Prévia, nem nas alegações que foram por si arroladas em juízo. F) Verifica-se que o Tribunal recorrido consignou, em sede de Audiência Prévia o seguinte: “O processo está em condições para conhecer do mérito”. G) Tendo por fim acrescentado que “Assim sendo e sem necessidade de outras apreciações, a impugnação deduzida pela Autora deve ser julgada procedente.” (…) “O estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa.” H) Com isto se quer dizer que, o Tribunal ad quo considerou – e bem – que as questões suscitadas pela Recorrente foram respondidas pelos documentos juntos aos Autos, nomeadamente, o contrato de arrendamento datado de 2017 que criou a relação jurídica e alegadamente prejudicial. I) Não tendo o contrato de arrendamento sido resolvido no prazo de 2 anos após a sua outorga, o direito caducou nos termos do artigo 120º do CIRE. J) A caducidade verificada pela previsão do artigo 120º do CIRE levou à desnecessidade de outras apreciações e ou de mais instruções probatórias, pelo que, dúvidas não existem que deve a douta Sentença de fls… ser declarada validada, mantendo-se aquela decisão, bem como, ser declarado completamente improcedente o Recurso de fls… apresentado pela Recorrente. K) Relativamente à nulidade da Sentença de fls… cumpre referir que, na página 3ª da Sentença de fls… é alegado que “Objecto do litigio: Em face do alegado pelas partes nos articulados, importa aferir se em 3.11.2022 o direito de resolver o contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5 de Setembro de 2017 e respectivo aditamento de 1.12.2019, referente ao prédio urbano sito na Av. Bernardo Santareno, nº 38, designado como Hotel UMU, já tinha caducado/prescrito.” L) Resulta do artigo 121.º do CIRE que “São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos: (…)” M) Quer isto dizer que, os casos previstos no artigo 121.º respeitam a casos de resolução incondicional, sendo resolvidos tais negócios independentemente de terem sido praticados ou omitidos fora dos prazos previstos. N) Se era intenção do Tribunal verificar se estávamos perante uma resolução incondicional por que motivo é que prevê no objecto do litigio que torna-se necessário se o direito da Recorrente havia caducado ou prescrito? Por um motivo simples! Por que o objecto do litigio não era sobre a resolução incondicional, mas sim sobre a verificação de caducidade ou prescrição e tanto que assim é que resulta do objecto do litigio – pág. 3 – da Sentença fls… que: “Objecto do litigio: Em face do alegado pelas partes nos articulados, importa aferir se em 3.11.2022 o direito de resolver o contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5 de Setembro de 2017 e respectivo aditamento de 1.12.2019, referente ao prédio urbano sito na Av. …, designado como Hotel …, já tinha caducado/prescrito.” O) O que quer dizer que, a decisão do litígio está relacionada e interligada com o objecto do litigio, ou seja, veio o Tribunal a considerar que se verificou a caducidade do direito da Recorrente, nos termos do artigo 120º do CIRE, pelo que deve este douto Tribunal declarar totalmente improcedente o alegado pela Recorrente e manter a douta Sentença fls… P) No que concerne à violação do principio do contraditório cumpre referir que, na sua PI – Impugnação – foi alegado pela Recorrida nos artigo 50.º a 69.º pela caducidade do direito da Recorrente, uma vez que, a resolução havia sido peticionada dois anos após a outorga do contrato de arrendamento. Q) Esclarece a Recorrida no artigo 68.º e 69.º da PI que “Sendo o contrato de arrendamento outorgado em 5 de Setembro de 2017 o acto – alegadamente – prejudicial para a Insolvência, mas tendo esse contrato sido outorgado mais de dois anos após o inicio do processo de insolvência, então, quer isto dizer que, o direito da Administradora de Insolvência em resolver o contrato caducou. Motivo pelo qual, deve estes douto Tribunal considerar que o direito à resolução caducou, devendo a Impugnante ser totalmente absolvida do pedido e decretada a manutenção e validade do contrato de arrendamento.” R) A Recorrente respondeu à resposta à contestação apresentada, discutiu a verificação da caducidade nos termos do artigo 120º e 121º do CIRE em sede de Audiência Prévia e apresentou as suas alegações escritas onde teceu os seus comentário à verificação da previsão do artigo 120º do CIRE. S) Quer isto dizer que, é – como sempre foi – do conhecimento da Recorrente que o objecto do litigio sempre foi verificar se o direito da Recorrente tinha caducado/prescrito nos termos do artigo 120º e artigo 123º do CIRE. T) Não é, de forma alguma, a presente decisão uma decisão surpresa, as partes não foram impedidas de apresentar o seu contraditório, nem viola o princípio do contraditório, pelo que, deve este douto Tribunal a quem declarar totalmente improcedente o pedido da Recorrente, absolver a Recorrida do pedido e, por conseguinte, manter a douta Sentença de fls… U) No que diz respeito aos erros de julgamento alegados pela Recorrente cumpre referir que, a lei não faz depender a contagem deste prazo da data em que o acto começou a produzir efeitos. A lei refere singelamente “actos prejudiciais à massa praticados” e não “actos prejudiciais à massa que produzam efeitos”. A interpretação propugnada pela Ré Massa Insolvente não tem apoio nem na lei, nem a mesma é defendida pela vasta doutrina e jurisprudência sobre a matéria, V) É manifesto que o negócio relevante e que envolveria prejuízo é aquele mediante o qual a insolvente decidiu dar o bem de arrendamento, estipulando o prazo, o valor da renda e as demais obrigações inerentes. W) O que quer dizer que, se a Recorrente pretendia resolver o contrato de arrendamento – que alegadamente é o contrato prejudicial – deveria ter resolvido o contrato nos dois anos posteriores à sua outorga, o que não aconteceu. X) Motivo pelo qual, dúvidas não existem que o alegado direito da Recorrente caducou, pelo que, vimos pelo presente requerer que este douto Tribunal se digne a pugnar pela declaração de não procedência do Recurso de fls…, mantendo assim a douta Sentença de fls… Assim, fazendo-se a costumeira justiça, deve a Sentença de fls… recorrida ser confirmada, improcedendo as alegações da Recorrente”.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto considerada provada na 1ª instância foi a seguinte :
1- Em 4/12/2020, a “Caixa Económica Montepio Geral” instaurou acção requerendo a declaração de insolvência de “Enfis – Hotelaria e Turismo, Ldª”.
2- “Enfis – Hotelaria e Turismo, Ldª” foi declarada insolvente por Sentença de 10/4/2022, transitada em julgado, na qual foi nomeada Administradora da Insolvência a Srª Drª A.
3- A Srª Administradora da Insolvência remeteu à “Good Sleep, Ldª” carta registada com aviso de recepção (RH 969226048PT) datada de 2/11/2022, com o seguinte teor : Lisboa, 2 de Novembro de 2022 À
GOOD SLEEP, LDA.
Avenida … Lisboa
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5 carta registada c/ AR
Processo n* 26074/20.0T8LSB
Insolvente: Enfis Hotelaria e Turismo, Lda.
NlF 501714324
Assunto: Notificação de Resolução de Contrato de Arrendamento para fins não habitacionais e respetivo aditamento outorgado, em 2019.12.01. emitida nos termos do artigo 123º. nº 1, e baseada no artigo 120º. ambos do Código da Insolvência e da Recuperado de Empresa. na versão conferida pelo DL. n.º 53/2004. de 18/03 e respectivas alterações
Exmos Senhores.
Na qualidade de Administradora da Insolvência da sociedade Enfis Hotelaria e Turismo, Lda.. venho por este meio notificar V Exas. que. nos termos dos artigos 123º. n º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE). decido proceder à resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre GOOD SLEEP, LDA. e a sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda, em 05 09 2017, posteriormente objeto de aditamento, em 01.12.2019. com inicio de produção efeitos, em 01.12.2019, tendo por objecto o seguinte
a) localização, natureza, tipo e descrição do imóvel: prédio urbano sito na Avenida … Santarém, a que corresponde o Hotel …. descrito na CRP de Santarém sob a ficha n.. ... da freguesia de Santarém (São Nicolau), e Inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 1 296 553,72, doravante abreviadamente designado por 'HOTEL';
b)Área total do terreno: 477,445 m2;
c) Titularidade, propriedade plena da massa insolvente.
A presente resolução é efectuada nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e radica nas razões gerais constantes dos n.ºs 1 a 5 do artigo 120º do CIRE, consubstanciadas nos seguintes fundamentos:
1. O contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado no dia 05 09 2017, foi objecto de um aditamento outorgado pelas mesmas partes, em 01.12.2019. no qual se consignou que o mesmo apenas produziria efeitos a partir de 01.12.2019, portanto, tal acto foi praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, que foi requerida pela Caixa Económica Montepio Geral, SA. em 04.12.2020, e que foi decretada por sentença datada de 10.04.2022
A) Insolvência
2. Como se disse, no dia 04.12.2020. foi requerida a Insolvência da sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda., pelo credor Caixa Económica Montepio Geral, SA, tendo aquela sociedade sido declarada insolvente, por sentença proferida em 10.04.2022. conforme edital que se anexa sob Doc. 1.
3. Em 6 de Maio de 2022, a Administradora da insolvência signatária teve conhecimento do negócio ora em crise através da documentação que recebeu no âmbito do processo de insolvência.
B) Negócios celebrados entre a Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. e a GOOD SLEEP, Lda.
4. Em 05.09.2017 foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre a GOOO SLEEP, Lda. e a Enfis • Hotelaria e Turismo, Lda., tendo por objecto o HOTEL- cfr. Doc. 2.
5. No âmbito do referido contrato de arrendamento, as partes acordaram um valor de renda de 5 mil euros mensais, com a duração de 10 anos e que tal contrato somente produziria efeitos assim que se verificasse o previsto al d) nº 3 da Cláusula 1.º do Memorando de Entendimento outorgado em 2016.02.01. conforme melhor resulta da Cláusula 3.* n.ºs 2 e 3 do já junto Doc 2
6. Ora. por seu turno, da al. d) n.º 3 da Cláusula 1.º do Memorando de Entendimento celebrado entre GOOD SLEEP, Lda. e a sociedade Enfis Hotelaria e Turismo, Lda, em 2016.02.01, consta que “em coso de (…) incumprimento definitivo do plano (PER), e a consequente declaração de insolvência. o primeiro contraente (Enfis) deixará de ter a possibilidade de exploração do hotel, passando o mesmo o ser feito peto sociedade Good Sleep Lda, ora terceira contraente, através da celebração de um contrato de arrendamento (…)”'. conforme melhor resulta do Doc. 3 que se junta.
7. Mais tarde, é lavrado o registo do aludido contrato sob a Ap. 1819, de 2019.05.20, na Conservatória do Registo Predial de Santarém, tomando-o público e oponível a terceiros (v. arts. 2º/1/m) e 5º/1 e 5 do Cód. Reg. Predial). E,
8 Em 01.12.2019. a GOOO SLEEP, Ida., celebraram com a sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda, um aditamento ao contrato de arrendamento do HOTEL, no qual ficou expressamente consignado que:
Considerando que:
§ Entre as Outorgantes foi celebrado em 05/09/2017 um Contrato de Arrendamento do Prédio urbano sito na Av. … Santarém, designado Hotel …, descrito na CRP de Santarém sob o nº.. ... da freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém e atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o art. … da União de Freguesias da Cidade de Santarém ---
§ Nos termos do referido contrato de arrendamento, a produção de efeitos encontra-se suspensa até à verificação de uma das situações previstas na alínea d) do nº3 da Cláusula 1ª do Memorando de Entendimento assinado em 01/02/2016, o qual constitui o Anexo I e faz parte integrante do referido contrato de arrendamento;-----
§ A Primeira Outorgante encontrasse em mora no cumprimento dos pagamentos aprovados pelo PER e sendo essa uma das condições para a produção dos efeitos do início do contrato de arrendamento supra mencionado;-----
(v. Doc. 4, adiante junto)
9. Mais acordaram as partes que, “peio presente aditamento, o contrato de arrendamento produzirá os seus efeitos a partir da presente data" (cfr cláusula 2.ª do já junto Doc. 4).
10. Donde resulta que tal contrato apenas teve eficácia a partir de 01.12.2019, devendo ser, por conseguinte, esta a data com relevância para efeitos da presente resolução de negócio em beneficio da massa
11. Aliás, V. Exas. apenas procederam ao pagamento das rendas à sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda., mais tarde, a partir de 21.05.2021. que corresponderá, nos termos da cláusula 3ª/2 e 3 do aditamento, à data da efectiva entrega do imóvel à GOOD SLEEP, Lda. e do início da contagem do prazo de 10 anos do arrendamento (v Doc 4, adiante junto).
12. Orar nesta data o credor Caixa Económica Montepio Geral, SA já tinha dado entrada em Tribunal do pedido de insolvência da sociedade Enfis- Hotelaria e Turismo, Lda., em 04.12.2020, dado que, como se reconhece expressamente no aditamento ao contrato de arrendamento, de 2019.12.01, nessa data, a Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. “encontrava-se em mora no cumprimento dos pagamentos aprovados pelo PER (v. considerandos do Doc. 4, já junto).
13. E a sociedade Enfis – Hotelaria e Turismo,Lda., tinha apresentado um 2º PER, que veio a ser encerrado por decisão judiciai, de 06.08.2021. Acresce que,
14. a data de produção de efeitos do contrato (01-12.2019), o valor locativo do HOTEL era superior a € 7.500,00 e o valor patrimonial do imóvel totalizava € 1.296.553,72
15. Donde, o contrato de arredamento do HOTEL e o aditamento, de 2019.12.01, foram celebrados com a Good Sleep, Lda. quando as partes contratantes e os seus representantes legais comuns tinham conhecimento de que a sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda, estava em situação de insolvência iminente, pois jà não tinha claramente capacidade para cumprir com as suas obrigações, e por valores muito abaixo do mercado, em manifeste prejuízo da respectiva massa insolvente
C) Relações societárias entre a Enfís - Hotelaria e Turismo, Lda ,e a Good Sleep, Lda.
16. Analisando o contrato de arrendamento, respectivo aditamento e memorando de entendimento, verifico que tais documentos estão assinados pelos representantes legais das contraentes, a saber;
(i) Pela sociedade Enfis Hotelaria e Turismo, Lda. - JT,
(ii) Pela sociedade Good Sleep. Lda. - DT
17. E, consultada a certidão comercial das respectivas empresas, verifico que, em 2019:
(I) Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda, tinha como sócios MOOI INVESTMENTS S.A., SPOIL INVESTMENTS, UNIPESSOAL, LDA., ENFIS ENSINO, LDA., ENFIS INVESTIMENTOS. SGPS, SA , VT e GOOD SLEEP, Lda., e como gerentes DT e JT;
(íi) Good Sleep, Lda. tinha como socios VT e DT e como gerente DT
18. Donde resulta que os intervenientes no acto (contrato de arrendamento e respectivo aditamento) estão especialmente relacionados com a Insolvente Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. tendo conhecimento de toda a situação dessa empresa e, nomeadamente, que, como se demonstrou anteriormente, a sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. estava em situação de insolvência iminente, pois já não tinha claramente capacidade para cumprir com as suas obrigações, como declararam nos considerandos do aditamento, de 2019.12.01 (v. Doc. 4, já junto).
19. Aliás, como se demonstrou, a Good Sleep. Lda. era titular de uma participação social na insolvente Enfis - Hotelaria e Turismo. Lda., tendo esta passado igualmente a ser titular de uma participação social na referida sociedade Good Sleep, Lda.. em 2020.02.28. pelo que é clara a existência de uma relação de grupo entre elas, cuja origem é anterior à data dos contrato e aditamento em causa.
20 Nos termos do artigo 49º n.º 2 do CIRE, não subsiste assim qualquer dúvida que os intervenientes no acto estavam e estão especialmente relacionados com a insolvente, tendo conhecimento de toda a situação,
21 Ou seja, tinham pleno conhecimento e consciência das consequêncas prejudiciais que da prática de tal acto adviriam para a massa insoivente.
22, Note-se que tal negócio évantajoso para a Good Sleep, Lda. e sua gerência, que continua, desta forma, a poder explorar o HOTEL, em prejuízo dos credores de insolvente, cujo activo é insuficiente para pagamento dos créditos reconhecidos na Insolvência
23. E, desta forma ardilosa, todos os restantes intervenientes neste negócio continuam na posse e exploração econômica do HOTEL, em detrimento dos credores da massa insolvente de Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. tendo este ónus (arrendamento) diminuído, frustrado, dificultado, posto em perigo e retardado a satisfação dos seus créditos.
24. Porquanto, tal ónus - arrendamento - desvaloriza e torna o Hotel menos atrativo à sua comercialização e o facto de se ter consignado uma cláusula penal de € 4.000.000,00 afasta potenciais interessados na aquisição do mesmo, no âmbito do processo de insolvência.
25. Na verdade, esses interessados no HOTEL ficam impossibilitados de rentabilizar no curto/médio prazo o investimento imobiliário que realizariam com a respectiva aquisição à massa insolvente e, consequentemente, esse ónus impede, retarda e dificulta a satisfação dos créditos reconhecidos na insolvência da proprietária do imóvel, a insolvente Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda
26. Assim, tal contrato e respectivo aditamento não podem deixar de se considerar resolvidos em benefício da massa insolvente
D) Resolução em benefício da Massa insolvente
27. Pelo exposto resolvem-se para todos os efeitos legais o identificado aditamento celebrado em 2019.12.01 e o contrato de arrendamento para fins não habitacionais de 2017.09.05, nos termos do disposto nos n.ºs 1 a 5 do artigo 120.º do CIRE, porquanto:
i) Com tal negócio jurídico mais não se pretendeu do que impossibilitar a exploração do HOTEL pela sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda., quando esta estava em situação de insolvência iminente e onerar este imóvel de valor relevante da propriedade da insolvente com o arrendamento à Good Sleep, Lda., por valor locativo manifestamente inferior ao de mercado, em prejuízo dos respectivos credores;
ii) A arrendatária Good Sleep, Lda. e a sua gerência eram conhecedoras da situação de insolvência da sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. ou de que tal estado estava iminente, como declararam expressamente nos considerandos do aditamento, de 2019.12.01 (v. Doc. 4, já junto), sendo essa, aliás, uma condição eficácia do próprio contrato de arrendamento, bem sabendo ainda que tal acto implicava, irremediavelmente, um prejuízo para os restantes credores da insolvente, em razão de impossibilitarem a exploração económica do HOTEL pela sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda., mas também de determinarem a oneração do imóvel onde o mesmo está instalado com o arrendamento a terceiro, bem como a redução do potencial número de interessados na aquisição do Hotel e a afectação das condições concorrenciais de uma futura venda, face ao arrendamento em causa, o que, consequentemente, impossibilitou que os credores da insolvente fossem pagos com a receita da exploração económica do HOTEL, tendo ainda diminuído, frustrado, dificultado, posto em perigo e retardado a possibilidade de os mesmos credores poderem vir a ser pagos e pelo produto da venda de tal bem;
iii) A oneração do património da insolvente com o arrendamento em causa, a favor de Good Sleep, Lda., fez e faz ainda perigar a efectiva satisfação dos credores da insolvência, pelo facto de restringir o número de interessados numa eventual alienação, quer em razão de o HOTEL estar arrendado, quer, fundamentalmente, pelo facto de o valor de renda previsto ser substancialmente inferior ao real valor locativo desse bem e ainda por ter sido contratualmente consignada uma cláusula penal de resolução/denúncia injustificada de 4 milhões de euros, tudo isto agravando e confirmando o perigo de não satisfação dos credores da insolvência;
iv) Tais negócios foram um acto consciente para prejudicar, frustrar e retardar a satisfação aos credores da insolvência, em favorecimento da Good Sleep, Lda.;
v) Tais negócios aproveitaram a pessoas especialmente relacionadas com a Insolvente, dadas as relações comerciais e pessoais existentes entre os intervenientes;
vi) Os intervenientes nos actos conheciam a débil situação financeira da Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. e o seu estado de impossibilidade de cumprimento, como fizeram constar expressamente dos considerandos do aditamento, de 2019.12.01 (v. Doc. 4, já junto);
vii) Existe má-fé presumida dos intervenientes nos termos no artigo 120, n.9 4 e 5 do CIRE, pois o aditamento que determinou a produção de efeitos do contrato de arrendamento foi celebrado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e neles participaram e aproveitaram pessoas especialmente relacionadas com a insolvente, nomeadamente os seus sócios Good Sleep, Lda. e VT e o gerente comum de ambas as sociedades, DT, nos termos das alíneas a) e c) do artigo 49.9/2 do CIRE;
viii) Funciona assim a presunção legal prevista no artigo 120.º n.ºs 4 e 5 do CIRE porquanto a arrendatária e os seus representantes legais são pessoas especiaimente relacionadas com a insolvente, sabiam que a sociedade Enfis - Hotelaria e Turismo, Lda. se encontrava em situação de insolvência iminente e do carácter prejudicial do acto para os respectivos credores e porque os actos foram praticadas nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
ix) A má-fé dos intervenientes fica demonstrada com o conhecimento da situação de insolvência da empresa e da sua impossibilidade de cumprir com as suas obrigações, que as partes declararam conhecer, em 2019.12.01, data do início dos efeitos do contrato de arrendamento (v. considerandos do Doc. 4, já junto).
Por tudo quanto acima fica demonstrado, estamos perante um acto prejudicial à massa insolvente, na justa medida em que foi diminuído o acervo de bens disponíveis para a satisfação dos credores e frustrada a sua expectativa de verem os seus créditos satisfeitos: (I) pelo resultado da exploração economica do HOTEL, (ii) peto seu valor locativo de mercado ou (iii) com um montante substantivo correspondente ao valor de mercado de venda do mesmo HOTEL, que pertence à massa insolvente, livre de quaisquer ónus e/ou encargos.
Pelas razões expostas, procedi nesta data à resolução do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 05.09.2017, objecto de um aditamento em 01.12.2019, que determinou a respectiva produção de efeitos a partir de 01.12.2019, tendo por objecto o prédio urbano sito na Avenida … Santarém, a que corresponde o Hotel …., descrito na CRP de Santarém sob a ficha n.º …, da freguesia de Santarém (São Nicolau), e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia, sob o artigo …, nos termos e ao abrigo do n.° 1 do art. 123º e n°s 1 a 5 do artigo 120º, ambos do C.l.R.E..
Mais se notificam V. Exas. para que, no prazo de 90 dias, desocupem o HOTEL e, bem assim, para procederem à entrega do mesmo e dos bens móveis que o integram, nas devidas condições, através da entrega das respectivas chaves, nos termos do disposto no artigo 126° do mesmo diploma.
JUNTA: quatro documentos
Sem mais, subscrevo-me com os melhores cumprimentos
Atentamente,
A Administradora da Insolvência
4- A carta referida em 3. foi entregue em 7/11/2022.
5- O contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5/9/2017, referente ao prédio urbano sito na Av. …, Santarém, designado como Hotel “…”, objecto da carta de resolução, tem o seguinte teor :
CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
ENTRE:
PRIMEIRA CONTRAENTE: ENFIS, HOTELARIA E TURISMO, SA, pessoa coletiva 501 714 324, com sede na Av. …, em Lisboa, neste ato representada pelo Administrador …, casado, com domicilio profissional na sede da sua representada, adiante designada Primeira Contraente ou Senhoria;
E
SEGUNDA CONTRAENTE: GOOD SLEEP LDA., .., com sede na Av… Lisboa, neste ato representada pelo Gerente …, casado, com domicilio profissional na sede da sua representada, adiante designada Segunda Contraente ou Arrendatária:
Considerando que:
§ Entre as Outorgantes foi celebrado em 01/02/2016 um Acordo que prevê a outorga de um contrato de arrendamento, caso fossem cumpridas determinadas condições;
§ Encontram-se reunidas as condições previstas nesse acordo, nomeadamente:
a) A Primeira Contraente apresentou um Piano Especial de Revitalização em abril de 2016 e que o mesmo foi aprovado e já transitou em julgado em maio de 2017;
b) A Segunda Contraente cedeu à Primeira Contraente em 29/09/2017, a quota que detinha sobre a sociedade comerciai por quotas U Sleop & Eat, Lda., nipc 513513 345;
§ Nos termos do supra mencionado acordo, as outorgantes estão em condições de outorgar o presente contrato de arrendamento.
É CELEBRADO O PRESENTE CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO IIABITACIONAIS, QUE SE REGE PELAS CLÁUSULAS SEGUINTES:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A PRIMEIRA CONTRAENTE é proprietária e legitima possuidora do prédio urbano sito na Avenida … Santarém (São Nicolau), concelho do Santarém, composto por Hotel … - Edifício destinado a hotelaria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o n.° …., inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo … da freguesia de …, com a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Santarém …. —
CLÁUSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato a PRIMEIRA CONTRAENTE dá de arrendamento à SEGUNDA CONTRAENTE, e esta toma de arrendamento o imóvel melhor identificado na Clausula Primeira, nos termos e nas condições a seguir acordadas.
CLÁUSULA TERCEIRA
1. A Primeira Contraente declara que se encontra a cumprir o Plano Especial de Revitalização
homologado por sentença, já transitada em julgado e que correu termos sob o n° 10989/16.2T8LSB, do Tribunal da Comarca de Lisboa - Juízo de Comércio de Lisboa - J5.
2, Nos termos do Acordo celebrado entre as outorgantes e identificado nos considerandos supra,
a Primeira Contraente, assumiu o compromisso de celebrar com a Segunda Contraente um contrato de arrendamento, que apenas produzirá os seus efeitos caso se verifique o previsto na alínea d) do n°. 3 da Clausula Primeira do Memorando de Entendimento (cfr Anexo I).
3. O contrato de arrendamento terá inicio assim que se verifique o previsto na alínea d) do n°. 3 da Clausula Primeira do Memorando de Entendimento (Anexo I) tendo a duração efectiva de 10 (dez) anos, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 1095° e do n.° 1 do artigo 1110°, ambos do Código Civil com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 31/2012 do 14 de Agosto,
4. O contrato será automaticamente renovado por períodos sucessivos de 5 (cinco) anos, salvo se
a PRIMEIRA CONTRAENTE ou a SEGUNDA CONTRAENTE, se opuserem à renovação mediante comunicação escrita enviada à outra parte com a antecedência mínima de 1 (um) ano, respectivamente, relativamente ao termo do prazo ora convencionado ou de qualquer uma das renovações. -
5. Em caso de denuncia Injustificada do contrato por qualquer uma das partes, a parte que
denuncie o contrato obriga-se a indemnizar a outra parte no montante de 4.000.000,00 € (quatro milhões de euros), o qual deverá ser pago até 30 dias após a produção dos efeitos da denuncia do contrato.
6. Em caso de denúncia ou não renovação do presente contrato de arrendamento, a Segunda
Contraente compromete-se a entregar o locado à Senhoria, sendo certo que, caso se verifique incumprimento da sua parte na entrega atempada do local arrendado, livre de pessoas e bens, fica desde já estabelecida que, em tal situação, incorre no pagamento à primeira a título de cláusula penal de uma quantia, por cada dia de atraso na entrega, relativamente ao termo do contrato, no valor do 250,00 € (cento e cinquenta euros) por dia.
CLÁUSULA QUARTA
O imóvel destina-se ao exercício da actividade comercial da SEGUNDA CONTRAENTE - turismo e atividades turísticas, exploração administração e promoção de empreendimentos turísticos e de alojamento locai, administração e gestão de hotéis e todas as atividades conexas com a hotelaria, catering, reconhecendo a mesma que realiza cabalmente o fim a que é destinado, não lhe podendo ser dado outro fim ou uso sem expressa autorização por escrito da PRIMEIRA CONTRAENTE.
CLÁUSULA. QUINTA
1. A renda mensal a pagar pela SEGUNDA CONTRAENTE será de € 5.000,00 (mil euros), a qual será paga até ao dia 08 do mês anterior àquele a que a renda respeitar, através de através de transferência bancária para a conta a indicar, posteriormente, pela PRIMEIRA CONTRAENTE,-
2. A renda estipulada será actualizada anualmente, um ano após a entrada em vigor do presente contrato, mediante a aplicação do coeficiente que for fixado por Portaria ou Aviso do INE para arrendamentos comerciais, desde que seja feita a devida comunicação pela PRIMEIRA CONTRAENTE, por qualquer meio, indicando expressamente o montante da nova renda e o coeficiente utilizado no seu cálculo, com antecedência de pelo menos, trinta dias.
CLÁUSULA SEXTA
A SEGUNDA CONTRAENTE poderá subarrendar ou ceder, total ou parcialmente, temporária ou definitivamente, a título gratuito ou oneroso o local arrendado, devendo apenas dar conhecimento prévio à PRIMEIRA CONTRAENTE
CLÁUSULA SÉTIMA
1. A SEGUNDA CONTRAENTE fica, desde já, autorizada a fazer por sua conta, no local arrendado, as obras de limpeza, reparação e conservação, consideradas indispensáveis ao exercício da sua actividade, desde que as mesmas não envolvam alterações da estrutura do edifício em causa, não interfiram de qualquer forma com os sistemas ou instalações comuns do mesmo e não alterem a fachada do imóvel,
2. As benfeitorias que a SEGUNDA CONTRAENTE efetuar no local arrendado ficarão pertença ao prédio, sem direito a retenção ou sem que a PRIMEIRA CONTRAENTE tenha de pagar qualquer indemnização ou compensação por elas. CLÁUSULA OITAVA
1. A SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a conservar em perfeito estado de limpeza e asseio o local arrendado, mantendo todas as suas chaves, vidros, canalizações, instalações, eléctricas e sanitárias em boas condições de funcionamento,
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a manter em bom estado a futura fração, suportando por sua conta as despesas ou prejuízos a que der causa, e bem assim todos os danos que vier a causar a terceiros em consequência de qualquer acto negligente, erro e/ou qualquer falta cometida por empregados seus, empresas associadas, clientes ou visitantes, salvo o desgaste resultante de um uso normal e prudente, por forma a que, no termo do período de vigência do contrato, seja a íracção devolvida à PRIMEIRA CONTRAENTE em bom estado de conservação,
CLÁUSULA NONA
1 - O local arrendado deverá ser impreterivelmente entregue pela SEGUNDA CONTRAENTE à PRIMEIRA CONTRAENTE no final do contrato, em bom estado de conservação, pelo que deverá em permanência e durante o período contratual tomar as medidas necessárias para a boa conservação do mesmo, designadamente, das instalações de água, luz, aquecimento, esgotos e respetivos acessórios, as instalações sanitárias, pavimentos, forros, pinturas, vidros, etc,, pagando à sua custa as reparações com ressalva do desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização, sob pena de indemnização.
2. A SEGUNDA CONTRAENTE reconhece que o local arrendado, no estado em que se encontra, satisfaz cabalmente o fim a que se destina e que não carece de mais qualquer qualidade necessária a esse fim assegurada pela PRIMEIRA CONTRAENTE,
3. Serão da responsabilidade da SEGUNDA CONTRAENTE as despesas inerentes à utilização da fracção e ao exercício da sua actividade, nomeadamente as relacionadas com o fornecimento de electricidade, comunicações e água.
CLÁUSULA DÉCIMA
A PRIMEIRA CONTRAENTE poderá inspeccionar periodicamente a fracção, durante as horas de expediente, desde que para o efeito solicite à SEGUNDA CONTRAENTE, por escrito, com antecedência não inferior a 5 (cinco) dias úteis.
CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
1. Quaisquer comunicações a realizar no âmbito da execução do presente contrato serão efectuadas por carta registada com aviso de recepção e ter-se-ão por realizadas na data da sua recepção.
2. Para efeitos das comunicações a realizar nos termos do número anterior são as seguintes as moradas dos contraentes:
PRIMEIRA CONTRAENTE: Avenida … Santarém.
SEGUNDA CONTRAENTE: Avenida …. Lisboa.
-3, Sempre que os prazos previstos neste contrato terminem em Sábado, Domingo ou dia feriado, quer nacional, quer nos Municípios de Lisboa e Santarém, os referidos termos transferem-se para o primeiro dia útil seguinte.
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
As disposições constantes do presente contrato apenas poderão ser alteradas, aditadas ou modificadas mediante acordo expresso, por escrito, de ambas as partes.
CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
Se qualquer cláusula, termo, ajuste, condição ou artigo do presente contrato for julgado, por qualquer Tribunal ou jurisdição competente, como inválido, nulo, no todo ou em parte, as restantes cláusulas, termos e condições do contrato permanecerão válidos e não serão afectados, anulados ou invalidados, comprometendo-se ainda as partes a encontrar uma redacção que substitua a cláusula, termo ou condição considerado inválido, nulo, no todo ou em parte, do maneira a que o presente contrato se mantenha válido, efectivo e exequível.
CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA
A PRIMEIRA CONTRAENTE compromete-se a apresentar à SEGUNDA CONTRAENTE no prazo de um mês, o certificado energético respeitante à fração objecto deste contrato,
CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA
Para qualquer questão de interpelação, integração e execução do presente contrato, as partes acordam que será aplicável a lei portuguesa geral em vigor e exclusivamente competente o Tribunal da Comarca de Santarém, com renúncia expressa a qualquer outro.
O presente contrato foi celebrado em Lisboa, no dia 05 de setembro do 2017, em três exemplares, sendo um para a competente Repartição de Finanças, ficando os outros para as PRIMEIRA E SEGUNDA CONTRAENTES, sendo pago por guia o competente imposto do selo.
A PRIMEIRA CONTRAENTE
A SEGUNDA CONTRAENTE
6- O aditamento ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5/9/2017, referente ao prédio urbano sito na Av. …., Santarém, designado como Hotel “…”, celebrado em 1/12/2019 tem o seguinte teor :
ADITAMENTO AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS CELEBRADO A 05/09/2017 ENTRE:
PRIMEIRA CONTRAENTE: ENFIS, HOTELARIA E TURISMO, LDA., (anteriormonte designada Enfis, Hotelaria e Turismo, S.A.) pessoa coletiva 601 714 324, com sede na Av. .. Lisboa, neste ato representada pelo gerente …, casado, com domicilio profissional na sede da sua representada, adiante designada Primeira Contraente ou Senhoria;
E
SEGUNDA- CONTRAENTE: GOOD SLEEP, LDA„ pessoa coletiva 513 161 676, com sede na Av. António Augusto de Aguiar, n° 209 - 1°D, em Lisboa, neste ato representada pelo Gerente …, casado, com domicilio profissional na sede da sua representada, adianto designada Segunda Contraente ou Arrendatária;
Considerando que:
§ Entre as Outorgantes foi celebrado em 05/09/2017 um Contrato do Arrendamento do prédio urbano sito na Avenida … Santarém, designado Hotel …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n° … da freguesia de … e atualmente Inscrito na matriz predial urbana sob o art. … da União de Freguesias da Cidade do Santarém. -
§ Nos termos do referido contrato do arrendamento, a produção de efeitos encontra-se suspensa até à verificação de uma das situações previstas na alínea d) do nº 3 da Cláusula 1ª do Memorando de Entendimento assinado em 01/02/2016, o qual constitui o Anexo 1 o faz. Parte integrante do referido contrato do arrendamento;
§ A Primeira Outorgante encontra-se em mora no cumprimento dos pagamentos aprovados pelo PER o sendo essa uma das condições para produção dos eleitos de Início do contrato de arrendamento supra mencionado;
§ Encontram-se reunidas as condições previstos no contrato de arrendamento para Inicio da produção dos seus efeitos.
§ É intenção das partes esclarecer que do arrendamento do Imóvel fazem parto alguns bens móveis, que se descritos nas cláusulas seguintes. -
É CELEBRADO O PRESENTE ADITAMENTO AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS, QUE SE REGE PELAS CLÁUSULAS SEGUINTES: -
CLÁUSULA PRIMEIRA
1. A PRIMEIRA CONTRAENTE declara que se encontra em mora relativamente aos pagamentos das prestações do plano PER que foi aprovado e homologado, -
2. No âmbito do n° 2 da clausula terceira do contrato de arrendamento, a situação descrita no número anterior, implica o inicio da produção dos eleitos do arrendamento. —
CLÁUSULA SEGUNDA
As parles acordam quo, pelo presente aditamento, o contrato de arrendamento produzirá os seus eleitos a partir da presente data, regendo-se pelas condições anteriormente acordadas, bem como nos termos das cláusulas deste aditamento. - CLÁUSULA TERCEIRA
1. A PRIMEIRA CONTRAENTE tem prazo de 12 meses, prorrogável por uma única vez por mais 6 mesos, a partir da presente data para proceder à entrega do Imóvel objeto do contrato de arrendamento.
2. Até á data da efetiva entrega Imóvel, a SEGUNDA CONTRAENTE não pagará qualquer quantia a titulo de renda, uma voz que ainda não se encontra na posse do bem. —
3. O prazo de duração do contrato de arrendamento é de 10 (dez) anos, nos termos do disposto no n° 3 da Clausula Terceira do contrato de arrendamento, declarando as partes contraentes que o mesmo só se iniciará a partir da data da entrega do imóvel à SEGUNDA CONTRAENTE.
4. Após a entrega do imóvel objeto do presente contrato, a SEGUNDA CONTRAENTE tem direito ao uso e passagem, a titulo gratuito, dos parques do estacionamento adjacentes ao Hotel. -
CLÁUSULA QUARTA
Ambas as partes acordam em esclarecer quo o locado é arrendado com o equipamento e bens móveis que se encontram identificados e, apenas os Itens sublinhados do Anexo 1, a esto aditamento, que faz parte integrante do mesmo, devendo a SEGUNDA CÒNTRAEN TE utilizá-los de forma prudente e entregá-los no final do contraio em bom estado de conservação, salvo o desgaste resultante de um uso normal e prudente,
O presente contrato foi celebrado em Lisboa, no dia 01 de dezembro de 2019, em duplicado, sendo um exemplar destinado a casa Parte Contraente.
A PRIMEIRA CONTRAENTE
A SEGUNDA CONTRAENTE
7- O “Memorando de Entendimento” referido no contrato de arrendamento mencionado em 4. tem o seguinte teor :
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO
ENTRE:
1) ENFIS, HOTELARIA E TURISMO S.A., com o número único de pessoa coletiva e de matricula na Conservatória do Registo Comercial 501 714 324, com o capital social de 400.000€, com sede na Av. da Liberdade, n° 129 - 7°B, em Lisboa, neste acto representada pelo administrador com poderes para o ato, …, adiante designada por Enfis ou Primeira Contraente;
2) SWEET FOOD & HEALTH S.A., com o número único de pessoa coletiva e de matricula na Conservatória do Registo Comercial 510 172 598, com o capital social de 50.000€, com sede na Av. …, em Lisboa, neste acto representada pelo administrador com poderes para o ato, …, adiante designada por Segunda Contraente
( E
3) GOOD SLEEP, Lda., com o número único de pessoa coletiva e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial 513 161 678, com o capital social de 2.0006, com sede na Av. … em Lisboa, neste acto representada pelo gerente com poderes para o ato, …., adiante designada por Terceira Contraente;
CONSIDERANDO QUE:
A) A Segunda e Terceira Contraentes são as únicas sócias da sociedade por quotas U SLEEP & EAT LDA., com o número único de pessoa coletiva e de matricula na Conservatória do Registo Comercial 513 513 345;
B) Vigora um contrato de arrendamento sob o qual a sociedade U SLEEP & EAT LDA., na qualidade de arrendatária encontra-se a explorar o edifico designado por Hotel …, destinado a hotelaria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o n.° …, inscrito na matriz predial urbana da sob o artigo … da atual União de Freguesias …., o qual é propriedade da Primeira Contraente;
C) A Primeira Contraente manifestou o interesse em voltar a explorar o referido hotel;
D) A Segunda e Terceira Contraente, na qualidade de sócias da actual entidade exploradora do referido hotel, aceitam as pretensões da Primeira Contraente, mediante algumas condições.
É celebrado e reciprocamente aceite o presente Acordo que se rege pelos termos e condições constantes nas cláusulas seguintes:
Primeira
1. Face à actual situação económica e financeira, a Primeira Contraente, manifesta desde já a sua intenção em apresentar um Processo Especial de Revitalização (adiante designado por PER), no prazo máximo de seis meses.
2. A Primeira Contraente acredita que para que o PER seja aprovado pelos credores, seja necessário voltar a explorar o hotel, designado por hotel …, melhor identificado nos considerandos supra, e que se encontra arrendado à sociedade U SLEEP & EAT LDA, pessoa coletiva 513 513 345.
3. A Segunda e a Terceira Contraentes, na qualidade de únicas sócias, manifestam o seu acordo e comprometem-se a ceder a totalidade das suas quotas que possuem na sociedade por quotas U SLEEP & EAT LDA., à sociedade Enfis, Hotelaria e Turismo, S.A., ora Primeira Contraente, mediante as seguintes condições;
a) Apresentação a PER da Primeira Contraente no prazo máximo de seis meses a contar a partir da presente data;
b) Em caso de aprovação e homologação do PER, a Segunda e a Terceira Contraentes cedem as suas quotas â Primeira Contraente;
c) A Primeira Contraente deverá no prazo máximo de três meses após a cessão de quotas promover a fusão com a sociedade U Sleep & Eat, Lda., para poder possibilitar a exploração do hotel por sua própria responsabilidade;
d) Em caso de penhora, arresto, arrolamento, mora ou incumprimento definitivo do plano e a consequente declaração de insolvência, a Primeira Contraente deixará de ter a possibilidade de exploração do hotel, passando a mesma a ser feita pela sociedade Good Sleep, Lda., ora Terceira Contraente, através da celebração de um contrato de arrendamento, o qual será celebrado caso sejam cumpridas as condições definidas nas alíneas a) e b) anteriores e antes da fusão prevista na alínea c).
Segunda
A Primeira Contraente aceita as condições mencionadas na cláusula anterior, comprometendo-se ao estrito cumprimento das mesmas.
Terceira
Para todas as questões emergentes deste contrato, fica estabelecido o foro da Comarca de Santarém, com expressa renúncia a qualquer outro.
Celebrado em Santarém, em 01 de fevereiro de 2016, em três cópias, todas de igual valor, as quais foram entregues a cada uma das Partes.
A PRIMEIRA CONTRAENTE
A SEGUNDA CONTRAENTE
A TERCEIRA CONTRAENTE
8- No dia 28/4/2022, realizou-se uma reunião em que esteve presente a Administradora da Insolvência e os representantes da gerência da sociedade insolvente na qual aquela foi informada da existência de um contrato de arrendamento, outorgado entre a insolvente e a A., referente ao prédio urbano sito na Av. …, Santarém, designado como Hotel “…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém com o nº … e descrito na matriz sob o artigo ….
Com data de 11.1.2023 foi remetido por JT à Administradora da Insolvência um “e-mail” com o seguinte teor :
Exma. Sra. Dra.,
Na sequência do seu mail e das constantes ameaças de V. Exa., informamos que nada temos a esconder de V. Exa., antes pelo contrário, sempre nos pautamos com total lisura e transparência, leia-se, sempre, e com uma atitude colaborante...
Desde 28 de Abril de 2022, que tivemos a primeira reunião nos escritórios do nosso advogado com V. Exa. e com mais dois funcionários seus (um senhor e uma senhora), que vos explicamos tudo, desde os contratos de arrendamento do Hotel, às dividas da Enfis Turismo, aos motivos da Insolvência, à actuação da GARVAL, às acções judiciais que tínhamos interposto contra a GARVAL, tudo. Após as referidas explicações, enviámos para V. Exas. todos os elementos que nos pediu nesse dia (por mail), seguidamente, fomos, sempre em tempo recorde, facultando todos os elementos que pediu, sempre...
Face ao exposto, não podemos aceitar a constante pressão/ameaças que V. Exa. coloca em cada mail e pedido que nos dirige.
Todos os elementos que temos foram fornecidos â contabilidade e a contabilidade remeteu para V. Exas., quanto aos cheques que solicita, neste momento, por mais que eu os queira pedir ao BIC o mesmo não os faculta, pelo que terá de ser V. Exa. a solicitar os mesmos... Pois os elementos que tinha foram entregues na contabilidade...
Para finalizar, informamos que NUNCA nos recusámos a entregar-lhe o que temos na nossa posse, NUNCA. Agora o que já não temos na nossa posse é que não lhe podemos enviar.
Melhores cumprimentos,
JT.
9- Em resposta, a Administradora da Insolvência remeteu um “e-mail”, datado de 19/1/2023, no qual se lê :
Exmo Senhor Eng° JT
Na sequência do e-mail abaixo, venho informar que não concordo com o mesmo.
Em relação à reunião, esclareço que tenho bem presente as informações prestadas agradeço mas não é preciso lembrar.
Penso, que por lapso, o Senhor Eng° não informou na reunião que eslava a utilizar uma conta no BIC em nome de uma empresa que foi à muito incorporada na Enfis (insolvente). Também não informou na reunião que a insolvente tinha comprado acções no valor de 1,860.000,00€.
Quanto à pressão/ameaças, que V. Exa. menciona, não faço, nem tão pouco foram feitas.
Foram sim, feitos vários pedidos de documentos e esclarecimentos, alguns documentos não foram enviados,
outros enviados com atraso após várias solicitações, assim como os esclarecimentos. É do conhecimento tenho prazos a cumprir
Lembro, que a contabilidade têm que espelhar corretamente os lançamentos e sem documentos/comprovativos,
não é possível, razão de solicitarmos documentos, que menciona não ter, como prova, segue em anexo cópias de 2 cheques a título de exemplo, provam que existe cópias de cheques, não é necessário solicitar ao banco, devem é fazer o favr de enviar/entregar para documentar as operações realizadas, É necessário igualmente documentos/comprovativos das transferências para a conta da Enfis. Existe operações após a declaração insolvência.
Se a contabilidade não está corretamente documentada é nossa obrigação comunicar. Lembro igualmente que foram solicitados os extratos bancários, os mesmos nunca foram entregues, entregam o do BCP, porque é do conhecimento que não têm movimento. As contas dos bancos devem ser reconciliadas.
Se existe operações que não foram atempadamente informadas/explicadas, tenho obrigação de informar, a título de exemplo, compra de acções.
O Sr. Engº JT na qualidade de gerente têm o dever de colaborar e entregar os documentes solicitados.
Espero, que fique esclarecido a razão de solicitarmos os documentos e a obrigação de informar.
Com os melhores cumprimentos
A.
Administradora Judicial
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b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente, as questões em recurso consistem em determinar :
-Se houve insuficiente instrução probatória do processo
-Se a Sentença recorrida é nula.
-Se ocorreu violação do princípio do contraditório.
-Se estão verificados os requisitos materiais da resolução em benefício da massa insolvente de acto prejudicial à massa.
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c) Vejamos, em primeiro lugar, se houve insuficiente instrução probatória do processo, nomeadamente se devem ser aditados à matéria de facto dada como provada o constante dos artigos 4º a 6º, 26º, 29º, 31º, 32º, 35º, 41º, 42º, 45º a 47º, 49º a 65º e 68º da Contestação.
No essencial, e em bom rigor, estamos perante um recurso incidente sobre a matéria de facto (sendo invocada a sua insuficiência para a decisão de Direito).
E, assim sendo, há que referir que, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B nº 1), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A, posterior artº 685º-B e actual artº 64º do Código de Processo Civil, quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 655º, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
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d) Analisados os diversos artigos que a apelante quer ver vertidos no elenco dos Factos Provados diremos que :
-Os artigos 4º e 5º são uma mera enumeração dos requisitos materiais da resolução em benefício da massa insolvente de acto prejudicial à massa, logo matéria de Direito e não de facto
-Os artigos 6º, 26º, 29º, 31º, 32º, 53º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 68º são meramente conclusivos ou constituem matéria de Direito.
-O artigo 35º é um simples “comentário” a uma afirmação da recorrida na petição inicial.
-Os artigos 41º, 42º, 49º, 50º, 51º, 54º, 55º e 57º são irrelevantes, para além de serem mera transcrição de factos que já constam de documentos juntos aos autos.
-Os artigos 45º, 46º e 47º dizem respeito à matéria relacionada com o valor do imóvel, necessária para apurar da eventual prejudicialidade do acto em relação à massa insolvente e da eventual má fé.
-Os artigos 48º e 52º são meras constatações que se retiram da leitura dos autos.
Ora, por imperativo do disposto no artº 607º nº 4 do Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da Sentença os factos julgados provados e não provados, pelo que deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de Direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.
E, assim sendo, nesta parte o recurso improcede, não se aditando aos Factos Provados os artigos 4º, 5º, 6º, 26º, 29º, 31º, 32º, 35º, 41º, 42º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º e 68º da contestação.
No entanto, quanto aos factos resultantes dos 45º, 46º e 47º apenas poderão ser apreciados em caso de improceder a invocada (pela recorrida) caducidade do direito de resolução de que abaixo se irá analisar.
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e) Vejamos, em primeiro lugar, se a decisão recorrida é nula.
As causas de nulidade da Sentença (e dos restantes despachos) vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
-Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
-Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
-Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
-Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
-Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297), na análise dos vícios da Sentença enumera cinco tipos :
-vícios de essência ;
-vícios de formação ;
-vícios de conteúdo ;
-vícios de forma ;
-vícios de limites.
Refere o mesmo Professor (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), que uma Sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pg. 686),
no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 668 e 669) considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”. A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.
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f) A primeira nulidade invocada consta do artº 615º nº 1, al. c) do Código do Processo Civil.
Esta nulidade da Sentença ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.
Na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 158º e 659º nºs. 2 e 3) de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
A obscuridade e a ambiguidade que, no entender do recorrente, possa existir entre os factos e a decisão de Direito, não constitui qualquer nulidade da Sentença recorrida que (basta lê-la) tem os fundamentos de facto e de direito em concordância lógica com a decisão, sendo a mesma, de acordo com o raciocínio nela exposto, clara e inequívoca.
Com efeito, a verdade é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da decisão, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. Isto é, quando embora mal, o Juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.
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g) Ora, neste ponto a recorrente, no essencial, defende que o Tribunal de 1ª instância aduziu fundamentação, mas que a conclusão do mesmo não pode merecer acolhimento.
Defende a apelante que, nos fundamentos da Sentença indica-se que o objecto do litígio passa pela verificação dos pressupostos legais da resolução incondicional prevista no artº 121º do C.I.R.E., reconhecendo-se expressamente que esta resolução não depende da verificação dos pressupostos gerais previstos no artº 120º do C.I.R.E. (v. fls. 3 e 26 da sentença). Porém, na decisão da Sentença conclui-se que não se verificam os requisitos gerais que habilitam a resolução de um negócio, prevista no texto do artº 120º do C.I.R.E., o qual estatui que são resolúveis em benefício da massa insolvente os actos praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
Ou seja, segundo a recorrente, o Tribunal “a quo” aplica uma regra que entendeu não ser aplicável à resolução incondicional, que integra o objecto do presente litígio.
E conclui que, deste modo, verificou-se claro “vício de raciocínio do julgador”.
Vejamos :
É dito na Sentença, a propósito da delimitação do litígio : “Em face do alegado pelas partes nos articulados, importa aferir se em 3.11.2022 o direito de resolver o contrato de arrendamento para fins não habitacionais outorgado em 5 de Setembro de 2017 e respectivo aditamento de 1.12.2019, referente ao prédio urbano sito na Av. …, designado como Hotel …, já tinha caducado/prescrito. Na negativa, importa ainda aferir se verificam os pressupostos legais da resolução incondicional declarada pela Administradora de Insolvência na carta resolutiva”.
Ora, a nosso ver, a referência à resolução incondicional feita nesta passagem da Sentença, só é entendível como sendo um manifesto lapso do Juiz subscritor da decisão.
Com efeito :
-Em algum momento da petição inicial, apresentada pela recorrida, é feita alusão à resolução incondicional prevista no artº 121º do C.I.R.E..
-Na sua contestação, a recorrente também nada refere sobre esse tipo de resolução e apenas invoca o disposto nos artºs. 120º e 123º do C.I.R.E. (ver, a título de exemplo os artigos 3º, 5º e 12º da contestação).
-Na própria Sentença, com excepção da passagem acima transcrita, nunca mais se refere, a resolução incondicional, a não ser aquando da descrição geral do regime da resolução em benefício da massa insolvente. E em momento algum se faz a aplicação em concreto do artº 121º do C.I.R.E..
-Na carta de resolução (Facto Provado 3.) é dito expressamente que :
“Assunto: Notificação de Resolução de Contrato de Arrendamento para fins não habitacionais e respetivo aditamento outorgado em 2019.12.01, emitida nos termos do artº 123º, nº 1, e baseada no artigo 120º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa (…)”.
E na restante carta, nada é referido sobre a resolução incondicional, o que significa que a recorrente, em momento algum, optou por invocar aquela.
Assim sendo, temos de concluir inexistir qualquer oposição ou contradição entre os fundamentos e a decisão, pois a referida alusão à resolução incondicional (isto é o que resulta claramente do texto da Sentença e de todo o processado) deve-se a mero lapso.
Ou seja, nunca o objecto do litígio passou pela análise à verificação dos pressupostos legais da resolução incondicional previstos no artº 121º do C.I.R.E.. Daí que o Tribunal “a quo” tenha concluído pela não verificação dos requisitos gerais que habilitam a resolução de um negócio, previstos no texto do artº 120º do C.I.R.E., pois era esse o objecto do litígio.
Assim esta situação não configura a alegada causa de nulidade da Sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.
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h) Vejamos, agora, se ocorreu violação do princípio do contraditório.
Veio a recorrente arguir a nulidade processual da decisão recorrida, com fundamento na prolação de uma decisão-surpresa.
Para tanto, diz a apelante que a Sentença recorrida constitui uma decisão-surpresa, tendo violado os princípios do contraditório, do seu direito de acesso aos Tribunais e da proibição de indefesa. E isto porque se verifica, relativamente à questão da “falta de verificação de um dos requisitos gerais que habilita a resolução de um negócio”, que a mesma não foi invocada pela recorrida, tendo-se esta limitado a invocar que “o direito à resolução caducou”; além disso, diz que não foi objecto de prévia notificação às partes, “máxime” à apelante, para exercer o contraditório e sobre ela se pronunciar. Conclui que tal questão foi “inovatoriamente decidida na sentença recorrida”.
Decidindo :
O artº 3º nº 3 do Código Processo Civil impede que o Tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, accione o contraditório, excepto os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
E importa, antes de mais, fixar o conceito de decisão-surpresa.
Na maioria das legislações europeias, onde se pretendem estabelecer regras de um processo justo, o Juiz tem o dever de participar na decisão do litígio participando na indagação do direito, sem que esteja confinado à alegação de direito feita pelas partes.
A questão que se coloca na Doutrina é saber se tendo, por exemplo, sido dirigido ao Tribunal um pedido para apreciar se ocorreu um incumprimento contratual o Juiz pode, oficiosamente, na apreciação de mérito a que procede declarar a nulidade do contrato. Vale por dizer se é legítimo neste caso o Juiz decidir sobre a nulidade de um contrato sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão e sem que, previamente, tenha convocado as partes a pronunciar-se sobre esta hipótese decisão. Ou seja, o Juiz, de forma absolutamente inopinada, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta decisão do litígio. Não tendo, no entanto as partes configurado a questão na via adoptada pelo Juiz caber-lhe-ia dar-lhes a conhecer a solução jurídica que pretenderia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos.
Não subsistem dúvidas de que na estruturação de um processo justo o Tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Trata-se da emanação dos princípios fundantes do processo justo como sejam os princípios de cooperação, boa-fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o Tribunal.
Ora, embora o artº 3º nº 3 do Código Processo Civil exija do Juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, ressalva os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
Afigura-se-nos, assim, que pode ser arguida a nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo Tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Isto é, as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de suporte, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo Tribunal) que poderiam trazer alguma luz sobre a posição oficiosamente assumida pelo Tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do Tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório.
O certo é que se o Juiz envereda por uma posição diversa e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a “nova” solução, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afecta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo Tribunal.
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i) No caso concreto, é possível verificar que a recorrida, na petição inicial, refere que a Administradora da Insolvência não cumpriu o prazo do previsto no artº 123º nº 1 do C.I.R.E., daí que, o direito tenha caducado.
E conclui ainda que, em face de tais factos, “deve V. Exa. considerar a resolução improcedente e, por conseguinte, decretar a manutenção e validade do contrato de arrendamento”.
Na contestação apresentada pela recorrente vem esta impugnar expressamente a caducidade do seu direito e, a partir do artº 37º de tal peça processual vem defender a verificação dos requisitos da resolução.
Ora, aquilo que o Tribunal fez na decisão posta em crise foi, precisamente, analisar a questão da eventual caducidade do direito da recorrente nos termos do artº 123º do C.I.R.E.. E, concluindo que o direito à resolução do acto com base em tal preceito não havia caducado, passou de imediato a analisar a verificação dos requisitos gerais da resolução, constantes do artº 120º do C.I.R.E.. A final, entendeu que o acto resolutivo havia sido praticado para além do prazo fixado no artº 120º nº 1 do C.I.R.E..
Deste modo, não é possível concluir que a análise dos pressupostos da resolução seja uma absoluta novidade para a recorrente, que até abordou o tema na sua contestação e nas alegações de Direito, subsequentes à Audiência Prévia, onde submeteu parte das mesmas ao tema “Do Cumprimento do art. 120º/1 do CIRE”.
Ou seja, a recorrente tinha perfeita consciência da existência desta questão e teve a oportunidade de sobre ela se pronunciar.
Não se pode, assim, dizer que a decisão proferida fosse uma decisão-surpresa, pois a tramitação processual foi a adequada e a recorrente estava avisada sobre a possibilidade de a decisão ser proferida com o sentido em que o foi.
Assim sendo, e porque inexiste qualquer decisão-surpresa, entendemos que o recurso improcede nesta parte.
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j) Por fim, vejamos se estão verificados os requisitos materiais da resolução em benefício da massa insolvente de acto prejudicial à massa, nomeadamente o requisito temporal consagrado no artº 120º nº 1 do C.I.R.E..
Entendeu o Tribunal “a quo” que “a Administradora da Insolvência procedeu à resolução de um negócio celebrado mais de dois anos antes do início do processo de insolvência”.
Vejamos, então, o regime legal de tal resolução.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.) instituiu o regime da resolução em benefício da massa insolvente (cf. artºs. 120º a 126º do C.I.R.E.) que visa salvaguardar as acções anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efectivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores.
A resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades :
-A resolução condicional prevista no artº 120º do C.I.R.E.;
-A resolução incondicional prevista no artº 121º do C.I.R.E..
Assim, enquanto o primeiro dos apontados preceitos prevê, sob a epígrafe “princípios gerais”, o que acima designámos por fundamentos de resolução condicional, o subsequente artº 121º nº 1 do C.I.R.E., estabelece, taxativamente, fundamentos de resolução que a própria lei chama de incondicional, no sentido de que a resolução negocial em benefício da massa não depende de quaisquer requisitos que não estejam ali previstos, de modo alternativo, em cada uma das suas alíneas, dispensando, assim, no essencial, o requisito da má-fé de terceiro exigido nos casos de resolução condicional (cf. artº 120º nº 4 do C.I.R.E.).
Qualquer acto que não esteja previsto na enumeração do artº 121º nº 1 do C.I.R.E., só poderá ser resolvido em benefício da massa insolvente se se verificarem os pressupostos do artº 120º do C.I.R.E..
Com uma e outra das referidas modalidades de resolução previstas no C.I.R.E., permite-se que o Administrador da Insolvência, através daquele instituto, extinga actos que, por terem sido realizados em determinadas circunstâncias ou condições, afectam de modo relevante os fins do processo de insolvência, como seja, principalmente, a satisfação igualitária dos direitos dos credores, assim eliminando vantagens que o devedor tenha concedido a algum credor, recuperando a massa as correspondentes atribuições patrimoniais.
É assim que o artº 120º nº 1 do C.I.R.E., estabelece a regra geral de que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”.
O nº 2 do citado normativo define a prejudicialidade dos actos em relação à massa insolvente como aqueles que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
O nº 3 do preceito estabelece uma presunção “iuris et de iure” (assim, sem admissão de prova do contrário) de prejudicialidade relativamente à massa de actos determinados, precisamente os que estão tipificados no artº 121º nº 1, als. a) a i) do C.I.R.E., ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
A resolução condicional pressupõe ainda a má-fé do terceiro, cuja existência se presume (presunção “iuris tantum” – artº 350º nº 2 do Código Civil) “quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data” (artº 120º nº 4 do C.I.R.E.), sendo cumulativos estes dois requisitos de tempo e relacionamento especial. Tem vindo a entender-se que as situações que relevam no âmbito da referida relação especial são as que constam do artº 49º do C.I.R.E., incluindo as que já não existiam à data do acto ou que apenas existiram depois da sua prática (cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “C.I.R.E. anotado”, 2009, pg. 429).
Não sendo caso de presumir a má-fé, esta ocorre nas situações previstas no artº 120º nº 5 do C.I.R.E., ou seja, quando, à data do acto, o terceiro conheça, em alternativa, as seguintes circunstâncias :
-De que o devedor se encontrava em situação de insolvência ;
-Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente ;
-Do início do processo de insolvência.
Esta norma refere-se à insolvência de facto e actual.
Em resumo, são requisitos gerais de resolução (cf. Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, Relator Filipe Caroço, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) :
-Realização pelo devedor de determinado acto.
-Prejudicialidade do acto em relação à massa insolvente.
-Verificação desse acto nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
-Existência de má-fé do terceiro.
Deve ter-se em consideração que, quando a lei se refere a anterioridade ao “início do processo de insolvência” consideram-se também ali incluídos os actos praticados entre esse momento e momento posterior da prolação da sentença declaratória de insolvência, sob pena de lavrarmos num absurdo jurídico. Seria ilógico que fosse resolúvel um acto prejudicial praticado pelo devedor antes do início do processo e não o fosse outro da mesma categoria, e igualmente prejudicial, mas praticado entre o momento do início do processo e o da declaração de insolvência (neste sentido cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “C.I.R.E. anotado”, 2009, pg. 430).
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k) Importa ter presente que a presente acção, como vem sendo entendido de modo uniforme pelo S.T.J. (ver Acórdãos do S.T.J. de 25/2/2014, Relatora Ana Paula Boularot, de 20/3/2014, Relator Azevedo Ramos, e de 29/4/2014, Relator Pinto de Almeida, todos consultados na “internet” em www.dgsi.pt), ao ter por desiderato atacar os fundamentos da resolução efectuada e nos precisos termos em que foi a mesma ultimada, impõe-se ser caracterizada como sendo de mera apreciação negativa , pois em causa está “uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica concreta e precisa, paralela à das acções de impugnação de escritura de justificação notarial e com a qual não se pretende, não se visa e não se pode concluir, por uma qualquer condenação, pretendendo-se antes a declaração de que a resolução de acto a favor da massa insolvente não produziu qualquer eficácia” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 24/11/2016, Relator António Santos, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Explicando melhor a razão da referida caracterização, concretiza o Acórdão do S.T.J. de 20/3/2014, Relator Azevedo Ramos, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), que “a alegação da inexistência de prejudicialidade do acto ou de má fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercido pelo Administrador da Insolvência”.
Daí que, acrescenta-se no referido Acórdão do S.T.J. que “a inexistência de prejudicialidade ou de má fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção do direito potestativo de resolução, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito”.
Em conclusão, diz a referida decisão do S.T.J., “é de concluir que, na presente acção de impugnação, incumbe à ré, Administradora da Insolvência, a prova dos requisitos da resolução do negócio, invocados na carta, dirigida ao autor ”.
Ou seja, em razão da referida caracterização da acção como de mera apreciação negativa (posição que seguimos), e por força do disposto no artº 343º nº 1 do Código Civil, é ao demandado (ou o autor da resolução do acto praticado pelo devedor declarado insolvente) que incumbe o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que se arroga e os quais, em principio, hão-de ter sido alegados na respectiva carta de comunicação resolutiva (cf. Acórdão do S.T.J. de 25/3/2014, Relator João Camilo, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), e isto porque lícito não é que uma deficiência de fundamentação da declaração de resolução possa ser suprida na contestação da respectiva acção de impugnação.
Em conclusão, é ao réu demandado na acção de impugnação da resolução (acção do artº 125º do C.I.R.E.) , que incumbe o ónus de alegação e prova dos factos susceptíveis de integrar a previsão, ou de uma resolução condicional (ou seja, a alegação e prova do prazo de dois anos do artº 120º nº 1 do C.I.R.E., o carácter prejudicial à massa e a má fé – cf. artº 120º nºs. 1, 2, 3 e 4 do C.I.R.E.) , ou de uma resolução incondicional (isto é, a alegação e prova de acto subsumível a uma qualquer alínea do artº 121º nº 1 do C.I.R.E., ou seja, a prova de requisitos relativos a circunstâncias de vária ordem que rodearam a prática do acto, e , ainda, de um requisito temporal, de duração variada – cf. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª Ed., pg. 505.).
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l) “In casu” verifica-se que, sendo o contrato de arrendamento para fins não habitacionais aqui posto em crise outorgado em 5/9/2017, e tendo o Processo de Insolvência tido o seu início em 4/12/2020, é possível concluir que o eventual acto prejudicial à massa foi praticado mais de dois anos antes da propositura do processo de insolvência, não se mostrando verificado o requisito da resolução em benefício da massa insolvente consagrado no artº 120º nº 1 do C.I.R.E..
No entanto, diz a recorrente que, tendo o contrato de arrendamento em causa sido celebrado em 5/9/2017, e posteriormente sido objecto de um aditamento outorgado pelas mesmas partes em 1/12/2019, deve ser esta última a data a atender para efeitos do artº 120º nº 1 do C.I.R.E., pelo que foi o acto em causa praticado nos dois anos anteriores ao início do Processo de insolvência.
Ora, é certo que, na carta de resolução de 2/11/2022 (Facto Provado 3.) a Administradora de Insolvência referiu expressamente que “o contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado no dia 05.09.2017, foi objecto de um aditamento outorgado pelas mesmas partes, em 01.12.2019, no qual se consignou que o mesmo apenas produziria efeitos a partir de 01.12.2019, portanto, tal acto foi praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (…)”. Ou seja, segundo esta posição, a eventual prejudicialidade do negócio para os credores da Massa Insolvente foi determinada pelo aditamento de 1/12/2019 (sendo que na Cláusula 2ª do aditamento é referido expressamente que as parte acordaram que “o contrato de arrendamento produzirá os seus efeitos a partir da presente data”).
Afigura-se-nos que no caso “sub judice”, onde está em causa um contrato de arrendamento, que inclui um aditamento celebrado cerca de dois anos e três meses depois, o prazo de dois anos referido no artº 120º nº 1 do C.I.R.E. deve ser analisado com atenção, dependendo da natureza do aditamento e do impacto que este tenha no conteúdo original do contrato. Isto é, a questão essencial é saber se o aditamento constitui um novo acto jurídico autónomo ou se apenas complementa ou ajusta o contrato original sem alterar substancialmente os seus efeitos.
Assim, afigura-se-nos que se o aditamento alterar substancialmente os termos do contrato original (modificando cláusulas essenciais do contrato, como a duração, o valor da renda, ou outros aspectos fundamentais que possam afectar os interesses da Massa Insolvente) poderá ser considerado como um novo acto jurídico. E, nesta situação, o aludido prazo de dois anos conta-se a partir da data em que o aditamento foi celebrado, já que o aditamento pode ser considerado o momento relevante para o acto potencialmente prejudicial.
Porém, se o aditamento apenas complementa ou clarifica o contrato original, não alterando substancialmente as obrigações já existentes no contrato inicial, aquele terá de ser considerado como parte integrante do contrato original. Nesse caso, o prazo de dois anos deverá ser contado a partir da data do contrato inicial, e não do aditamento.
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m) No caso concreto, é certo que o contrato inicial incluiu uma cláusula suspensiva relativamente à sua entrada em vigor (Cláusula 3ª). E a Cláusula 2ª estipula que o contrato de arrendamento produzirá os seus efeitos a partir de 1/12/2019.
Este último acto jurídico, conforme resulta da leitura do seu clausulado, não altera as cláusulas essenciais do contrato de arrendamento de 5/9/2017, nomeadamente a sua duração e o valor da renda, acabando, em bom rigor, por não ter impacto na relação contratual.
Ora, o eventual acto prejudicial para a Massa Insolvente é o de disposição do edifício (Hotel) em favor de terceiro, acto que eventualmente poderia diminuir ou dificultar a satisfação dos credores do Processo de insolvência. E essa disposição ocorreu, manifestamente, com o contrato de arrendamento de 5/9/2017.
Deste modo, temos que concordar plenamente com a decisão recorrida, quando refere que “foi o contrato de arrendamento (pois é este o cerne e a fonte da vinculação da insolvente), que criou na ordem jurídica um conjunto de direitos e obrigações recíprocos, que a Sra. Administradora de Insolvência considera prejudiciais à massa insolvente. Nestes termos não é defensável que tenha sido o aditamento ao contrato de arrendamento (que, como resulta da própria designação, é apenas um “plus” e não “o” contrato) que fez surgir o prejuízo para a massa insolvente, sendo este apenas uma concretização do já estipulado no acordo celebrado em 2017”.
Assim sendo, teremos de concluir que não se mostra preenchido o requisito temporal consagrado no artº 120º nº 1 do C.I.R.E. (existência de um acto prejudicial à massa praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência), pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir pela falta de verificação de um dos requisitos materiais da resolução de um negócio em benefício da massa insolvente.
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n) Em face da conclusão da Fundamentação de Direito, torna-se desnecessário, como acima se referiu, analisar os factos vertidos nos artigos 45º, 46º e 47º da contestação.
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o) Em face de tudo o que se expôs, é manifesto que o recurso terá de improceder, havendo que confirmar a decisão recorrida.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas : Pela recorrente (artigo 527º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 11 de Março de 2025 Pedro Brighton Fátima Reis Silva Nuno Teixeira