I - O caso julgado formal duma decisão obsta a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior).
II - Somente haverá caso julgado quando se está perante decisões judiciais, que não admita recurso ordinário ou reclamação.
III - As decisões do Notário não têm natureza jurisdicional.
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - ...
RELAÇÃO N.º 208
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
AS PARTES
Inventariados: AA.
BB.
Interessados: CC.
DD.
EE (falecido).
FF (viúva)
GG.
HH.
II.
JJ.
Os[2] presentes autos foram remetidos pelo Cartório Notarial na sequência de um pedido formulado pelo interessado GG em 17.09.2024.
Com efeito, esse interessado, lançando mão do disposto no artigo 12º, nº 2 alínea b) da Lei 117/2019 requereu a remessa do processo para o tribunal por considerar que o processo de inventário se encontrava parado, sem realização de diligências úteis há mais de seis meses.
Decorre do disposto no referido normativo que qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa do processo para o tribunal competente quando o processo de inventário esteja parado, sem diligências úteis há mais de seis meses.
A Senhora Notária, atento o requerimento formulado, em 14.10.2024 proferiu despacho a ordenar a remessa dos autos ao tribunal.
*
Foi proferida DECISÃO, nos seguintes termos:
“Decorre do processado que os interessados deliberaram em sede de conferência preparatória vender alguns bens, venda essa que já se concretizou em parte, tendo inclusivamente já sido atribuído a cada um dos herdeiros a sua quota parte- cfr. despacho de 31.03.2022.
Os autos prosseguiram para a concretização da venda da verba nº 22 da relação de bens tendo, ainda no ano 2022 o senhor agente de execução notificado os interessados de uma proposta de aquisição no valor de € 45.000,00 que o interessado GG não aceitou.
Os autos continuaram com as diligências de venda tendo em fevereiro de 2024 sido apresentada uma nova proposta no valor de € 42.000,00 que esse interessado também não aceitou. Conforme resulta do auto de abertura de propostas, o senhor agente de execução consignou que iria ele próprio notificar todos os interessados para informar se aceitavam a proposta apresentada.
Em algum momento as diligências de venda foram dadas sem efeito pelo que não se percebe a razão pela qual se considerou que os autos se encontram parados sem diligências úteis. É que foi o próprio encarregado de venda que notificou os interessados. Os autos não se encontravam pendentes de qualquer ato a praticar pela Sra. Notária.
Como tal, por não se verificarem os pressupostos da remessa dos autos ao tribunal, indefere-se liminarmente o presente processo de inventário, ordenando-se a sua remessa ao cartório notarial.“.
O interessado, GG, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
“Termos em que deverá proferir-se douto Acórdão que julgue procedente o recurso em causa, revogando-se, in totum, o douto despacho, só assim se fazendo integral e esperada justiça!“.
“I. Na sequência da conferência preparatória e estipulados os valores mínimos para a venda das frações, o senhor encarregado de venda, em dezembro de 2023, informa os autos e interessados do valor da melhor proposta apresentada quanto a uma fração.
II. Sendo que, em Março de 2024, uma interessada, apresenta um requerimento no processo, no entanto a partir de tal data tramitação alguma é realizada.
III. Ora, desde a data de Março de 2024 até então os presentes autos, mostram-se parados,
IV. Pelo que, e de acordo com o artigo 12º nº 2 alínea b) da lei Lei 117/2019 mostra-se o requisito cumprido, visto que diligência útil nos presentes autos é realizada há mais de 6 meses.
V. Por outro lado, dada a teleologia específica que preside ao n.º 2 do art. 12º - proteção dos interessados diretos na partilha contra uma demora excessiva no processamento do inventário notarial, que poderá ser lesiva do direito fundamental, constitucionalmente tutelado, daqueles a obterem uma decisão em tempo razoável -, tem-se entendido que o prazo de um ano de suspensão, a que alude a al. a), ou o prazo de seis meses de paragem do processo, sem que nele sejam realizadas diligência úteis, a que alude a al. b), não tem de decorrer integralmente após 01/01/2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, bastando que, nessa data de 01/01/2020, já tenha decorrido todo o prazo de um ano ou de seis meses a que aludem as mencionadas als. a) e b) do n.º 2 do art. 12º, ou que, nessa data de 01/01/2020, já se tenha iniciado a contagem desses prazos, não se tratando aqui de aplicação retroativa do regime transitório previsto no art. 12º, nº 2 da Lei n.º 117/2019, “mas antes de uma situação de retroconexão: produção de efeitos no domínio da lei nova (faculdade de requerer a remessa do processo) com base em factos ocorridos no domínio da lei antiga (decurso, total ou parcial, do prazo)”
VI. Sendo que, quanto aos processos de inventário instaurados no domínio de RJPI (Lei n.º 23/13, de 05/03) que se encontrem pendentes em 01 de janeiro de 2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 117/19, de 13/09, que nos termos do regime jurídico desta nova Lei não sejam da competência material exclusiva dos tribunais judiciais e que, portanto, não têm de ser remetidos oficiosamente pelo notário ao tribunal, ou em relação aos quais não se mostrem preenchidos os requisitos legais previstos no art. 12º, n.ºs 2, al. a) ou b) ou 3 do regime transitório fixado na Lei n.º 117/19 que permitem ao interessado ou interessados diretos na partilha requerer a remessa do processo de inventário (notarial) pendentes em 01/01/2020 para o tribunal, para que passem a ser tramitados como processos de inventário judiciais, ou em que, apesar desses requisitos legais se encontrarem preenchidos, o interessado ou interessados diretos na partilha não requereram a respetiva remessa ao tribunal, esses processos de inventário permanecem nos cartórios notariais, continuando aí a ser tramitados de acordo com o regime da Lei n.º 23/2013, de 05/03 (RJPI), com exceção dos arts. 3º, 26º-A, 27º, 35º e 48º desta, que passam a ter a redação da Lei n.º 117/2019 (art. 11º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 117/2019).
VII. Em suma, o regime jurídico da Lei n.º 117/2019, de 13/09, é aplicável apenas aos processos de inventário instaurados em 01/01/2020 e datas subsequentes e, bem assim aos atos processuais e formalidades subsequentes à remessa do processo de inventário ao tribunal nos processos de inventários instaurados no domínio da RJPI e que se encontrem pendentes em 01/01/2020 e que transitem para os tribunais, por imposição legal (impondo-se essa remessa oficiosamente ao notário) ou a requerimento do interessado ou interessados diretos na partilha (nos casos dos n.ºs 2 e 3 do art. 12º da Lei n.º 117/2019).
VIII. Os processos de inventário instaurados no âmbito de vigência da Lei n.º 23/13, de 05/03 (RJPI), isto é, até 31/12/2019, e que se encontrem pendentes em 01 de janeiro de 2020, impõe-se considerar o regime transitório previsto nos arts. 12º e 13º da Lei n.º 117/2019, de 13/09.
IX. O referido regime jurídico transitório prevê situações de: a) processos de inventário que têm, obrigatória, imperativa e oficiosamente de ser remetidos pelo notário para o tribunal, dado que, a competência material para deles conhecer passou a ser exclusivamente do tribunal na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, de 13/09 (art. 12º, n.º 1 da Lei n.º 117/2019); b) processos de inventário que o notário remete para o tribunal a requerimento do interessado ou interessados diretos na partilha (casos de processos de inventário que, face ao novo regime jurídico entrado em vigor em 01 de janeiro de 2020, aprovado pela Lei n.º 117/2019, não são da competência exclusiva do tribunal - sendo, portanto, face a esse novo regime, processos de inventário facultativamente judiciais -, em relação aos quais o interessado ou interessados diretos na partilha podem requerer a remessa desse processo ao tribunal, contanto que se verifiquem os requisitos legais da al. a) ou da al. b), do n.º 2 ou do n.º 3 do art. 12º da Lei n.º 117/2019; e c) processos de inventário que permanecem no cartório notarial após 01 de janeiro de 2020, continuando, portanto, a ser inventários notariais (os que, em função da nova Lei n.º 117/2019, não passaram a ser obrigatoriamente judiciais e em relação aos quais não se encontram preenchidos os requisitos legais previstos nas als. a) ou b) do n.º 2 ou no n.º 3 do art. 12º, ou em que, apesar de tais requisitos estarem preenchidos, o interessado ou interessados diretos na partilha não requereram que esses processos fossem remetidos ao tribunal, para passarem aí a ser tramitados como inventário judicial).
X. Posto isto, revertendo ao caso dos autos, tendo o presente processo de inventário sido instaurado no cartório notarial, conforme era imposto pelo RJPI vigente à data da sua instauração, tendo entrado em vigor, em 01 de janeiro de 2020, a Lei n.º 117/2019, de 13/09, o apelante, fazendo uso do regime transitório previsto nesse diploma, no seu art. 12º, n.º 2, al. B), requereu que o processo fosse remetido para o tribunal, o que, após observância do contraditório quanto aos restantes interessados na partilha, incluindo o apelado e cabeça de casal, veio a ser deferido pela Senhora notária.
XI. De resto, no caso dos autos, quanto à decisão proferida pela senhora notária, deferindo o requerimento apresentado pelo apelante ordenando, ao abrigo do disposto na al. b), do n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 117/2019, de 13/09, a remessa do presente processo de inventário ao tribunal, com fundamento de que este se encontrava parado, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses,
XII. Esta decisão encontrava-se transitada em julgado quando em 31/10/2024, foi proferida decisão pelo Juízo, determinando o reenvio do processo de inventário ao cartório notarial remetente, visto que se encontrava decorrido o prazo de quinze dias para, de acordo com o regime transitório previsto no n.º 2 do art. 13º da Lei n.º 117/2019, os interessados diretos na partilha eventualmente e se assim fosse o entendimento dela interpusessem recurso.
XIII. Acresce que, entre ambas essas decisões (a notarial e a judicial) ocorre colisão de casos julgados formais, a ser solucionada mediante recurso ao disposto no n.º 2 do art. 625º do CPC, onde se estatui que, existindo duas decisões contraditórias que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, em caso de ambas se encontrarem transitadas em julgado, cumpre-se aquela que passou em julgado em primeiro lugar.
XIV. Na verdade, ao ordenar a reenvio do processo de inventário, para o cartório notarial entrou, por isso, em colisão direta com o decidido pela Senhora notária,
XV. Decorre que se vem dizendo que, ainda que a decisão proferida pela Senhora notária tivesse “transitado em julgado”, entre essa decisão e a judicial, proferida pelo Juízo do tribunal ocorre colisão de decisões, violando esta última o “caso julgado formal” que eventualmente cobre aquela outra (substancialmente administrativa) proferida pela da Senhora notária.
XVI. As normas transitórias contidas no n.º 2 do art. 12º da Lei n.º 117/2019, de 13/09, tal como já referimos, têm como fundamento teleológico a salvaguarda do direito fundamental e constitucionalmente tutelado no art. 20º da CRP, dos interessados diretos na partilha a obterem uma decisão em tempo útil, permitindo-lhes que requeiram que os processos de inventário instaurados no âmbito do RJPI, e que então eram necessariamente notariais, que se encontrem pendentes em 01 de janeiro de 2020 (data da entrada em vigor da Lei n.º 117/2019, de 13/09), transitem para os tribunais, sempre que esses inventários notariais se encontrem suspensos ao abrigo do disposto no art. 16º do RJPI há mais de um ano (al. a), do n.º 2 do art. 12º), ou quando se encontrem parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses (al. b), do n.º 2 do art. 12º).
XVII. Pelo que, mal andou o tribunal ao indeferir a tramitação judicial dos presentes autos, reenviando os mesmos para o cartório notarial, violando o disposto no artigo 12º da Lei 117/2019.“.
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:
A) A decisão da Sra. Notária de ordenar a remessa dos autos transitou e julgado, verificando-se caso julgado formal.
B) Encontra-se verificado requisito do artigo 12.º, n.º 2 alínea b) da Lei n.º 117/2019 – estão os autos de inventário parados há mais de seis meses.
*
Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e bem como os seguintes:
O processo de inventário teve o sei início a 28.09.2017.
Apresentada relação de bens, reclamações à mesma, decidida as reclamações, foi designada data para conferência preparatória, que ocorreu a 04.06.2019.
Aí foi decidida a venda por negociação particular das verbas 17 a 21, tendo acordado igualmente na pessoa que iria proceder à venda.
A 26.10.2020 realizou-se conferência preparatória na qual foi decidido a adjudicação verbas 1 a 5, e a venda das verbas 17 a 21, tendo acordado igualmente na pessoa que iria proceder à venda.
O interessado GG veio pedir a remessa dos autos para Tribunal por requerimento de 03.01.2022, nos termos o artigo 12.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 117/19 de 13.09.
Por decisão de 31.01.2022, foi indeferido tal pedido, por falta ed fundamento para tanto.
Os autos seguem os seus termos, com diligências de venda das diversas verbas.
É proferido despacho quanto a pagamentos a fazer aos herdeiros na sequência das vendas feitas com data de 31.03.2022.
Os autos prosseguem os seus teros para venda uma verba, sendo que não acordo entre os interessados quanto ao valor a vender, sendo o último requerimento datado de 14.02.2024.
A 03.03.2024 é junto requerimento de interessada, HH, quanto à aceitação do valor da venda. A 06.03.2024 é a interessada FF que apresenta igual requerimento. Por sua vez o interessado, ora apelante, a 14.03.2024 apresenta requerimento de não aceitação do valor da venda do bem.
A 17.09.2024, o interessado, apelante, GG, veio pedir a remessa dos autos para Tribunal por requerimento de 17.09.2024, nos termos o artigo 12.º, n.º 2, alínea c) da Lei n.º 117/19 de 13.09.
Na sequência do qual é proferido o seguinte despacho, datado de 14.10.2024:
Foram os interessados notificados, a 14.10.2024.
Remetidos os autos a Tribunal, é aberta conclusão a 16.10.2024 e é proferida a decisão ora recorrida, e atrás transcrita a 31.10.2024.
*
A)
A decisão da Sra. Notária de ordenar a remessa dos autos transitou e julgado, verificando-se caso julgado formal.
Argumenta o apelante (cls. XI a XV), ter a decisão da Sra Notária transitado em julgado, pelo que a mesma não pode ser revertida por decisão posterior.
O artigo 625.º do Código de Processo Civil com a epígrafe, Casos julgados contraditórios, dispõe o seguinte:
“1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. “.
“Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão. “, in Ac do Supremo Tribunal de Justiça 1306/14.7TBACB-T.C1.S1, de 08.03.2018, relatado pelo Cons FONSECA RAMOS.
No mesmo sentido Ac Tribunal da Relação do Porto 1320/14.2TMPRT.P1, de 17.05.2022, relatada pelo Des JOÃO RAMOS LOPES, “O caso julgado consubstancia-se ‘na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário’, tornando indiscutível o conteúdo da decisão “.
Quanto ao que seja caso julgado socorremo-nos dos seguintes ensinamentos:
“1. A repetição da causa ocorre quando é proposta uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo essa tripla identidade crucial para a verificação de alguma das exceções dilatórias de caso julgado e de litispendência. Contudo, apesar da aparente simplicidade do preceito, que foi ao ponto de definir cada um dos elementos (subjetivo e objetivo) da instância, a sua aplicação suscita enormes dificuldades, que resultam bem transparentes da leitura de arestos jurisprudenciais e de elementos doutrinais (RC 12-12-17, 3435/16).
2. A identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente, "aquelas que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado" (Maria José Capelo, A Sentença Entre a Autoridade ca Prova, p. 324). (…)
4. Também ocorre a identidade dos sujeitos quando os mesmos são portadores do mesmo interesse substancial quanto à relação jurídica em causa (STJ 9-7-15, 896/09), solução que também foi assumida em STJ 22-2-15, 915/09, onde se refere que "para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo". A identidade de sujeitos, com os limites assim definidos, constitui o pressuposto básico para a invocação quer da exceção de caso julgado (vertente negativa), quer para a afirmação dos limites do caso julgado (vertente positiva). Não é possível de modo algum extrair efeitos de uma decisão judicial relativamente a um sujeito que não possa considerar-se vinculado nos termos anteriormente referidos.
5. A identidade de pedidos afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequa ção integral das pretensões (ST) 24-2-15, 915/09, STJ 14-12-16, 219/14 e STJ6-6-00, 00A327). Assim, se a forma como o autor se expressou na petição inicial e o modo como tal se refletiu na sentença são importantes para a aferição da identidade do pedido que foi formulado e apreciado, não deixa de ser importante o que, numa perspetiva substancial, está contido explicitamente e, por vezes, até implicitamente nessas formulações, seguindo sempre um critério orientador segundo o qual, para além de ser dispensável a repetição da mesma causa entre os mesmos sujeitos, deve vedar-se a possibilidade de ocorrer, com a sentença que venha a ser proferida, uma contradição decisória.
6. A identidade de pedidos pode, aliás, ser apenas parcial e, ainda assim, ser bastante para que se considerem verificadas a exceção de litispendência ou de caso julgado. Por exemplo, em face de uma anterior sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um determinado prédio, com base num determinado fundamento (ação de simples apreciação positiva), existe repetição da causa se for proposta uma ação de reivindicação na qual, com base no mesmo fundamento, se pretenda ainda a condenação do réu na restituição do bem (cf. sobre a delimitação e características do pedido, cf. anot. aos arts. 3º, 1869 e 552).” in Código de Processo Civil Anotado, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, 2018, em anotação ao artigo 581.º do Código de Processo Civil.
LEBRE DE FREITAS, RIBEIRO MENDES E ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., em anotação ao artigo 629.º, pág., 28, afirmam:
“A ofensa de caso julgado, por seu turno, pressupõe que a decisão impugnada tenha contrariado outra decisão anterior, já transitada em julgado (arts. 619 e 620; cf. arts. 580 e 581), não se aplicando a norma com fundamento em o acórdão recorrido se ter baseado em ofensa do caso julgado que o recorrente pretenda que não se verificou.
No ac. do STJ de 18.12.13 (ABRANTES GERALDES), proc. 1801/10, decidiu- -se que ocorre ofensa de caso julgado quando a Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto pelo autor, haja modificado ex officio o decidido na 1.ª instância, objeto de recurso, em termos que se revelem mais desfavoráveis para o apelante, com desrespeito pelo que dispõe o art. 635-5. Ver ainda os acs. do STJ de 17.11.15 (SEBASTIÃO POVOAS), proc. 34/12, e de 15.2.17 (NUNES RIBEIRO), proc. 2623/11.”
Por fim, caso julgado é uma excepção dilatória – artigo 577.º, alínea i) do Código de Processo Civil – que obsta a que o Tribunal possa conhecer do mérito da causa e acarreta a absolvição do réu da instância – artigo 576.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Feita estas precisões teóricas, voltando ao caso dos autos, é de concluir que a questão ora suscitada pelo recorrente, tem que ser decidida pela ocorrência de caso julgado formal.
Como decorre das alegações de recurso do apelante, que segue de perto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 5443/20.0T8BTG-A.G1, 19.05.2022, relatado Pelo Des JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS – que certamente inadvertidamente não foi citado ou sinalizado – a presente questão é destituída de fundamento e é manifestamente improcedente.
“O caso julgado formal apenas incide sobre as decisões que versem sobre a relação processual (art. 620º do CPC) e que, portanto, não definem a concreta relação jurídica material controvertida entre as partes, ou seja, não decidem de mérito.
O caso julgado que cobre tais decisões não projeta assim, a sua eficácia para fora do processo, sendo a sua eficácia, imutabilidade ou estabilidade restrita ao processo em que se formou (8) (…)
Quando essa decisão judicial recaia unicamente sobre a relação processual, uma vez transitada em julgado, esta impede que essa mesma questão processual seja novamente discutida e apreciada dentro do processo, tornando-se o decidido inatacável e incontestável dentro desse processo..”, Acórdão atrás citado.
Com efeito, somente haverá caso julgado quando se está perante decisões judiciais, que não admita recurso ordinário ou reclamação. Mais importa, que a decisão recaia sobre questão
Prosseguindo e trilhando o mesmo trilho do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (que como se afirmou é também trilhado pelo apelante), podemos afirmar que as decisões do Notário não têm natureza jurisdicional. Ou nas palavras do Acórdão citado, “Ora, porque o instituto do caso julgado seja formal ou material reporta-se a decisões judiciais, não tendo as decisões proferidas pelos notários natureza substancialmente jurisdicional, mas antes administrativa, é indiscutível que, quanto às decisões dos notários, o caso julgado não vigora com a mesma força e nos mesmos moldes em que se encontram estabelecidos para as decisões judiciais ou, pelo menos, com a mesma intensidade (11 Ac. RL. de 10/03/2022, Proc. 3136/20.8T8FNC.L1-2.)”
Por outro lado, no caso em análise a decisão proferida pela Sra Notária, de 14.10.2024 e notificado aos interessados na mesma data.
A decisão ora objecto de recurso foi proferida a 31.10.2024.
Constata-se de modo fácil, assim, que a decisão da Sra Notária não havia transitado em julgado, quando determinou o reenvio dos autos ao Cartório Notarial, para efeitos de conclusão das diligências de venda de uma verba da herança.
E aqui, chegamos à mesmíssima conclusão a que chegou o Acórdão citado: “Acresce que, entre ambas essas decisões (a notarial e a judicial) não ocorre qualquer colisão de casos julgados formais, a ser solucionada mediante recurso ao disposto no n.º 2 do art. 625º do CPC, onde se estatui que, existindo duas decisões contraditórias que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, em caso de ambas se encontrarem transitadas em julgado, cumpre-se aquela que passou em julgado em primeiro lugar.”
Claramente extrai-se da decisão ora recorrida, que os autos de inventário foram reenviados ao Cartório Notarial para conclusão da venda, acordada por todos os interessados, aqui incluído o apelante.
Pelo exposto, improcede nesta parte a apelação.
*
Encontra-se verificado requisito do artigo 12.º, n.º 2 alínea b) da Lei n.º 117/2019 – estão os autos de inventário parados há mais de seis meses.
Dispõe tal norma legal o seguinte:
Artigo 12.º, com a epígrafe, Remessa dos inventários notariais
1 - O notário remete oficiosamente ao tribunal competente os inventários em que sejam interessados diretos menores, maiores acompanhados ou ausentes.
2 - Nos restantes inventários, qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa ao tribunal competente, sempre que:
a) Se encontrem suspensos ao abrigo do disposto 16.º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano;
b) Estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses.
3 - A remessa do processo para o tribunal competente também pode ser requerida, em qualquer circunstância, por interessado ou interessados diretos que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança.
4 - A remessa pode ser requerida não só para o tribunal territorialmente competente, nos termos do artigo 72.º-A do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela presente lei, mas também para qualquer tribunal que, atendendo à conveniência dos interessados, estes venham a escolher.
Em face do que atrás já se explanou, mormente quanto ao momento processual em que os autos de inventário se encontram, realização de venda de verba n.º 22. Estão ao autos à aguardar as diligências de venda por parte da pessoa nomeada para tal.
Tal como é aludido na decisão recorrida, os autos não estão sem impulso processual por parte ad Sra Notária. A venda ainda não foi concluída por os interessados não terem chegado a um acordo quanto à venda por negociação particular pelo valor de 42.000,00 € - tinha sido fixado por avaliação o valor de 70.000,00 €.
Resulta do auto de abertura de propostas junto a 20.02.2024 o seguinte:
O interessado, ora apelante, GG, foi o único que não aceitou a venda por tal valor.
Tal como alude o Sr mediador de venda, LL – que foi nomeado por acordo de todos os interessados – não tendo sido aceite a proposta de 42.000,00 €, ele iria prosseguir com a venda.
Para que estivesse comprovado a paragem do processo pelo período de seis meses, haveria que efectivamente estivesse tal comprovado nos autos, designadamente, com a afirmação por parte do mediador a dizer que não havia mais diligências tomar para a venda da verba em causa e que durante seis meses nada havia feito. Ora, não é esse o caso.
A venda ainda está a decorrer. Os interessados não manifestaram a vontade de dar como finda a venda. Nenhuma outra pretensão foi manifestada pelos interessados no sentido da Sra Notária tomar alguma acção quanto ao estado da venda, pelo menos relativamente ao afirmado pelo sr mediador (que iria prosseguir os termos da venda).
Como se afirmou, não está o processo de inventário parado há seis meses aguardando qualquer decisão ou impulso por parte da Sra Notária.
Pelo exposto, improcede, também, nesta parte a apelação, mantendo-se o decidido pela M.ma Juíza da primeira instância.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
………………………………………
……………………………………..
………………………………………
Porto, 11 de Março de 2025
Alberto Taveira
Alexandra Pelayo
Pinto dos Santos
____________________
[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pelo Exmo. Senhor Juiz.