INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO
AVALIAÇÃO
PODERES DO TRIBUNAL
Sumário

Sumário da responsabilidade da relatora, cfr. art. 663º, nº7 do CPC.:
A iniciativa e decisão sobre os termos da venda dos bens da massa insolvente, que inclui a fixação do valor base ou do valor mínimo de venda, não são questões a submeter à apreciação, sindicância e autorização judicial posto tratar-se de matéria que não é da competência do tribunal mas, única e exclusivamente, do Administrador da Insolvência.

Texto Integral

Acordam as juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório:
1. No âmbito do processo de insolvência de A.[1] o Sr. administrador da insolvência (AI) procedeu à apreensão de fração urbana[2] e em 17.01.2024 juntou plano de liquidação de venda dos bens informando que vai promover a venda nos termos sugeridos pelo credor hipotecário (‘BTL Ireland Acquisitions II DAC’), através de leilão eletrónico pelo valor mínimo de venda de €505.791,65, tendo já requerido à insolvente a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas até 19.02.2024.
2. Em 28.02.2024 a insolvente alegou que o imóvel “possui todas as qualidades para ser apresentado no mercado imobiliário com um valor consideravelmente superior” ao valor mínimo de venda proposto por credor e requereu “seja realizada uma avaliação externa do imóvel aqui em causa, fixando-se um valor atualizado e real, com vista a procederem à realização da venda judicial do mesmo.”
3. Por despacho de 04.03.2024 o dito requerimento foi indeferido “por falta de fundamento legal.
4. Inconformada, a insolvente apresentou o presente recurso, requerendo a revogação daquela decisão. Apresentou conclusões que, não obstante como tal epigrafadas, não cumprem minimamente o ónus de sintetização imposto pelo art. 639º, nº 1 do CPC por corresponderem à reprodução da motivação do recurso, razão pela qual não se procede à sua transcrição. Suprindo a referida deficiente prestação processual da recorrente, sintetizam-se as conclusões das alegações de recurso nas seguintes:
a) Não se encontra prevista qualquer limitação às formalidades aplicáveis à venda no processo executivo, logo não está justificada a não audição do insolvente a respeito da modalidade da venda.
b) A audição do credor com garantia real imposta pelo art. 164º do CIRE não proíbe a audição do insolvente nem afasta a possibilidade e o interesse deste em ser ouvido, que é legítimo.
c) O valor apresentado para a venda do imóvel tem por base uma avaliação de 2022 que está aquém da realidade porque desde então o mercado imobiliário sofreu profundas transformações.
d) Uma avaliação externa do imóvel para determinar o seu valor atual salvaguarda o interesse dos credores.
e) A decisão sob recurso faz uma errada interpretação do art. 164º do CIRE, desconsidera os interesses dos demais credores, e ignorou os fundamentos que apresentou no seu requerimento.
 5. Não foram apresentadas contra-alegações.
II – Objeto do recurso – Questões a apreciar:
É consensual que, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do art. 662º nº 2 e 608º, nº 2, este, ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC, o objeto do recurso é delimitado pelo objeto da ação/incidente e definido pelas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito da pronúncia do tribunal ad quem às questões de facto e de direito suscitadas pelo recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), dever de pronúncia que não se estende aos argumentos produzidos nas alegações das partes com vista a convencer da bondade legal da sua pretensão.
Assim, considerando o teor da decisão recorrida, o requerimento sobre o qual incidiu, e as conclusões das alegações de recurso, cumpre apenas apreciar se o insolvente tem legitimidade para requerer e o juiz da insolvência para ordenar a realização de avaliação de bens apreendidos para a massa insolvente com vista à fixação do respetivo valor de venda.
III – Fundamentação
A) De Facto
Para além das incidências processuais acima relatadas, do processo especial para aprovação de plano de pagamentos e da liquidação em apenso resultam os seguintes atos:
1. No âmbito do plano de pagamentos que a recorrente apresentou no PEAP e submeteu à votação dos credores declarou que o seu passivo ascende ao valor de cerca de €200.000,00 e que o imóvel de que é titular tem um valor ‘histórico’ de €232.161,21[3], e estimou que num cenário de liquidação seria convertido no montante pecuniário de cerca de €162.500,00.
2. Na execução do plano de liquidação o AI inscreveu/disponibilizou o imóvel para licitação no portal e-leilões, com início em 12.08.2024 e termo às 10h30 do dia 02.10.2024, pelo valor base de €595.049,00, valor de abertura €29.524,50, e valor mínimo €505.791,65.
3. Foram apresentadas propostas nos dias 30.09 e 02.10.2024 entre os valores de €510.959,95 e €660.042,78 e, a última, no valor de €701.006,81, apresentada às 10h29 por B.
3. Em 04.10.2024 o AI informou do resultado do leilão, que irá proceder à adjudicação pela proposta mais alta apresenta, e que procedeu à notificação para exercício de remição nos termos do art. 842º e ss. do CPC.
4. Em 05.11.2024 o AI informou que na ausência de resposta à sobredita notificação, e em 15.10.2024 notificou a proponente para assinatura do contrato promessa de compra e venda e entrega do respetivo sinal no prazo de 15 dias, que decorreu sem que aqueles atos tenham sido cumpridos.
5. Em 03.10.2024 a proponente B. requereu nos autos a concessão de prazo não inferior a 60 dias para obtenção de aprovação de concessão de crédito bancário necessário para cumprimento da proposta e o AI comunicou que aguardava pronúncia do tribunal sobre o requerimento para poder dar continuidade à liquidação, sobre o que recaiu despacho de 19.11.2024 consignando que as diligências da liquidação do ativo incumbem ao AI e que, verificado o incumprimento do proponente, deverá proceder em conformidade com o disposto no CPC.
6. Em 02.12.2024 o AI informou nos autos que iria desconsiderar a proposta de B. por incumprimento da mesma, que procedeu à notificação do 2º melhor proponente e este não revelou interesse na proposta que apresentou no leilão, no valor de €653.864,06, e que diligenciou novamente pela inserção da venda para licitação do imóvel na plataforma do leilão eletrónico naquele valor, com início em 02.12.2024 e termo em 19.12.2024.
7. Em 19.12.2024 o AI informou que a proposta mais alta apresentada foi no valor de €609.990,00, por C., que procedeu à notificação para exercício de remição nos termos do art. 842º e ss. do CPC.
 8. Em 03.01.2024 o AI informou que na ausência de resposta à sobredita notificação, nessa data notificou a proponente para assinatura do contrato promessa de compra e venda e entrega do respetivo sinal no prazo de 15 dias, que decorreu sem que aqueles atos tenham sido cumpridos.
9. Em 20.01.2024 a proponente C. requereu nos autos a concessão de prazo não inferior a 75 dias para obtenção de aprovação de concessão de crédito bancário necessário para cumprimento da proposta e em 22.1.2024 o AI comunicou que informou a proponente da não aceitação do pedido dada a natureza urgente do processo e que avançou com nova tentativa de venda através do portal e-leilões para licitação até 11.02.2025, sendo o valor base de €595.049,00, valor de abertura €29.524,50, e valor mínimo €505.791,65.
10. Em 11.02.2025 o AI informou que a proposta mais alta foi apresentada por B., pelo valor de €600.050,00, que irá proceder à adjudicação pela dita proposta, e que procedeu à notificação para exercício de remição nos termos do art. 842º e ss. do CPC.
11. Em 20.02.2025 o AI informou que na ausência de resposta à sobredita notificação notificou a proponente por carta registada de que a escritura pública de compra e venda se encontra agendada para o dia 14.03.2025, pelas 11h00.
B) De Direito
A questão a dirimir insere-se no âmbito da atividade de liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente, pelo que a sua apreciação convoca as normas que a regulam: as especialmente previstas pelo CIRE[4] e, na falta ou insuficiência destas, nos termos do art. 17º deste diploma, subsidiariamente remete para as disposições aplicáveis do Código de Processo Civil (CPC), realçando-se que, seja pelo princípio geral da aplicação subsidiária, seja por força das remissões especial e expressamente previstas no CIRE, as disposições do CPC apenas se aplicam se e na medida em que não contrariem as disposições do CIRE.
Pretende a recorrente que o tribunal ordene a avaliação ‘externa’ do imóvel apreendido para a massa insolvente com vista à alteração do valor de venda fixado pelo AI. Pretensão que parte de dois pressupostos erróneos: que na fixação do valor da venda se impõe considerar o que a respeito é requerido pelo devedor, e que o juiz tem o poder/legitimidade funcional para ordenar a realização de diligências em ordem à fixação desse valor.
Conforme arts. 1º, nº 1 e 250º do CIRE, o processo de insolvência de pessoa singular assume-se como ação executiva universal e concursal que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação do património para afetação do respetivo produto na satisfação dos direitos dos credores, prosseguida através de um processo especial (o processo de insolvência, entendido em termos amplos, abrangendo processo principal e apensos) que visa a maximização da satisfação dos direitos de crédito sobre o devedor pelo património e que, em sede de pagamentos, obedece a uma ordem especialmente prevista para a insolvência, determinada pela prévia qualificação dos créditos.. Universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art. 46º, nº 1 e 2 (…) salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Concursal porque, conforme arts. 90º, 128º e 146º, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza.
As especialidades previstas no âmbito do processo de insolvência foram e são largamente determinadas pelo propósito legal de reforçar a desjudicialização do procedimento falimentar, propósito do CIRE que surge claramente manifestado nas competência e responsabilidade funcionais que atribuiu ao AI na atividade da apreensão e liquidação dos bens e direitos que integram a massa insolvente ao órgão da insolvência Administrador da Insolvência (cfr. arts. 55º, nº 1, al. a), 149º, 158º e 164º do CIRE). Como se prevê no art. 2º, nº 1 do Estatuto do Administrador Judicial, O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes (...) da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei.  Desta atribuição decorre que, exceção feita a atos processuais expressamente previstos no CIRE, a lei não atribui nem reconhece legitimidade aos credores, ao juiz da insolvência e, por maioria de razão, aos devedores, para impor ou proibir ao AI a prática de concretos atos em representação da insolvente/massa insolvente, designadamente, em sede de diligências de venda, cujo cumprimento/realização o legislador deixou no exclusivo poder/dever de decisão/iniciativa/responsabilidade do AI, responsável pelo cumprimento do processo, ponderando as reais possibilidades de obtenção, célere, do melhor preço pelos bens em liquidação. É certo que a lei não atribui nem reconhece ao AI um qualquer poder arbitrário de agir como bem entender posto que o vincula ao dever de atuar em conformidade com os normativos legais que regulam a atividade de liquidação (lato senso), em cada ato em que esta se consubstancia e, no exercício discricionário dos poderes-deveres que lhe são atribuídos, está vinculado a enformar a sua atuação pelo objetivo das funções que lhe são acometidas - a melhor satisfação do interesse do coletivo dos credores. Mas, sem prejuízo da responsabilização do AI perante o devedor e os credores da insolvência e da massa nos termos do art. 59º, das consequências da inobservância dos procedimentos legais a que está adstrito (nos termos dos arts. 164º, nº 2 e 3 do CIRE e 195º do CPC) e do poder dever de fiscalização do juiz e da comissão de credores (esta, quando exista), é ao AI que, cumprindo princípios de eficácia, celeridade e máxima otimização, tem competência exclusiva e poderes discricionários para, de acordo com critérios objetivos de oportunidade e de racionalidade, decidir o que entender por conveniente no que respeita à liquidação dos bens apreendidos, o que inclui decidir os termos da venda dos bens que, como é óbvio, inclui a fixação do valor base dos mesmos. A decisão cabe ao AI, sem que dependa da concordância, aprovação ou autorização de qualquer credor (sequer do credor real), sendo que estes são os titulares da finalidade visada alcançar e tutelar pela insolvência na qualidade de principais e primeiros interessados na otimização do resultado da liquidação pelo que, por maioria de razão, o AI não está adstrito à aprovação, e muito menos, a condições impostas pelo devedor, nem tão pouco subordinado ou dependente de autorização judicial ou do que o juiz da insolvência entenda como adequado, pertinente ou oportuno ao cumprimento da liquidação, seja oficiosamente ou a requerimento do devedor ou de qualquer credor.
A recorrente mais alega que o pedido que formulou surge no âmbito da pronúncia sobre o plano de liquidação dos bens que lhe foi notificado nos termos do CIRE e do disposto no art. 812º, nº 7 do CPC. Ora, para além de o art. 158º,  nº 1 do CIRE não determinar a notificação do plano pelo AI ou pela secretaria do tribunal – ficando disponível nos autos para consulta pelos interessados –, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que as disposições do art. 812º (assim como do art. 816º) do CPC estabelecidas para o processo de execução não têm aplicação no processo de insolvência, designadamente o nº 6 do art. 812º. Norma que, no processo executivo, impõe a notificação pessoal da decisão sobre os termos da venda ao exequente, ao executado, e aos credores reclamantes com garantia real sobre o bem a vender e, como consequência processual lógica desse dever legal de audição, o nº 7 estabelece o poder dever de o juiz decidir as discordâncias que na sequência da mesma sejam manifestadas a respeito do projeto de venda. Ora, ao órgão juiz da insolvência não assiste esse poder-dever, de sindicância dos termos da venda dos bens da massa insolvente projetada pelo AI, pelo que mal se compreenderia a exigência processual da sua audição para a respeito previamente se pronunciar. Com efeito, das características do processo de insolvência – celeridade, desjudicialização das atividades de apreensão e liquidação, e natureza consultiva do processo - resulta que, para além do dever de relato das atividades realizadas no âmbito da liquidação devido cumprir nos termos do art. 61º, o CIRE não condiciona a realização das diligências de venda à prévia autorização do órgão juiz da insolvência, nem, por maioria de razão, à prévia auscultação do insolvente.
No cumprimento da venda o AI está apenas adstrito ao dever de audição do credor com garantia real sobre o bem objeto da venda, conforme dispõe o artigo 164.º, n.º 1 e 2. Dever de procedimento que tampouco lhe impõe o dever de diligenciar de acordo com o que por aquele seja solicitado, designadamente, com vista à fixação do valor base de venda. O que a contrario resulta desta norma é que, com exceção dos credores com garantia real, a lei não vincula a sua realização à prévia audição e, muito menos, à concordância ou autorização de qualquer credor. Sendo estes os titulares dos interesses visados tutelar pela insolvência e os principais e primeiros interessados na otimização do resultado da liquidação, por maioria de razão se impõe entender que o AI não está vinculado à audição dos devedores prévia à venda do bem comum, e muito menos está condicionado à aprovação, concordância ou autorização, por estes, do valor da venda projetada.
Em consequência, falece legitimidade aos demais órgãos da insolvência – comissão de credores, assembleia de credores e juiz da insolvência - para impor ou proibir ao AI a prática de atos em representação da insolvente/massa insolvente, designadamente, em sede de valor/registo de oferta, cuja concreta aferição o legislador deixou no poder de decisão/iniciativa/responsabilidade do AI, responsável pelo cumprimento da liquidação.
São neste sentido as palavras, lapidares, do acórdão desta Relação de 12.04.2018: “(…) é ao AI, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir, e com a necessidade do consentimento desta ou da assembleia quanto a determinados actos, que compete a liquidação dos bens que integram a massa insolvente, incumbindo-lhe promover a alienação desses bens, ou seja, proceder à venda/alienação deles, por qualquer modalidade que tenha, justificadamente, por mais conveniente; o juiz apenas fiscaliza essa actividade do AI, exigindo-lhe informações ou um relatório sobre essa actividade e estado da liquidação; em consequência dessa fiscalização [que nada tem a ver com o poder de dar instruções ou impedir o AI de actuar como entender – veja-se neste sentido a obra referida de Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, 3.ª edição, págs. 340/341 e 603/604] pode o juiz destituir o AI se fundadamente considerar existir justa causa, designadamente se a liquidação não for, injustificadamente, encerrada num ano ou nos subsequentes 6 meses, prorrogáveis; (…). Em consequência desta privatização de funções, o AI fica também com as responsabilidades inerentes ao exercício das mesmas, ou seja, responde pelos danos causados – por si ou pelos seus auxiliares – ao devedor e aos credores. Quer tudo isto dizer que, para além do supra referido, não se pode pedir ao juiz que faça seja o que for na actividade de liquidação dos bens da massa insolvente, designadamente que determine seja o que o for ao AI, por exemplo, que o AI faça a venda/marque a escritura da venda, ou fixe ou conceda prazos para o exercício de direitos relacionados com a liquidação, ou que notifique o credor hipotecário para esclarecer a sua posição quanto à proposta de venda feita por outro credor ou para dar o seu acordo à venda pelo valor proposto ou para apresentar nova proposta; e muito menos o AI pode pedir ao juiz autorização para a venda nos termos por ele pretendidos. (…). O juiz não é um órgão auxiliar do AI, não lhe cumprindo executar tarefas compreendidas no exercício da actividade do AI. A alienação dos bens é função do AI e a responsabilidade pelos danos causados com ela é dele. O AI não pode, ao mesmo tempo que colhe os benefícios da privatização de funções judiciais, transferir a prática dos actos dessas funções para o tribunal e com ela socializar as responsabilidade pelos actos que lhe incumbem. Nem no todo nem em parte. Aos benefícios correspondem as responsabilidades. Não pode, por isso, tentar acolher-se debaixo da protecção de decisões do tribunal, nem partilhar com ele a responsabilidade pelos danos que vier a causar e de que lhe venha a ser pedida a indemnização.
No mesmo sentido, entre outros, os seguintes acórdãos:
Da Relação de Évora de 21.11.2019, assim sumariado:
I- O administrador da insolvência tem competência exclusiva para decidir qual a modalidade da venda dos bens que integram a massa insolvente, bem como para fixar o preço base dos bens, como dispõe o artigo 164.º, n.º 1, do CIRE.
II- A sua competência apenas se encontra limitada, devendo ouvir o credor, nos casos em que este seja titular de garantia real sobre o bem a vender, como previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
III- Na alienação dos bens que integram a massa não deve ser ouvido o devedor insolvente, acerca da modalidade da venda ou sobre o valor base dos bens, pelo que o requerimento do devedor para que o administrador proceda a nomeação de perito para avaliação dos bens deve ser indeferido.
Da mesma Relação (Évora) de 22.10.2020, de cujo sumário consta que “III. O legislador insolvencial desenhou um regime próprio para a venda, remetendo neste domínio para o processo executivo apenas e só quando entendeu fazê-lo (cfr. n.ºs 1, 3, na parte final, e 5, do art.º 164.º), dispondo diferentemente quanto ao mais, não sendo aplicável quanto dispõem os art.ºs 812.º e 816.º do CPC, pelo que o Sr. AI não tem o dever de comunicar à devedora insolvente a modalidade da venda, o preço da venda projectada ou obter dela o consentimento para proceder à venda por montante inferior a 85% do valor base previamente fixado, não constituindo a omissão de tais actos qualquer irregularidade.
Da Relação de Lisboa de 26.04.2022, de cujo sumário consta que “4–Não há lugar à aplicação do disposto nos arts. 812º e 816º do CPC nos termos do art. 17º nº1 do CIRE, dado que a tramitação prevista naqueles preceitos contraria o regime especificamente desenhado pelo legislador da insolvência para a liquidação do ativo.
5–O Administrador da Insolvência não tem, assim, que ouvir todos os credores e o insolvente quanto à modalidade da venda, à formação de lotes e ao preço a anunciar.
Da Relação de Guimarães de 29.05.2024, de cujo sumário consta que “O administrador da insolvência goza de competência funcional autónoma para promover a liquidação do activo, dispondo dos amplos poderes para determinar quais são as diligências mais adequadas e convenientes com vista à venda dos bens e à cobrança dos créditos do insolvente, ainda que sujeito aos deveres estatutários e funcionais com que deve desempenhar tal função.”
Daqui resulta tautológico concluir que a iniciativa e decisão sobre os termos da venda, que inclui a fixação do valor mínimo de venda a anunciar, não são questões a submeter à apreciação, sindicância e autorização judicial posto tratar-se de matéria que não é da competência do tribunal mas, única e exclusivamente, do AI.
Sem prejuízo do exposto sempre se acrescenta que as vicissitudes da liquidação acima descritas não indiciam ou manifestam a alegada considerável inferioridade do valor da venda fixado pelo AI face ao valor de mercado do imóvel. Como é sabido, o valor de mercado de um bem corresponde ao valor que o mercado está disposto a pagar por ele nas concretas circunstâncias de tempo, lugar e estado em que é preconizada a venda. No caso, ao longo de seis meses o imóvel foi três vezes submetido a leilão através da plataforma e-leilões sem que até à data tenha sido alcançada a sua venda; em cada uma dessas diligências as propostas mais elevadas, e por isso aceites pelo AI, foram apresentadas por pessoas que comungam do mesmo apelido da insolvente e que, notificadas para as sinalizar no âmbito de contrato promessa de compra e venda do imóvel a celebrar com a massa insolvente, não o fizeram; na terceira tentativa de venda, ainda em curso, a proposta de maior valor apenas supera em cerca de €5.000,00 o valor base de venda fixado pelo AI, sendo que aguarda a data designada pelo AI para celebração da escritura de compra e venda, não havendo notícia de que a proposta tenha sido acompanhada de qualquer caução ou sinalização.
Com o que se conclui pelo acerto da decisão recorrida e, consequentemente, pela improcedência do recurso.

IV – Decisão
Em conformidade com o exposto, acordam as juízas desta secção em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante (art. 527º, nº 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 11.03.2025
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Isabel Fonseca
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[1] Declarada por sentença proferida em 28.09.2023, na sequência de procedimento especial para acordo de pagamento instaurado em 06.10.2022.
[2] Fração Autónoma designada pelas letras “BB”, destinada a habitação, sito na Rua… com dois lugares de estacionamento no piso zero e uma arrecadação no piso zero intermédio, uma área bruta privativa de 130,76 m2 e área bruta dependente de 31,30 m2; do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, freguesia de … e inscrito na Matriz sob o artigo… da freguesia de …
[3] Anota-se que este corresponde ao valor patrimonial tributário do imóvel.
[4] Diploma a que reportam as normas citadas se outro não for indicado.