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INSTRUÇÃO
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
INDÍCIOS SUFICIENTES
REMISSÃO
FUNDAMENTOS
DECISÃO RECORRIDA
Sumário
I. O acórdão absolutório proferido pelo Tribunal da Relação em sede de recurso, que confirme decisão da 1ª instância, desde que não tenha qualquer declaração de voto, pode limitar-se a, negando provimento ao recurso, remeter para os fundamentos da decisão recorrida, em conformidade com o disposto no art.º 425.º, n.º 5 do C.P.P. II. O despacho de não pronúncia equivale materialmente e quanto aos seus efeitos a uma decisão absolutória para os efeitos do disposto no art.º 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. III. Assim, quando o despacho de não pronúncia apreciou e decidiu as questões suscitadas em sede de instrução, fazendo uma correta apreciação da prova, consentânea com as regras da experiência comum, e adequada qualificação jurídico penal dos factos, com argumentação assertiva e pertinente, quer quanto ao juízo de indiciação que formulou, quer quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas que cita, o acórdão proferido em sede de recurso pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida, por aplicação do mecanismo de simplificação processual previsto no citado artigo.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
No processo de instrução nº 203/22.7TELSB, do Juízo de Instrução Criminal de Loures – Juiz 2, foi proferida decisão instrutória, a 07/10/2024, de pronuncia quanto aos demais arguidos pelos factos e crimes imputados na acusação do pública, e de não pronúncia dos arguidos AA, BB e CC, pela prática do crime de branqueamento de capitais (na forma consumada, p. e p. pelo do artº 368.º-A, nº1 al. b) e c), nº3, 4, 5, 6 do Código Penal) que o Ministério Público lhes imputava na acusação e, consequentemente, foi determinado, nesta parte, o arquivamento dos autos.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, formulado para o efeito as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso tem por objeto o despacho judicial de 7-10-2024, proferido no encerramento da instrução a que se procedeu a requerimento de todos os arguidos, à exceção do arguido DD, nos termos do qual se decidiu pela não pronúncia dos arguidos AA, BB, CC. pela prática dos crimes imputados em acusação deduzida pelo Ministério Público.
2. Nos termos da acusação deduzida foram imputados aos arguidos AA, BB, CC a prática, em autoria material, de um crime de branqueamento de capitais, na forma consumada, p.p. nos termos do art.º 368.º-A, nº1 al. b) e c), nºs 3, 4, 5, 6 do Código Penal, (tendo este como ilícitos precedentes os crimes de extorsão e de falsidade informática p.p., respetivamente, nos termos dos arts 223.º nº1, nº2, nº3 al. a), com referência ao artº 204.º nº 2 al. g), todos do Código Penal e 3.º, n.º 1 da Lei do Cibercrime - Lei nº 109/2009, de 15/09), com referência ao artigo 14.º, nº 1 do Código Penal em relação ao arguido AA e, com referência ao artigo 14.º. nº3 do Código Penal, aos arguidos EE e BB.
3. Tendo-se procedido a instrução a requerimento dos arguidos, com audição dos mesmos e debate Instrutório, foi no seu termo proferida a douta decisão de não pronúncia, no âmbito de tal decisão o Mmº Juiz de instrução criminal considerou que no caso “(…) Não se considera indiciada nenhuma da factualidade constante do despacho de acusação formulada pelo Ministério Público, despacho ref. 16142518 (23-06-2024), pags. 4550-4608, no que concerne/na parte que versa sobre a actuação dos arguidos AA, BB e CC e ainda e aí descrita sob os artigos 56º (na parte em que se refere "um deles o arguido FF”) e 193º (pags. 35 e 78 do despacho acusatório)”.
4. A consideração de não indiciação dos referidos factos da acusação colide, s.m.o., com os critérios de apreciação lógica e experimentada da prova produzida nos autos.
5. Salvo o devido respeito, a prova indiciária disponível e os factos já considerados indiciados impõem, atentas as regras da experiência comum, da lógica e de acordo com juízos de normalidade que enformam e limitam o princípio da livre apreciação da prova consagrado positivamente no adº 127.º do Código de Processo Penal, que se consideraram fortemente indiciados, aqueles outros factos dados como não indiciados na decisão de que se recorre.
6. Tal indiciação decorre da análise e interpretação conjugada dos concretos elementos probatórios colhidos em fase de inquérito através dos meios de prova especificadamente indicados na acusação deduzida que não se mostra infirmada. ou sequer esbatida, por via de outros concretos elementos apartados aos autos.
7. Em sede de motivação da decisão ora recorrida foi exposto, entre o mais, e a propósito da distinção dos indícios recolhidos em inquérito quanto aos arguidos pronunciados no mesmo despacho e dos indícios quanto aos arguidos que não foram pronunciados, que apesar da conta titulada unicamente pelos arguidos EE e BB, com o IBAN ... do BPI ter sido provisionada através de depósitos realizados mediante contas tituladas pelos arguidos FF, GG a HH, num total de 33.200€ apenas num ano (2022), não basta para afirmar, em termos indiciários, que os arguidos BB, EE e AA tivessem conhecimento de que os referidos montantes eram provenientes de esquema ilícito.
8. O esquema ilícito em causa pode, resumidamente, descrever-se, como o fez o Mmº Juiz de Instrução Criminal, da seguinte forma: “1ª parte: diversas pessoas não identificadas aliciam diversas vitimas através de meios electrónicos (redes sociais, mensagens) no sentido de lhes fornecerem elementos comprometedores de terem contactado menores com vista à prática de actos sexuais, extorquindo-lhes assim dinheiros com vista a evitar procedimentos criminais; 2ª parte: o dinheiro assim obtida é circulado entre diversas contas, com vista a ocultar a sua proveniência ilícita”.
9. A atividade ilícita dos arguidos EE, BB e AA reconduz-se à 2ª parte do esquema, disponibilizando a conta bancária já identificada, domiciliada no ..., titulada pelos 2 primeiros e, segundo declarações dos arguidos, usada em exclusivo pelo arguido AA, pelo simples facto de ter dificuldade em abrir uma conta bancaria em território nacional, por ser residente em ... e dela precisar para o desenvolvimento da sua atividade empresarial naquele pais em conjunto com o seu irmão II — cfr. declarações prestadas perante a Magistrada do Ministério Público titular do inquérito em 21—6—2023 (fls. 1164-1168- V. 4).
10. Tais declarações não podem merecer credibilidade, como concluiu o Mmº Juiz de Instrução Criminal pois, para além do arguido AA não ter junto aos autos qualquer comprovativo dessa dificuldade em abrir conta bancaria em Portugal, no banco ... ou em qualquer outro, como invocou, também não esclareceu a razão pela qual afirmou que o movimento a credito de 500€ realizado em ...-...-2022 para, “alegadamente”, fazer troca de dobras em euros, que é completamente alheio ao normal funcionamento das casas de cambio, também não juntou comprovativo da transação em dobras resultante da visita à “loja" em ... pertencente ao arguido FF, para cambio da moeda (confom1e Apenso A 1) e nos termos em que expressamente o declarou.
11. Diz-nos a experiência comum, e a lógica, que ao fazer—se o cambio de moeda, esta atividade processa-se de forma simultânea, ou seja, entrega-se a moeda para troca recebendo-se, em contrapartida, a moeda estrangeira que se pretende, o que, de todo, ocorreu nos presentes autos.
12- Atividades de câmbio de moeda distintos dos descritos, e muito menos como aquele que se encontra em causa nos autos, põem em causa a bondade da justificação avançada pelo arguido AA, de que tal montante (500€), ser devido a cambio de dobras entregues em ... e depositado o contravalor em euros em conta bancaria portuguesa do ..., titulada por terceiros (embora familiares), que não o próprio arguido AA.
13. Muito menos justifica a aparente licitude não só da transferência dos 500€, a partir da conta bancaria titulada pelo arguido FF (com origem na conta do ofendido JJ — cfr. pontos 45 a 75 da acusação publica), como também as restantes realizadas a partir das contas bancárias tituladas pelas arguidas GG e HH com quem o arguido AA não mantinha qualquer contacto pessoal ou comercial, nem viviam em ..., pais onde este arguido residia desde há 15 anos (por referência à data do seu interrogatório).
14. A conta bancária do ..., ora em apreço, para além de ter tido movimentos bancários a crédito na ordem de 517.943.95€ e a débito de 513.729,06€, no período compreendido entre ...-...-2020 e ...-...-2023, sendo de 33.200€ os montantes creditados através de contas bancárias dos arguidos FF, GG e HH, os seus titulares ou utilizadores não documentaram tais movimentos, nem os arguidos possuíam atividade que suportasse a movimentação de tais montantes — cfr. relatório de exame pericial financeiro da UPFC.
15. Os movimentos bancários evidenciados no Apendo 4, dos quais resulta que entre .../...de 2022, os arguidos AA, EE e BB receberem 11.000€ a credito da conta titulada pelo arguido FF, e a partir de ...-...-2022 até ... de 2022, receberam a credito o montante de 18.600€ da conta titulada pela arguida GG — cfr. apenso 4 —, os arguidos não esclarecem a origem ou a transação que esteve na base de tais movimentos bancários.
16. Não se entende o fundamento apontado pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal para a justificação das transferências para a conta do ... da arguida GG, que nenhum dos arguidos conhecia, à exceção do arguido AA, o que o que mais adensa a dúvida sobre os esclarecimentos prestados pelos arguidos quanto a tais movimentações
17. Se o Exmo. Juiz de Instrução Criminal encontrou justificação para a troca de dobras por euros a partir de uma conta bancaria titulada pela arguida GG, que os arguidos AA, EE e BB declararam desconhecer, não se descortina que, a nível indiciária, tal conclusão tenha respaldo nos meios probatórios recolhidos, pois tudo aponta no sentido inverso.
18. Atentando nos movimentos que a conta em causa, do ... apresenta, desde ...-...-2022 até ...-...-2023 (melhor discriminados no Apenso 4), não se compreende que a referida conta bancária tenha recebido inúmeras transferências a credito de uma conta domiciliada em Portugal e titulada a nível individual pelo arguido AA pois que, de acordo com as suas declarações, quer no inquérito (fls. 1164-1169) quer em sede de debate instrutório, não possuía conta em Portuga! que lhe permitisse movimentar dinheiro de ... para Portugal.
19. Tais transferências, claramente, contradizem e põem em causa tais declarações, pois que não justificam as inúmeras operações a crédito de que a conta do ... beneficiou por débito da conta do arguido AA, a título individual.
20. Quanto ao invocado desconhecimento dos movimentos na conta do ..., como declarado pela arguida EE, não se compreende a razão pela qual após o bloqueio da conta do ..., de que era titular, em conjunto com o arguido BB, apresentou movimentos a crédito e débito de que ambos foram beneficiários – cfr. Apenso 4.
21. O documento junto a fls. 1170-1171 contraria frontalmente as declarações da arguida EE que não foram tidas em conta pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal.
22. Também a arguida EE não apresenta justificação para ter recebido, em conta bancaria do ..., distinta e por si também titulada, avultados montantes sem os ter declarado à administração fiscal — cfr. Apenso 4 e perícia financeira — com origem na conta bancária em causa do ....
23. A arguida EE igualmente ocultou a atividade que desenvolvia, em conjunto com os seus filhos, ou em termos individuais, em Portugal, em ... ou noutro qualquer país, que lhe permitiram movimentar a crédito 517.943,95€ e 513.729,06€ a debito.
24. A arguida EE no período em apreço nestes autos, não apresentou declaração de rendimentos compatíveis com os descritos movimentos bancários ou justificação para as despesas individuais e até depósitos em numerário. que ao longo do referido período foram realizadas.
25. O arguido BB, nas suas declarações, esclareceu que recebia o seu vencimento mensal na conta do ..., na ordem dos 850€ e logo após movimentava esta conta a débito para outras contas do ... e .... a título individual.
26. A conta do ... não foi movimentada, a crédito, com o montante mensal de 850€ com origem na entidade empregadora do arguido BB, nem que, logo após a entrada desse montante, se observasse a realização de movimento inverso a favor de conta titulada a nível individual pelo arguido BB.
27. Mesmo que tais montantes fossem creditados na conta em causa, com origem em conta bancaria individual titulada pelo arguido BB. noutra entidade bancaria, não afasta a conclusão de que tal arguido tinha acesso a tal conta, tanto mais que logo após a transferência, a crédito, por meio não apurado, realizasse transferências de montantes variados a seu favor, através de movimento inverso, para outra conta por si titulada, do montante creditado em seu nome individual — cfr. Apenso 4.
28. O arguido BB deixou também por esclarecer a razão pela qual tinha na Sua posse. aquando da realização da busca domiciliaria efetuada nestes autos, devidamente autorizada pela Exmª Juiz de Instrução Criminal, a quantia de 175.000,00 dobras, bem como inúmeros talões comprovativos de transferências bancarias, via ATM, realizadas no período em causa nos autos, a crédito e debito da conta ... de que era titular em conjunto com a sua mãe CC e em relação à qual não tinha qualquer domínio.
29. O arguido BB também não juntou comprovativos para justificação os montantes movimentados na conta do ....
30. A conta do ... evidencia a utilização particular entre ..., ... até ..., em serviços, compras e pagamentos em períodos em que o arguido AA não se encontrava em território nacional, para além de inúmeros depósitos em numerário, nem foi encontrada justificação, pelos arguidos nas suas declarações. para a sua realização - cfr. Apenso 4, fls 1172-1179, 4364-4463.
31. Duvidas não há quanto aos evidentes e sustentados indícios do crime de branqueamento p.p. pelo artº 386-A do Código Penal e do envolvimento dos arguidos, nos termos descritos na acusação.
32. De acordo com os abundantes elementos probatórios recolhidos no inquérito outra decisão não podia ser proferida que não a decisão de pronuncia dos arguidos AA, EE e BB em conjunto com os demais arguidos.
33. De acordo com o que foi entendido pelo MMº Juiz de Instrução Criminal, quanto às contas tituladas pelas erguidas HH e GG e quanto ao conhecimento que tinham da sua movimentação, este fundamento é inteiramente aplicável aos arguidos EE e BB, na conta bancária do ... de que eram titulares, pois que, não deixaram de ter conhecimento nem se afastaram dos movimentos ou operações a crédito e a débito na mesma efetuados.
34. Assim sendo, impunha-se a pronuncia dos arguidos EE e BB, nos exatos termos que constam do despacho de acusação, ao igual que o arguido AA, cujo conhecimento dos movimentos, tendo em conta o seu envolvimento direto com os demais visados nos autos, encontra-se devidamente sustentado nos elementos probatórios dos autos.
35. Porque os dados indiciários disponíveis se revelam bastantes para indiciariamente atestar a verificação de todos os factos que traduzem os pressupostos objetivos e subjetivos dos crimes imputados aos arguidos AA, EE e BB, impõem-se considerar indiciada toda a factualidade vertida na acusação e a prolação de despacho de pronúncia.
36. Ao decidir nos termos expostos na decisão sob recurso, não pronunciando os identificados arguidos pela prática dos crimes de branqueamento, o Mmº. Juiz de instrução violou, por erro de interpretação, o disposto nos arts 283º, n.º 2 e 308º, n.º 1, e nº 2, ambos do Código de Processo Penal, bem como nos artº 14º nºs 1 e 3, artº 368.º-A, nº 1 al. b) e c), nºs 3, 4, 5, 6 do Código Penal (tendo este como ilícitos precedentes os crimes de extorsão e de falsidade informática p.p., respetivamente, nos termos dos arts 223.º nº 1, nº 2, nº 3 al. a), com referência ao artº 204.º nº 2 al. g), todos do Código Penal e 3.º, nº 1 da Lei do Cibercrime - Lei nº 109/2009, de 15/09)».
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O recurso foi admitido, por despacho de 18/11/2024, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Porém, por despacho de 28/01/2025, foi detarminada a sua instrução de apenso, tendo o presente recurso subido em separado.
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O arguido AA respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, sem que tenha formulado conclusões.
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Os arguidos BB e CC também apresentaram resposta, igualmente defendendo a confirmação da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«(…)
B) O douto despacho ora objeto de recurso não merece censura alguma sendo que, por mera cautela de patrocínio, importa sublinhar que não se antolha qualquer errada apreciação da matéria de facto e/ou de Direito, atendendo a prova testemunhal produzida e à prova documental constante dos autos;
C) Resulta do Douto Despacho objeto de recurso uma análise criteriosa, serena e objetiva de toda a prova produzida, não se antolhando na mesma qualquer apreciação ligeira ou descuidada que contrarie o senso comum e a lógica, ou que mortifique a razão;
D) Não há quaisquer elementos nos autos que permitam, ainda que de forma indiciária, submeter os recorridos a julgamento pela prática de um crime de branqueamento de capitais, tendo como crime precedente a prática de “sextorsion”.
E) Conforme é bem descrito no douto despacho objeto de recurso, o simples facto de os recorridos serem titulares de uma conta bancária não permite concluir, como o pretende erradamente o recorrente, que as movimentações realizadas em tal conta bancária são relacionadas com o sobredito esquema criminoso;
F) Os elementos probatórios carreados para os autos quer pelo recorrente, quer pelos recorridos confirmam as declarações prestadas pelos mesmos nos diversos interrogatórios em que os mesmos decidiram, de livre vontade, prestar declarações;
G) Os recorridos não conhecem os demais arguidos, à exceção do arguido AA, por ser filho da recorrida EE e irmão do recorrido BB;
H) Os recorridos não podem ser pronunciados com base nos valores que foram depositados nas suas contas bancárias, e que o recorrente coloca em causa a sua bondade/proveniência/licitude, na justa medida em que o próprio recorrente nem sequer correlaciona tais valores com o esquema de “sextorsion” em discussão nos autos;
I) Os recorridos não são acusados da prática de nenhum crime atinente a tais valores, pelo que não pode o recorrente querer sujeitá-los a julgamento por factos pelos quais não os acusa;
J) O facto de o recorrido BB ter na sua posse quantias monetárias em dobras, que já nem se encontram em circulação, num valor equivalente a €7,00 (sete euros) não configura um indício da prática de um qualquer crime;
K) Tal como o facto de o recorrido BB receber bonificações bancárias pela domiciliação bancária efetuada não configura a prática de crime algum;
L) Sendo ainda que o valor de €500,00 (quinhentos euros) que era o único valor que os recorridos eram acusados verdadeiramente de terem recebido por parte do acima citado esquema ilícito, resulta de uma conversão de dobras para euros realizada pelo arguido AA, devidamente documentada nos autos;
M) Inexistindo também aí, a prática de um qualquer crime;
N) Os recorridos não podem ainda ser acusados pelo singelo facto de terem cedido a um familiar direto, a prerrogativa de utilização de uma conta bancária por si não utilizada, para que o mesmo desenvolvesse atividades lícitas, tais como pagamentos a fornecedores por conta dos serviços contratados para as suas empresas domiciliadas em …;
O) Sendo que o arguido AA tem nesse país, de entre outras empresas, a representação da ... e uma empresa de controlo de pragas;
P) O que o mesmo logrou provar, bem como os elevados montantes despendidos com aquisições e serviços em Portugal, nomeadamente contratação de empresas transitários;
Q) Face a todo o sobredito, e de acordo com a boa e pacífica jurisprudência entre nós reinantes, os recorridos nunca poderiam ser sujeitos a julgamento, quer pela ausência de indícios suficientes para que tal sucedesse, quer pelo completo desconhecimento de que a sua conta bancária pudesse estar a ser utilizada para atividades ilícitas;
R) Para que os recorridos tivessem praticado o crime de branqueamento necessário seria que aqueles tivessem determinada intenção ou finalidade aquando da prática do crime, referindo-se uma à origem dos bens, e a outra à responsabilização de uma pessoa o que manifestamente não sucede no caso vertente;
S) O recorrente conhecedor de tal situação dever-se-ia ter abstido de apresentar o presente recurso que nada mais passa do que uma vã tentativa de manter no processo duas pessoas inocentes que não têm qualquer tipo de conexão com atividades ilícitas, para não demonstrar as fragilidades demonstradas ao longo de toda a investigação / inquérito;
T) Motivo pelo qual, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, deverá naufragar o recurso na sua totalidade, mantendo integralmente o despacho recorrido.»
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Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Publico na primeira instância.
Os arguidos recorridos responderam, reafirmando os seus argumentos já anteriormente expressos na respetiva resposta ao recurso.
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Após os vistos, foram os autos à conferência.
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II. OBJETO DO RECURSO
Em conformidade com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J. de 19/10/1995 (in D.R., série I-A, de 28/12/1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Atendendo às conclusões apresentadas, importa apreciar se existem indícios suficientes da prática pelos arguidos AA, BB e CC, dos factos descritos na acusação pública, integradores do crime de branqueamento de capitais (na forma consumada, p. e p. pelo do artº 368.º-A, n.º 1 alíneas b) e c), n.ºs 3, 4, 5, 6 do Código Penal) que o Ministério Público lhes imputava na acusação.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
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A) A DECISÃO RECORRIDA
A decisão instrutória é do seguinte teor (quanto ao juízo de indiciação e à parte aplicável da qualificação jurídica):
«(…)
C. Matéria de Facto.
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C.1. Factos suficientemente indiciados:
Com interesse para a boa resolução da causa, resultam abundante e suficientemente indiciados todos os factos imputados aos arguidos FF, HH, GG e KK ainda, conforme suprarreferido em sede de questão prévia, ao arguido DD constantes da acusação formulada pelo Ministério Púbrico, despacho ref. 16142518 (23-06-2024), pags. 4550-4608, com exceção da descrita sob os artigos 56º (na parte em que se refere “um deles o arguido FF”) e 193º (págs. 35 e73 do despacho acusatório).
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C.2. Factos não suficientemente indiciados.
Não se considera indiciada nenhuma da factualidade constante do despacho de acusação formulada pelo Ministério Público, despacho ref. 16142518 (23-06-2024), págs. 4550-4608, no que concerne/na parte que versa sobre a atuação dos arguidos AA, BB e CC e ainda a aí descrita sob os artigos 56º (na parte em que se refere "um deles o arguido FF”) e 193 (págs. 35 e 78 do despacho acusatório).
Não se considera indiciada a factualidade constante dos requerimentos de abertura instrução de que esteja em contradição lógica e histórica com a supra dada por indiciada.
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C.3. Motivação do tribunal no tocante à indiciação da matéria.
A dinâmica factual descrita na acusação consiste, resumidamente, no seguinte:
1ª parte: diversas pessoas não identificadas aliciam diversas vítimas através de meios eletrónicos (redes sociais, mensagens) no sentido de lhes fornecerem elementos comprometedores de terem contactado menores com vista à prática de atos sexuais, extorquindo-lhes assim dinheiros com vista a evitar procedimentos criminais,
2ª parte: o dinheiro assim obtido é circulado entre diversas contas, com vista a ocultar a sua proveniência ilícita.
Quanto aos perpetrantes da primeira parte da ação, apenas o arguido FF vem indiciado quanto à correspondente factualidade, pese embora também tenha indiciariamente praticado muitas das ações correspondentes à segunda parte.
Todos os arguidos vinham acusados de ter praticado atos relativos à segunda parte do "esquema", todavia, e como se viu, entende-se que apenas existem indícios suficientes quanto a tal atuação relativamente aos arguidos FF, GG e KK, e já não quanto aos arguidos BB, EE e AA.
Vejamos então.
Quanto ao arguido DD vale o que se deixou consignado em sede de questão prévia.
Quanto aos arguidos FF HH, GG e KK, como já se referiu, é o requerimento de abertura de instrução que delimita o seu âmbito e assim sendo, quando, havendo vários arguidos, apenas um deles requerer a abertura de instrução, o juiz apenas pode dirigir a sua atividade relativamente aos factos da acusação que o requerente colocou em causa - tal é o que decorre do disposto nos artigos 287º, número 3 e 288º, número 4, ambos do Código de Processo Penal.
Os arguidos defendem a falta de indícios relativamente aos factos que lhes são imputados, contestando-os nalguns casos.
Debalde tentaram convencer o tribunal das suas razões. Com exceção porém, da participação direta, na forma de telefonema, do arguido FF no esquema de extorsão de que foi vítima JJ.
Salva a exceção supra, falta sustentabilidade à sua defesa, não a falta porém, à acusação, face à prova produzida durante o inquérito, a qual não foi abalada pela produzida em sede de instrução.
FF, HH e GG vêm sustentar, em suma, que as transferências bancárias id. nas págs. 61 e seguintes da acusação não tivessem como finalidade o câmbio (o que não vem sustentado na acusação, cfr. artigo 169º do libelo acusatório), que não existiu hierarquia ou organização conforme descrito no artigo 233º do mesmo libelo, que nunca souberam que o dinheiro provinha de atividades delituosas conforme descrito no artigo 265º da mesma peça processual.
Já KK vem sustentar que cedeu de boa fé a LL o uso das suas contas bancárias e que desconhecia de todo a proveniência dos fundos aí depositados. Assinala também incorreções e erros de cálculo na acusação.
Os arguidos não colocam em causa a titularidade das contas bancárias que lhes são assacadas nem a realização dos movimentos documentados, o que, significativamente, vem sustentado por abundante prova documental em sede de inquérito:
- apenso 1, documentação bancária relativa ao arguido DD;
- apensos 2 e 6, documentação bancária relativa ao arguido KK;
- apenso 3, documentação bancária relativa ao arguido FF;
- apenso 5, documentação bancária relativa aos arguidos FF e GG;
- apenso 7, documentação bancária relativa à arguida GG; e,
- apenso 8, documentação bancária relativa aos arguidos FF e HH.
Quanto ao conhecimento do arguido FF sobre os contornos da atividade criminosa, é inquestionável, pelo menos a título indiciário que o mesmo tinha conhecimento dos factos que constituem a extorsão do ofendido JJ (cfr. artigo 50º da acusação) na medida em que do processo incorporado (234/2.7T9PVZ) resulta que pelo menos foram, transferidas e recebidas na sua conta as quantias de €11.000, €5000 e €2000,00, para as quais o arguido não tem qualquer explicação credível (sendo totalmente destituída de sentido a sua explicação nos sentido de ter sido "atacado por vírus”), por parte do ofendido, que inclusive tratava o interlocutor por "Sr. FF” - fls. 25 a 28 e 33 do processo incorporado 234/22.7T9PVZ.
Todavia, não foi o arguido FF que, diretamente, contactou tal ofendido (artigo 56º do libelo acusatório).
Tal resulta claramente do exame pericial de fls. 3229-3235 (Volume 10) - perícia à voz, donde resulta que a voz do arguido não corresponde à gravada pelo ofendido.
Donde, se poderia estranhar que tendo sido o resultado igual para o arguido DD, não tenha sido proferido idêntico despacho de arquivamento (cfr. fls. 16-17 do despacho ref. 16142518, que também compreende a acusação).
Entende-se porém que outros elementos presentes nos autos revelam, pelo menos indiciariamente, que efetivamente o arguido FF tinha conhecimento dos factos perpetrados pelos indivíduos não identificados e descritos nos arts. 45º a 62º do libelo acusatório.
Tal resulta dos extratos de conversações presentes no apenso A1, designadamente:
A) págs. 133-135, conversações datadas de ...-...-2022 e de ...-...-2024 onde o arguido FF, em conversa com interlocutor não identificado, demonstra ter conhecimento da origem das transferências (a que o interlocutor apelida de "cliente") e pede o contacto da vítima JJ, afim de justificar no banco a origem do dinheiro, isto após a conta ter sido objeto de suspensão de operações bancárias;
B) págs. 139-140, relativamente ao mesmo assunto, sendo exemplificativa a expressão do arguido "o banco activa a conta" e "temos negócio a funcionar”, o que denota conhecimento da ilicitude das operações e conformação com o resultado;
C) págs. 149-150, conversação mantida desta vez com o arguido KK, onde o arguido profere as seguintes expressões "You are under investigation”, "But I am so clever” "I know how to play'' , que em português significam "Tu estás a ser investigado”, "Mas eu sou tão inteligente" e "Eu sei como jogar", o que denota, inequivocamente, o conhecimento da prática de actos ilícitos e o convencimento de possuir os recursos que lhe permitam escapar à investigação.
A participação de forma directa do arguido FF não se esgotou neste episódio como resulta dos demais factos dados por suficientemente indiciados: a título de exemplo, igualmente, o ofendido MM transferiu, em idênticas circunstâncias, a quantia de €5.000,00 para a conta bancária do arguido FF - inquérito incorporado número 1374/22JGLSB - fls. 19 e32.
Tendo em conta os elevados montantes recebidos, não faz qualquer sentido que o arguido desconhecesse a sua proveniência, o que conforme supra se referiu, fica igualmente indiciado pelo teor das mensagens transcritas de fls. 130 e seguintes do apenso A1, onde o arguido FF refere, além do mais, saber como contornar os sistemas de prevenção de branqueamento de capitais, nomeadamente, através do uso de criptomoedas.
E também se torna evidente, por outros elementos presentes nos autos, designadamente, análise de comunicações presente no apenso A1, que o arguido KK e o arguido LL usaram a mesma conta bancária para, assumidamente, prática de actos ilícitos, mesmo, venda de bilhetes “fantasma", falsos, demonstrando pouca preocupação com o facto de serem alvo de investigação criminal - fls.184-207 do apenso A1.
Os fluxos existentes entre todos os arguidos que se encontram referenciados e contextualizados na perícia e prova documental dos autos demonstra que os mesmos habitualmente lidavam e trocavam elevadas quantias monetárias entre si.
Nenhum destes arguidos demonstra, de todo, atividade profissional (nem em ... nem em Portugal, nem em qualquer outro país do mundo) compatível com as quantias monetárias pelos mesmos movimentadas nas respetivas contas bancárias, nem rendimentos declarados compatíveis com esses montantes.
Com efeito, o arguido FF só declarou rendimentos em ..., em sede de IRS no valor bruto de €10.772,60, correspondente ao valor líquido de €9.587,62. Em sede de ..., FF declarou auferir rendimentos como trabalhador independente, em ... de 2021, no valor €93,46; e em 2022, no mesmo valor. NN e HH, declararam rendimentos em sede de IRS entre ... e ..., no valor bruto de €36.117,70, correspondente ao valor líquido de €31.971,51. Em sede de ..., a arguida HH declarou auferir, na qualidade de trabalhadora da sociedade “...”, o vencimento de €635,00, em ..., de € 665,00 em ...; de €705,00 em 2022 e de €760,00, em ... – cfr.- apenso P6.
Analisada a informação bancária constante dos apensos 3, 5 e 8, e ainda 6, 9 e10, pode concluir-se que os arguidos receberam nas suas contas montantes muito superiores ao que os seus rendimentos declarados permitiam e que conseguem justificar, e resulta suficientemente indiciada a ligação entre os arguidos FF, GG e HH, e KK, que receberam nas suas contas bancárias significativos montantes, por transferência bancária, donde suficientemente indiciada também a sua participação no esquema criminoso objeto dos autos.
Com efeito, em face das elevadas movimentações de divisas de que as suas contas eram veículos, e ausência de ganhos legítimos que as suportassem, é efetivamente de concluir que as arguidas HH e GG, ao agirem do modo descrito na acusação, e agora considerado suficientemente indiciado, representaram como possível que o dinheiro que era movimentado nas suas contas bancárias, nomeadamente o dinheiro depositado, proviesse de atividades delituosas cometidas de forma organizada da prática de factos ilícitos típicos, designadamente contra o património e contra as pessoas, conformando-se com esse resultado.
Em particular quanto à arguida HH, o facto de não ter instrução escolar significativa, como referiu, não a impediu de conseguir abrir uma conta bancária em Portugal, sendo que não carecerá obviamente da capacidade de avaliar a elevada importância económica dos elevados montantes que foram circulados pela sua conta bancária, não convencendo que se tenha de todo alheada quanto à sua movimentação. E idêntico raciocínio, reforçado em função da situação de coabitação que a liga ao arguido FF, se pode formular relativamente à arguida GG.
Todos os arguidos, com exceção do arguido DD optaram por prestar declarações em sede de inquérito. Com exceção da versão dos arguidos BB, EE e AA, que encontra suporte nos elementos supra discriminados, a versão dos demais arguidos não convenceu.
Na realidade todas as versões factuais apresentadas pelos arguidos foram de forma sintética a reprodução do que já haviam trazido para os autos em sede de inquérito, sendo especialmente confusa, mas apesar disso, esclarecedora, a versão trazida pelo arguido FF.
E esclarecedora na medida em que o arguido não conseguiu deixar de fazer transparecer a sua convicção de que operava à margem da lei, designadamente quanto à atividade cambial. Com efeito, não ficou qualquer dúvida que o arguido entende bastante do sistema financeiro internacional, operava com facilidade, dir-se-á, mesmo desenvoltura, alardeando o facto de saber contornar o sistema (o que fez em conversa com o co arguido KK) sendo claramente de aceitar, pelo menos a nível indiciário, que o mesmo tinha conhecimento e até participou no esquema criminoso descrito nos autos.
Mas o que nenhum dos arguidos KK (que mentiu especificamente em tribunal, designadamente no que toca ao conhecimento pessoal que tinha com o arguido FF, já que como supra referenciado, conversou diretamente com ele), HH e GG conseguiu afastar foi naturalidade de terem aceite como possível que as suas contas, ainda que usadas por um terceiro (seja o arguido FF, seja o suspeito LL) estariam a ser usadas para fins ilícitos, atentos os elevadíssimos montantes que passaram por essas mesmas contas, sendo que (…), de igual forma, não convencem as suas versões factuais na parte em que alegam que se alhearam totalmente do uso das mesmas contas, por não ser conforme à habitualidade do normal acontecer.
O arguido KK assinala ainda lapsos de escrita da acusação.
Quanto a este ponto há que assinalar que o mesmo foi efetivamente titular da conta com o IBAN ... sediada no ... - cfr. apenso 2 (não numerado). Ainda, e como consta dos extratos nesse apenso contidos, e referenciado no relatório pericial (apenso PB), fls.41.-43, tal conta efetivamente no período compreendido entre ...-...-2022 e ...-...-2023, registou entradas de valores no total de 55.83095 € e saídas de valores no total de 55.802,19 €, donde, efetivamente há um lapso de escrita na formulação do artigo 193º da acusação, sendo que claramente, onde o Ministério Público referiu "IBAN ... domiciliada no ... (...) e titulada por KK e OO", queria referir IBAN ...domiciliada no ... (...) e titulada por KK”.
Facto que aliás, descreveu sob o artigo 192.
Pelo que, se dará por não indiciado o facto descrito sob o artigo 193º, sendo que no demais, e pelas razões supra enunciadas, quanto a estes arguidos, se considera suficientemente indiciada toda a matéria descrita no despacho acusatório.
O mesmo se não pode dizer relativamente aos arguidos BB, EE e AA.
Em sede de acusação é referido que os arguidos BB e EE são os únicos titulares da conta de depósito bancário com o IBAN número.... Esta factualidade tal como a consignada no despacho de acusação em que se descrevem os movimentos desta conta corresponde à verdade, porquanto atestada por documentação bancária - cfr. apenso 4.
Não se considera suficientemente indiciada a matéria descrita no parágrafo que antecede porquanto não assume relevância criminal, como se verá, porquanto para tal, haveria que concluir que tais movimentos (depósitos de quantias e sua subsequente movimentação) eram relacionados com o esquema de "sextorsion" supra aflorado - e os elementos carreados para os autos, já na fase de inquérito, não só não permitem tal conclusão, como apontam, mesmo, para conclusão contrária.
Analisemos.
Os elementos probatórios existentes nos autos relativamente a estes arguidos, com relevância, materializam-se:
- no apenso A1 - Análise dos Telemóveis e Tablets apreendidos aos arguidos;
- no apenso 4 - Documentação bancária
- no apenso P8 - Análise da documentação bancária e fiscal;
- nas versões trazidas pelos arguidos em sede dos diversos interrogatórios em que decidiram prestar declarações.
Pois bem, se a versão dos arguidos em sede de declarações foi sempre no sentido de ter a conta bancária dos arguidos BB e EE sido disponibilizada pelo arguido AA para o recebimento de quantias em Portugal provenientes de negócios em ... os demais elementos não só não infirmam tal versão, como, em certa medida, a corroboram.
Comecemos pela análise dos movimentos da referida conta - apenso 4. Dos diversos depósitos considerados suspeitos se podem contabilizar:
- arguido FF - 6 depósitos no montante total de €10.600,00;
- arguida GG - 17 depósitos no valor total de €20.600,00;
- arguida HH - 1 depósito no valor de €2000,00.
Tudo num total de €33.200,00, no período de um ano, compreendido entre 1 de Janeiro e …/../2022.
E teriam conhecimento os arguidos AA, EE e BB que tais montantes eram provenientes de esquema ilícito?
Não parece. Para tal basta analisar as conversações de fls. 159 e seguintes do apenso A1 donde decorre que o arguido AA claramente sem ter qualquer confiança com o arguido FF, o contacta referindo que esteve na loja de câmbios, em ... e refere que precisa de trocar dobras para Euros.
No decorrer da conversação, é percetível que o arguido AA precisa de trocar pelos menos dobras no valor de € 20.000,00, e até é percetível a combinação do preço de câmbio entre os dois (cfr. fls. 160).
E, a fls. 161, também se percebe que o arguido FF recebe dobras na conta da arguida GG (1ª conversação).
Cotejando as duas últimas conversações de fls. 160 do apenso A1, consegue-se perceber a que transferência efetuada pelo arguido FF no valor de €500,00 no dia .../.../2022, documentada no apenso 4, corresponde efetivamente a uma troca de dobras por euros.
E se assim é relativamente a esta transferência, nenhum elemento presente nos autos permite concluir que as demais transferências efetuadas pelos arguidos FF, GG e HH para a conta titulada por BB e EE, e movimentada pelo arguido AA, foram efetuadas em diferentes circunstâncias, designadamente, como pretende o Ministério Público, com conhecimento por parte destes três arguidos, de que tais montantes eram provindos de um qualquer esquema de "sextorsion".
De facto, não existe qualquer elemento nos autos que permita extrair a conclusão de que o arguido AA (e menos ainda os arguidos EE e BB) conhecia o arguido FF de forma tão aprofundada que lhe permitisse fazer parte de um esquema criminoso da natureza do descrito nos autos.
Tal é o que resulta inequívoco da análise dos equipamentos que foram apreendidos a estes arguidos (fls. 10-11 do apenso A1): foi apurado que o arguido AA tinha domínio sobre a conta bancária de BB e EE, que havia um grupo de determinados indivíduos onde se trocava informação bancária (sem se indicar que a mesma respeitava à prática de qualquer crime) e que a conversação mantida com o arguido FF se reportava a troca de moeda estrangeira por Euros.
Diga-se até, que a análise de movimentos bancários do artigo 190º do libelo acusatório, compaginada com idêntica análise constante do artigo 164º da mesma peça, e evidenciadora da pouca importância relativa dos montantes creditados pelos arguidos FF, GG e HH face aos movimentos creditícios efetuados pelos próprios titulares da conta e bem assim pelo arguido AA: no período compreendido entre .../.../2020 e .../.../2023, tal conta registou entradas de valores no total de 517.943,95€ e saídas de valores no total de 513.729,06€, mas, atente-se que pelos arguidos FF, GG e HH apenas aí foi creditado o valor de €33.200,00 e isto no período de um ano, sendo que os titulares e o arguido AA aí creditaram €115.232,47.
Enfim, refere-se no artigo 165º do libelo acusatório que EE e BB foram destinatários de "inúmeras" transferências provenientes da conta bancária de FF e HH sendo que dos autos apenas se pode retirar que "inúmeras" é a qualificação dada a 6 transferências do arguido FF e uma transferência da arguida HH. Se acrescentarmos as da arguida GG, que era companheira do arguido FF, temos mais 16.
Tudo para concluir que efetivamente não se pode considerar haver indícios suficientes de que os arguidos EE, BB e AA tenham querido, ou sequer soubessem que, as transferências feitas para a conta que detinham poderiam provir de um esquema ilícito de "sextorsion", sendo que muito provavelmente estariam convencidos da origem lícita dessas transferências, Porque suportada em troca de divisas (a haver ilícito, seria de natureza cambial, o que não é objeto destes autos).
Assim foi formulado o juízo sobre a suficiente indiciação dos factos introduzidos pela acusação.
No que toca aos factos não indiciados, foram assim considerados por não se ter feito qualquer prova sobre os mesmos ou por a prova produzida não ser de molde a permitir concluir pela sua indiciação.
*
B.4. Do Direito.
(…)
O tipo objetivo do crime de branqueamento materializa-se nos modelos de conduta típicos descritos no artigo 368º-A do Código Penal, consistindo essencialmente na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização disposição, movimentação ou titularidade de vantagens de de crimes.
Temos assim que o objeto da ação típica é a obtenção de vantagens patrimoniais resultantes de crime anteriormente cometido pelo próprio branqueador, ou mesmo por outras pessoas, desde que integrado no catálogo previsto no artigo 368º-A, nº 1, do C P, às vantagens ou bens, incluindo os direitos e as coisas, alcançadas através de um facto ilícito típico antecedente, que o preceito enumera especificamente, e bem assim, em nome de uma cláusula geral, dos factos ilícitos puníveis com prisão por mais de 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos de prisão, operando a nível instrumental, chamados de "crime precedente” ou "predicate offence" em concurso real com o de branqueamento, na esteira aliás, do AUJ número 13/2007, de 22/07, atenta a diversidade e autonomia de bens jurídicos protegidos.
Assim e como foi dito no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8-1-2014, proc. número 7/10TELSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, “o elemento objetivo do crime de branqueamento, reconduz-se nos termos do artigo 368º-A, número 1, do C P, às vantagens ou bens, incluindo os direitos e as coisas, alcançadas através de um facto ilícito típico antecedente, que o preceito enumera especificamente, e bem assim, em nome de uma cláusula geral, dos factos ilícitos puníveis com prisão por mais de 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos de prisão, operando a nível instrumental, chamados de «crime precedente» ou «predicate offence» em concurso real com o de branqueamento, na esteira, aliás, do AUJ número 13/2007, de 22-07, atenta a diversidade e autonomia de bens jurídicos protegidos”.
O tipo de ilícito subjetivo abrange uma conduta dolosa intencional por parte do agente, exigindo um dolo genérico - em qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14º do Código Penal.
Na medida em que foram dados por suficientemente indiciados factos que traduzem, por parte dos arguidos FF, GG e DD, não só o preenchimento do elemento objetivo, como também o preenchimento do elemento subjetivo dos crimes pelos quais vêm acusados, importa pronunciá-los pela sua prática, nos precisos termos da acusação.
Já não assim, como se viu relativamente aos arguidos BB, EE e AA, sendo quanto a estes, o despacho de não pronuncia que se impõe proferir.
(…)»
***
B) APRECIAÇÃO DO RECURSO
Conforme acima enunciado, face às conclusões do Digno Recorrente, importa apreciar se existem indícios suficientes da prática pelos arguidos AA, BB e CC dos factos descritos na acusação publica e suscetíveis integrar o crime de branqueamento de capitais, na forma consumada, p. e p. pelo do artº 368.º-A, nº1 al. b) e c), nº3, 4, 5, 6 do Código Penal, que o Ministério Público lhes imputava na acusação.
Em apertada síntese, entende o Digno Recorrente que a suficiência dos indícios resulta:
- do facto de uma conta bancária do ... - de que eram titulares os arguidos BB e EE e que era usada pelo arguido AA - ter sido provisionada através de depósitos provenientes das contas tituladas pelos arguidos, FF, GG e HH; e
- do facto de não ser credível - nem estar demonstrada - a justificação apresentada para a licitude da realização de tais operações financeiras.
Analisada a prova constante dos autos, não temos quaisquer dúvidas de que, o facto de uma conta bancária do ... - de que eram titulares os arguidos BB e EE e que era usada pelo arguido AA - ter recebido alguns fundos provenientes das contas tituladas pelos arguidos FF, GG e HH, permite concluir que existem indícios da prática, pelos arguidos BB, EE e AA (ou pelo menos pelo arguido AA), do crime de branqueamento de capitais de que estavam acusados.
Contudo, pelas razões explanadas na decisão instrutória e analisada a prova por esta referida, entendemos que não é possível concluir que tais indícios sejam suficientes, ou seja, que perante os mesmos seja maior a possibilidade de condenação do que absolvição dos arguidos não pronunciados.
Na verdade, na ausência de outros elementos probatórios, face à possibilidade (não demonstrada, mas suficiente para gerar a dúvida razoável) de se tratarem de transações relacionadas com o câmbio de dobras, de a maioria dos movimentos da conta em causa não terem tido como intervenientes os demais arguidos (pronunciados) e de resultar das escutas que o arguido AA não tinha uma relação de proximidade com o arguido FF, adensam a dúvida razoável sobre o envolvimento dos arguidos não pronunciados no crime de branqueamento e, mais ainda, sobre o seu conhecimento da existência do crime precedente de extorsão.
Resulta, assim, da leitura atenta da decisão recorrida e da prova recolhida nos autos, que aquela apreciou e decidiu as questões suscitadas em sede de instrução, fazendo uma correta apreciação da prova, consentânea com as regras da experiência comum, e adequada qualificação jurídico penal dos factos, com argumentação assertiva e pertinente, quer quanto ao juízo de indiciação que formulou, quer quanto à interpretação e aplicação das normas jurídicas que cita.
Nenhuma censura nos merece, assim, a decisão recorrida, concordando-se integralmente com os seus fundamentos e com o sentido da decisão pela mesma tomada.
Assim, porque uma decisão de não pronúncia equivale a uma decisão absolutória, para efeitos do disposto no artº 425º, n.º 5 do Código de Processo Penal (neste sentido, entre outros: Ac. TRL de 27/04/2023, proferido no processo nº 3789/21.0T9LSB.L1, relatado por Maria Gomes Perquilhas), importa negar procedência ao recurso, remetendo simplesmente para os fundamentos da decisão recorrida, que explica claramente as razões da não pronúncia. O que aqui fazemos.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordamos em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a douta decisão instrutória (na parte da não pronúncia) recorrida.
Sem custas.
Comunique de imediato à 1ª instância.
*
Lisboa, 20 de março de 2025
Os Juízes Desembargadores: Eduardo de Sousa Paiva Rosa Maria Cardoso Saraiva Ana Paula Guedes