TESTAMENTO
ANULAÇÃO
INCAPACIDADE DO TESTADOR
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Ao aludir ao carácter transitório da incapacidade no artigo 2199.º CC, pretende a lei significar que a deficiência da vontade do testador deve verificar-se no momento em que a disposição testamentária é feita, abrangendo tanto situações esporádicas, transitórias, como situações permanentes, que justifiquem a instauração de uma acção de maior acompanhado.
II - Saber se o o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair
dos factos apurados.
III - Constitui entendimento pacífico que o ónus da prova acerca da incapacidade do testador impende sobre aquele que pretende invalidar o testamento.
IV - Provado o estado de demência em período que abrange o ato anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência.
VI - À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
VII - O artigo 2199.º CC, ao prever a anulação do testamento por incapacidade acidental, estabelece um regime especial relativamente ao regime da incapacidade acidental no âmbito do negócio jurídico, previsto no artigo 257.º CC, pois, contrariamente ao que aqui sucede, não é ali exigida a notoriedade da incapacidade ou o seu conhecimento pelo declaratário.
VIII - A diferença de regimes assenta na diversa natureza dos actos que se destinam a regular: o artigo 257.º CC regula a incapacidade acidental no âmbito do negócio jurídico em geral, destinando-se a exigência de notoriedade da incapacidade ou conhecimento pelo declaratário a tutelar as expectativas deste; o artigo 2199.º CC reporta-se ao testamento, um negócio jurídico unilateral não receptício.

Texto Integral

Apelação n.º 19674/21.2T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Relatora: Marcia Portela
1.º Adjunto: Anabela Dias da Silva
2.º Adjunto: João Diogo Rodrigues

1. Relatório
AA, NIF ...; BB, NIF ...; CC, NIF ..., intentaram acção declarativa contra DD, NIF ..., a qual, entretanto falecida, tem como habilitados EE; FF; GG e HH, pedindo que:
─ seja anulado o testamento outorgado no dia 12.11.2019, por II;
─ seja a R. condenada a restituir à herança todos os bens do testador à data de Novembro de 2019, data em que foi fixada a incapacidade definitiva do II, devendo ser decretado o cancelamento de todos os registos que tenham sido feitos em momento posterior ao internamento; ou subsidiariamente:
─ a entrega do valor correspondente aos bens dissipados, concretamente o espólio de
moedas e objectos em ouro/diamantes/pratas/pérolas, relógios, melhor identificados em 91.º da petição inicial, dinheiro depósitos bancários referidos nos artigos 99.º a 102.º da petição inicial, veículo da marca Wolkswagen com a matrícula ..-..-IR, imóveis e time sharing referidos nos artigos 112.º e 113.º da petição inicial.
Alegaram para tanto, e em síntese:
─ No dia 11 de Junho de 2021, no estado civil de viúvo, faleceu II;
─ O falecido II não tinha descendentes, não tinha ascendentes vivos nem irmãos;
─ Os AA. são, respectivamente, primo direito e primas em segundo grau do falecido;
─ No dia 12 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial do Dr. JJ, o falecido outorgou testamento a favor de DD, ora R., e de KK, tendo este vindo a renunciar à herança;
─ O falecido II encontrava-se incapaz de outorgar o testamento.
Na contestação a R. sustentou que o falecido II se encontrava capaz para outorgar o testamento.
Proferiu-se despacho saneador.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu dos pedidos os habilitados EE, FF, GG e HH, todos de apelido ..., atento o falecimento da R. DD,
Inconformados, apelaram os AA., apresentado as seguintes conclusões:
Objeto
1. O presente recurso tem por objeto a totalidade da decisão que julgou improcedente, por não
2. provada, a ação proposta pelos Autores.
2. Os Recorrentes arguirão a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC. Posteriormente, impugnarão a decisão da matéria de facto, com recurso a prova gravada (declarações de parte e prova testemunhal) e a prova documental, pelo que se especificarão os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, a resposta que, no seu entender, lhes deveria ser dada e as concretas passagens em que se funda o seu entendimento. Por fim, o recurso versará, ainda, matéria de direito. Nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC
3. Não obstante o Tribunal ter começado por referir que teve em conta a “prova documental junta aos autos” e os “elementos clínicos juntos” e de, no elenco das testemunhas valoradas, ter identificado os médicos que contactaram com II – como é o caso do psiquiatra, LL, ou a médica especialista em medicina interna, MM –, na fundamentação da decisão recorrida, toda a informação plasmada nos relatórios médicos e explicada pelos profissionais que a elaboraram, foi, simplesmente, ignorada.
4. A sentença recorrida parece sustentada no depoimento do Notário JJ e das testemunhas que assistiram ao testamento (NN e OO) sem, contudo, revelar por que razão atribuiu valor probatório aos depoimentos destas testemunhas e nada explica quanto à oposição existente por confronto com os elementos clínicos que, alegadamente, também foram valorados (relatórios médicos e exame pericial, cuja informação clínica neles vertida foi levada ao ponto 31. dos factos provados).
5. Especialmente, num contexto em que a testemunha JJ começou por expressamente admitir que não se recordava do testamento em causa, apenas assegurando que o testador teria de estar em condições porque, caso contrário, ele próprio não o teria celebrado; que a testemunha NN era advogada da falecida Ré (cfr. ponto 17. dos factos provados) e a testemunha OO é funcionária do escritório da advogada da falecida Ré.
6. Não se explica, ainda que sumariamente, porque é que os depoimentos se mostraram credíveis, ao ponto de se sobreporem à prova documental pasmada nos relatórios médicos e, ao invés, qual a razão para os depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores não se terem mostrado credíveis.
7. Não há qualquer referência às testemunhas dos Autores – designadamente aos médicos que prestaram um depoimento de natureza eminentemente técnica e que contactaram diretamente com II no âmbito da sua atividade profissional e que, sem qualquer hesitação, atestaram que este teria as suas capacidades cognitivas e volitivas prejudicadas.
8. Na pendência da ação de maior acompanhado instaurada em benefício de II, foi realizado um exame pericial, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial severo do mesmo, concluindo, assim, pela verificação de um quadro clínico de perturbação neurocognitiva-major – cfr. relatório junto com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL. Estes factos constam do ponto 31. dos factos provados, mas deles o Tribunal a quo não retirou qualquer consequência.
9. Lê-se no aludido relatório pericial que, no Centro Hospitalar ..., existem registos de consultas de neurologia do falecido, desde, pelo menos, 2017, entrando-se transcritas no relatório pericial várias informações clínicas referentes às consultas de neurologia.
10. Em sede de audiência de julgamento, procedeu-se à audição do médico psiquiatra no Hospital 1... e diretor de psiquiatria forense desse mesmo hospital, Dr. LL, que para além de confirmar o teor do relatório elaborado, atestou ser impossível admitir que, no ano de 2019, II tivesse condições para fazer um testamento.
11. A médica Dra. MM, que acompanhou o doente II durante o seu internamento hospitalar, confirmou que a avaliação neuropsicológica, realizada em contexto de estabilidade clínica, viria confirmar que o doente não tinha capacidade cognitiva.
12. No entanto, a decisão recorrida nenhuma alusão fez aos depoimentos prestados pelo médico psiquiatra responsável pela elaboração do relatório pericial e pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, bem como aos documentos por estes emitidos (relatório pericial e declarações médicas juntas aos autos), não obstante o Tribunal, contraditoriamente, ter começado por frisar que valorou os documentos juntos, bem como os relatórios clínicos.
13. Nesta conformidade, entendem os Recorrentes que a decisão padece do vício de nulidade, que radica na falta de fundamentação ou na sua ambiguidade ou obscuridade que tornam ininteligível a respetiva decisão.
14. Com efeito, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, mas também a falta do exame crítico das provas.
15. Quando os depoimentos contrariam o conteúdo dos documentos (como é o caso) também aí se torna incontornável uma maior exigência na análise crítica da prova, uma vez que é imprescindível perceber as razões pelas quais o juiz deu prevalência a um em detrimento de outro, pesando os diversos graus de falibilidade, a credibilidade contextual, a lógica e até mesmo a experiência da vida, o que não sucedeu no presente caso – e isto apesar de ter sido levada aos factos provados, no ponto 31., a informação clínica de II.
16. Ora, a decisão recorrida não contempla o exame crítico das provas, limitando a referir que os factos provados se basearam na análise de “toda a prova documental e elementos clínicos juntos aos autos”, bem como que se “considerou a prova testemunhal”, sem realizar a imprescindível apreciação crítica da prova documental e testemunhal.
17. Na verdade, estando em causa meios de prova suscetíveis de avaliação subjetiva (como sucede com a prova testemunhal) seria indispensável que fosse efetuada uma apreciação crítica da prova – designadamente que se explicasse a razão para se atribuir credibilidade ao depoimento do Notário JJ (que expressamente reconheceu não se recordar do testamento em causa) ou ao depoimento da Dra. NN (advogada da Ré) em detrimento dos depoimentos isentos, credíveis, circunstanciados e de natureza eminentemente técnica dos médicos que assistiram II., com respaldo nos elementos clínicos juntos aos autos.
18. O Tribunal a quo não atendeu, nem sequer fez uma análise crítica dos registos documentais das consultas de neurologia (que o falecido II frequentava desde 2017) e que a Ré acompanhou.
19. A motivação da decisão vertida na sentença não cumpre com os requisitos legalmente estabelecidos, nem permite saber que testemunhas contribuíram com o seu depoimento para que os factos fossem dados como provados ou não provados, nem revela minimamente o percurso da convicção formada, as razões por que se deu valor probatório a determinados depoimentos, a isenção das testemunhas, sem esquecer a credibilidade dos depoimentos no contexto de toda a prova produzida.
20. Como facilmente se compreenderá, num processo em que foram ouvidas várias testemunhas (incluindo as de natureza técnica), não basta para se considerar preenchida, por qualquer forma, a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas uma mera remissão genérica para a “prova testemunhal” pois que dessa forma resulta de todo inviabilizada a perceção dos motivos da decisão ou, dito de outra forma, das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu.
21. Assim, verifica-se a nulidade da sentença prevista nos artigos 615º, n.º 1, alínea b) do CPC e derivada da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a implicar a procedência do presente recurso com a consequente remessa dos autos ao Juízo Central Cível do Porto para prolação de nova sentença que se mostre despojada daquele vício invalidante.
22. Tudo isto: conclui-se que o Mmo. Juiz preteriu o dever de examinar criticamente a prova documental e testemunhal, omitindo o dever de fundamentação, pelo que a sentença enferma de nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea b) do CPC.
23. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 154.º, 607.º, n.º 4, 615.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Civil, bem como o artigo 205º/1 da Constituição.
Da matéria de facto. Impugnação da matéria de facto: concretos pontos incorretamente dados como provados e não provados.
A.1. – Os concretos pontos de facto incorretamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, al. a) do CPC
24. Para efeitos de reapreciação da prova produzida, os Recorrentes consideram incorretamente julgados (por erro, incompletude ou imprecisão) os factos constantes dos artigos 63.º, 64.º, 66.º, 67.º, 68.º, 70.º, 71.º, 72.º, 77.º, 79.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 89.º, 91.º, 92.º, 96.º, 104.º, 105.º, 106.º dos FACTOS PROVADOS e os factos constantes das alíneas a), b), c), h), p), q), r), s), t) e u) dos FACTOS NÃO PROVADOS, cuja reapreciação se requer a este Venerando Tribunal, à luz dos concretos meios probatórios que serão elencados.
25. Deveria, ainda, ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: «II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia».
A.2. – Da decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas – artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC – e dos concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida e dos fundamentos da impugnação da matéria de facto
26. A sentença recorrida deu como provados os pontos 63.º, 64.º e 66.º dos factos provados, quando, na verdade, tais factos deveriam ter sido dados como não provados. O depoimento da testemunha PP (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, início a 16:36 e fim a 17:03, com duração de 00:26:48, e no dia 22 de janeiro de 2024, início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40) não se mostrou minimamente credível, porquanto, na sessão do dia 10 de maio de 2023, esta testemunha começou por referir que conhecia a Ré DD “de Portugal e de Moçambique” e que também conhecia II (concreta passagem 01min11seg a 02min2seg) e, na audiência do dia 22 de janeiro de 2024 (início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40), depois de confrontado com o teor de um auto policial em que se identificou como unido de facto da Ré DD, acabou por assumir que mantinha um relacionamento amoroso com a falecida Ré, facto que, deliberadamente, optou por omitir ao Tribunal. A concreta passagem é de 01min39 seg a 5min10seg. 27. Como esta testemunha expressamente admitiu, apenas esteve duas ou três vezes com II, situando tais contactos presenciais no ano de 2017/2018 (ou seja, já depois do diagnóstico da doença de demência a II que o relatório pericial fixou no ano de 2015), pelo que não se afigura sustentada e convincente a informação veiculada.
28. Por outro lado, várias testemunhas próximas do falecido II expressamente assumiram que não conheciam a Ré DD. A testemunha QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35) explicou que era muito próxima de II e referiu que, apenas, esteve com a Ré DD uma ou duas vezes. As concretas passagens são as seguintes: 00:01:06 a 00:01:55 e 00:07:47 a 00:09:51.
29. A testemunha RR (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15:32 e fim às 15:40, com duração de 00:07:48) também explicou ser uma pessoa próxima de II e confirmou que o aparecimento da Ré DD remonta a um passado muito recente. A concreta passagem é de 00:00:38 a 00:02:12.
30. A testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56), explicou que tinha contacto regular com II e que também conheceu a falecida Ré DD nos últimos dois anos, ou no último ano antes do internamento, altura em que lhe fora apresentada por II como “sobrinha”. A concreta passagem é de 00:05:22 a 00:08:21.
31. Resultou da prova produzida que a Ré DD tomava conta de uma tia, DD, esta sim das relações de amizade de II. Basta atentar no teor do auto policial do Comando Metropolitano do Porto, de 30 de novembro de 2022 (NPP ...), junto aos autos na sequência do pedido de ofício dos Autores, que atesta que, em 14 maio de 2019 (uns meses antes da outorga deste testamento), a Ré DD “cuidava” de TT (que os Autores e várias testemunhas confirmaram que se tratava de uma amiga de II), pessoa idosa, acamada e com diversos problemas de demência. Para além do auto policial, esta informação foi confirmada pelo depoimento da testemunha PP, unido de facto da Ré, que confirmou que a Ré foi cuidadora de TT até à morte deste (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024, início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40). A concreta passagem é de 07min08 seg a 11min00 seg).
32. A informação social junta como documento n.º 10 com a petição inicial, elaborada pela assistente social do Hospital ..., Dra. UU, refere expressamente que a falecida Ré DD dizia ser “afilhada”, mas que “está em Portugal apenas há cerca de 6 anos”. Também a sentença proferida no processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial, após diligências instrutórias direcionadas à concretização do superior interesse do beneficiário II, conclui que os Autores AA, BB e CC constituem efetivamente a sua rede de suporte, e não a Ré DD.
33. Estes são os concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida e que levariam a que os pontos 63.º, 64.º e 66.º dos factos provados não pudessem ter sido dados como provados, mas sim como não provados.
34. A sentença recorrida deu como provados os pontos 67.º, 68.º, 70.º e 72.º dos factos provados, quando, na verdade, tais factos deveriam ter sido dados como não provados. Os concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida são os já elencados em 26) a 32) das presentes conclusões, que se dão por reproduzidos, que permitem concluir que a Ré DD surgiu na vida de II nos últimos anos da sua vida, já após o diagnóstico da sua demência, prestando-lhe algum apoio nas compras e idas às consultas médicas, a par dos que de seguida se enumeram: (i) as declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min), sendo que a concreta passagem é de 08min24seg a 10min a 20seg; (ii) o assento de nascimento da Ré DD, junto como documento n.º 8 com a petição inicial de acompanhamento de maior que atesta que, em 16 de novembro de 2012, a Ré casou em Moçambique, pelo que nem vivia em Portugal; (iii) o auto policial do Comando Metropolitano do Porto, de 30 de novembro de 2022 (NPP ...), na sequência do pedido de ofício dos Autores, que atesta que, em 14 maio de 2019 (uns meses antes da outorga deste testamento), a Ré DD tomava conta de uma tia, DD, que necessitava de cuidados permanentes, pelo que não podia cuidar de II.
35. Assim: a prova produzida apenas permite concluir que a Ré desempenhou algumas tarefas domésticas para o falecido II, nunca tendo sido considerada como “pessoa de família” ou de “confidente”. Estes são os concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida e que levariam a que os tais factos fossem dados como não provados.
36. A sentença recorrida deu como provado o ponto 71.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. O depoimento da testemunha PP (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023 (início a 16:36 e fim a 17:03, com duração de 00:26:48 e no dia 22 de janeiro de 2024 (início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40) não deveria ter sido valorado, porquanto não se mostrou minimamente credível, nos termos já expostos (em especial, 01 min 39 seg a 5 min 10 seg do depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024).
37. Apesar da suposta intenção de II em beneficiar, como forma de gratidão, a afilhada, por ser a pessoa mais próxima do padrinho, o que lhe tinha sido veiculado, pelo menos, desde 2017 não se percebe a razão pela qual apenas o fez em novembro de 2019, em véspera do seu internamento hospitalar.
38. As declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min) apontam nesse sentido. A concreta passagem é de 10min27seg a 12min a 10seg, em que a Autora explicou que mantinha com II uma relação de proximidade, sem que tivesse existido qualquer “desavença familiar”.
39. Idêntica informação foi transmitida pela Autora CC (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min). A concreta passagem em que explica a relação de proximidade é de 25min30 a 26min45seg. Explicou, ainda, que não existiu qualquer “desavença familiar” (concreta passagem é de 33min24 a 33min57seg).
40. Existia efetivamente entre Autores e II uma relação de afeto e proximidade que justificou, no âmbito de uma ação de maior acompanhado, e após a realização de diversas diligências instrutórias pela Segurança Social, que os Autores fossem considerados a rede familiar de suporte e o Autor AA nomeado seu acompanhante e as Autoras BB e CC vogais do Conselho de Família – cfr. documento n.º 10 e 16 juntos com a petição inicial.
41. A situação que consta da informação clínica subscrita pela Dra. MM (cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial) de, no momento em que II foi admitido no serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., se apresentar sem acompanhante, tendo sido sinalizado como caso social, foi claramente esclarecida em sede de julgamento, seja do depoimento da Dra. MM, seja do depoimento da Dra. UU, assistente Social, seja do depoimento da técnica VV que, conjugadamente, explicaram que as pessoas contactadas inicialmente foram KK, WW, QQ, SS; que tal se tratou de um lapso do Hospital na identificação dos familiares, que entretanto viria a ser corrigida pelo hospital - cfr. documento n.º 12 junto com a petição inicial.
42. Caso tivesse existido efetivamente alguma “desavença familiar”, certamente que os Autores não teriam sido nomeados como foram, pelo Tribunal (Juízo Local Cível do Porto), como acompanhante e membros do Conselho de Família, sob proposta da Segurança Social e do Ministério Público, validada pela Mma. Juiz titular do processo de maior acompanhado, em que foram tomadas todas as diligências no sentido de proteger o Beneficiário II, inclusive através da promoção de um inquérito de natureza criminal para averiguação da prática de vários ilícitos criminais perpetrados pela Ré (cfr. documento n.º 16 junto com a petição inicial.). Assim, também tal facto não poderia ter sido dado como provado, devendo antes ser dado como não provado, com base nos concretos meios probatórios que aqui se elencaram.
43. A sentença recorrida deu como provado o ponto 77.º dos factos provados, quando, na verdade, tais factos deveriam ter sido dados como não provados. Deveria, ainda, ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: «II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia».
44. A frequência das consultas de neurologia devia-se ao facto de II padecer de
PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR, ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-10, DEMÊNCIA INESPECÍFICA, que lhe havia sido diagnosticada em 2015. Os concretos meios probatórios que impõem essa conclusão são: (i) o exame pericial ao falecido, pelo Perito Dr. LL, junto a estes autos com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03).
45. Lê-se no aludido relatório pericial que, no Centro Hospitalar ..., existem registos de consultas de neurologia do falecido, desde, pelo menos, 2017, cujas informações clínicas se encontram transcritos no relatório pericial.
46. De igual modo, a médica Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05), que acompanhou o doente II durante o seu internamento hospitalar, confirmou que II já evidenciava anteriormente ao internamento deterioração cognitiva, sendo seguido em neurologia desde 2017, pelo quadro demencial de que padecia e não pelos consumos de álcool. A concreta passagem é a seguinte: 00:07:45 a 00:08:51.
47. Esta médica em causa elaborou a informação clínica junta aos autos como documento n.º 9 com a petição inicial em que, claramente, refere que o falecido II era seguido em neurologia no Centro Hospitalar ... por síndrome demencial de predomínio mnésico e polineuropatia periférica.
48. Portanto, neste ponto, não se pode deixar de salientar a importância do depoimento prestado pelo médico psiquiatra e pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, e dos documentos, por estes, emitidos (relatório pericial e declarações médicas juntas aos autos).
49. Nesta medida, este facto deveria ter sido dado como não provado, dando-se, por conseguinte, como provado que: «II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia», com base nos concretos meios probatórios que aqui se identificaram.
50. A sentença recorrida deu como provado o ponto 79.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Com efeito, os presentes autos encontram-se instruídos com abundantes elementos clínicos que impunham decisão diversa: exame pericial ao falecido elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial do mesmo – cfr. relatório junto a estes autos com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03); registos de neurologia existentes no Centro Hospitalar ... desde, pelo menos, 2017 transcritos no relatório pericial; a declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial. Mereciam, ainda, relevância os elementos clínicos juntos como documento n.º 14 com a petição inicial referente aos episódios de urgência durante o internamento hospitalar de II, porquanto todos estes elementos clínicos dão nota da existência de uma patologia de síndrome demencial que se encontrava em curso há vários anos (pelo menos, desde 2015).
51. Não se percebe como é que, perante os elementos concretos da situação clínica de II, o Tribunal a quo os ignorou e, apenas, se ateve à presunção de que a revalidação de carta de condução de um cidadão obedece a vários critérios de exames feitos na presença do seu médico de família e que atestam a boa capacidade física e mental da pessoa.
52. Na verdade, esse exame não tem a finalidade e a especificidade analítica e de diagnóstico que permita detetar e despistar com segurança um caso de quadro demencial a não ser que no momento o estado do examinado seja de tal forma ausente que se torne evidente e flagrante a sua incapacidade (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-06-2023, no processo 5142/21.6T8CBR.C1.S1).
53. E tudo iSto sem prejuízo de que a renovação da carta de condução ter sido em 2018, mas o ano de maior perda de capacidades cognitivas ter sido em 2019 (ano em que foi outorgado o testamento), como resulta expressamente do relatório pericial. Assim, tal facto deveria ter sido dado como não provado com base nestes concretos meios probatórios.
54. A sentença recorrida deu como provado o ponto 80.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Os concretos elementos probatórios que impõem decisão diversa são: (i) a declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial que descreve que o doente II se encontrava “incapaz de deambular de forma autónoma” e com total dependência nas atividades da vida diária, com apoio para a marcha, na alimentação, na higiene e na gestão/administração de medicação; (ii) a informação social elaborada pela assistente social do Hospital ..., Dra. UU, que confirmou o teor da declaração por si subscrita (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39), declaração esta que atesta que II não tinha capacidade intelectual para se autogerir e se encontrava incapaz de residir sozinho; (iii) o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10-05-2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56). A concreta passagem consta de 00:16:06 a 00:17:00. Assim, tal facto deveria ter sido dado como não provado, com base nos concretos meios probatórios que aqui se identificaram.
55. A sentença recorrida deu como provado o ponto 81.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado.
56. Note-se que o Tribunal deu como provado os pontos 27 e 28 dos factos provados. Desde logo,
não se afigura credível que II – que padecia de demência – tivesse ficado subitamente sem as suas faculdades mentais e totalmente dependente de auxílio de terceiros.
57. Os presentes autos encontram-se instruídos com abundantes elementos clínicos que constituem meios probatórios que impunham conclusão diversa: exame pericial ao falecido elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial do mesmo – cfr. relatório junto a estes autos com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03); registos de neurologia existentes no Centro Hospitalar ... desde, pelo menos, 2017 – os quais se encontram transcritos no relatório pericial; declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) junta como documento n.º 9 com a petição inicial que atesta que o doente II já vinha sendo seguido em neurologia por síndrome demencial de predomínio mnésico antes do internamento, bem como os elementos clínicos juntos como documento n.º 14 com a petição inicial referente aos episódios de urgência durante o internamento hospitalar de II.
58. Ainda com relevância, importa atentar na prova testemunhal produzida que também constitui elemento probatório que impunha decisão diversa: depoimento da médica especialista em medicina interna, Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05). As concretas passagens são as seguintes: 00:06:05 a 00:10:29 e 00:12:20 a 00:18:10; depoimento do médico psiquiatra e diretor de psiquiatria forense do Hospital 1..., Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03). A concreta passagem é de 00:01:23 a 00:08:03; depoimento da testemunha, QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35), professora universitária na escola superior de enfermagem do Porto. As concretas passagens são as seguintes: 00:04:16 a 00:07:47, 00:16:32 a 00:17:46 e 00:18:47 a 00:21:02. Também o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56) que explicou que tinha contacto regular com II (00:01:13 a 00:01:46). As concretas passagens são as seguintes 00:03:03 a 00:05:22 e 00:09:49 a 00:13:50. Releva, ainda, o depoimento da testemunha UU, assistente social no Centro Hospitalar ... (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39). As concretas passagens são as seguintes: 00:02:55 a 00:04:31; 00:05:07 a 00:12:24.
59. Além disso, como aliás dita as regras da experiência comum neste tipo de doença, este quadro claramente sugestivo de uma patologia demencial foi-se agravando com o passar dos anos, na medida em que tais comportamentos passaram a ser de verificação reiterada, razão pela qual II passou a ser seguido em consultas de neurologia (pelo menos a partir de 2017), tendo-lhe sido diagnosticada a patologia demencial que se achava em curso e se exteriorizava através de vários sintomas (confusão, esquecimento, discurso incoerente e comportamentos inapropriados).
60. Ao ponto de II ter ficado impossibilitado de, por si só, prover pelo seu sustento e cuidado, perdendo em absoluto a competência para, autonomamente, se vestir, alimentar ou higienizar (o que explica o aspeto descuidado e o cheiro a urina que as testemunhas descreveram); executar as tarefas e as lides inerentes ao sustento e governo da sua pessoa e da sua casa (era um acumulador de lixo); de estabelecer e dar continuidade a uma conversa lógica, coerente, ligada e com conteúdo, sem qualquer capacidade para gerir, v.g., as contas bancárias ou de contar ou reconhecer o valor facial do dinheiro, como o relatório pericial veio a concluir, como ressalta da informação social e
relatório pericial acima identificados.
61. E isso não aconteceu, como é por demais evidente, com o seu internamento, facto que, de resto, era do conhecimento da falecida Ré DD, que inclusivamente o acompanhava às consultas de neurologia – sendo, por isso, manifesto que a mesma tinha conhecimento do real estado clínico do mesmo. Assim, tal facto deveria ter sido dado como não provado com base nos concretos meios probatórios identificados.
62. A sentença recorrida deu como provado o ponto 82.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. O estado de saúde de II em nada foi influenciado pela situação pandémica de Covid-19. Por outro lado, não corresponde à verdade que II, no hospital, sempre tenha reconhecido DD como sua afilhada. Ainda com relevância, importa atentar na prova testemunhal produzida que constitui elemento probatório que impunha decisão diversa: o depoimento da médica especialista em medicina interna, Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05).
A concreta passagem é a seguintes: 00:12:20 a 00:17:31; depoimento da testemunha UU, assistente social no Centro Hospitalar ... (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39). A concreta passagem é a seguinte: 00:05:07 a 00:10:34. Portanto, tal facto deveria ter sido dado como não provado com base nos concretos meios probatórios identificados.
63. A sentença recorrida deu como provados os pontos 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º e 89.º dos factos provados, quando, na verdade, tais factos deveriam ter sido dados como não provados. Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa são os seguintes: exame pericial ao falecido elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial do mesmo – cfr. relatório junto a estes autos com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03). Registos de neurologia existentes no Centro Hospitalar ... desde, pelo menos, 2017 que integram o relatório pericial. Ainda, a declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) – cfr. documento n.º 9 junto com a petição inicial que atesta que o doente II já vinha sendo seguido em neurologia por síndrome demencial de predomínio mnésico antes do internamento. Ainda, os elementos clínicos juntos como documento n.º 14 com a petição inicial referente aos episódios de urgência durante o internamento hospitalar de II também são um elemento probatório que impunha que tal facto fosse dado como não provado, bem como a sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial que aplica a II as medidas de acompanhamento de representação geral e administração total dos seus bens, dando como provado que o beneficiário padece de uma perturbação neurocognitiva major, de evolução insidiosa e progressiva, em estado severo e irreversível, que limita o seu desempenho volitivo (cfr. pontos 12 e 13 dos factos provados da aludida sentença) e o documento n.º 11 junto com a petição inicial, referente a um requerimento, apresentado pela Ré DD e subscrito pela sua advogada, Dra. NN, que interveio no testamento na qualidade de testemunha.
64. Ainda com relevância, importa atentar na prova testemunhal produzida que também constitui elemento probatório que impunha decisão diversa: depoimento da médica especialista em medicina interna, Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05). As concretas passagens são as seguintes: 00:06:05 a 00:10:29; 00:12:20 a 00:18:10; o depoimento do médico psiquiatra e diretor de psiquiatria forense do Hospital 1..., Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03). A concreta passagem é a seguinte: 00:01:23 a 00:08:03; o depoimento da testemunha, QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35). As concretas passagens são as seguintes: 00:04:16 a 00:07:47; 00:16:32 a 00:17:46 e 00:18:47 a 00:21:02; o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56) que, explicando que tinha contacto regular com II (00:01:13 a 00:01:46), confirmou o estado demencial de II. As concretas passagens são as seguintes: 00:03:03 a 00:05:22; 00:09:49 a 00:13:50 e 00:14:47 a 00:16:06; o depoimento da testemunha UU (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39). As concretas passagens são as seguintes: 00:02:55 a 00:04:31; 00:05:07 a 00:12:24; o depoimento da testemunha Dr. JJ, Notário (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:53 e fim às 16:00, com duração de 00:07:51).As concretas passagens são as seguintes: 00:00:37 a 00:04:03 e 00:05:05 a 00:07:32; depoimento da testemunha Dr.ª NN, advogada (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 16:01 e fim às 16:12, com duração de 00:11:08). As concretas passagens são as seguintes: 00:00:38 a 00:05:16, 00:05:43 a 00:09:21 e 00:10:18 a 00:11:10,
65. Tudo isto não aconteceu, como é por demais evidente, com o internamento de II, facto que, de resto, era do conhecimento da falecida Ré DD, que inclusivamente o acompanhava às consultas de neurologia – sendo, por isso, manifesto que a mesma tinha conhecimento do real estado clínico do mesmo.
66. Daí que, face a este acervo probatório demostraram-se, desde logo, inverosímeis os depoimentos das testemunhas da Ré, na parte em que afirmaram, em absoluto, a existência de qualquer doença neurológica de II, quando, na realidade, tudo isto foi amplamente contrariado pelos citados depoimentos, inclusivamente, os de natureza eminentemente técnica.
67. Com efeito, conforme decorre da análise conjugada dos concretos meios probatórios identificados supra, fica claro que II padecia de doença suscetível de afetação das faculdades mentais (demência) que no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente.
68. Em sede de audiência de julgamento procedeu-se à audição do médico psiquiatra no Hospital 1... e diretor de psiquiatria forense desse mesmo hospital, Dr. LL (passagem já identificada) que, quando questionado se II teria condições para outorgar o testamento em novembro de 2019 – à luz dos seus conhecimentos médicos – começou por explicar que «vi-o no dia 11/12/2020 e, portanto, neste dia, nesta observação, claramente não estava e não estaria há muito tempo, desde o internamento no Hospital ...».
69. Referiu, ainda, o seguinte: «Nós temos consultas, consultas de neurologia desde 2017, primeira consulta, neurologia do Centro Hospitalar ... Doutora XX, portanto, uma instituição pública. Não é que se fosse privada, também puséssemos em causa, mas acho que é um neurologista a trabalhar para um hospital Público e temos observações desde 2017.
70. Pronto e melhor do que isso temos observações muito bem feitas graças à Doutora XX,
em que fez sempre o mini mental state examination que é assim exame mais ou menos sumário, mas muito bom para irmos vendo uma evolução dita objetiva, dita objetiva e não baseada em narrativas de familiares do que quer que seja aquilo que está ali à frente. Então quando se quer objetivar o psíquico este instrumento é muito utilizado.
71. Ele tem 26 em 30 pontos possíveis em 2017, o que é bom resultado, tendo em conta que o valor mínimo que se esperava seria 27, portanto abaixo de 27 é normal. Portanto, está abaixo da média esperada, mas 26 é um valor muito próximo, portanto, não podemos dizer que o homem estivesse muito mal, mas em 2019, em maio, já tem um mini mental state de 25, ou seja, perde 4 pontos em relação à anterior avaliação e em novembro de 2019 já tem 23. Portanto o ano de 2019 é um ano claramente de perda a pique»
72. Portanto, conclui, sem qualquer reserva, que, «no ano 2019 é difícil admitir que este homem esteja capaz de fazer qualquer a testamento ou passar procuração. No ano de 2019, eu como perito ponho as mãos no fogo, para trás não sei».
73. Quando questionado sobre a possibilidade de ter existido um intervalo lúcido, o médico psiquiatra respondeu com a mesma assertividade: «os humanos não são feitos de intervalos lúcidos, os seres humanos têm uma história biográfica. O intervalo lúcido diz pouco sobre uma pessoa. O intervalo lúcido, num internamento, ou seja, “vamos aproveitar um intervalo lúcido, agora, e vamos fazê-lo assinar qualquer coisa, porque daqui a 2 horas ele pode estar em estado confusional. Este intervalo lúcido não tem validade, os seres humanos não são feitos de presentificações, os seres humanos são feitos uma continuidade biográfica».
74. A médica Dra. MM, que acompanhou o doente II durante o seu internamento hospitalar, prestou igualmente um depoimento credível e, circunstanciando o diagnóstico que exarou na declaração médica, atestou o quadro neuro-degenerativo do paciente, confirmando que II não se encontrava capaz nem conservava o juízo crítico, em função das consultas pessoais que realizou, mas também com auxílio de meios complementares de diagnóstico porque pediram uma avaliação neuropsicológica, realizada em contexto de estabilidade clínica, e que essa avaliação viria confirmar que o doente não tinha capacidade cognitiva, razão pela qual se promoveu um processo de acompanhamento de maior.
75. Portanto, neste ponto, não se pode deixar de salientar a importância do depoimento prestado pelo médico psiquiatra e pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM (que acompanhou o doente durante o período de internamento hospitalar) e dos documentos, por estes, emitidos (relatório pericial e declarações médicas juntas aos autos).
76. Todas estas testemunhas deveriam ter sido dignas de crédito do tribunal, sendo certo que estes depoimentos encontram respaldo nos restantes elementos probatórios junto aos autos (designadamente os elementos clínicos).
77. E tudo iSto, apesar de, pelo menos desde 2009, o falecido II evidenciar problemas neurocognitivos, cfr. auto policial remetido a estes autos pelo Comando Metropolitano do Porto que confirma que, em 10 de dezembro ano de 2009, a polícia já tinha sido chamada a sua casa por vizinhos pelo facto de II manifestar comportamentos estranhos, designadamente gritar no hall de entrada do prédio, dizendo que estava sequestrado dentro do seu apartamento e que queria a porta da entrada do prédio aberta – “eu quero essa porta aberta, estou aqui sequestrado”.
78. Por outro lado, resulta evidente a falta de credibilidade das testemunhas arroladas pela Ré. Veja-se a situação da testemunha PP que omitiu ao Tribunal que vivia em união de facto com a Ré DD, nos termos já expostos e melhor densificados no corpo das alegações.
79. O mesmo em relação ao depoimento da Dra. NN, advogada da Ré que, num discurso muito comprometido, simplesmente, alegou que se não estivesse em condições que não o teria assessorado para a prática deste ato.
80. O facto de várias testemunhas da Ré, como YY ou ZZ, terem negado a existência de qualquer patologia do foro mental em relação a II tais depoimentos jamais poderão ser sobreponíveis aos registos clínicos e hospitalares de II e apenas confirmam a falta de credibilidade dos depoimentos prestados quando ponderados de uma forma conjugada entre si e/ou com os demais elementos probatórios produzidos no processo.
81. Nenhuma relevância merece, ainda, a testemunha JJ (notário que interveio no Testamento), já que, conforme decorre do seu depoimento, o mesmo, como, aliás, é compreensível, não se recordando, em concreto, do ato notarial aqui posto em causa, limitou-se a explicitar, em geral, os procedimentos gerais e habituais que usualmente efetua quando tem de formalizar um testamento como aquele que aqui se mostra questionado.
82. Não se lembrando minimamente da pessoa que esteve à sua frente, disse que “todos os outorgantes têm de estar num estado mental que permitia fazer um testamento, seja ele, seja quem for. Terei lido, terei verificado, a assinatura é equilibrada e vê-se que o outorgante estava perfeitamente orientado; se não tiver em condições não faço, seja quem for”.
83. Referiu, de uma forma muito vaga, que antes de realizar o ato notarial, estabelece conversação com o testador, tendo em vista apurar das suas faculdades mentais e da autenticidade da vontade manifestada, mais acrescentado que dispensa sempre os peritos médicos para abonarem da sanidade mental do mesmo.
84. Para esta testemunha, é irrelevante a presença dos médicos porque “o que conta é a minha convicção porque eu sei perfeitamente se uma pessoa tem ou não condições de praticar um ato notarial”. Não foi, portanto, uma testemunha credível, desde logo sendo contrariado pelos elementos clínicos.
85. Devem, por outro lado, ser valoradas as declarações de parte das Autoras BB e CC que, de forma isenta e entre si concordante, descreveram, circunstanciadamente, o modo como as capacidades intelectuais, de entendimento, discernimento e juízo crítico de II foram definhando, nos termos melhor densificados no corpo das alegações.
86. Daí que, face a este acervo probatório demostraram-se, desde logo, inverosímeis os depoimentos das testemunhas da Ré, na parte em que afirmaram, em absoluto, a existência de qualquer doença neurológica de II, quando, na realidade, tudo isto foi amplamente contrariado pelos citados depoimentos, inclusivamente, os de natureza eminentemente técnica.
87. Não se ignora, por outro lado, que a circunstância do testamento ter sido exarado perante um notário, aliada à intervenção obrigatória de duas testemunhas que devem presenciar o ato [no caso, a advogada da Ré DD e a funcionária do seu escritório] e à imperatividade do ato notarial ter de ser lido e explicado ao testador, pode constituir uma presunção de que o testador se encontra intelectualmente capaz de querer e entender aquilo que declarou.
88. A circunstância do notário alegadamente não ter tido quaisquer razões para suspeitar da ausência da capacidade volitiva do testador, por si só, não faz prova plena da ausência da qualquer perturbação volitiva.
89. É, pois, precisamente neste ponto que entronca o depoimento da testemunha Dr. LL, médico psiquiatra e diretor de psiquiatria forense do Hospital 1..., que, fazendo apelo ao conhecimento circunstanciado que detinha do quadro mental/intelectual do testador e, bem assim, dando predomínio aos conhecimentos técnicos especializados que detém, concluiu, de forma absolutamente categórica, que, à data da elaboração do testamento, o falecido não detinha capacidades cognitivas e volitivas para efetuar um testamento, perceber e entender o alcance do ato em questão, uma vez que o estado da doença do testador já havia comprometido os centros de perceção, intelecção e compreensão necessários à emissão de uma vontade consciente e esclarecida.
90. Portanto, ainda que o falecido pudesse emitir declarações verbais e mesmo assinar o testamento perante um notário, a verdade é que, a montante dessas declarações, as condições de perceção, compreensão e raciocínio estão comprometidas e obstam à formação e consequente formulação de uma vontade consciente e lúcida.
91. Razão pela qual, no dia 25 de março de 2021, foi proferida sentença nos autos de acompanhamento de maior que decidiu aplicar ao beneficiário II as medidas de acompanhamento de representação geral e de administração total dos seus bens.
92. Em suma, atendendo, como já referido, ao conhecimento circunstanciado que os médicos ouvidos detêm do estado da doença do testador e à qualificação técnica que evolou destes depoimentos, terá forçosamente de concluir-se por um quadro de incapacidade de II, no momento da outorga do testamento.
93. Conforme resulta do relatório pericial junto, o quadro clínico demencial de II terá sido notado progressivamente desde 2015, inicialmente como défice cognitivo ligeiro, tendo a incapacidade definitiva surgido em novembro de 2019,
94. Precisamente na altura em que o falecido foi conduzido ao Notário JJ para outorga de testamento para instituir a Ré como única e universal herdeira de todos os seus bens.
95. Ora, está plenamente demonstrado o quadro clínico demencial do falecido II progressivamente agravado desde 2015, não só por ser esse o curso normal da doença como, ademais, pela circunstância de tal patologia ser agravada por um fator exógeno prejudicial que era o consumo de álcool, com incapacidade definitiva em novembro de 2019, que culminou com o seu internamento em dezembro de 2019.
96. Acresce que a Ré, com a argumentação que apresentou, e com os meios de prova produzidos, não conseguiu pôr em causa esta conclusão, já que não logrou, de uma forma convincente e corroborada, demonstrar que o testador, apesar da doença que inequivocamente padecia, quando outorgou o testamento, “atravessou” um momento de lucidez que lhe permitia compreender e entender o ato que praticou.
97. A única prova que atesta a “capacidade” de II foi o facto de ter renovado a carta de condução, o que não constitui meio idóneo para comprometer a abundância da prova junta aos autos. Assim, tais factos deveriam ter sido dados como não provados, com base nos concretos meios probatórios aqui elencados.
98. A sentença recorrida deu como provado o ponto 91.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Os concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida são os seguintes: depoimento da testemunha QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35). A concreta passagem é a seguinte: 00:01:06 a 00:01:55 e 00:07:47 a 00:09:51; o depoimento da testemunha RR (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15:32 e fim às 15:40, com duração de 00:07:48). A concreta passagem é a seguinte: 00:00:38 a 00:02:12; o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56), explicou que tinha contacto regular com II (00:01:13 a 00:01:46), sendo a concreta passagem é de 00:05:22 a 00:08:21. Na verdade, a Ré DD tomava conta de uma tia, DD, esta sim das relações de amizade de II. Basta atentar no teor do auto policial do Comando Metropolitano do Porto, de 30 de novembro de 2022 (NPP ...), que atesta que, em 14 maio de 2019 (uns meses antes da outorga deste testamento), a Ré DD comunicou à PSP que residia com uma idosa, acamada e com vários problemas de demência, pelo que também este auto policial configura um meio probatório que impunha decisão diversa. Esta informação foi confirmada pelo depoimento da testemunha PP, unido de facto da Ré, que confirmou que a Ré era cuidadora de TT até à sua morte (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024, início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40). A concreta passagem é de 07min08 seg a 11min00 seg). A informação social junta como documento n.º 10 com a petição inicial, elaborada pela assistente social do Hospital ..., Dra. UU, refere expressamente que a falecida Ré DD dizia ser “afilhada”, mas que “está em Portugal apenas há cerca de 6 anos”. Também a sentença proferida no processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial, após diligências instrutórias direcionadas à concretização do superior interesse do beneficiário II, concluiu que os Autores AA, BB e CC constituem efetivamente a sua rede de suporte. As declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min) são esclarecedoras quanto a esta conclusão, sendo a concreta passagem é de 08min24seg a 10min a 20seg. O assento de nascimento da Ré DD, junto aos autos com a petição inicial de acompanhamento de maior como documento n.º 8 da petição inicial, atesta que em 16 de novembro de 2012 a Ré casou em Moçambique, pelo que nem vivia em Portugal. Tal facto deve, pois, ser dado como não provado, com base nestes concretos meios probatórios que se identificam.
99. A sentença recorrida deu como provados os pontos 92.º e 96.º dos factos provados, quando, na verdade, tais factos deveriam ter sido dado como não provados. Desde logo, os factos 27. e 28. dos factos provados são contraditórios com os pontos 92.º e 96.º em análise, porquanto, se o Tribunal dá como provado que, aquando da outorga da procuração, já após o internamento ocorrido em 26/12/2019, o falecido já não se encontrava no gozo das suas faculdades mentais, estando totalmente dependente de auxílio de terceiros, facto que era conhecido da Ré e de todas as pessoas que contactavam com II (cfr. factos provados 27 e 28), não pode considerar que a venda do veículo Volkswagen de matrícula ..-..-IR, que a Ré vendeu com o suposto intuito de pagar a dívida do time-sharing e que motivou a sua ida ao Algarve em janeiro de 2020, foi concretizada com conhecimento e autorização de II.
100. Assim, dá-se por integralmente reproduzido o alegado em 55 a 61 das presentes conclusões quanto aos concretos meios probatórios que impunham a conclusão de não ser possível que II autorizasse os atos praticados pela Ré, dada a conexão evidente que existe entre tais factos que impunham que estes factos fossem dados como não provados.
101. A sentença recorrida deu como provado o ponto 104.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Desde logo, mostra-se contrariado por diversos elementos probatórios (concretamente, prova documental e prova testemunhal produzida). Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa são os seguintes: exame pericial ao falecido elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial do mesmo – cfr. relatório junto com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03). Registos de neurologia existentes no Centro Hospitalar ... desde, pelo menos, 2017, integrantes do relatório pericial também mereciam valoração diferente da efetuada pelo tribunal recorrido; assim como a declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) junta como documento n.º 9 com a petição inicial que atesta que o doente II já vinha sendo seguido em neurologia por síndrome demencial de predomínio mnésico antes do internamento; os elementos clínicos juntos como documento n.º 14 com a petição inicial referente aos episódios de urgência durante o internamento hospitalar de II também constituem um elemento probatório relevante que impunha decisão diversa. Quanto à prova testemunhal: o depoimento da referida médica especialista em medicina interna, Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05), sendo as concretas passagens são as seguintes: 00:06:05 a 00:10:29; 00:12:20 a 00:18:10; o depoimento do médico psiquiatra e diretor de psiquiatria forense do Hospital 1..., Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03). A concreta passagem é a seguinte: 00:01:23 a 00:08:03; o depoimento da testemunha QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:04:16 a 00:07:47; 00:16:32 a 00:17:46 e 00:18:47 a 00:21:02; o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56) que explicou que tinha contacto regular com II (00:01:13 a 00:01:46), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:03:03 a 00:05:22; 00:09:49 a 00:13:50; o depoimento da testemunha UU, assistente social no Centro Hospitalar ... (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39). As concretas passagens são as seguintes: 00:02:55 a 00:04:31; 00:05:07 a 00:12:24; depoimento da testemunha Dr. JJ, Notário (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:53 e fim às 16:00, com duração de 00:07:51). As concretas passagens são as seguintes: 00:00:37 a 00:04:03 e 00:05:05 a 00:07:32; o depoimento da testemunha Dr.ª NN, advogada (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 16:01 e fim às 16:12, com duração de 00:11:08). As concretas passagens são as seguintes: 00:00:38 a 00:05:16, 00:05:43 a 00:09:21 e 00:10:18 a 00:11. E, ainda, a sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial que aplica a II as medidas de acompanhamento de representação geral e administração total dos seus bens, dando como provado que o beneficiário padece de uma perturbação neurocognitiva major, de evolução insidiosa e progressiva, em estado severo e irreversível, que limita o seu desempenho volitivo; bem como o documento n.º 11 junto com a petição inicial, referente a um requerimento subscrito pela sua advogada, Dra. NN, que interveio no testamento na qualidade de testemunha.
102. Uma vez mais, como aliás dita as regras da experiência comum neste tipo de doença, este quadro de patologia demencial, diagnosticado em 2015, foi-se agravando com o passar dos anos, na medida em que tais comportamentos passaram a ser de verificação reiterada, razão pela qual II passou a ser seguido em consultas de neurologia (pelo menos a partir de 2017).
103. Com efeito, conforme decorre da análise conjugada dos concretos meios probatórios identificados supra, fica claro que II padecia de doença suscetível de afetação das faculdades mentais (demência) que no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente..
104. Em sede de audiência de julgamento procedeu-se à audição do médico psiquiatra no Hospital 1... e diretor de psiquiatria forense desse mesmo hospital, Dr. LL (passagem já identificada) que conclui, sem qualquer reserva, que, «no ano 2019 é difícil admitir que este homem esteja capaz de fazer qualquer a testamento ou passar procuração. No ano de 2019, eu como perito ponho as mãos no fogo, para trás não sei».
105. A médica Dra. MM igualmente atestou o quadro neuro-degenerativo do paciente, confirmando que a sua impressão clínica foi clara no sentido de II não se encontrar capaz nem conservar o juízo crítico – isto em função das consultas pessoais que realizou, mas também com auxílio de uma avaliação neuropsicológica, realizada em contexto de estabilidade clínica, que viria confirmar que o doente não tinha capacidade cognitiva.
106. Portanto, neste ponto, não se pode deixar de salientar a importância do depoimento prestado pelo médico psiquiatra e pela médica MM e dos documentos, por estes, emitidos (relatório pericial e declarações médicas juntas aos autos) que impunham que tal facto fosse dado como não provado, com base nos concretos meios probatórios identificados, cuja análise crítica se procede com maior detalhe no corpo das alegações.
107. A sentença recorrida deu como provado o ponto 105.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Com efeito, não corresponde à verdade que II, no hospital, sempre tenha reconhecido DD como sua afilhada, conforme já alegado quanto ao ponto 82.º dos factos provados, ponto para o qual se remete, dando-se por integralmente reproduzido o artigo 62.º das conclusões no que respeita aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
108. Ainda, com relevância, importa atentar na prova testemunhal produzida que também constitui elemento probatório que impunha decisão diversa, concretamente o depoimento da testemunha UU (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39). A concreta passagem é a seguinte: 00:05:07 a 00:10:34. Portanto, tal facto deveria ter sido dado como não provado, com base nos concretos meios probatórios aqui identificados.
109. A sentença recorrida deu como provado o ponto 106.º dos factos provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como não provado. Uma vez mais, importa referir que este facto foi confirmado pelo depoimento da testemunha PP (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, início a 16:36 e fim a 17:03, com duração de 00:26:48 e no dia 22 de janeiro de 2024, início a 10:28 e fim a 10:49, com duração de 00:20:40). No entanto, o depoimento de PP não se revelou minimamente credível, pelas razões já expostas. A concreta passagem é a seguinte: 01 min 39 seg a 5 min 10 seg.
110. A testemunha, que omitiu que com a Ré residia em condições análogas às dos cônjuges, confirmou expressamente que apenas esteve com II duas ou três vezes e situou este acontecimento em 2017/2018 (portanto, já depois do diagnóstico de demência de II).
111. As declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min) também impunham conclusão diversa, sendo a concreta passagem a de 10min27seg a 12min a 10seg, Idêntica informação foi transmitida pela Autora CC (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min), explicando que passavam as férias sempre juntos, iam à praia, passavam o Natal juntos (a concreta passagem é de 25min30 a 26min45seg). Explicou, ainda, que não existiu qualquer “desavença familiar” (a concreta passagem é de 33min24 a 33min57seg). Existia, efetivamente, uma relação de afeto e proximidade que justificou, no âmbito de uma ação de maior acompanhado, e após a realização de diversas diligências instrutórias pela Segurança Social, que os Autores fossem considerados a rede familiar de suporte e o Autor AA nomeado seu acompanhante e as Autoras BB e CC vogais do Conselho de Família. Assim, também o documento n.º 10 junto com a petição inicial constitui um elemento probatório que impunha decisão diversa.
112. Caso tivesse existido efetivamente alguma “desavença familiar”, certamente que os Autores não teriam sido nomeados como foram, pelo Tribunal (Juízo Local Cível do Porto), como acompanhante e membros do Conselho de Família, sob proposta da Segurança Social e do Ministério Público, validada pela Mma. Juiz titular do processo de maior acompanhado, em que foram tomadas todas as diligências no sentido de proteger o Beneficiário II, inclusive através da promoção de um inquérito de natureza criminal para averiguação da prática de vários ilícitos criminais perpetrados pela Ré. Assim, também a sentença proferida no processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial, também constitui um relevante meio probatório.
113. Note-se que o cargo de acompanhamento e de membros do Conselho de Família devem ser deferidos às pessoas cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário. No caso, o Tribunal não teve dúvidas em atribuir tal tarefa aos Autores e excluir expressamente a Ré DD.
114. Ainda que a escolha recaia sobre alguém do círculo familiar do acompanhado, a nomeação do acompanhante deverá ser sempre precedida da realização de diligências que permitam perceber se os mesmos reúnem condições para exercerem o cargo de acompanhante e qual reúne as melhores condições, considerando que no exercício da sua função (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12-11-2020, no processo 58/19.9T8VPA-A.G1).
115. A sentença recorrida deu como não provado o ponto a) dos factos não provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado. Os pontos 13.º, 14.º, 15.º, 16.º e 31.º dos factos provados reforçam o entendimento de que tal facto deveria ter sido dado como provado.
116. Dúvidas inexistem de que o Tribunal a quo deu como provado que II padecia de PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR (DEMÊNCIA INESPECÍFICA) que surgiu nos últimos anos de vida do doente, desde 2015, tendo uma evolução insidiosa, progressiva e com agravamento em 2019, sendo à luz do conhecimento médico, irreversível, limitando significativamente o seu desempenho em termos volitivos e cognitivos e resulta num prejuízo relevante do seu funcionamento adaptativo, de forma que este não conseguia atingir padrões de independência pessoal e responsabilidade social em vários aspetos da sua vida diária, ao ponto de II não ter capacidade para sequer escolher o seu acompanhante. Em novembro de 2019 (mês em que foi outorgado o testamento), foi registado síndrome demencial de predomínio mnésico com impacto funcional e com alterações de comportamento.
117. Os presentes autos encontram-se instruídos com abundantes elementos clínicos que constituem meios probatórios que impunham que este facto fosse dado como provado. De igual modo, a prova testemunhal produzida foi inequívoca no sentido da existência de um quadro demencial que no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo.
118. Os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa são os seguintes: exame pericial ao falecido elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, pelo Perito Dr. LL, que dá nota do quadro demencial do mesmo – cfr. relatório junto a estes autos com a petição inicial como documento n.º 13 e integralmente confirmado pela testemunha, Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03); os registos de neurologia existentes no Centro Hospitalar ... desde, pelo menos, 2017 que integram o relatório pericial. Também a declaração médica subscrita pela médica especialista em medicina interna, Dra. MM, integralmente confirmado pelo seu depoimento (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05) – junta como documento n.º 9 com a petição inicial. Os elementos clínicos juntos como documento n.º 14 com a petição inicial referentes aos episódios de urgência durante o internamento hospitalar de II também deveriam ter sido valorados, bem como o auto policial remetido a estes autos pelo Comando Metropolitano do Porto que confirma que, em 10 de dezembro ano de 2009, a polícia já tinha sido chamada a casa de II por vizinhos pelo facto de II manifestar comportamentos estranhos sugestivos de problemas do foro mental.
119. Ainda, com relevância, importa atentar na prova testemunhal produzida que também constitui elemento probatório que impunha decisão diversa: o depoimento da médica especialista em medicina interna, Dra. MM (depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2024; início à 10:50 e fim às 11:09, com duração de 00:19:05), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:06:05 a 00:10:29; 00:12:20 a 00:18:10; o depoimento do médico psiquiatra e diretor de psiquiatria forense do Hospital 1..., Dr. LL (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:41 e fim às 15:49, com duração de 00:08:03), sendo a concreta passagem a seguinte: 00:01:23 a 00:08:03. O depoimento da testemunha, QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:04:16 a 00:07:47; 00:16:32 a 00:17:46 e 00:18:47 a 00:21:02; o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:03:03 a 00:05:22; 00:09:49 a 00:13:50; o depoimento da testemunha UU (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 14:20 e fim às 14:37, com duração de 00:16:39), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:02:55 a 00:04:31 e 00:05:07 a 00:12:24. O depoimento da testemunha e notário Dr. JJ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 15:53 e fim às 16:00, com duração de 00:07:51), sendo as concretas passagens as seguintes: 00:00:37 a 00:04:03 e 00:05:05 a 00:07:32. O depoimento da testemunha e advogada Dr.ª NN (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023; início às 16:01 e fim às 16:12, com duração de 00:11:08), sendo as concretas passagens são as seguintes: 00:00:38 a 00:05:16; 00:05:43 a 00:09:21 e 00:10:18 a 00:11.
120. Também a sentença proferida no âmbito do processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial prova que II padecia de uma perturbação neurocognitiva major, de evolução insidiosa e progressiva, em estado severo e irreversível, que limita o seu desempenho volitivo, bem como documento n.º 11 junto com a petição inicial, referente a um requerimento, apresentado pela Ré DD e subscrito pela sua advogada, Dra. NN, que interveio no testamento na qualidade de testemunha constituem meios probatórios relevantes.
121. Com efeito, conforme decorre da análise conjugada dos concretos meios probatórios identificados supra, fica claro que II padecia de demência que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento.
122. Isso mesmo registou o perito forense no relatório pericial realizado no âmbito do processo de maior acompanhado, registando o perito responsável pela elaboração do relatório pericial que o examinado é incapaz, pelos seus défices cognitivos, de conhecer o valor dos produtos a adquirir ou do dinheiro; não sabe informar sobre o montante da sua reforma (pensão de velhice) ou a extensão do seu património e o seu valor relativo (pág. 6 do relatório pericial),
123. Concluindo, assim, pela verificação de um quadro clínico de perturbação neurocognitiva-major, encontrando-se totalmente dependente de terceiros para as atividades instrumentais da vida diária.
124. Em sede de audiência de julgamento procedeu-se à audição do médico psiquiatra no Hospital 1... e diretor de psiquiatria forense desse mesmo hospital, Dr. LL (passagem já identificada) que, para além de confirmar o teor do relatório elaborado, foi perentório em concluir, sem qualquer reserva, que, «no ano 2019 é difícil admitir que este homem esteja capaz de fazer qualquer a testamento ou passar procuração. No ano de 2019, eu como perito ponho as mãos no fogo, para trás não sei».
125. A médica Dra. MM prestou igualmente um depoimento credível e, circunstanciando o diagnóstico que exarou na declaração médica, confirmou que II não se encontrava capaz nem conservava o juízo crítico, aludindo à confirmação que adveio da avaliação neuropsicológica, realizada em contexto de estabilidade clínica.
126. Portanto, uma vez mais, não se pode deixar de salientar a importância do depoimento prestado pelo médico psiquiatra e pela médica Dra. MM e dos documentos, por estes, emitidos (relatório pericial e declarações médicas juntas aos autos).
127. A testemunha UU, assistente no Hospital, confirmou que contactou diretamente com o corpo clínico que seguiu o doente e que aquele entendia que II não tinha capacidade; aliás, explicou que, se não fosse assim, não teria desencadeado um processo de maior acompanhado – procedimento que a testemunha confirmou que era excecional.
128. Todas estas testemunhas deveriam ter sido dignas de crédito do tribunal, sendo certo que estes depoimentos encontram respaldo nos restantes elementos probatórios junto aos autos (designadamente os elementos clínicos).
129. E tudo isto, apesar de, pelo menos desde 2009, o falecido II evidenciar problemas neurocognitivos. Isso mesmo viria a confirmar o auto policial remetido a estes autos pelo Comando Metropolitano do Porto já identificado que também constitui um elemento probatório que deveria ter sido valorado.
130. As testemunhas da Ré, como YY ou ZZ, que negaram a existência de qualquer patologia do foro mental de II, jamais poderão ser sobreponíveis aos registos clínicos e hospitalares de II e apenas confirmam a falta de credibilidade dos depoimentos prestados quando ponderados de uma forma conjugada entre si e/ou com os demais elementos probatórios produzidos no processo.
131. Não pode ser atribuída relevância probatória à testemunha JJ (notário que interveio no testamento), já que, conforme decorre do seu depoimento, o mesmo, como, aliás, é compreensível, não se recordando, em concreto, do ato notarial aqui posto em causa, limitou-se a explicitar, em geral, os procedimentos gerais e habituais que usualmente efetua quando tem de formalizar um testamento como aquele que aqui se mostra questionado.
132. É, pois, precisamente neste ponto que entronca o depoimento da testemunha Dr. LL que, fazendo apelo ao conhecimento circunstanciado que detinha do quadro mental/intelectual do testador e, bem assim, dando predomínio aos conhecimentos técnicos especializados que detém, concluiu, de forma absolutamente categórica, que, à data da elaboração do testamento, o falecido não detinha capacidades cognitivas e volitivas para efetuar um testamento.
133. Razão pela qual, no dia 25 de março de 2021, foi proferida sentença nos autos de acompanhamento de maior que decidiu aplicar ao beneficiário II as medidas de acompanhamento de representação geral e de administração total dos seus bens.
134. Assim, nesse contexto afigura-se-nos seguro concluir que o testador se encontrava já num estado de saúde mental em que o impedia de compreender o sentido das suas declarações e de as querer efetivamente em resultado de uma vontade forma de modo livre e são.
135. Acresce que não podemos desvalorizar que o relatório pericial é de uma data próxima à da celebração do testamento e que o início da doença é fixado em 2015, o que impõe a conclusão de o estado mais severo da doença, de caráter, progressivo e irreversível, é de grande proximidade ao do testamento – outorgado precisamente no mês em que foi fixada a incapacidade DEFINITIVA.
136. Na nossa leitura, estes documentos médicos são suficientes para o tribunal poder julgar provado que, no momento em que celebrou o testamento, o testador não estava na posse das capacidades mentais necessárias e suficientes para reger a sua vida ou celebrar a disposição de última vontade.
137. Acresce que a Ré, com a argumentação que apresentou, e com os meios de prova produzidos, não
conseguiu pôr em causa esta conclusão, já que não logrou, de uma forma convincente e corroborada, demonstrar que o testador, apesar da doença que inequivocamente padecia, quando outorgou o testamento “atravessou” um momento de lucidez que lhe permitia compreender e entender o ato que praticou. Assim, tal facto deveria ter sido dado como provado, o que levaria à procedência total da presente ação.
138. A sentença recorrida deu como não provado o ponto b) dos factos não provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado. Vários são os elementos probatórios que impunham decisão diversa: as declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min), sendo a concreta passagem a de 10min27seg a 12min a 10seg; as declarações de parte da Autora CC (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min), sendo a concreta passagem a de 25min30 a 26min45seg.
139. Assim, as Autoras confirmaram que mantinham uma relação de proximidade com o falecido II que justificou, no âmbito de uma ação de maior acompanhado, e após a realização de diversas diligências instrutórias pela Segurança Social, que os Autores fossem considerados a rede familiar de suporte. Assim, também o documento n.º 10 junto com a petição inicial constitui um elemento probatório que impunha decisão diversa.
140. Caso tivesse existido efetivamente alguma “desavença familiar”, certamente que os Autores não teriam sido nomeados acompanhante e membros do Conselho de Família, sob proposta da Segurança Social e do Ministério Público, validada pela Mma. Juiz titular do processo de maior acompanhado, em que foram tomadas todas as diligências no sentido de proteger o Beneficiário II. Assim, também a sentença proferida no processo de maior acompanhado, junta como documento n.º 16 com a petição inicial, constitui um relevante meio probatório. Assim, tal facto deveria ter sido dado como provado.
141. A sentença recorrida deu como não provado o ponto c) dos factos não provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado. Vários são os elementos probatórios que impunham decisão diversa: as declarações da Autora BB (declarações de parte prestadas no dia 22 de janeiro de 2024, com início às 12:11 e fim às 12:49, com duração de 00:38:10min), sendo a concreta passagem é de 10min27seg a 12min a 10seg, em que a Autora explicou que a partir de 2019 passaram a ter limitações no contacto, altura em que a Ré DD se tornou presença mais assídua na vida de II.
A testemunha QQ (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15h00 e fim às 15h22, com duração de 00:22:35), explicou que, a dada altura, começou a ter mais dificuldades em contactar II. As concretas passagens são as seguintes: 00:02:39 a 00:04:07 e 00:11:22 a 00:12:21. A testemunha RR (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 15:32 e fim às 15:40, com duração de 00:07:48) confirmou também este facto, sendo a concreta passagem a de 00:01:07 a 00:02:12; o depoimento da testemunha SS (depoimento prestado no dia 10 de maio de 2023, com início às 14:38 e fim às 14:59, com duração de 00:20:56) vai no mesmo sentido, sendo as concretas passagens as seguintes: 00:09:07 a 00:09:49. Assim, tal facto deveria ter sido dado como provado.
142. A sentença recorrida deu como não provado o ponto h) dos factos não provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado. Com efeito, na sequência do pedido de ofício junto do Comando Metropolitano do Porto, tal informação veio a ser carreada para os autos, sendo este auto policial o concreto meio probatório em que se alicerça a convicção dos Recorrentes, o qual parece ter sido ignorado pelo Tribunal a quo – cfr. NPP ... junto aos autos.
143. A sentença recorrida deu como não provado o ponto p), q), r), s), t) e u) dos factos não provados, quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado. Na sequência do pedido de ofício junto do Comando Metropolitano do Porto, tal informação veio a ser carreada para os autos, sendo este auto policial o concreto meio probatório em que se alicerça a convicção dos Recorrentes, o qual parece ter sido também ignorado pelo Tribunal a quo – cfr. auto policial do Comando Metropolitano do Porto, de 30 de novembro de 2022 (NPP ...) Assim, tais factos deveriam ter sido dados como provados, com base nos concretos meios probatórios identificados.
Da matéria de direito.
A incapacidade acidental de II. Capacidade testamentária.
144. Está em causa a outorga de um testamento outorgado no Cartório Notarial do Dr. JJ, no dia 12 de novembro de 2019, por II que, como resulta evidente dos autos, não dispunha de capacidade para a prática de tal ato, atento o seu quadro clínico de PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR, ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-10, DEMÊNCIA INESPECÍFICA, correspondendo a uma perturbação de etiologia complexa e multifactorial, que foi diagnosticada nos últimos anos de vida do doente, desde 2015, com uma evolução insidiosa, progressiva e com agravamento em 2019 (cfr. relatório pericial junto aos autos).
145. Lê-se no aludido relatório pericial que, no Centro Hospitalar ..., existem registos de consultas de neurologia do falecido, desde, pelo menos, 2017, encontrando-se transcritas nesse relatório várias informações clínicas referentes às consultas de neurologia.
146. Assim, em face dos elementos carreados para os autos e da prova produzida já criticamente analisada, mostra-se evidente que II se encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade, por força da doença de que padecia.
147. Ora, estando plenamente demonstrado o quadro clínico demencial do falecido II progressivamente agravado desde 2015, não só por ser esse o curso normal da doença como, ademais, pela circunstância de tal patologia ser agravada por um fator exógeno prejudicial que era o consumo de álcool, com incapacidade definitiva em novembro de 2019, que culminou com o seu internamento em dezembro de 2019, 148. É forçoso concluir, sem necessidade de mais, que na data da outorga do testamento aquele estado se mantinha sem interrupção, o que determina a anulação deste ato de disposição nos termos do artigo 2199.º do Código Civil.
149. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º e 371.º, n.º 1 e artigo 2199.º do Código Civil.
O ónus da prova da incapacidade acidental.
150. Determina o artigo 2199.º do Código Civil que «[é] anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória» (realce nosso).
151. No caso, os ora Recorrentes lograram, efetivamente, demonstrar o estado demencial grave do falecido II e, por conseguinte, o estado de incapacidade incidental em que se encontrava o de cujus, à data da outorga da outorga do testamento,
152. Observando, assim, na íntegra o ónus da prova que sobre si impendia nos termos do n.º 1 do
artigo 342.º do Código Civil.
153. Impendia sobre a contraparte, ou seja, sobre a Ré, instituída única e universal herdeira testamentária do testador, fazer prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava, o que não foi cumprido.
154. No mesmo sentido, decidiu, também, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão datado de 24 de maio de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 4936/04.1TCLRS.L1.S1, o qual entendeu que «(…) provado o estado demência em período que abrange o ato anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo ato aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o ato recaiu num momento excecional e intermitente de lucidez» (realce nosso).
155. O que, no caso concreto, passaria esta lograr demonstrar que testamento foi outorgado em seu benefício num intervalo de lucidez do falecido II, o que não sucedeu, sendo que a prova da renovação da carta de condução não é elemento relevante para efeitos de cumprimento do ónus da prova.
156. Pela pertinência e similitude com o caso em análise, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2023, no processo n.º 5142/21.6T8CBR.C1.S1.
157. Acresce, ainda, a propósito dos elementos de prova documental já junta aos autos, a eventual referência à força probatória do próprio testamento como documento autêntico, lavrado na presença de notário, não poderá, nunca, relevar para efeitos da prova da própria incapacidade acidental em que se encontrava o testador,
158. Dado que a força probatória deste documento autêntico exarado, com as devidas formalidades legais nos termos do n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil, não faz fé pública da vontade real do testador subjacente às disposições testamentárias por si manifestadas e plasmadas no testamento cuja tutela é transversal a todo o ramo de direito sucessório.
159. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342.º e 2199 do CC.
NESTES TERMOS:
JULGANDO TOTALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, NOS TERMOS DAS CONCLUSÕES APRESENTADAS, E REVOGANDO A DECISÃO RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DETERMINE A ANULAÇÃO DO TESTAMENTO OUTORGADO POR II NO DIA NO DIA 12 DE NOVEMBRO DE 2019, NO CARTÓRIO NOTARIAL DO DR. JJ, E, EM CONSEQUÊNCIA, SEJAM OS HERDEIROS HABILITADOS DE DD CONDENADOS A RESTITUIR À HERANÇA TODOS OS BENS IMÓVEIS E TIME-SHARING, IDENTIFICADOS NOS ARTIGOS 112.º E 113.º DA P.I. DE PROPRIEDADE DO TESTADOR À DATA DE NOVEMBRO DE 2019, DATA EM QUE FOI FIXADA A INCAPACIDADE DEFINITIVA DE II, DECRETANDO-SE O CANCELAMENTO DE TODOS OS REGISTOS QUE TENHAM SIDO FEITOS EM MOMENTO POSTERIOR AO INTERNAMENTO, SERÁ FEITA
UMA VERDADEIRA E SÃ JUSTIÇA.
Contra-alegaram os RR., assim concluindo:
1-O presente recurso não pode proceder.
2- Os Apelantes recorrem da decisão da matéria de facto e de direito.
3- Para tal, transcrevem na íntegra o depoimento das testemunhas.
4- O registo da prova produzida em audiência de julgamento visa assegurar um “verdadeiro e efetivo 2º. grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto”.
5- Contudo essa garantia - “ nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento (…), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de alegar de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
6- A garantia do duplo grau de jurisdição, não pode subverter, o principio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador, concorrem necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova.
7- Factores que, não são “racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal de recurso deverá circunscrever-se a “apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
8- O Tribunal de segunda instância não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “ a quo “ tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si,” – Acórdão nº 122/2002, de 15 de Março (processo n. 447/2001) do Tribunal Constitucional. 9-A Relação visa mais corrigir um julgamento errado do que proferir um novo julgamento sobre a matéria de facto controvertida e a ela cabe a última palavra não como Tribunal de segunda ou de nova primeira instância, mas como Tribunal corretor ou fiscalizador dos juízos proferidos pelo Tribunal recorrido, - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 2002, recurso de revista nº997/02.
10- A alteração da decisão sobre a matéria de facto deve ser restringida, aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados - Acórdão da Relação do Porto de 9 de Janeiro de 2003.
11- O Juiz de 1ª. Instância que julga de facto, goza de ampla liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o “princípio da livre convicção e apreciação da prova”.
12- O Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova, poderá alterar o decidido em 1ª. Instância; será o caso de o depoimento de uma testemunha se credível, ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença, omissão de apreciação de prova e pouco mais – Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Março de 2003.
13- Assim, em virtude dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração consagrados no nosso ordenamento jurídico, em matéria de prova, a regra é a da inalterabilidade pela Relação, da decisão sobre a matéria de facto operada pelo Tribunal de 1ª instância.
14- Estabelece o nº. 5 do art. 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
15- De acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo citado, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a qualquer regra ou princípios pré-estabelecidos.
16- Com efeito, citando Lebre de Freitas – in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, pág.634, o princípio da Livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (…): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
17- Também Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 470, defende que a regra consagrada no direito processual vigente (…), relativamente à apreciação e graduação (do valor) dos diferentes meios de prova, é a da prova livre. As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto. (sublinhados nossos).
18- Assim, o julgador responde em conformidade com a convicção que tenha formado sobre cada facto quesitado, excepto se a lei exigir, para a respectiva prova, alguma formalidade especial.
19- É a jurisprudência uniforme no entendimento de que a utilização da gravação dos depoimentos em audiência de discussão e julgamento não modela de forma diversa o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa as operações de caracter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem subsituem esta convicção por uma fita gravada.
20- Só existindo um erro evidente na apreciação da matéria de facto é que devem ser modificadas as respostas dadas aos factos dados como provados.
21- Em virtude dos princípios supra citados da oralidade, imediação, concentração e livre apreciação das provas e orientando-se o julgamento humano por padrões de probalidade, o uso pelo Tribunal de 2ª. Instancia dos poderes de alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto é excepcional, devendo restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponível e aquela decisão.
22- O que não sucede no caso em apreço.
23- Não se verificam, os fundamentos para que seja alterada a decisão da matéria de facto e muito menos nos pontos e com os argumentos pretendidos pelos Recorrentes.
24- Bastará a leitura atenta da douta Sentença, na parte em que são explanados os fundamentos
elativos à decisão da matéria de facto, para se perceber quão linear e clara foi a resposta dada pelo Tribunal a todos os pontos com relevo para a decisão da causa e em que depoimentos e/ou demais elementos de prova se estribou o tribunal para o efeito.
25- Os recorrentes pretendem escorar a alteração da decisão da matéria de facto no depoimento de todas as testemunhas.
26- Transcrevendo o depoimento de todas as testemunhas.
27- Na verdade, os Apelantes vêm no presente recurso com teses inquinadas de erros de interpretação em todas as suas abrangências e, consequentes tentativas de alterar o que é inalterável, de censurar o que não é censurável.
28- O elemento essencial, para os AA, com relevo para a decisão da causa em apreço, é o de saber se o falecido II no momento da outorga do testamento em 12.11.2019, padecia de incapacidade para tal ato,
29- Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado.
30- O ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da outorga do testamento- cfr.art. 2199º do CC, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do art. 342, nº. 1 do CC.
31- Pretendem os AA, com o presente recurso, que seja declarada a nulidade do testamento outorgado por II, a favor de R., DD sua Afilhada, baseando a sua pretensão na falta de capacidade de querer e entender o ato.
31- Cabia aos AA., fazer a prova da pretensa incapacidade do falecido II no momento da outorga do testamento, (artº 342º nº. 1do CC) o que, manifestamente, não lograram provar.
32- A este respeito rege o disposto no artº. 2199 CC de acordo com o qual “é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória”
33- Ora, inexiste qualquer prova dos AA, credível que tenha sustentado que, na altura da outorga do testamento o falecido II se encontrava incapacitado para a prática de tal ato.
34- Com efeito, os AA, interessados na anulação do testamento, não lograram provar como lhes competia, que o testador naquele dia, padecia de doença incapacitante tal, que lhe retirasse a capacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração que prestou perante o Sr. Notário e testemunhas.
35- E, compulsada a matéria de facto, constata-se que não se provou, como alegam os AA, que II à data da outorga do testamento em 12.11.2019, não estava na posse das suas plenas faculdades mentais, para entender e ter consciência.
36- Reitera-se, a prova da R. produzida, em audiência de Julgamento, nomeadamente testemunhal, foi no sentido de que o falecido II no momento da outorga da escritura, se encontrava com consciência livre e esclarecida, sabedor do ato que se encontrava a praticar e que queria praticar.
37 – Cabia assim, aos AA, fazerem a prova da pretensa incapacidade do falecido II no momento da outorga do testamento, o que manifestamente não lograram provar.
38- Não está assim, preenchida a hipótese do artº. 2199º, pelo que, não tendo os AA provado os factos constitutivos do seu direito, o presente recurso terá de improceder.
39- E, mantendo-se válido o testamento, não ocorre nenhuma invalidade da procuração, outorgada em data posterior à da entrada no Hospital ....
40- De acordo com o artigo 2191º do CC, a capacidade do testador, determina-se pela data do testamento, sendo certo que o testamento dos autos foi feito em data anterior à da fixação das medidas de acompanhamento de maior, a partir de 26.12.2019.
41- ENFATIZA-SE, SEM SER EXÍGIVEL, A RÉ PROVOU DE FORMA CLARA E EVIDENTE QUE O FALECIDO II NO MOMENTO DA OUTORGA DO TESTAMENTO TINHA A CAPACIDADE PARA BEM ENTENDER E PERCEBER O ATO QUE ESTAVA A PRATICAR.
42- No dia 12.11.2919, dia da outorga do testamento, o falecido II, entendeu o conteúdo do mesmo, correspondendo este à sua livre e esclarecida vontade, designadamente, a de querer beneficiar a Ré DD, a quem reconhecia como sua afilhada e em quem sempre depositou confiança.
43- No dia 12 de Novembro de 2019, estava lúcido de entender e querer o que transmitiu, não sofria de qualquer perturbação.
44- Nada, nem ninguém, lhe provocou ou enfraqueceu a sua vontade.
45- O ato que os AA., pretendem anular, foi praticado pelo testador, sem margem para dúvidas
em estado de sanidade mental normal, que transmitiu ao Sr. Notário, de forma inequívoca o que queria fazer; qual a sua vontade, que entendia o alcance do que ia fazer, que queria fazer testamento a favor da sua afilhada, deixando-lhe os seus bens à sua morte.
46- O Notário Dr. JJ, que lavrou o testamento em discussão a 12 .11.2019, referiu de forma categórica que nos testamentos em que intervém tem uma conversa prévia com as pessoas, faz algumas perguntas para aferir da sua capacidade no momento, pede que expliquem por palavras suas, o que pretendem com tal ato. E, referiu que todos os outorgantes que intervêm nos seus atos têm que estar cognitivamente bem, num estado de absoluta sanidade mental, com discernimento para praticar o ato.
“Senão, recusa-se a fazer “ …
47- Afirmou, sem margem para dúvidas que o falecido estava em estado de sanidade mental normal, que lhe transmitiu de forma inequívoca o que queria fazer; qual a sua vontade, que entendia o alcance do que ia fazer, que queria fazer testamento a favor da sua afilhada, deixando-lhe os seus bens à sua morte.
48- O testador II, expressou a sua vontade por palavras suas, manifestou claramente a sua vontade, revelando a vontade de deixar os seus bens à R. sua afilhada.
49- O Sr. Notário, leu e explicou o testamento na presença das testemunhas, e o testador II, entendeu e assinou.
50- Mais afirmou ainda, que da análise da assinatura aposta pelo punho de II, esta não apresentava qualquer indício ou sinal de perturbação, que era uma assinatura equilibrada, sem qualquer trémulo, de alguém que apresenta estar bem.
51- E, se fez o testamento, é porque o senhor testador, II, reunia todos os pressupostos para fazer o testamento.
52- As testemunhas Dra. NN e OO, presentes no ato, vieram confirmar sem margem para dúvidas, que assim foi, que II se encontrava bem, lúcido, com um
discurso coerente, nada delirante ou incoerente que pudesse pôr em causa a realização do ato pelo notário, que entendeu o alcance do que estava a fazer e bem-disposto sem dúvida nenhuma.
53- Não levantou quaisquer dúvidas acerca das suas capacidades cognitivas.
54- Nenhuma dúvida restou sobre a sua vontade em fazer o testamento a favor da sua afilhada, que os AA vêm pôr em causa.
55- Já algum tempo, que II, vinha a manifestar a vontade em fazer um testamento a favor da R., AAA, a sua afilhada, como forma de gratidão pela sua dedicação para com ele.
56- E disso, alardeava junto dos amigos e conhecidos que o conheciam no dia-a-dia.
57- As testemunhas YY, PP e ZZ, confirmaram nos seus depoimentos, isso mesmo:
- “ II reconhecia a DD como sua afilhada desde criança e, por eles era assim reconhecida; era ela quem o ajudava; ia às consultas com ele; confiava nela ao ponto de lhe dar autorização para movimentar as contas bancárias; queria beneficiar a R., por esta cuidar dele; pela sua dedicação, amizade demonstrada ao longo dos anos; ia deixar os seus bens à R.; era a única pessoa que tinha com ele “ .
58- Nunca se aperceberam que estivesse confuso ou incapaz de entender.
59- O ato de fazer o testamento a favor da sua afilhada, não foi inesperado para os Amigos e conhecidos de II.
60- II, foi manifestando essa sua vontade em deixar os seus bens à sua afilhada, ao longo dos tempos.
61- E, sempre que manifestou essa sua vontade, fê-lo de forma consciente, daquilo que queria.
62- Os pais de II eram amigos dos pais da Ré.
63- II apenas confiava na Ré, a quem considerava como uma pessoa de família.
64- Sabia da existência dos primos do Algarve, mas não mantinha qualquer relacionamento com os mesmos, tendo em tempos cerca de 2014, tido uma desavença, que originou o afastamento de II daqueles, por os mesmos terem pedido emprestado um andar temporariamente e após isso vieram a possuir outro prédio sem terem entregue o emprestado, a II.
65- O qual, não fazia questão de ter qualquer relacionamento com os AA./Apelantes.
66- Até à data de entrada no Hospital ... a 26.12.2019, por motivo de uma queda, II sempre se mostrara lúcido, informado, dentro das condições e limitações para a sua idade.
67- A única TAC, que consta do relatório médico, que serviu para instruir o processo de Maior Acompanhado, realizado pelo Dr. LL – menciona que no Registo da 2ª. Consulta de Neurologia em 22.11.2017, II devido ao consumo de bebidas alcoólicas, sofreu uma queda sob o efeito do álcool e, fez traumatismo craniano e cervical.
68- Até 12.11.2019, o testador, manteve a lucidez mínima de entender o que queria, reconhecia a M. Manuel, como a sua afilhada desde criança.
69- Após o seu internamento, a ora Ré, enquanto lhe foi possível, ia visitar o seu padrinho, era quem lhe levava a roupa lavada e, trazia a suja e durante esse período, sempre reconheceu a Ré como a sua afilhada.
70- Os AA não eram familiares próximos, e viviam no Sul, não mantinham laços de relacionamento com II, nem ele o desejava.
71- A testemunha YY, conhecia II há 20 anos, confirmou que o relacionamento entre o II e os, primos daquele, não existia, devido a uma zanga.
72- A outorga do testamento, mais não foi do que a concretização da intenção que o falecido II tinha em fazer à sua afilhada DD a quem estava grato pelos seus cuidados para com ele e, que dizia a amigos e conhecidos.
73- No que concerne ao elemento essencial com relevo para a decisão da causa, de saber se o falecido II no momento da outorga do testamento em 12.11.2019, padecia de incapacidade para tal ato, não foi provado pelos AA - (facto não provado em a).
74- Àquele que invocar um direito cabe fazer aprova dos factos constitutivos do direito alegado – art.342º nº. 1 do Código Civil.
75- Cabia aos AA., fazer a prova da pretensa incapacidade do falecido II no momento da outorga do testamento, o que, manifestamente, não lograram provar.
76- Inexiste qualquer prova dos AA, credível que tenha sustentado que na altura da outorga do testamento o falecido II se encontrava incapacitado para a prática de tal ato,
77- II, encontrava-se em -12.11.2019 - com as capacidades mentais necessárias e suficientes no momento do ato da outorga do testamento.
78- A prova testemunhal produzida, em audiência de Julgamento, foi no sentido de que o falecido II no momento da outorga da escritura se encontrava com consciência livre e esclarecida, sabedor do ato que se encontrava a praticar e que queria praticar.
79- Acresce que, o relatório médico elaborado no âmbito do processo de Maior Acompanhado, teve apenas uma observação efectuada ao II em 11/12/2020, tendo sido o restante elaborado com base em elementos referidos nos relatório, designadamente, as consultas de acompanhamento de neurologia efetuadas pelo falecido II.
80- A Sentença de Maior Acompanhado fixou as medidas de acompanhamento em 26.12.2019, data do internamento hospitalar.
81- Datas posteriores à data da outorga do testamento em 12.11.2019.
82- Esses elementos são manifestamente insuficientes para deles se poder alguma vez concluir que à data da outorga do testamento, o falecido II estivesse incapaz de compreender o ato que se encontrava a realizar.
83. Pelo contrário, fê-lo eivado de uma vontade livre e capaz, com o objectivo sempre manifestado de fazer a R., sua herdeira.
84- A questão do falecido ter acompanhamento neurológico, a própria R. reconheceu tal facto, dado o consumo de bebidas alcoólicas pelo falecido, sendo a própria R. a acompanhar o falecido às várias consultas, como resulta do relatório pericial.
85- Concluir e tentar retirar a ilação que o falecido estava num estado mental de incapacidade para a prática do ato de outorga do testamento é completamente desproporcionada e despida de fundamento tal asserção, como decorreu da prova testemunhal produzida pela R.
86- Enfatiza-se que, a sentença de Maior Acompanhado fixou as medidas de acompanhamento de maior a partir de 26.12.2020, ou seja, em data posterior à da outorga do testamento 12.11.2019.
87- É entendimento pacífico na jurisprudência que, nesta sede, o que releva para fins anulatórios não é a data da condição de interdito ou inabilitado, pois esta só se constituiu com a sentença, mas antes de averiguar a data de começo da incapacidade natural ou de facto e, mais concretamente, quando é que o requerido no processo passou a estar afetado por anomalia psíquica, que o tornou incapaz de reger a sua pessoa e bens, vide entre outros, Ac.TRE, de 13/12/2020, Processo 193/16.0T8STR.E1, relator Tomé de Carvalho, in www.dgsi.pt.
88- É Jurisprudência Uniforme: “A declaração Judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do artigo 346º do CC.”
89- Na vigência do Código Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência têm atribuído a tal declaração judicial um valor de meramente indiciário: não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência a que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da provada existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação, vide entre outros, Ac. STJ de 06Abril 2021, processo 2541/19.7T8STB.E1, Relator Fernando Simões, in www.dgsi.pt.
90- Só serão inválidos se, acidentalmente, na altura em que são praticados, o declarante está incapacitado, nos termos do artigo 257º do Código Civil.
91- Nestes casos, a capacidade é a regra e a incapacidade é a excepção, pelo que quem invocar esta, tem o ónus de a provar, ou seja, compete a quem invoca uma incapacidade fundada no artigo 257º do Código Civil alegar e provar que o declarante se encontrava na altura da prática do ato, incapacitado nos termos e para o efeito do disposto neste artigo.
92- A incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do CC exige, para a anulabilidade do ato, como já acima foi referido que, no momento da prática do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário).
93- Ora no presente caso, é manifesto que a outorga do testamento é anterior à fixação do Acompanhamento de Maior acompanhado.
94- Sendo certo que, os AA não lograram provar que o falecido II estivesse incapacitado no momento da outorga do testamento em 12.11.2019.
95- A alegação e pretensão dos recorrentes serem o suporte de apoio familiar de II não passa de mera fantasia, atento o facto não provado em b) e os provados em 64) a 67), 72) e 106) da matéria assente.
96- O falecido II, como já referido anteriormente praticamente, não tinha quaisquer contactos com os AA., e os que havia eram esporádicos, em especial desde 2014, quando se incompatibilizou com os primos por estes estarem a ocupar o andar por empréstimo e entretanto, terem outro sem que tivessem comunicado tal facto ao II.
97- A R. era a pessoa que cuidava do II, que o levava às consultas, em quem ele depositava toda a confiança, inclusive para movimentar as contas bancárias.
98- Em boa verdade, quase que não é necessário recorrer à prova testemunhal para se inferir e constatar que era a R., que prestava apoio e cuidava do II, atente-se no relatório pericial, donde se extrai, com clareza, nas consultas de neurologia, desde 09.07.2017, foi sempre a R., que acompanhou o II às consultas.
99- O que corresponde e está de acordo com o expresso pelas testemunhas PP e YY.
100- A Incapacidade Acidental prevista e regulada no art 257.º do Cód. Civil exige, para a anulabilidade do ato, que no momento da prática do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica – Acordão do Supremo Tribunal da Justiça de 30/10/1990, www.dgsi.pt..
101- No que ao presente caso contende, face aos factos provados e não provados é manifestamente evidente que os pedidos formulados pelos AA terão de soçobrar.
102- Reitera-se, aos AA cabia fazer a prova da pretensa incapacidade do falecido II no momento da outorga do testamento.
103- Não lograram provar que o falecido II, no momento da outorga do testamento - 12.11.2019 - se encontrasse incapacitado mentalmente para celebrar e compreender tal ato.
104- Inexiste qualquer prova credível que tenha sustentado que na altura da outorga do testamento o falecido se encontrava incapacitado para a prática de tal ato.
105- A prova testemunhal produzida foi no sentido de que o falecido no momento da outorga do testamento se encontrava com consciência livre e esclarecida, sabedor do ato que se encontrava a praticar e que queria praticar. (Sobre tal asserção veja-se os depoimentos das testemunhas JJ- notário, Dra. NN, OO, YY (testemunha referenciada pelo tribunal como credível, clara), ZZ, PP).
106- O relatório pericial elaborado no âmbito de maior acompanhado, teve apenas uma observação efectuada a II em 11.12.2020, tendo sido o restante elaborado com base nos elementos referidos em relatórios das consultas de acompanhamento de neurologia.
107- A sentença de maior acompanhado fixou as medidas de acompanhamento em 26.12.2019.
108- De relevo e sem ser exigível, a R. provou de forma clara e evidente que o falecido II, no momento da outorga do testamento tinha a capacidade para bem entender e perceber o ato que estava a praticar.
109- Em relação ao ato de outorga da procuração, a mesma deixa de ser relevante, atento o facto de a R., ser herdeira do falecido II e aquela ser posterior ao ato de outorga de testamento.
110- Tais atos, praticados pelo falecido II, foram a concretização da sua vontade, que foi manifestada perante terceiros.
111- Foram por si pretendidos e idealizados, aos quais estiveram subjacentes razões atendíveis, perfeitamente lógicas e justificáveis.
112- O Tribunal “ a quo “ não teve dúvida alguma, que aquando da outorga do testamento- 12.11.2019-, o falecido II tinha as suas capacidades mentais necessária e capazes, para saber o ato que estava a praticar, o qual mais não foi que um corolário lógico daquilo que pretendia fazer e que alardeava junto dos amigos e conhecidos que o conheciam no dia- a-dia, ou seja, outorgar o testamento a favor da R.
113- É ao juiz que compete apreciar livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.\
114- Ao Tribunal é legítimo retirar os argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar
determinada informação ou, deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador.
115- Ao Tribunal de 2ª. Instância, não cabe realizar novo julgamento nem procurar uma nova convicção, mas apenas indagar se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.
116- Ao Tribunal da Relação compete apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
117- A douta decisão recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao caso “ sub judice “, consubstanciada nos factos provados e não provados e sua motivação.
118- Não merece, pois, qualquer censura ou reparo.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências,
JUSTIÇA!

2. Fundamentos de facto

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1) No dia 11 de Junho de 2021, no estado civil de viúvo de BBB, com última residência habitual na Rua ..., n.º ..., 2.º, da União de Freguesias ..., ..., ..., ..., ..., ..., concelho do Porto, faleceu II, – cfr. certidão de óbito n.º 313 do ano de 2021 junto como documento n.º 1.
2) O falecido II não tinha descendentes, não tinha ascendentes vivos nem irmãos.
3) Os AA. são, respectivamente, primo direito e primas em segundo grau do falecido – cfr. certidões de nascimento que se juntam como documentos n.ºs 2, 3 e 4.
4) No dia 12 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial do Dr. JJ, o falecido outorgou testamento a favor de DD, aqui R., e de KK – cfr. testamento que se junta como documento n.º 5.
5) De acordo com o referido testamento, KK foi instituído legatário do usufruto vitalício do primeiro andar do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ... (... e ...), concelho de Faro, inscrito na matriz sob o artigo ....
6) E, por sua vez, a R. foi instituída como única e universal herdeira do remanescente de toda a herança do falecido.
7) Os AA. instauraram, no dia 21 de Julho de 2021, contra DD e KK, um procedimento cautelar especificado de arrolamento, nos termos do nos artigos 403.º, 404.º, n.º 1 e 405.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, como preliminar da presente acção de anulação de testamento.
8) Tendo em vista, justamente, assegurar a conservação do acervo patrimonial da herança aberta por óbito de II, impedindo, assim, o seu extravio, ocultação ou dissipação continuados durante a decorrência da acção principal, no âmbito da qual se pretende levar a efeito a discussão da titularidade dos direitos dos AA..
9) No entanto, já depois da propositura da providência cautelar de arrolamento, o referido KK veio a repudiar ao legado – cfr. documento n.º 6.
10) Verificados os requisitos para o seu decretamento, foi o procedimento cautelar instaurado julgado procedente e, concomitantemente, determinado o arrolamento dos bens indicados pelos AA., sem audição dos Requeridos – cfr. sentença junta como documento n.º 7.
11) Foi ainda o aqui A. AA nomeado depositário dos bens da herança – cfr. documento n.º 7.
12) No dia 14 de Agosto de 2020, foi intentada pelo Ministério Público uma Acção Especial de Acompanhamento de Maior a favor de II, na altura internado no Hospital ..., que correu termos sob o n.º 13282/20.2T8PRT, no Juiz 9, do Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – cfr. cópia da Petição Inicial junta como documento n.º 8.
13) Foi alegado pelo Ministério Público naquela acção, o então beneficiário II foi admitido naquele Hospital, sem acompanhante, no dia 26 de Dezembro de 2019.
14) Apresentava-se desorientado e sem saber por que ali tinha sido trazido.
15) Estava totalmente dependente nas actividades da vida diária e incapaz de regressar ao domicílio sem apoio permanente – cfr. documento n.º 9,
16) E encontrava-se impossibilitado de exercer plena e conscientemente os seus direitos e de cumprir os seus deveres.
17) No dia 17 de Fevereiro de 2020 foi junto ao Processo Administrativo n.º 92/20.6Y2PRT que correu termos no Ministério Público e precedeu a referida Acção Especial de Acompanhamento, um requerimento apresentado pela R., DD e subscrito pela sua advogada, Senhora Dr.ª NN – cfr. requerimento da R. que se junta como documento n.º 11.
- Onde a mesma informa aqueles autos que sempre teve com o seu Padrinho II um relacionamento muito próximo e, nos últimos anos, lhe limpava a casa, fazia as compras, acompanhava-o em consultas médicas e passava as tardes em casa dele, fazendo companhia um ao outro – cfr. documento n.º 11.
- Informa que teria sido autorizada pelo seu padrinho a movimentar as contas e a levantar-lhe a reforma em caso de doença daquele, por mostrar confiança em si – cfr. documento n.º 11.
- Refere, ainda, que até ao dia 26 de Dezembro, data em que II foi internado, este se mostrava autónomo e completamente lúcido, ia sozinho a pé tomar o pequeno-almoço e almoçar a uma confeitaria na Rua ... – cfr. documento n.º 11.
18) Os AA. após serem notificados da sentença de Maior Acompanhado procederam à troca de fechaduras.
19) Consta da informação social junta aos autos aludidos em 12) pela Segurança Social, doc. 10, que a aqui R., DD, dizia ser afilhada de II;
20) Que vivia em Portugal há apenas 6 anos;
- Terá em seu poder uma procuração outorgada, a seu favor, pelo Beneficiário já durante o período de internamento, sem que algum profissional do serviço tenha presenciado, elaborada com a colaboração profissional da Advogada NN.
21) Consta ainda da informação social disponibilizada a advertência de que tal procuração poderia já ter sido usada para alguns actos de representação do doente - cfr. documento n.º 10.
22) Consta ainda na mencionada informação da Segurança Social, «há referências ao facto de já antes deste internamento não teria capacidade para organizar a sua vida, teria a casa “entupida” de objetos desnecessários, sem higiene habitacional, corporal ou da sua roupa» e que, durante o internamento hospital (iniciado em 26 de dezembro de 2019), evidenciou «não ter capacidade intelectual para se autogerir» - cfr. documento n.º 10.
23) Os AA., por lapso da Assistente Social em funções do Hospital ..., Dr.ª UU, foram incorrectamente identificados, informação que, posteriormente, foi rectificada através de um e-mail remetido ao processo, no dia 21 de Maio de 2020 – cfr. informação da Divisão de Intervenção Social que se junta como documento n.º 12.
24) Por este motivo, os aqui AA. apenas lograram ter intervenção no processo de acompanhamento no momento em que constituíram mandatária judicial.
25) Somente em Janeiro de 2020 os AA. vieram a descobrir que II se encontrava hospitalizado no Hospital ...,
26) Tendo-lhes sido transmitido pela da Assistente Social, Senhora Dr.ª UU, que a R. se tinha apresentado como sua «afilhada» e se teria deslocado ao Hospital ... com uma advogada a fim de lhe ser passada uma procuração para poder levar a efeito a gestão dos bens daquele.
27) Aquando da outorga da procuração, já após o internamento ocorrido em 26.12.2019, o falecido já não se encontrava no gozo das suas faculdades mentais, estando totalmente dependente de auxílio de terceiros.
28) Facto que, aliás, era perfeitamente conhecido pela R. e de todas as pessoas que contactavam com II.
29) Cerca de Outubro de 2019, a prima da esposa de II, QQ
, foi almoçar com o falecido e com outros familiares ao restaurante “A...”, no Porto, restaurante esse onde II ia com frequência.
30) Nesse almoço, II sentiu-se mal e desmaiou.
31) Na pendência da acção de maior acompanhado, referida em 12), foi realizado um exame pericial ao falecido, pelo Perito Dr. LL, por observação efectuada ao II em 11.12.2020, cfr. relatório se junta como documento n.º 13.
Consta desse exame pericial, para além do mais, o seguinte:
“1. O examinando, II, padece de PERTURBAÇÃO
NEUROCOGNITIVA-MAJOR, ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-10, DEMÊNCIA INESPECÍFICA.
2. Esta perturbação tem uma etiologia complexa e multifactorial, surgiu nos últimos anos de vida do doente, desde 2015, tem uma evolução insidiosa, progressiva e com agravamento em 2019, sendo à luz do conhecimento médico actual, irreversível.
3. Este quadro clínico limita significativamente o desempenho do examinando em termos volitivos e cognitivos e resulta num prejuízo relevante do seu funcionamento adaptativo, de forma que este não consegue atingir padrões de independência pessoal e responsabilidade social em vários aspectos da sua vida diária.
4. Esta perturbação caracteriza-se por défices em vários domínios cognitivos, como o raciocínio, resolução de problemas e por alterações do comportamento.
5. Em termos concretos, o examinando encontra-se totalmente dependente de terceiros para as actividades instrumentais da vida diária: gestão de dinheiro, pagamento de contas, compra e gestão de despensa, compromissos financeiros, bancários e tributários,
sob pena de delitos. (…)
9. O examinando não tem capacidade plena para determinar quem pretende que seja nomeado para o cargo de seu acompanhante”».
Consta do aludido relatório na parte de “Exame Indirecto” que, no Centro Hospitalar ..., existem registos de consultas de neurologia do falecido, desde, pelo menos, 2017, nomeadamente:
-Em 09 de Agosto de 2017, “a afilhada refere alguns esquecimentos (não sabe em que dia está, quer pagar as contas 2 vezes porque não se recorda em que dia está) e discurso repetitivo desde há pelo menos 2 anos que tem vindo a progredir. Esquece-se das combinações e das conversas; confunde-se muito – cfr. documento n.º 13.
- Consulta de neurologia em 22 de Novembro de 2017, onde se refere que se mantêm os consumos alcoólicos excessivos – cfr. documento n.º 13;
- Nova consulta de neurologia em 03 de Maio de 2019, onde se lê “O doente acha que está bem, mas a afilhada acha que está mais esquecido. Continua a viver sozinho, mas com a ajuda desta afilhada – apoia na alimentação da parte da tarde. Também é a afilhada que trata das coisas do banco e multibanco e as contas. Gere a própria medicação, mas às vezes esquece-se. Toma banho sozinho, mas com dificuldade. Está sempre a perguntar em que dia está…”.
- Foi novamente a consulta de neurologia no dia 20 de Novembro de 2019, tendo sido transmitido pela sua afilhada, aqui R., que o Beneficiário deixara de tomar toda a medicação e «tem ideias na cabeça delirantes».
- Foi registado, nesse dia 20 de Novembro de 2019, síndrome demencial de predomínio mnésico com impacto funcional e com alterações de comportamento.
- Consta do ainda do relatório pericial “Exame Directo” “Não consegue nem está familiarizado com o uso de meios electrónicos de pagamento e não sabe informar sobre o montante da sua reforma (pensão de velhice) ou a extensão do seu património e o seu valor relativo.”
- Nos Antecedentes Psiquiátricos consta “o quadro clínico terá sido notado progressivamente desde 2015, inicialmente como défice cognitivo ligeiro, tendo a incapacidade definitiva surgido em Novembro de 2019 (pág. 8).
- Na observação psicopatológica “O pensamento apresenta um curso lento com dificuldade em atingir ideia-alvo.
- Quanto ao conteúdo apresenta ideação paranóide pouco estruturada centrada nos técnicos que lhe prestam cuidados» (págs. 8 e 9) .
Nas conclusões diz-se “padece de perturbação neurocognitiva-major…”
Encontra-se totalmente dependente de terceiros para as atividades instrumentais da vida diária; gestão do dinheiro; pagamento de contas; compras e gestão de despensa; compromissos financeiros, bancários e tributários, sob pena de delitos…”
“Justifica-se uma medida formal de tutela, em particular representação geral e administração total de bens” – pág. 15.
32) No âmbito do processo de maior acompanhado, no dia 26 de Fevereiro de 2021 procedeu-se à audição do beneficiário II e foi solicitado ao Hospital ... o envio do relatório de admissão da urgência do dia 26 de Dezembro de 2019 e relatório sobre o estado em que o mesmo se encontrou durante todo o tempo de internamento até ser transferido para a Unidade de Valongo, os quais vieram a ser, oportunamente, remetidos por aquele Hospital – cfr. Doc.s 12, 13, 14.
33) Na sequência da apresentação de dois requerimentos, por parte dos AA., nos autos de acompanhamento de maior, através dos quais se deu conhecimento da movimentação das contas por parte da R., do levantamento de avultadas quantias, do desaparecimento de todo o recheio de valor das habitações do Beneficiário, o Ministério Público promoveu:
i. A rectificação da Petição Inicial, corrigindo a identificação dos familiares do beneficiário que constituiriam a sua rede familiar (os aqui AA.), porquanto na altura da elaboração da Petição Inicial considerou-se a informação do Hospital ... de 06 de fevereiro de 2020 e não a de 21 de Maio de 2020, onde foi reportado o lapso na identificação destes familiares;
ii. Considerando que, decorrente do quadro clínico de que padece, o Beneficiário manifesta patentes dificuldades em reconhecer o dinheiro e/ou atribuir-lhe o seu valor real (notas e moedas do BCE) e já não apresenta discernimento para compreender o teor de documentos (procurações, extratos bancários, contratos) nem para efectuar negócios correntes, o que o coloca numa situação de vulnerabilidade perante terceiros que se aproveitem desse estado de fragilidade, promoveu o Ministério Público que para salvaguarda da sua pessoa fosse urgentemente nomeado alguém que possa suprir a limitação de que padece para gerir os seus bens e a sua própria pessoa, sob pena de se encontrar em risco a sua saúde e integridade física e cabal preservação e administração do seu património;
iii. Nessa medida, promoveu-se a nomeação do aqui A. AA para o exercício do cargo de acompanhante, e das AA. BB e CC para integrar o Conselho de Família;
iv. Foi promovida a determinação de medida de acompanhamento provisória e urgente de
nomeação de acompanhamento provisório, na vertente pessoal e patrimonial, designadamente poderes exclusivos de gestão e movimentação das contas bancárias e aplicações financeiras; poderes para cancelar contas e cartões de crédito e débito e proibir movimentos a débito que não sejam efectuados pelo próprio acompanhante; poderes para gestão do património imobiliário; poderes para instauração de acções judiciais de anulação de actos que hajam sido praticados pelo beneficiário e/ou contratos e /ou documentos em que o beneficiário tenha aposto a sua assinatura desde a data de diagnóstico do quadro clínico de que o mesmo padece, bem como para em seu nome apresentar queixas-crime e constituir-se assistente em inquéritos criminais em que o beneficiário seja ofendido/lesado/vítima;
v. Mais foi promovida a extração de certidão do Requerimento Inicial, PI e documentos anexos, da certidão negativa de citação, dos elementos clínicos remetidos pelo Hospital ... e Hospital 3..., do relatório do Exame Pericial, do Auto de Audição do Beneficiário (com suporte áudio), dos dois requerimentos que antecedem apresentados pelos primos do Beneficiário, da presente promoção e do despacho que sobre a mesma recair e seja remetida, a título confidencial, ao Exmº Sr. Director do DIAP do Porto para instauração de procedimento criminal, por se indiciar, em abstrato, a prática de ilícitos criminais em que é vítima/ofendido idoso (nascido em ...) e que padece de Perturbação Neurocognitiva-Major (Demência) – cfr. Promoção junta como documento n.º 14.
34) No dia 25 de Março de 2021 foi proferida sentença nos autos de acompanhamento de maior que decidiu:
a) aplicar ao beneficiário II as medidas de acompanhamento de representação geral e de administração total dos seus bens.
b) Fixar a data de conveniência de decretamento das medidas de acompanhamento em
26.12.2019 (data do internamento hospitalar).
c) Nomear como acompanhante do beneficiário AA, ao qual competirá a representação geral do beneficiário e a administração total dos seus bens, incluindo contas bancárias.
d) Nomear como membros do conselho de família BB e CC.
e) Nomear como protutora BB. – cfr. certidão da sentença se junta como documento n.º 15.
35) Já depois do internamento e na pendência da ação de maior acompanhado a R. dirigiu-se a Faro, onde o falecido II possuía um prédio com três andares.
36) Uma vez que a R. não dispunha das chaves dos imóveis, dirigiu-se à residência de CCC, pessoa que habitualmente fazia a limpeza dessas casas, com o objetivo de obter as respectivas chaves.
37) No entanto, a referida CCC havia sofrido, recentemente, um AVC, encontrando-se, naquela altura, acamada, pelo que a R. foi recebida pelo seu filho, KK.
38) A R. ter-se-á apresentado como afilhada de II, exibindo uma procuração e identificando-se como sua representante legal e exigindo as chaves dos imóveis.
Nesta sequência as chaves dos apartamentos foram entregues à R. por KK.
39) De seguida, a R. dirigiu-se ao prédio em questão e permaneceu por lá alguns dias.
40) A casa do falecido sita na cidade do Porto foi totalmente despojada de toda a mobília e objectos de valor – cfr. fotografias que se juntam como documento n.º 17.
41) Tendo sido encontrado pelos AA. um documento, espécie de inventário dos objectos em ouro pretensamente pertença do falecido – cfr. documento n.º 18.
Constando do aludido documento o seguinte:
OURO
Cercadura 50 pesos mexicanos......... 7,50
Pulseira de Relógio fina...................34,50
Lapiseira de Ouro.............................10,00
Porta-chaves de sant.........................14,00___________ 134,00
Passa gravatas ouro branco..............10,25
Berloque bola c/pedras Vermelhas.. 8,00
Alfinetes e brincos flor de lis.......... 8,00
Libra c/cercadura trabalhada...........17,30
Medalhão Alfinete........................... 6,00____________ 49,55
Crucifixo antigo (II)........................ 3,80
Brinco de rainha.............................. 4,20
Alfinete pedras brancas (II)............. 4,20
Lacinho pedra azul......................... 5,70
Alfinete cestinho.............................16,20
Fio malha de friso.......................... 10,20______ 44,4_____ 227,95
Pulseira de Pérolas......................... 14,50
Pulseira cadeado oca...................... 12,90
½ Trancelim ................................... 10,00
Fio de Barbela grosso..................... 30,00
Fio pai............................................ 7,00
Fio mãe.......................................... 8,00__________ 82,40
Medalha........................................ 9,90
Brincos ........................................ 13,50
Medalhão de Abrir....................... 6,00
Berloque lápis lazuli ................... 13,00__________ 42,40
Anéis........................................... 42,00
Cordão de Ouro.......................... 18,00
Pulseira malha de friso............... 7,30
Fio 2+1....................................... 7,70
Pulseira malha gargantilha......... 6,50____________81,50
Pulseira antiga............................ 20,60
Anel c/ametista......................... 11,25
“ c/brazão........................... 12,25
“ Mesa quadrado................ 23,00
“ c/brasão de ferro............. 22,00
“ pedra vermelha.............. 9,00__________ 98,10
Botões de punho ...................... 98,15
Pulseira de cadeado.................. 13,25
Fios .......................................... 67,05
Correntes de chaves ................ 71,25
Corrente de relógio de bolso..... 15,00
Pulseira de chapa de homem..... 29,10____293,80__598,20 826,15
OURO 826,15
Medalhas de abrir.................. 8,90
Ouro para derreter.................. 14,00
Estrela de David..................... 7,00
Medalhas e Crucifixos............ 42,00________71,90
Pulseiras .............................. 100,00
2 trancelins........................... 80,00
Cordões de Ouro –maciço.... 35,00__250,00__321,90___1148,05
1 148gr x 6000$00 = € 35000
Ouro amoedado ............. € 14000
Prata amoedada.............. € 3000
Pratas ornamentais........ € 3000
Diamantes ...................... € 11000
Pérolas .......................... € 10000........ € 76000
Ouro amoedado 800gr...........14000
Prata amoedada 2000gr........ 3000
Diamantes:
Alfinete de gravata c/brilhante grande ..1,5 .....€ 1000,00
Ouro Branco c/brilhante grande ........... 8 ....... € 1000,00
Anel c/Rubi...........................................12 ...... € 1000,00
Anel c/Brilhante ouro branco ...............13 .......€ 1000,00
Anel D. João V c/Brilhante e rosas.......10,4.... € 300,00
Anel trabalhado c/brilhante pequeno... 13 ..... € 300,00
Anel c/brilhante gemeo grande e + pequenos. € 3000,00
Brinco de Brilhantes....................................... € 3000,00
Pulseira de Brilhantes..................................... € 500,00___11100,00
Pratas
Ornamentais.......................15.000.................. € .......3000,00
Relógios e cronómetros ..........................................€ 7500,00
2 Omegas de pulso Constellation
1 cronómetro Omega
Outros relógios de boa marca
OUROS................ € 75000
Restante Recheio.. € 45000 120000
PÉROLAS
3 COLARES DE PÉROLAS
UM DE CULTURA.........................€ 5000,00
2 DE Pérolas degrade c/fecho de Bull...€ 10000,00 ..... € 15000,00
42) Já após o internamento do falecido no Hospital ..., em 26 de Dezembro de 2019, foram efetuados diversos levantamentos das suas contas bancárias – cfr. Doc. n.º 19.
43) Algumas contas foram, entretanto, encerradas e uma outra (conta da Banco 1... nº. ...) encontra-se, actualmente, um saldo negativo de - € 748,4.
44) O falecido II recebia três pensões (de velhice e de sobrevivência) no montante de € 211,79, € 309,07 e € 372,16, valores que foram sendo levantados das contas bancárias já após o internamento do mesmo.
45) Na sequência da extração de certidão requerida pelo Ministério Público, encontra-se, neste momento, em curso um processo-crime em que é denunciada a aqui R. – inquérito n.º 3957/21.4T9PRT, a correr termos na 1.ª Secção do Porto da Comarca do Porto.
46) Já durante o internamento do II, o veículo automóvel da marca Volkswagen, com a matrícula ..-..-IR, que era propriedade daquele –, foi vendido à sociedade B..., LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º .. R/C ... Mangualde, sendo a data do registo de venda de 04.02.2020, – cfr. título de registo de propriedade junto como documento n.º 21 e 22.
47) O único veículo que ainda se encontra registado em nome do falecido é um veículo da marca Ford ..., de matrícula UD-..-.., de Dezembro de 1989, cfr. registo de propriedade junto como documento n.º 23.
48) Para além do veículo, o falecido II era proprietário dos seguintes bens imóveis atualmente arrolados:
Freguesia Artigo Fração Espécie
... ... D Habitação
... ... EP Estacionamento
... ... R/C Habitação
... ... 1.º Habitação
... ... 2.º Habitação
... ... F Estacionamento
- cfr. cadernetas prediais e respectivas certidões prediais permanentes como documentos n.ºs 24 e 25.
49) O falecido II tinha ainda um Time-Sharing (direito real de habitação periódica) em ..., na titularidade do falecido, correspondentes às frações AX e AZ do prédio ..., também arrolado - cfr. certidões prediais juntas.
50) Conforme resulta das certidões prediais juntas, já se encontra registada a aquisição de alguns imóveis arrolados, por sucessão hereditária, a favor da R..
51) Porém, no dia 25 de Agosto, já depois de ser decretado o arrolamento dos imóveis da herança de II, o A. AA recebeu um telefonema de uma
vizinha dos imóveis de Faro, alertando-o para o facto de estar alguém no prédio.
52) Considerando que apenas os AA. se encontravam na posse das (novas) chaves de acesso aos imóveis, o Autor AA dirigiu-se de imediato à Rua ..., em Faro, constatando que os imóveis tinham sido, efetivamente, ocupados.
53) Os AA. dirigiram-se à PSP, pelas 21H30, para fazer a participação da ocupação ilegítima dos imóveis.
54) Apresentaram cópia da decisão judicial que decretou o arrolamento e nomeia o A. AA como depositário dos bens, bem como as certidões prediais permanentes que comprovam o registo do arrolamento à ordem dos presentes autos.)
55) A PSP dirigiu-se ao local e identificou a R., DD, e o seu companheiro, PP, no interior do imóvel.
56) Contudo, a R. apresentou à PSP cópia do testamento e da transmissão gratuita da autoridade tributária para legitimar a ocupação, comunicando aos agentes de autoridade que “isto é tudo meu porque tenho testamento” (referindo-se aos imóveis).
57) A R. e o seu companheiro comunicaram, ainda, à PSP que a sua advogada, Drª. NN, se encontrava a par de tudo e que poderia ser contactada através dos contactos que forneceram à PSP e que constam do auto de participação (NPP ...).
58) Mais referiu a R. que teve acesso aos imóveis porque solicitou a um serralheiro a alteração do canhão da porta do prédio, a quem apresentara a documentação que alegadamente comprovava a sua legítima propriedade.
Esta informação consta da participação n.º ..., datada de 25 de Agosto de 2021.
59) Não obstante os AA. se terem deslocado à PSP para pedir uma cópia do auto de participação para sua junção aos presentes autos, foi-lhes transmitido que apenas poderia ser emitida uma declaração, pelo facto de o auto conter a identificação dos intervenientes, pelo que teria de ser o Tribunal a solicitar o envio do auto de participação – cfr. Doc. n.º 26.
60) A R. permaneceu na posse dos imóveis de Faro.
61) Tomou igualmente posse do imóvel do Porto, até aos dias de hoje, como aliás o demonstra a carta datada de 10 de Setembro de 2021, remetida pela R. aos AA., nos termos da qual informa, na qualidade de «(atual) única e universal herdeira testamentária de II» que havia mudado a sua residência para o imóvel da Rua ..., n.º ..., 2.º direito e tinha fixado a sua segunda residência no imóvel de Faro (ambos arrolados), assistindo-lhe a posse de todos os bens da herança que, até prova em contrário, seriam de sua exclusiva propriedade, pelo que seria de bom senso não serem praticados atos de mudanças de fechaduras que possam configurar condutas criminais graves.
Mais comunica que, por força da relação que tinha com o falecido, cuja casa frequentaria desde criança, tinha nos imóveis do falecido II muitos móveis de sua propriedade que, entretanto, teriam sido levados pelos AA., vide documento n.º 27.
62) Os pais de II eram amigos dos pais da R. e a R. por sua vez, desde criança, conhecia BBB, esposa de II, sua mãe e outros familiares;
63) Desde criança que a R. e seus pais conviviam com II e sua esposa, BBB, aliás, foram Padrinhos de Crisma da R..
64) Razão pela qual a R. chamava II de padrinho e, aquele de sua afilhada e
assim era reconhecida pelos próprios e por terceiros.
65) Posteriormente, foram padrinhos de baptismo da filha da R..
66) A R. DD emigrou para África do Sul e Moçambique, contudo manteve sempre ligação à família de II, pois quando vinham de férias a Portugal, visitavam-nos.
67) Há cerca de 10 anos, aquando do regresso da R. de África do Sul, mesma começou a ajudar o Sr. II.
68) Auxiliava-o na casa, nas compras, idas às consultas médicas, fazia-lhe companhia e passeava com ele.
69) A R. frequentou um curso de Formação de Cuidadores, conforme Declaração de Participação no Programa de Formação de Cuidadores junto como doc.1.
70) II apenas confiava na R., a quem considerava como uma pessoa de família.
71) Sabia da existência dos primos do Algarve, mas não mantinha qualquer relacionamento com os mesmos, tendo em tempos, cerca de 2014, tido uma desavença, que originou o afastamento do Sr. II daqueles, por os mesmos terem pedido emprestado um andar temporariamente e após isso vieram apossuir outro prédio sem ter entregue o emprestado ao II, o qual não fazia questão de ter qualquer relacionamento com os ora AA..
72) Era a R., sua afilhada, a pessoa mais próxima sua e em quem confiava para o auxiliar na casa, ser seu confidente, ir às consultas médicas com ele, etc..
73) O II era uma pessoa esclarecida, informado, atento, interessado no que o rodeava, era um leitor assíduo de jornais e revistas estrangeiras,
nomeadamente em Alemão e Francês.
74) Sabia bem o que queria, era ele quem geria os pagamentos, no entanto, com o avançar da idade e principalmente devido à adição de consumo de bebidas alcoólicas e, problemas crónicos de doença próprios da idade, algumas capacidades de se autogerir, foram diminuindo.
75) Era a R. que levantava a reforma do seu padrinho, fazia pagamentos de água, luz, IMI, medicação, alimentação e outros.
76) O II, desde muito cedo teve problemas com bebidas alcoólicas, que ingeria juntamente com a medicação que tomava, para os seus problemas, o que lhe provocava vários distúrbios;
77) As consultas de Neurologia tiveram por base esse mesmo problema, o consumo em excesso de bebidas alcoólicas.
78) O II revalidou a sua carta de condução em 2018, com a idade de 84 anos;
79) A revalidação de carta de condução de um cidadão obedece a vários critérios de exames feitos na presença do seu médico de família e que atestam a boa capacidade física e mental da pessoa, o que se verificou com o Sr. II nessa ocasião, tenho-lhe sido passado o atestado, aferindo da sua capacidade para conduzir, e poder revalidar a sua carta de condução sem qualquer tipo de problema;
80) O II pouco tempos antes de ser internado ainda conduzia.
81) Até à data de entrada no Hospital ..., a 26.12.2019, II sempre se mostrara lúcido, informado, dentro das condições e limitações para a sua idade.
82) Após o seu internamento, II vivencia uma conjectura nada favorável, à
estabilização do seu estado psíquico e físico, o COVID-19, ficando privado das visitas, de sua afilhada, com que mantinha um relacionamento afectivo desde sempre e, que no hospital, sempre a reconheceu como tal.
83) O II queria beneficiar a R., pela sua dedicação, amizade demonstrada ao longo dos anos e, foi transmitindo essa sua vontade quer à própria, quer junto de terceiros, em conversas que mantinha.
84) Estava consciente dessa sua tomada de posição, daquilo que queria e de como pretendia dispor dos seus bens para além da sua morte.
85) No acto de testamento, entendeu o conteúdo do mesmo, correspondendo este à sua livre e esclarecida vontade, designadamente a de querer beneficiar a R. DD, a quem reconhecia como sua afilhada e em quem sempre depositou confiança.
86) No momento da outorga do testamento, a 12 de Novembro de 2019, estava lúcido.
87) A sua assinatura aposta no acto testamentário, pelo seu punho, é perfeitamente legível, com traço preciso, equilíbrio e sem indícios de qualquer perturbação, logo uma assinatura, própria de quem se encontra capacitado.
88) Acresce que quando foi lido e explicado o conteúdo do testamento a II, o mesmo estava capaz de entender o respectivo conteúdo, estava esclarecido de que ele correspondia à sua vontade, bem como as suas consequências.
89) O Sr. Notário JJ, nenhuma dúvida teve, aquando da outorga do testamento pelo II, que entendeu e percebeu o que disse nesse momento e que tal era a sua vontade.
90) A outorga do testamento obedeceu a todas as formalidades legais, no qual estiveram duas testemunhas, nele melhor identificadas.
91) O II viveu com a sua esposa e, quando ocorreu o seu falecimento, foi sozinho que ficou e com o avançar da idade, necessitou de ajuda e, foi à ora R., a sua afilhada, a quem recorreu e, a alguns amigos, esta sim, a sua rede de suporte familiar.
92) A R. deslocou em Janeiro de 2020 a Faro, de comboio Alfa, já depois do internamento de II, para tratar de assuntos do Sr. II, que estavam pendentes de resolução e, de que ele tinha conhecimento, designadamente, tratar de assuntos relacionados com o time-sharing, direito real de habitação periódica em ..., cujo titular era II.
93) Foi passada uma Procuração à ora R., por II, para poder resolver tais assuntos relacionados com uma dívida acumulada em relação ao time-sharing.
94) Após o internamento de II, no dia 26 de Dezembro de 2019, havia contas para pagar, tais como água, luz, Nos, seguros, Time-Sharing, IMI, as quais foram liquidadas, conforme extractos juntos.
95) A R. movimentou a conta autorizada por II nos precisos termos, para os quais foi concedida, isto é, em caso de doença impeditiva de o II o fazer.
96) A venda do veículo de marca Volkswagen matrícula ..-..-IR, propriedade de II, o mesmo foi vendido com Autorização do Sr. II e, o produto da venda, cerca de € 900,00, foi aplicado no abatimento da dívida do Time-Sharing, conforme talão que se junta e se dá aqui por reproduzido, cfr doc.2.
97) A R. em Agosto de 2021, deslocou-se ao locado em Faro e, viu-se impedida de aceder ao mesmo, uma vez que a fechadura tinha sido alterada pelos AA., à revelia da R..
98) Tendo procedido também, a nova alteração de fechadura, uma vez que aquela casa, lhe tinha sido atribuída por testamento de II.
99) Já no seu interior, constatou a falta de vários bens, tais como: objetos de valor, roupas de cama, recheio da cozinha, sala, palamenta, relógios de pé e de parede.
100) Também em relação à casa do Porto, que fora casa morada de família do falecido II, sita na Rua ..., n.º ..., 2º dt.º, a R. que tinha sido beneficiada por acto testamentário daquele, viu-se impedida de aceder ao seu interior, porque à sua revelia a fechadura tinha sido alterada, pelos AA. após a morte de II.
101) De imediato, procedeu à troca de fechadura e, logo que teve acesso ao seu interior, deu também, pela falta de vários bens.
102) E face à intervenção das autoridades policiais, apresentou-se como sendo a proprietária, do locado, exibindo cópia do Testamento e da Transmissão Gratuita da Autoridade Tributária;
103) A única TAC, que consta do relatório médico, que serviu para instruir o processo de Maior Acompanhado, realizado pelo Dr. LL – perito, menciona que no Registo da 2.ª Consulta de Neurologia em 22.11.2017, II devido ao consumo de bebidas alcoólicas, sofreu uma queda sob o efeito do álcool e, fez traumatismo craniano e cervical;
104) Até 12.11.2019, o testador manteve a lucidez mínima de entender o que queria, reconhecia a M. Manuel, como a sua afilhada desde criança;
105) Após o seu internamento, a ora R., enquanto lhe foi possível, ia visitar o seu padrinho, era quem lhe levava a roupa lavada e, trazia a suja e durante esse período, sempre reconheceu a R. como a sua afilhada;
106) Os AA. não eram familiares próximos, e viviam no Sul, não mantinham laços de relacionamento com II, nem ele o desejava.
FACTOS NÃO PROVADOS
a) Aquando da outorga do testamento em 12.11.2019 o II se encontrasse incapacitado de incapacitado de entender o sentido exacto da declaração, encontrando-se num estado demencial que o impedisse de compreender o sentido e alcance da declaração prestada no testamento;
b) Os aqui AA. fossem considerados como rede de suporte familiar pelo falecido II e mantivessem contacto próximo com o mesmo;
c) A R. nos últimos anos procurou isolar o falecido dos seus amigos e familiares e dificultar o contacto com as pessoas mais próximas;
d) A R. chegou mesmo a transmitir aos familiares e amigos que o contactavam que II «não atendia o telefone por estar muito esquecido», tendo, inclusive, procedido ao bloqueio do número de telefone de familiares e amigos para evitar os contactos;
e) Mesmo durante o internamento hospitalar, a R. impedia a aproximação de amigos e familiares, mantendo os cartões de visita em seu poder para assim dificultar o contacto e visitas a II;
f) Alguma informação sobre o seu estado clínico ia sendo obtida através de uma prima da falecida esposa de II, QQ, por intermédio de sua filha, médica daquele hospital;
g) Aquando do almoço referido em 29) os funcionários do restaurante, que já conheciam II, tranquilizaram QQ e os seus familiares, transmitindo-lhe que seria frequente II sentir-se mal quando lá ia almoçar;
h) Em data não concretamente apurada do ano de 2009, a polícia já tinha sido chamada a sua casa por vizinhos pelo facto de II manifestar comportamentos estranhos, designadamente gritar no hall de entrada do prédio, dizendo que estava sequestrado dentro do seu apartamento e que queria a porta da entrada do prédio aberta;
i) A R. foi vista por um vizinho, de nome SS, a carregar móveis e vários caixotes do prédio para o seu próprio carro;
j) O escrito aludido em 41) tenha sido escrito próprio punho do falecido II;
k) O falecido possuísse os objetos referidos em 41) e era proprietário de um espólio de moedas e objectos em ouro de valor muito significativo que herdou;
l) Quem frequentava a casa de II sabia da existência dos referidos bens, assim como da existência de um cofre onde o falecido guardava os objetos mais valiosos;
m) As casas do falecido II, no Porto e em Faro, foram, totalmente despojadas pela R, tendo sido levados pela R. todo o ouro (anéis, fios, moedas em ouro), relógios, pratas, bem como outros objectos de valor;
n) Toda a mobília e objectos de valor foram retirados do imóvel do Porto, apesar de os amigos mais próximos do falecido conseguirem atestar que, enquanto frequentaram a sua casa (isto é, até a R. começar a impedir o acesso e o contacto por parte dos seus amigos e familiares), esta se encontrava repleta de móveis, adornos e demais objetos de valor pertença do falecido;
o) O cofre foi aberto e esvaziado do seu conteúdo pela R.;
p) Segundo informação transmitida aos AA., em meados de 2019, uma vizinha da R., de
nome DDD, teria chamado a polícia a casa da R. por se encontrar lá alguém a precisar de ajuda;
q) Chegada a polícia ao local, foi pela referida DDD transmitido que a sua vizinha da frente, que seria uma pessoa idosa, AAA, e que residia na casa onde atualmente reside a R., estava constantemente a pedir ajuda e seria audível para o exterior os seus gritos a pedir socorro;
r) Quando a polícia chegou ao local, tentaram que abrissem a porta, já que existia outra pessoa (a R.) a residir com a senhora idosa;
s) A polícia conseguiu aceder ao imóvel através da varanda e conseguiu, assim, falar com a R;
t) A R. comunicou que sofria de problemas de audição, pelo que não teria respondido à tentativa de auxílio;
u) Confirmou que a idosa, TT, com aquela residente, estava acamada, informando que se tratava de uma pessoa idosa que sofre de diversos problemas de demência que a levaria a ter este tipo de comportamento;
v) A R., em Junho de 2013, dirigiu-se ao Banco 1..., com o seu padrinho, (uma vez que este tinha conhecimentos no banco), para abrir uma conta própria, para receber a sua reforma;
x) E, o Padrinho da ora R. ficou também titular na sua conta e, ele por sua própria iniciativa, também a colocou como pessoa autorizada a movimentar a conta que possuía na Banco 1..., agência da ..., no caso de alguma situação de doença surgir que o impedisse de cumprir com as suas obrigações;
z) O II tenha entregue um envelope à Sra. Dr.ª NN a manifestar a sua vontade de fazer herdeira a R.;
aa) Era o II quem no Verão conduzia para o Algarve;
bb) A R., por sua vez, ainda teve de pôr dinheiro seu, para saldar a divida do Time Sharing na totalidade;
cc) O II, por várias vezes confidenciou à R., ser seu desejo, ser sepultado junto à sua esposa e, que queria levar o fato de casamento, quando o “seu dia” chegasse;
dd) A ora R. sempre o descansou nesse sentido, de que estivesse certo que a sua última vontade seria cumprida;
ee) Contudo por razões alheias à sua vontade, foi sepultado numa campa rasa e, foi com um fato cedido pela funerária;
ff) A R. teve conhecimento do falecimento de Sr. II, seu padrinho, passado 25 dias sobre o óbito do mesmo;
gg) Um vizinho que vive defronte, de nome EEE, referiu à R., ter presenciado os AA. a retirarem da casa várias gavetas com moedas, roupas e outros objectos a serem deitados ao lixo, e vários carros a saírem do local com bens.

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
─ nulidade da sentença;
─ impugnação da matéria de facto;
─ ónus da prova.
3.1. Da nulidade da sentença
Suscitaram os apelantes a nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), CPC, sustentando que a sentença recorrida é nula, por falta de falta de fundamentação, pelo facto de, na análise crítica da prova, se limitar a referir que os factos provados se basearam na análise de “toda a prova documental e elementos clínicos juntos aos autos”, bem como que se “considerou a prova testemunhal”, sem realizar a imprescindível apreciação crítica da prova documental e testemunhal.
Apreciando:
Em consequência da abolição do despacho autónomo de apreciação da matéria de facto, a que aludia o artigo 653.º, n.º 2, do Código pregresso, deixou também de existir o momento processual da reclamação contra o despacho que decidia a matéria de facto (artigo 653.º, n.º 4, do mesmo diploma).
A fixação da matéria de facto provada e não provada e sua motivação passaram a estar integradas na sentença, suscitando-se a questão de saber qual a reacção adequada contra a fixação da matéria de facto e sua fundamentação, quando ocorra algum dos vícios que anteriormente constituíam fundamento de reacção contra o despacho que apreciava a matéria de facto — deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou falta de motivação.
O alcance deste segmento não é uniforme na doutrina e jurisprudência, no que concerne aos vícios da matéria de facto.
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, sustentam que, não havendo despacho autónomo a decidir a matéria de facto e com o desaparecimento da possibilidade de reclamação contra o despacho que decide a matéria de facto, o regime de impugnação passa a ser o da sentença em que se insere (artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), CPC).
Não se afigura, porém, que o legislador tenha querido alterar o entendimento corrente acerca do conceito de «questões».
Como se lê no ponto III do sumário do acórdão do STJ, de 2015.01.08, João Trindade, www.dgsi.pt.jstj, proc. 129/11.0TCGMR.G1.S1,
Como as questões em sentido técnico não podem ser confundidas com factos, a falta de consideração de um facto tido pela recorrente como demonstrado ou um suposto erro na apreciação da prova, não integra a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013), o mesmo se podendo afirmar relativamente a argumentos ou invocações que não integram os fundamentos da causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de excepções.
O acórdão da Relação de Lisboa, de 2014.12.09, Cristina Coelho, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8601/12.8TBOER.L1, entendeu igualmente que o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), CPC, não se aplica aos vícios da matéria de facto.
Lê-se no sumário deste acórdão:
1. Não obstante a profunda alteração que foi introduzida pela L. 41/2013 de 26.06 no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respectiva fundamentação, que deixaram de ter lugar em sede de audiência de julgamento para passarem a constar da sentença, a disciplina das nulidades da sentença não sofreu alterações na sua essência, devendo o art. 615º ser interpretado tal como já vinha acontecendo.
2. Eventual contradição entre a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e a mesma decisão não integra a nulidade da sentença prevista na 1ª parte da al. c) do art. 615º do CPC, podendo, eventualmente, consistir em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto provada.
No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão da Relação de Guimarães, de 2014.11.23,
Filipe Caroço, www.dgsi.pt.jtrg, proc. 29/13.9TBPCR.G1.
A sanção para a falta de motivação de pontos da matéria de facto não é a nulidade da decisão. Com efeito, dispõe o artigo 662.º, n.º 2, alínea d), CPC, que A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença recorrida.
3.1. Da impugnação da matéria de facto
Cumpridos que se mostram os ónus estabelecidos no artigo 640.º CPC, importa conhecer da impugnação da matéria de facto.
São os seguintes os pontos da matéria de facto impugnados:
Dos factos provados
63) Desde criança que a R. e seus pais conviviam com II e sua esposa, BBB, aliás, foram Padrinhos de Crisma da R..
64) Razão pela qual, a R. chamava II de padrinho e, aquele de sua afilhada e assim era reconhecida pelos próprios e por terceiros.
(…)
66) A R. DD emigrou para África do Sul e Moçambique, contudo manteve sempre ligação à família de II, pois quando vinham de férias a Portugal, visitavam-nos.
67) Há cerca de 10 anos, aquando do regresso da R. de África do Sul, mesma começou a
ajudar o Sr. II.
68) Auxiliava-o na casa, nas compras, idas às consultas médicas, fazia-lhe companhia e passeava com ele.
(…)
70) II apenas confiava na R., a quem considerava como uma pessoa de família.
71) Sabia da existência dos primos do Algarve, mas não mantinha qualquer relacionamento com os mesmos, tendo em tempos, cerca de 2014, tido uma desavença, que originou o afastamento do Sr. II daqueles, por os mesmos terem pedido emprestado um andar temporariamente e após isso vieram a possuir outro prédio sem ter entregue o emprestado ao II, o qual não fazia questão de ter qualquer relacionamento com os ora AA..
72) Era a R., sua afilhada, a pessoa mais próxima sua e em quem confiava para o auxiliar na casa, ser seu confidente, ir às consultas médicas com ele, etc..
(…)
77) As consultas de Neurologia tiveram por base esse mesmo problema, o consumo em excesso de bebidas alcoólicas.
(…)
79) A revalidação de carta de condução de um cidadão obedece a vários critérios de exames feitos na presença do seu médico de família e que atestam a boa capacidade física e mental da pessoa, o que se verificou com o Sr. II nessa ocasião, tenho-lhe sido passado o atestado, aferindo da sua capacidade para conduzir, e poder revalidar a sua carta de condução sem qualquer tipo de problema;
(…)
81) Até à data de entrada no Hospital ..., a 26.12.2019, II sempre se mostrara lúcido, informado, dentro das condições e limitações para a sua idade.
82) Após o seu internamento, II vivencia uma conjectura nada favorável, à estabilização do seu estado psíquico e físico, o COVID-19, ficando privado das visitas, de sua afilhada, com que mantinha um relacionamento afectivo desde sempre e, que no hospital, sempre a reconheceu como tal.
84) Estava consciente dessa sua tomada de posição, daquilo que queria e de como pretendia dispor dos seus bens para além da sua morte.
85) No acto de testamento, entendeu o conteúdo do mesmo, correspondendo este à sua livre e esclarecida vontade, designadamente a de querer beneficiar a R. DD, a quem reconhecia como sua afilhada e em quem sempre depositou confiança.
86) No momento da outorga do testamento, a 12 de Novembro de 2019, estava lúcido.
87) A sua assinatura aposta no acto testamentário, pelo seu punho, é perfeitamente legível, com traço preciso, equilíbrio e sem indícios de qualquer perturbação, logo uma assinatura, própria de quem se encontra capacitado.
88) Acresce que quando foi lido e explicado o conteúdo do testamento a II
II, o mesmo estava capaz de entender o respectivo conteúdo, estava esclarecido de que ele correspondia à sua vontade, bem como as suas consequências.
89) O Sr. Notário JJ, nenhuma dúvida teve, aquando da outorga do testamento pelo II, que entendeu e percebeu o que disse nesse momento e que tal era a sua vontade.
(…)
91) O II viveu com a sua esposa e, quando ocorreu o seu falecimento, foi sozinho que ficou e com o avançar da idade, necessitou de ajuda e, foi à ora R., a sua afilhada, a quem recorreu e, a alguns amigos, esta sim, a sua rede de suporte familiar.
92) A R. deslocou em Janeiro de 2020 a Faro, de comboio Alfa, já depois do internamento de II, para tratar de assuntos do Sr. II, que estavam pendentes de resolução e, de que ele tinha conhecimento, designadamente, tratar de assuntos relacionados com o time-sharing, direito real de habitação periódica em ..., cujo titular era II.
(…)
96) A venda do veículo de marca Volkswagen matrícula ..-..-IR, propriedade de II, o mesmo foi vendido com Autorização do Sr. II e, o produto da venda, cerca de € 900,00, foi aplicado no abatimento da dívida do Time-Sharing, conforme talão que se junta e se dá aqui por reproduzido, cfr doc.2.
(…)
104) Até 12.11.2019, o testador manteve a lucidez mínima de entender o que queria, reconhecia a M. Manuel, como a sua afilhada desde criança;
105) Após o seu internamento, a ora R., enquanto lhe foi possível, ia visitar o seu padrinho, era quem lhe levava a roupa lavada e, trazia a suja e durante esse período, sempre reconheceu a R. como a sua afilhada;
106) Os AA. não eram familiares próximos, e viviam no Sul, não mantinham laços de relacionamento com II, nem ele o desejava.
Dos factos não provados
a) Aquando da outorga do testamento em 12.11.2019 o II se encontrasse
incapacitado de incapacitado de entender o sentido exacto da declaração, encontrando-se num estado demencial que o impedisse de compreender o sentido e alcance da declaração prestada no testamento;
b) Os aqui AA. fossem considerados como rede de suporte familiar pelo falecido II e mantivessem contacto próximo com o mesmo;
c) A R. nos últimos anos procurou isolar o falecido dos seus amigos e familiares e dificultar o contacto com as pessoas mais próximas;
(…)
h) Em data não concretamente apurada do ano de 2009, a polícia já tinha sido chamada a sua casa por vizinhos pelo facto de II manifestar comportamentos estranhos, designadamente gritar no hall de entrada do prédio, dizendo que estava sequestrado dentro do seu apartamento e que queria a porta da entrada do prédio aberta;
(…)
p) Segundo informação transmitida aos AA., em meados de 2019, uma vizinha da R., de nome DDD, teria chamado a polícia a casa da R. por se encontrar lá alguém a precisar de ajuda;
q) Chegada a polícia ao local, foi pela referida DDD transmitido que a sua vizinha da frente, que seria uma pessoa idosa, AAA, e que residia na casa onde atualmente reside a R., estava constantemente a pedir ajuda e seria audível para o exterior os seus gritos a pedir socorro;
r) Quando a polícia chegou ao local, tentaram que abrissem a porta, já que existia outra pessoa (a R.) a residir com a senhora idosa;
s) A polícia conseguiu aceder ao imóvel através da varanda e conseguiu, assim, falar com a R;
t) A R. comunicou que sofria de problemas de audição, pelo que não teria respondido à tentativa de auxílio;
u) Confirmou que a idosa, TT, com aquela residente, estava acamada, informando que se tratava de uma pessoa idosa que sofre de diversos problemas de demência que a levaria a ter este tipo de comportamento;
Facto a aditar
II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia.
A 1.ª instância motivou assim a sua convicção:
Considerou-se toda a prova documental junta aos autos, designadamente, a referida em cada um dos factos provados, bem como elementos clínicos juntos aos autos.
Considerou-se a prova testemunhal.
UU, assistente social do Hospital ....
Contactou com o II desde os primeiros tempos de internamento.
Confrontada com o doc. 10 com informação social diz que foi elaborado pela própria.
Na altura o II não se bastava a si próprio.
Os AA. não foram identificados na altura como familiares.
Desconhece o contexto em que foi elaborada a procuração.
A R. disse que o falecido assinou a procuração no hospital.
O grupo clínico entendia que o falecido não possuía capacidade.
A R, dizia que era afilhada do falecido II, o que está referido no relatório social SS
O falecido era casado com uma prima da testemunha.
Enquanto a prima foi viva tinha muito contacto com o falecido II.
O falecido II consumia muito álcool.
Em 2019 o II já não foi para o Algarve às vezes tinha comportamentos inapropriados na rua, mandando piropos.
Quando foi vê-lo ao hospital, em Dezembro de 2019, antes do COVID, ele já não o reconhecia.
O falecido dizia que a R. tomava conta dele.
A testemunha costumava falar com o II telefonicamente duas vezes por mês.
Cerca de 2 meses antes do internamento o II apareceu no restaurante a cheirar a xixi e levaram-nos para o Hospital 4..., tendo a R. aparecido no hospital.
Foi 2 vezes a casa do II no Porto, o qual mostrou fotografias de relógios e fios de ouro.
O II acumulava paletes de água com gás no Algarve e outros objectos.
A casa no Porto estava suja e cheirava mal.
O falecido tinha um carro no Algarve.
Antes da celebração do testamento a R. terá estado 2 anos com falecido.
QQ, irmã da anterior testemunha, prima do falecido por afinidade da esposa.
Teve uma relação próxima com o falecido, porque a esposa deste tomava conta da filha da testemunha até aos 3 anos, após a relação foi-se esmorecendo.
Em 2019 ainda realizaram um almoço por volta de Outubro/Novembro, tendo o falecido II se sentido mal e a testemunha levou-o ao Hospital 4..., apresentando problemas demenciais, estava todo sujo e urinou, notava-se um discurso pouco consistente, perdido no discurso, pensando que a testemunha era a mãe dele.
Quando foi a casa do II no Porto a casa estava toda imunda.
Visitou o falecido no Porto por 2 vezes quando este se encontrava internado.
Instada sobre o doc. 18 da p.i desconhece se a letra é do falecido II.
Tinham peças de ouro e salvas de prata.
O falecido foi internado em Janeiro de 2020 no Hospital ... no Porto.
FFF.
Amigo do falecido II desde 1980, encontrava-se todas as semanas com este.
O falecido bebia num fim de semana uma garrafa de uísque.
O falecido ultimamente tinha dificuldade em se movimentar, mas falava com a testemunha.
RR, esposa da anterior testemunha.
Os contactos que tinha com o falecido eram telefónicos, o qual tinha um discurso estranho.
RR, esposa da anterior testemunha.
Os contactos que tinha com o falecido II eram telefónicos, o qual ligava à noite e dizia que dava dinheiro à R. para lhe trazer as refeições.
Tinha problemas de alcoolismo, sendo capaz de beber uma garrafa de uísque num dia.
O falecido tinha muito ouro e peças em prata.
Confrontada com o doc. 18 da p.i. diz que nunca tinha visto o documento e que é a letra do falecido.
LL, médico-psiquiatra no Hospital 1....
Diz que em 2017 o falecido tinha 26 pontos abaixo do normal.
Confrontado com doc. 13 da p.i. de 11/12/2020, elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado.
Foi ver o falecido onde estava internado e este estava desorganizado e totalmente dependente para a marcha.
O ano de 2019 é um ano de perda de capacidades.
VV, assistente social em Faro.
No âmbito do processo de maior acompanhado articulou-se com a colega BB do Hospital 5... no Porto para envio de informação do hospital.
JJ, notário há 21 anos.
Outorgou o testamento em causa nos autos, só tendo outorgado o mesmo porque o testador estava em estado normal, caso contrário, não realizava o testamento.
Leu e explicou o testamento e o testador estava normal e compreendia bem o acto, a assinatura do testador era equilibrada e em condições de sanidade mentais normais.
Quem agendou o testamento foi a Drª NN.
NN, advogada,
O falecido procurou ajuda profissional e queria realizar um testamento a favor de alguém que
dizia ser sua afilhada.
O falecido não manifestava qualquer desequilíbrio e por isso diligenciou pela realização do testamento.
No dia do testamento o falecido estava em estado normal, lúcido e bem disposto, sem qualquer discurso delirante ou incoerente.
OO, funcionária da Drª NN.
Assistiu como testemunha à realização do testamento.
EEE
Vivia em frente ao prédio do falecido II em Faro.
O falecido ultimamente ia sozinho ao Algarve.
Ultimamente estava lá uma moça que dizia que o prédio era dela e depois vieram outras pessoas do Porto a dizerem que era deles, tendo mudado as fechaduras, tendo pedido à testemunha se visse lá alguém para lhe ligarem.
PP
Conhecia o falecido II.
A R. tinha uma relação com o II desde criança, tratando este por padrinho.
O II e a R. disseram à testemunha que aquele tinha cortado relações com os primos, cerca de 2014, porque estes tinham casa e continuaram a utilizar a casa emprestada do II sem lhe dizer nada.
O falecido renovou a carta de condução aos 84 anos de idade.
A R. era tratada pelo II como filha.
Após o internamento do II a R. deslocou-se ao Algarve, a pedido do II, tendo a testemunha acompanhado a R., com vista a ver o estado do prédio.
Foi necessário vender o carro Volkswagen, tendo o falecido passado uma procuração à R. para vender o veículo e assim pagar as despesas, tais como o Time sharing.
O KK era primo do II.
Namorava com a DD tendo chegado a viver em união de facto.
Esteve 3 vezes com o II em 2017/18.
A DD em 2016 já estava em Portugal, desempenhado as funções de contabilista na África do Sul, em Portugal era doméstica.
A DD disse que era titular das contas do II.
O II no início do internamento estava lúcido, começando depois a piorar, pelo que a DD contava.
O II disse que queria beneficiar a DD por esta cuidar dele, o que esta também referia.
MM, médica especialista de medicina interna no Hospital ..., exercendo as funções há 5 anos.
Conheceu o II no início de 2020, quando ele foi internado, o qual se encontrava
desorientado no tempo e no espaço.
Foi sinalizado como caso social, chegou a regressar a casa, mas como não tinha ninguém em casa trouxeram-no de volta para o hospital, desconhecendo se ligaram para a filhada, aqui R., a dizer que ele ia ter alta.
Só teve conhecimento da procuração (passada no hospital) à posteriori.
O II teve visitas da R. no hospital.
É possível estar mais confuso por estar no Hospital.
O II precisava de apoio permanente.
YY.
Conhecia o II há 20 anos, o qual dizia que a testemunha era o irmão mais novo.
O II era amigo dos pais da testemunha, conviviam muito, tendo os pais da testemunha chegado a ir para a casa do II.
Só com a GGG, prima e mãe do KK, é que havia uma relação mais próxima do II.
O II chateou-se com os primos.
O II em 2018 conduzia, tendo a testemunha chegado a ir com ele encher os pneus em Faro.
O II era uma pessoa muito culta, nunca se tendo apercebido que estivesse confuso ou incapaz de saber o que fazia.
O II apresentou a DD como afilhada por crisma e também foi padrinho de baptismo da filha da R. EE.
O II confiava muito na R., ao ponto de dar autorização de movimentar as contas, tendo falado nisto com a testemunha.
O II tinha muita alegria em ter a DD a cuidar dele.
A DD esteve emigrada e quando vinha a Portugal visitava o II.
Os primos no Algarve tinham a chave da casa e aquilo estava abandonado. A testemunha chegou a limpar o quintal várias vezes quando ia ao Algarve passar férias.
Enquanto a GGG esteve viva o abandono do prédio nunca se verificou.
Nunca viu ou presenciou alguma coisa no II que pudesse dizer que estava incapaz intelectualmente.
O II falou com uma advogada para fazer o testamento.
Umas semanas antes do testamento (12.11.2019) o II dizia que ia reformular o testamento
anterior, e estava intelectualmente plenamente capaz.
A R. DD teve problemas para visitar o II.
A testemunha tentou visitar o II no Hospital e disseram-lhe telefonicamente que não podia visitá-lo e que devia tentar saber do estado de saúde do mesmo pelo tutor.
A R. deslocou-se ao Algarve com o Sr. PP quando o II estava internado, não levava chaves e falou com o KK, filho da GGG, o qual ligou à testemunha a perguntar se podia dar a chave à DD.
Após a morte do II a R. foi ao Algarve outra vez e tinham sido retiradas muitas coisas da casa, tendo sido trocada a fechadura.
No Porto também trocaram a fechadura da casa.
Desde 2008 ia todos os anos para o Algarve para a casa do II.
A testemunha tratava tudo do II, como IMI, IRS e falava com ele com frequência, cerca de 10 vezes por ano.
O último que esteve com o II no Algarve foi em 2018.
Sabia que o II estava a ser seguido em neurologia, por beber muito, tendo chegado a passar uma procuração a favor da testemunha.
O II quando estava no Algarve morava no último andar e a testemunha ficava no rés-do-chão.
HHH
Amigo da R.
Conhecia a DD, a qual lhe pediu várias vezes para a levar ao Hospital 6... visitar o padrinho (falecido II).
A R. foi hospitalizada e pediu-lhe para a casa do II buscar umas coisas e quando chegou lá verificou que tinham sido mudadas as fechaduras.
ZZ.
Antiquário, conhecia o falecido II porque almoçava quase todos os dias no mesmo restaurante.
O II andava muitas vezes acompanhado pela afilhada, aqui R.
Ele confidenciava que ia deixar os bens à R por ser a única pessoa que tinha com ele e que ia ser a sua herdeira.
Ponderaram-se ainda as declarações de parte das AA. BB e CC.
Referiram que só souberam que o falecido estava doente em Janeiro de 2020, através de uma amiga e de um contacto da assistente social,
A última vez que estiveram fisicamente com o falecido II foi em 2017 e a partir desta data também deixaram e ter contacto telefónico com o mesmo.
Sabiam que havia uma pessoa que cuidava da casa, mas desconheciam que era a R.
O II nunca ia a conduzir para o Algarve, porquanto utilizava o comboio.
Soube da procuração através da assistente social.
O tio AA foi nomeado acompanhante do II.
Quando foram ao Porto o imóvel estava vazio e em Faro um vizinho disse que a R. carregou coisa do apartamento.
A R. continuou a movimentar a conta após ter sido decretado o acompanhamento do II.

***
Análise crítica da prova.
Algumas considerações cabem ser feitas sobre a prova produzida e consequentes facto provados e não provados.
Relativamente aos pontos 1) a 18) os mesmos já se encontravam assentes no despacho saneador.
Sobre o restante:
No que concerne ao elemento essencial de saber se o falecido II no momento da outorga do testamento (12.11.2019) padecia de incapacidade para tal acto (facto não provado em a) e provados 81) a 90), foi evidente que o mesmo se encontrava com as capacidades mentais necessárias e suficientes no momento do acto de outorga do testamento, conforme se verá.
Prevê o art. 342°, n° 1 do Código Civil que:
Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
Sob a epígrafe Princípio a observar em casos de dúvida mais prevê o art. 414° do Código de Processo Civil que A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
É doutrinária e jurisprudencialmente consensual que o princípio do ónus da prova. e as regras da sua distribuição não interferem na atividade de apreciação crítica da prova nem correspondem a critério de decisão de facto. No dizer do professor Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil anotado, Vol. III, p. 272), o ónus da prova (...) conduz-nos a averiguar que factos hão-de ser provados para que a decisão apresente determinado conteúdo (modalidade do ónus objetivo, em contraposição com o ónus subjetivo), correspondendo assim a questão e critério de decisão de direito, inerente ou inseparável da previsão ou dos elementos integrantes da norma jurídica a aplicar para resolução da lide - cada uma das partes tem o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à fattispecie geral e abstrata da norma que é favorável à sua pretensão ou à sua exceção, atendendo à posição das partes na relação material e independentemente da sua posição no processo. No mesmo sentido Anselmo de Castro: No processo não se provam direitos mas apenas factos, pois a existência do direito é simples consequência dos elementos fácticos típicos da norma fundamentadora do direito; (...). Em caso de dúvida terão, pois, esses factos de haver-se por inexistentes, tal qual como quanto aos factos que constituem os elementos da norma fundamentadora (...) O problema da distribuição do ónus da prova entre as partes, reconduz-se, assim, a um problema de aplicação da lei. (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 351 e 352).
Assim, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se em sede de apreciação jurídica da causa e contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com a previsão das normas que o litígio convoca para a sua resolução, sendo a determinação destas de acordo com a fundamentação da pretensão de cada uma das partes em face dos elementos abstratos da lei, da qual se extrai quais os factos constitutivos da pretensão concreta deduzida no processo, vide Ac. do STJ, de 25/03/2021, processo 1437/16.9T8OER.L2.S1, Relator Bernardo Domingues, in www.dgsi.pt.
No presente caso cabia aos AA. fazer prova da pretensa incapacidade do falecido II no momento da outorga do testamento, o que, manifestamente, não lograram provar, como veremos.
Com efeito, inexiste qualquer prova testemunhal credível que tenha sustentado que na altura da outorga do testamento o falecido se encontrava incapacitado para a prática de tal acto, pelo contrário, a prova testemunhal produzida foi no sentido de que o falecido no momento da outorga da escritura se encontrava com consciência livre e esclarecida, sabedor do acto que se encontrava a praticar e que queria praticar.
Sobre tal asserção, vejam-se o depoimento da testemunha JJ, notário há 21 anos, o qual foi claro em referir que o falecido estava em estado de sanidade mental normal, leu, explicou o testamento, após a assinatura com equilíbrio, e não se apercebeu que o falecido padecesse de qualquer incapacidade, o que levaria a recusar a prática do acto.
Temos ainda o depoimento da testemunha NN, advogada que diligenciou pelo agendamento do testamento, a qual foi clara em referir que o falecido não manifestava qualquer desequilíbrio quando a contactou para o agendamento do testamento e que no dia da outorga do mesmo estava normal, lúcido, bem disposto, sem qualquer discurso delirante ou incoerente que pudesse pôr em causa a realização do acto pelo notário,
No mesmo sentido veja-se o depoimento da testemunha OO que assistiu à realização do testamento.
Acresce que era vontade manifesta do falecido outorgar o testamento a favor da R., sentindo uma grande alegria por ter esta a tratar dele, veja-se o depoimento credível da testemunha YY, o qual foi, ainda, claro em referir que nunca se apercebeu que o II estivesse confuso ou incapaz
de saber os actos que praticava.
No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha ZZ, o qual referiu que o falecido dizia que ia deixar os bens à R e fazê-la sua herdeira, por ser a única pessoa que cuidava dele, depoimentos que se encontram coincidentes com o da testemunha PP.
Diga-se, ainda, que o relatório pericial elaborado no âmbito do processo de maior acompanhado, teve apenas uma observação efectuada ao II em 11/12/2020, tendo sido o restante elaborado com base nos elementos referidos no relatório, designadamente, as consultas de acompanhamento de neurologia efectuadas pelo falecido II.
A sentença de maior acompanhado fixou as medidas de acompanhamento em 26/12/19 (data do internamento hospitalar).
Compulsados todos estes elementos de prova, o Tribunal não teve dúvida alguma que aquando da outorga do testamento, 12/11/19, o falecido II tinha as suas faculdades mentais necessárias e capazes para saber o acto que estava a praticar, o qual mais não foi que um corolário lógico daquilo que pretendia fazer e que alardeava junto dos amigos e conhecidos que o conheciam no dia a dia, ou seja, outorgar o testamento a favor da R.
Atente-se que a R. era a pessoa que cuidava do II, que o levava às consultas, em quem ele depositava toda a confiança, inclusive para movimentar as contas bancárias, contrariamente ao que sucedia com os AA. em quem ele não confiava, nem tinha quase contactos, em especial, após 2014, quando descobriu que os primos tinham casa e continuavam a viver no apartamento que lhes tinha emprestado, tendo cortado relações com os mesmos.
Acresce ainda que o relatório pericial apenas teve uma observação (11/12/2020) e a sentença de maior acompanhado fixou as medidas de acompanhamento em 26/12/2019, tudo datas posteriores posteriores à data da outorga do testamento (12/11/2019), pelo que estes elementos são manifestamente insuficientes para deles se poder alguma vez concluir que à data da outorga do testamento o falecido II estivesse incapaz de compreender o acto que se encontrava a realizar, pelo contrário, fê-lo eivado de uma vontade livre e capaz, com o objectivo sempre manifestado de fazer a R. sua herdeira.
Sobre a questão do falecido ter acompanhamento neurológico, a própria R. reconheceu tal facto, dado o consumo de bebidas alcoólicas pelo falecido, sendo a própria R. a acompanhar o falecido às várias consultas, como resulta do relatório pericial, mas, daqui concluir e tentar retirar a ilação que o falecido estava num estado mental de incapacidade para a prática do acto de outorga do testamento, é completamente desproporcionada e despida de fundamento tal asserção, como decorreu da prova testemunhal produzida e já acima referida.
Cabe ainda realçar que a sentença de Maior acompanhado fixou a incapacidade em 26/12/2019, ou seja, em data posterior à da outorga do testamento (12.11.2019, cabendo sempre dizer que tal acabaria por não ser decisivo e conclusivo, porquanto na presente situação encontramo-nos no âmbito da aferição da incapacidade acidental, aquando da outorga do testamento.
É entendimento pacífico na jurisprudência que, nesta sede, o que releva para efeitos anulatórios não é a data da condição de interdito ou inabilitado, pois esta só se constituiu com a sentença, mas antes de averiguar a data de começo da incapacidade natural ou de facto e, mais concretamente, quando é que o requerido no processo passou a estar afectado por anomalia psíquica que o tornou incapaz de reger a sua pessoa e bens, vide, entre outros, ac TRE, de 13/12/2020, Processo 193/16.0T8STR.E1, relator Tomé de Carvalho, in www.dgsi.pt.
É jurisprudência uniforme, “A declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, sobre a data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do artigo 346º do CC.
Em todo o caso, na vigência do Código Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência têm atribuído a tal declaração judicial um valor meramente indiciário: não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do acto – ónus que impende sobre quem pede a anulação, vide, entre outros, Ac. STJ de 06 Abril 2021, processo 2541/19.7T8STB.E1.S1, Relator Fernando Samões, in www.dgsi.pt.
Só serão inválidos se, acidentalmente, na altura em que são praticados, o declarante está incapacitado, nos termos do artigo 257.º do Código Civil. Temos, pois, que, nestes casos, a capacidade é a regra e a incapacidade é a excepção, pelo que quem invocar esta tem o ónus de a provar, ou seja, compete a quem invoca uma incapacidade fundada no artigo 257º do Código Civil alegar e provar que o declarante se encontrava, na altura da prática do acto, incapacitado nos termos e para o feito do disposto neste artigo.
A incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do C. Civil, exige, para a anulabilidade do acto, como já acima foi referido que, no momento da prática do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário).
No presente caso a questão nem sequer se coloca, porquanto é manifesto que a outorga do testamento é anterior à fixação do acompanhamento de maior acompanhado, sendo certo que os AA. não lograram provar que o falecido II estivesse incapacitado no momento da outorga do testamento em 12.11.2019.
Relativamente à questão dos AA. serem o suporte de apoio familiar (factos não provados em a) e b) e provados 64) a 67), 72), 106), tal não passa de uma quimera.
Com efeito, como já atrás foi referido, o falecido II, praticamente, não tinha quaisquer contactos com os AA., os que haviam eram esporádicos, em especial desde 2014, quando se incompatibilizou com os primos por estes estarem a ocupar o andar por empréstimo e entretanto, terem outro sem que tivessem comunicado tal facto ao II.
Aliás, quase nem é necessário recorrer a prova testemunhal para se inferir e constatar que era a R. que prestava apoio e cuidava do II, atente-se no relatório pericial, donde se extrai, com clareza, nas consultas de neurologia, desde 09/08/2017, foi sempre a R. que acompanhou o II às consultas, o que corresponde e está de acordo com o expresso pelas testemunhas PP e YY.
Em suma, dizer-se que os AA. constituíam o suporte familiar do falecido II não corresponde minimamente à realidade dos factos, porque esse apoio era prestado pela R. que era considerada como afilhada pelo falecido II.
No que concerne à questão da procuração outorgada a favor da R, pelo II, não temos a mesma, mas temos o depoimento da testemunha PP, com uma grande proximidade com a R., a referir que o II outorgou uma procuração a favor da R. para esta poder vender o veículo automóvel Volkswagen e, assim, poderem pagar as despesas, entre as quais, do Time- sharing.
Como no relatório clínico social se diz que o falecido estava confuso, pese tal ser natural dado se estar num meio ambiente estranho, o tribunal ateve-se à sentença que decretou o acompanhamento, considerando que nessa data, após o internamento, o falecido estaria incapaz para outorgar a procuração.
Sobre a questão da R. ter retirado objectos da casa em Faro e no Porto, não foi produzida qualquer prova nesse sentido, sendo certo que na casa de Faro a R. não possuía as chaves e quando aí se deslocou, após o internamento do II, teve de pedir as chaves, desconhecendo-se quem retirou os objectos..
Ainda sobre a questão dos objectos aludidos em 41) nenhuma prova credível foi produzida a referir a existência de tais objectos.
***
Apreciando:
Da matéria de facto relevante
A reapreciação da matéria de facto constitui uma garantia das partes no sentido de ver reapreciado o julgamento por uma instância de recurso, assumindo natureza
instrumental da decisão, e não um exercício académico.
Por isso, apenas há que conhecer da matéria de facto que seja relevante para a apreciação do mérito da causa, não se podendo desperdiçar recursos escassos em actividades inúteis. Assim o impõe o princípio da economia processual, com ganhos evidentes em matéria de celeridade (cfr., a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1, de 28.01.2020, Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 287/11.3TYVNG-G.P1.S1, de 05.02.2020, Nuno Pinto Oliveira, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2).
Isso mesmo reconheceram os próprios impugnantes na motivação, assinalando que admitem que dando como não provado os pontos 81.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 88.º e 104.º dos factos provados e dando como provado ponto a) dos factos não provados, já poderia ser suficiente para julgar totalmente procedente o presente recurso.
Atendendo que está em causa em causa no recurso saber se está preenchido o fundamento legal de anulação do testamento previsto no artigo 2199.º CC [é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória], apenas relevam os factos susceptíveis de demonstrar a (in)capacidade do testador. Irrelevantes os factos relativos ao relacionamento da beneficiária do testamento com o testador, ou a relação deste com os ora apelantes, seus familiares, detentores da qualidade de sucessíveis (não está em causa a interpretação do testamento, mas a (in)capacidade do testador). Igualmente despiciendos os factos relativos a actos de conteúdo patrimonial relativamente ao património do testador praticados pela beneficiária do testamento.
Neste contexto, serão reapreciados os seguintes pontos da matéria de facto:
Ponto 77 da matéria de facto provada e ponto a aditar
77) As consultas de Neurologia tiveram por base esse mesmo problema, o consumo em excesso de bebidas alcoólicas.
Ponto 79 da matéria de facto provada
79) A revalidação de carta de condução de um cidadão obedece a vários critérios de exames feitos na presença do seu médico de família e que atestam a boa capacidade física e mental da pessoa, o que se verificou com o Sr. II nessa ocasião, tenho-lhe sido passado o atestado, aferindo da sua capacidade para conduzir, e poder revalidar a sua carta de condução sem qualquer tipo de problema;
Ponto 81 da matéria de facto provada
81) Até à data de entrada no Hospital ..., a 26.12.2019, II sempre se
mostrara lúcido, informado, dentro das condições e limitações para a sua idade.
Pontos 84 a 88 da matéria de facto provada
84) Estava consciente dessa sua tomada de posição, daquilo que queria e de como pretendia dispor dos seus bens para além da sua morte.
85) No acto de testamento, entendeu o conteúdo do mesmo, correspondendo este à sua livre e esclarecida vontade, designadamente a de querer beneficiar a R. DD, a quem reconhecia como sua afilhada e em quem sempre depositou confiança.
86) No momento da outorga do testamento, a 12 de Novembro de 2019, estava lúcido.
87) A sua assinatura aposta no acto testamentário, pelo seu punho, é perfeitamente legível, com traço preciso, equilíbrio e sem indícios de qualquer perturbação, logo uma assinatura, própria de quem se encontra capacitado.
88) Acresce que quando foi lido e explicado o conteúdo do testamento a II, o mesmo estava capaz de entender o respectivo conteúdo, estava esclarecido de que ele correspondia à sua vontade, bem como as suas consequências.
Ponto 104 da matéria de facto provada
104) Até 12.11.2019, o testador manteve a lucidez mínima de entender o que queria, reconhecia a M. Manuel, como a sua afilhada desde criança;
Alínea a) da matéria de facto não provada
a) Aquando da outorga do testamento em 12.11.2019 o II se encontrasse incapacitado de entender o sentido exacto da declaração, encontrando-se num estado demencial que o impedisse de compreender o sentido e alcance da declaração prestada no testamento;
Facto a aditar
II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia.
***
Conhecendo da impugnação da matéria de facto
Ponto 77 da matéria de facto provada e facto a aditar
77) As consultas de Neurologia tiveram por base esse mesmo problema, o consumo
em excesso de bebidas alcoólicas.
Facto a aditar
II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia.
A redacção do ponto 77 da matéria de facto provada é demasiado redutora, pois sugere que as consultas de neurologia foram motivadas por um problema de alcoolismo, que efectivamente existia, mas não foi determinante para o recurso àquela especialidade.
O registo da 1.ª consulta de neurologia, que infra se transcreverá, nem sequer faz
alusão expressa ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, mas sim aos esquecimentos, discurso repetitivo, confusões.
Assim, o ponto 77 da matéria de facto provada passa a ater a seguinte redacção:
II frequentava consultas de Neurologia desde, pelo menos 2017, tendo por base o problema demencial (PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR) de que padecia.
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Ponto 79 da matéria de facto provada
79) A revalidação de carta de condução de um cidadão obedece a vários critérios de exames feitos na presença do seu médico de família e que atestam a boa capacidade física e mental da pessoa, o que se verificou com o Sr. II nessa ocasião, tenho-lhe sido passado o atestado, aferindo da sua capacidade para conduzir, e poder revalidar a sua carta de condução sem qualquer tipo de problema;
Deste ponto da matéria de facto provada o único segmento isento de crítica é o relativo a circunstância de o Sr. II ter sido submetido a um exame médico para revalidação da sua carta de condução e lhe ter sido passado atestado médico para o efeito.
Não sabemos em que percentagem, mas podemos afirmar que elevado número de exames médicos para revalidação da carta de condução não são feitos pelos médicos de família ─ recorde-se o elevado número de cidadãos que não beneficiam de médico de família ─, mas sim através de médicos contratados pelas escolas de condução, de muito fácil acesso em termos de marcação, sem espera significativa. São exames normalmente sumários, que se limitam a duas ou três questões de carácter geral, à leitura de algumas letras exibidas num painel, e pouco mais. Não são exames vocacionados para apurar, com rigor, a capacidade mental do candidato a revalidação da carta de condução.
Assim, o ponto 79 da matéria de facto provada passa a ter a seguinte redacção:
O Sr. II foi submetido a um exame médico para revalidação da sua carta de
condução, tendo-lhe sido passado atestado médico para o efeito.
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Ponto 81 da matéria de facto provada
81) Até à data de entrada no Hospital ..., a 26.12.2019, II sempre se mostrara lúcido, informado, dentro das condições e limitações para a sua idade.
Pretendem os apelantes que este ponto da matéria de facto provada seja considerado não provado, quer com base nos elementos clínicos do testador, quer no depoimento das testemunhas MM, LL, QQ, SS e UU.
Foi na sequência do internamento do testador, em 26.12.2019, que lhe foi instaurado pelo M.P. um processo de acompanhamento de maior, por se encontrar completamente dependente de terceiros, e não apresentar capacidade para gerir sua pessoa e bens, não estando sequer em condições de indicar pessoa para exercer funções de acompanhante legal.
Ora, o declínio mental ocorre normalmente de forma insidiosa, num espaço de tempo mais ou menos alargado, não sendo, por isso, verosímil que o testador entrasse no hospital em boas condições mentais e, logo no serviço de urgência, a sua situação clínica tenha sido enquadrada na evolução da síndrome demencial do doente (cfr. a informação clínica do Dr. VV, datada de 12.03.2021, que constitui o doc. n.º 14 junto com a petição inicial).
A Dr.ª MM, que acompanhou o doente no Hospital ..., onde esteve internado, confirmou que o doente já tinha um diagnóstico de demência, era portador de privação cognitiva prévia ao internamento, na expressão da testemunha. Reiterou que desde que o doente entrou no hospital estava sinalizado como sendo um doente com demência, já com deterioração cognitiva conhecida.
O depoimento do Dr. LL, a que voltaremos em breve corroborou este entendimento.
O mesmo se diga relativamente a vasta documentação clínica relativa ao doente, que será apreciada na análise dos pontos seguintes da matéria de facto impugnada.
A clareza destes elementos, de natureza técnica, dispensa a apreciação dos restantes depoimentos, de pessoas conhecidas do testador, para se concluir que o ponto 81 da matéria de facto provada deve ser considerado não provado.
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Pontos 84 a 88 da matéria de facto provada
84) Estava consciente dessa sua tomada de posição, daquilo que queria e de como pretendia dispor dos seus bens para além da sua morte.
85) No acto de testamento, entendeu o conteúdo do mesmo, correspondendo este à sua livre e esclarecida vontade, designadamente a de querer beneficiar a R. DD, a quem reconhecia como sua afilhada e em quem sempre depositou confiança.
86) No momento da outorga do testamento, a 12 de Novembro de 2019, estava lúcido.
87) A sua assinatura aposta no acto testamentário, pelo seu punho, é perfeitamente legível, com traço preciso, equilíbrio e sem indícios de qualquer perturbação, logo uma assinatura, própria de quem se encontra capacitado.
88) Acresce que quando foi lido e explicado o conteúdo do testamento a II, o mesmo estava capaz de entender o respectivo conteúdo, estava esclarecido de que ele correspondia à sua vontade, bem como as suas consequências.
Ponto 104 da matéria de facto provada
104) Até 12.11.2019, o testador manteve a lucidez mínima de entender o que queria, reconhecia a M. Manuel, como a sua afilhada desde criança;
Alínea a) da matéria de facto não provada
a) Aquando da outorga do testamento em 12.11.2019 o II se encontrasse incapacitado de incapacitado de entender o sentido exacto da declaração, encontrando-se num estado demencial que o impedisse de compreender o sentido e alcance da declaração prestada no testamento;
Apreciando:
Estes pontos da matéria de facto provada prendem-se com a questão de saber se, em 12.11.2019, aquando da outorga do testamento cuja anulação foi peticionada, o testador estava capaz de entender o alcance das suas declarações, de manifestar livremente a sua vontade de dispor do património nos termos em que o fez.
A primeira questão que importa abordar prende-se com a circunstância de o testamento em causa ter sido elaborado nos termos do artigo 2205.º CC [É público o testamento escrito por notário no seu livro de notas.]: foi lavrado por um notário, órgão que goza de fé pública, na presença de duas testemunhas, nos termos do artigo 67.º, n.ºs 1, alínea a) e 3, Código de Notariado.
Trata-se de questão recorrentemente abordada pela jurisprudência dos Tribunais superiores.
Assim:
─ acórdão da Relação de Lisboa, de 26.05.2009, Roque Nogueira, www.dgsi.jtrl.pt.,
proc. n.º 100/2001.L1-7:

I - A incapacidade relevante, nos termos do disposto no art.2199º, do C.Civil, é apenas a que existe ao tempo da feitura do testamento, não tendo de atender-se a outro momento, posterior ou anterior.

II - A simples presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das duas testemunhas que, segundo o art.67º, nºs 1, al.a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade.

III - Por conseguinte, não pode deixar de se entender que, tendo o testamento sido exarado perante notário, existe uma forte presunção de que o testador tem aptidão para entender o que declara.

IV - Não se trata, pois, da circunstância de o testamento ser um documento autêntico, pois que este só tem força probatória plena quanto às acções ou percepções do respectivo Notário no mesmo mencionadas, únicas que, por isso, só podem ser elididas com base na sua falsidade, nada impedindo que, não obstante o testador tenha sido admitido a testar, se faça a prova, pelos meios comuns, da sua insanidade mental.

V - Do que se trata, no fim e ao cabo, no caso dos autos, é do funcionamento do ónus da prova dos factos integradores do vício invocado, ónus esse que racaía sobre a autora. Logo, será ela a suportar as consequências da falta de prova, que se traduzem em ver desatendida a sua pretensão.

─ acórdão da Relação de Coimbra, de 29.05.2012, Beça Pereira, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 37/11.4TBMDR.C1:
Sempre se dirá, no entanto, que o facto de o testamento posto em crise ser público mitiga as dúvidas do autor pois que a própria notária que o redigiu não verificou qualquer incapacidade que impedisse a testadora de conhecer o alcance do seu acto, tendo a mesma procedido à sua leitura e à explicação do seu conteúdo, como é de lei e consta do respectivo documento (cfr. artigos 46.º, n.º 1, al. l), e 50.º do Código do Notariado). Aliás, se tivesse tido dúvidas sobre a capacidade da testadora de querer e de entender, não teria lavrado o testamento ou poderia fazer intervir no acto um perito médico que abonasse a sanidade mental da outorgante (cfr. art. 67º, n.º 4, do mesmo código).
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. VI, pág. 336, a simples presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das duas testemunhas que, segundo o art. 67.º, n.º 1, al. a), e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade (cfr., no mesmo sentido, Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, vol. I, 4.ª ed., pág. 188, e Guilherme de Oliveira, in “O Testamento”, págs. 33 e 34). Por conseguinte, não pode deixar de se entender que, tendo o testamento sido exarado perante notário, existe uma forte presunção de que o testador tem aptidão para entender o que declara. Sendo certo, ademais, que não foi invocada qualquer conivência com o notário e que não foi posta em causa a autenticidade do testamento, designadamente, da parte final que dele consta a respeito da sua leitura e da explicação do seu conteúdo. Acresce que não existe, como vimos, apesar das dúvidas manifestadas pelo autor, qualquer irregularidade formal no testamento em causa, não se observando nele qualquer anormalidade das condições em que a testadora se encontrava.
Incumbe a quem impugna o testamento a prova de que o testador, no acto da outorga do testamento, estava impossibilitado de entender e querer o sentido e alcance da declaração. Ou seja, o ónus de prova dos factos integradores da incapacidade, no momento da realização do testamento, para avaliar o sentido da declaração de disposição de bens, com vista à anulação do mesmo, recai sobre o autor (vide, neste sentido, entre outros, do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.1991, AJ, 15.º/16.º, pág. 23, e da Relação do Porto, de 08.05.2000, BMJ, 497.º, pág. 444).
─ acórdão da Relação do Porto, de 10.07.2024, Miguel Baldaia de Morais, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 136/23.0T8BAO.P1:
II - A incapacidade relevante, para os efeitos do disposto no artigo 2199º do Código Civil, é apenas a que existe ao tempo da feitura do testamento, não tendo de atender-se a outro momento, posterior ou anterior.
III - A presença do notário, que é um funcionário especializado que goza de fé pública, aditada à das duas testemunhas que, segundo o artigo 67º, nºs 1, al. a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o ato, é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade.
─ acórdão da Relação do Porto, de 19.12.2012, Luís Lameiras, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1267/06.6TBAMT.P2:
VI – Sem embargo de uma concludente prova contrária, devem em regra ser considerados como provados os factos que sejam percepcionados pelo notário e, como tal, atestados no acto público notarial (artigos 371º, nº 1, 372º, nºs 1 e 2, e 347º, do Código Civil);
Para enfrentar a questão que nos ocupa, é preciso ter em conta o alcance da força probatória plena de que goza o testamento público enquanto documento autêntico
que é (artigos 369.º e 370.º CC).

Nos termos do artigo 371.º, n.º 1, CC, Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
O artigo 372.º CC estabelece no n.º 1 que A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, acrescentando o n.º 2 que O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.
Analisado o testamento, que constitui o doc. n.º 5 junto com a petição inicial, o Sr. otário declarou ter verificado a identidade do testador pela exibição do cartão de cidadão do testador, fez constar a sua declaração quanto ao destino dos seus bens, identificou as testemunhas declarou que o testamento foi lido e explicado o seu conteúdo.
A força probatória deste testamento circunscreve-se a estes factos.
O facto constante do ponto 89 da matéria de facto provada, de que O Sr. Notário JJ, nenhuma dúvida teve, aquando da outorga do testamento pelo II, que entendeu e percebeu o que disse nesse momento e que tal era a sua vontade, é absolutamente inócuo, pois não goza de qualquer força probatória plena.
A circunstância de o Sr. Notário JJ não ter tido qualquer dúvida, aquando da outorga do testamento, que o testador entendeu e percebeu o que disse nesse momento e que tal era a sua vontade não tem a virtualidade de provar que o testador efectivamente estava em condições de entender o sentido da sua declaração. Trata-se apenas da percepção do Sr. Notário, que, como vimos, não está dotada de força probatória plena, e pode ser contrariada por qualquer meio de prova, sem passar pela arguição de falsidade do testamento.
Acresce que o depoimento do Sr. Notário foi pouco esclarecedor, pois, logo no início declarou não se recordar do caso concreto, afirmando que todos os outorgantes têm de estar orientados e bem cognitivamente; se fez o testamento é porque o testador reunia condições para tal. Declarou considerar er condições para avaliar as condições mentais dos testadores.
Afirmou igualmente que a assinatura do testador era equilibrada.
Este depoimento justificou a resposta ao ponto 87 da matéria de facto provada, objecto de impugnação.
Ora, não se afigura razoável deduzir o estado mental de uma pessoa a partir da aposição de uma assinatura. Não foi ouvido nenhuma pessoa com conhecimentos técnicos que permita validar esse juízo. Há pessoas com capacidades mentais intactas que têm dificuldades motoras que afectam a caligrafia.
Por outro lado, e fruto da circunstância de o Sr. Notário não se recordar do caso concreto, o seu depoimento carece de consistência. Segundo afirmou, quem agendou o testamento foi a Dr.ª NN, que, aliás, aí figurou como testemunha, não sabendo quem remeteu os termos do testamento.
Naturalmente que o desconhecimento da concreta actividade desenvolvida pelo Sr. Notário na elaboração do testamento, se o testador explicou os termos em que pretendia dispor dos bens ou se foram utilizados os elementos previamente enviados, em que termos exprimiu a sua compreensão da leitura e explicação que lhe foi feita, tudo isso fragiliza o contributo do Sr. Notário para a aferição da capacidade do testador para exprimir a sua vontade.
A testemunha NN, que depôs com grande assertividade acerca da capacidade mental do testador, que foi testemunha no testamento, como já se referiu, quem tratou do testamento na qualidade de advogada do testador, tando sido sua advogada noutro processo, que se recusou identificar a coberto do sigilo profissional. Mas foi também advogada da primitiva beneficiária do testamento, tendo subscrito um requerimento em representação desta no âmbito do processo de maior acompanhado instaurado em benefício do testador.
A outra testemunha que interveio no testamento, OO, era funcionária da Dr.ª NN e nada se recordava deste assunto, concluindo que não lhe competia avaliar.
Em contraponto, temos vários relatórios médicos que atestam um processo demencial com início em 2015, como se dá conta no ponto 31 da matéria de facto provada.
Procederemos a transcrição do relatório na parte relativa ao “Exame Indirecto”, por se ter verificado que aquele segmento do ponto da matéria de facto provada omite alguns elementos relevantes para a avaliação da (in)capacidade.
É o seguinte o teor do referido segmento do exame pericial, com sublinhado nosso:
Registo da 1.ª consulta de neurologia no Centro Hospitalar ... (09-08- 2017) – Dr.ª XX: "A afilhada refere alguns esquecimentos (não sabe em que dia está, quer pagar as contas 2 vezes porque não se recorda que já tinha pago) e discurso repetitivo desde há pelo menos 2 anos, que tem vindo a progredir. Esquece-se das combinações e das conversas; recorda-
se muito bem das coisas antigas. Confunde-se muito. Deixou de se sentir capaz de conduzir. Nunca se perdeu; não sai de casa por dificuldades em se mobilizar. Queixa-se de falta de força nas pernas, sem alterações do comportamento nem alucinações visuais. Dorme bem. Necessita de apoio para tomar banho pelas dificuldades motoras. MMSE: 26/30 (1 erro na orientação temporal, 1 na espacial, 1 na evocação, 1 na linguagem";

-Registo da 2ª consulta de neurologia no Centro Hospitalar ... (22-11- 2017) - Dra. XX: "Mantém os consumos alcoólicos excessivos. No dia 10-11 teve queda sob efeito de álcool (etanol> 1,50) com traumatismo craniano e cervical. Fez TAC-CE e cervical que descartou alterações traumáticas. As mesmas queixas. Mais confuso desde a queda."

-Consulta Neurologia (3-5-2019), Ora. III: "O doente acha que está bem mas a afilhada acha que está mais esquecido. Continua a viver sozinho, mas com muita ajuda desta afilhada - apoia na alimentação, da parte da tarde. Também é a afilhada que trata das coisas do banco e multibanco e as contas. Gere a própria medicação - mas às vezes esquece-se. Toma banho sozinho mas com dificuldade. Está sempre a perguntar o dia em que está. Já sai pouco de casa. Não se perde. Sem quedas ... MMSE 25/30 (perde .4 na orientação e 1 na evocação). Portanto, parece haver deterioração cognitiva de predomínio mnésico, possivelmente degenerativa."
-Consulta Neurologia (20-11-2019) ─ Dra. JJJ: "A afilhada que lhe dá apoio traz um papel a dizer que voltou a beber, deixou de tomar toda a medicação, está cognitivamente cada vez pior e tem ideias na cabeça delirantes. Vive sozinho a afilhada dá apoio de tarde. Come sempre fora. Toma banho sozinho, mas desleixo na higiene. Bebe vinho tinto todos os dias, diz que é só um copo mas a afilhada diz que é bem mais. Toma conta dos pagamentos das contas mas a afilhada tem que o lembrar ... MMS (23/30). Portanto síndrome demencial de predomínio mnésico, com impacto funcional e com alterações do comportamento descritas pela afilhada. Existe o problema social, o senhor não tem aceite ajuda na gestão da medicação e nem aceita outro tipo de apoios ou centro de dia". Prescrita neste Consulta antidemencial- rivastigmina.
No capítulo da “Discussão” consta o seguinte:
O exame direto e indireto concordam, que o examinando apresenta um compromisso global muito significativo das suas funções cognitivas, nomeadamente das funções mnésicas. Paralelamente apresenta incapacidade funcional significativa.
Este quadro clínico neurodegenerativo deve ser integrado numa PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR (pela Classificação DSM-5), ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-1 O, DEMÊNCIA INESPECÍFICA (F03). Em termos de gravidade, a demência neste caso deverá ser estratificada de severa.
A demência é uma síndrome clínica evolutiva caracterizada por um conjunto de sintomas e sinais manifestados por dificuldades cognitivas {na memória, funções executivas, compreensão, cálculo, julgamento), dificuldades na linguagem e alterações psicológicas e psiquiátricas (quadros ansiosos, depressivos,psicóticos), com diminuição do funcionamento psicossocial. Este impacto funcional faz-se sentir em atividades de vida diárias, como seja a higiene pessoal, a alimentação, a capacidade de controlo de esfíncteres, etc. No seu estado atual encontra-se já no estadio grave da doença. A sua doença não tem cura ou reversibilidade. Pelo contrário, evoluirá para níveis progressivos maiores de incapacidade.
Em termos etiológicos, a etiologia mais provável é de uma demência mista (Alzheimer e Vascular), valorizando os fatores de risco (hipertensão Em termos etiológicos, a etiologia mais provável é de uma demência mista (Alzheimer e Vascular), valorizando os fatores de risco (hipertensão, dislipidemia, alcoolismo) e a semiologia clínica (défices mnésicos marcados e ideação paranóide), bem como a evolução da doença.
De acordo com a informação disponível a instalação deu-se de forma insidiosa, com registo na consulta de Neurologia em 2017, que as alterações da memória (défice cognitivo ligeiro) se vinham a desenvolver desde 2015. Em novembro de 2019, dada a incapacidade funcional e alterações do comportamento, é diagnosticada uma síndrome demencial. Efetivamente, por ano,8-15% dos casos de défice cognitivo ligeiro evoluem para demência.
Mercê da doença neuropsiquiátrica de que padece o requerido está privado da sua autonomia para cuidar da higiene pessoal, alimentação, tomar a medicação que necessita, bem como para governar os seus bens e o seu dinheiro. A sua doença, que é permanente e irreversível, torna-a assim inapto para a prática de todos os negócios relacionados com a organização da sua vida e com a gestão dos seus bens e interesses. Carece, pois, de supervisão para as atividades básicas sob pena de graves negligências, estando totalmente dependente de terceiros para o exercício das atividades instrumentais da vida diária. Parece-nos adequada a medida de Representação geral e administração total de bens.
O depoimento do Dr. LL, médico psiquiatra e director de psiquiatria forense do Hospital 1..., autor do relatório supra referido, foi decisivo para a convicção deste Tribunal.
Atribuiu particular relevo às consultas de neurologia do Centro Hospitalar ..., entidade pública em que a Dr.ª XX, devido ao Mini Mental State Examination (MMSE), que consiste num exame mais ou menos sumário, vocacionado
para se analisar a evolução objectiva, e não baseada no relato de familiares, do doente. Trata-se, por isso, de um instrumento muito utilizado quando se pretende objectivar o psíquico.
Assim, em 2017, o doente apresentava 26 pontos em 30, o que não era muito mau, tendo em consta que o valor mínimo esperado era 27, mas em Maio de 2019 ele apresenta um MMSE de 25 e, em Novembro de 2019, mês da elaboração do testamento, um MMSE de 23. Conclui, por isso, a testemunha que o ano de 2019 é um ano claramente de perda a pique.
Afirmou, de forma muito assertiva, que no ano de 2019 é difícil admitir que em 2019 o doente estivesse capaz de fazer qualquer testamento ou passar procuração, afirmando
que “No ano de 2019, eu como perito ponho as mãos no fogo, para trás não sei”.
Interrogado se, tendo em conta o quadro da doença, seria possível um intervalo lúcido, num dia específico, respondeu, manifestando uma certa indignação: os humanos não são feitos de intervalos lúcidos, os seres humanos têm uma história biográfica. O intervalo lúcido diz pouco sobre uma pessoa. O intervalo lúcido, tipo “vamos aproveitar um intervalo lúcido, agora, e vamos fazê-lo assinar qualquer coisa, porque daqui a 2 horas ele pode estar em estado confusional”, não tem validade, os seres humanos não são feitos de presentificações, os seres humanos são feitos uma continuidade biográfica.
Por todo o exposto, entendemos dar prevalência a prova pericial corroborada pela prova testemunhal, em detrimento do depoimento do Sr. Notário, que mereceu acolhimento e, nessa conformidade:
─ A matéria constante dos pontos 84 e 85 da matéria de facto provada considera-se não provada;
─ A matéria do ponto 86 da matéria de facto provada reveste natureza conclusiva;
─ Relativamente ao ponto 87 da matéria de facto provada considera-se provado que a assinatura do testador aposta no testamento é legível;
─ A matéria constante dos pontos 88 e 104 da matéria de facto provada considera-se não provada;
A alínea a) da matéria de facto não provada reveste natureza conclusiva.

3.2. Da anulação do testamento
O recurso versa a questão da (in)capacidade do testador no momento da elaboração do testamento, convocando o disposto no artigo 2199.º CC, sob a epígrafe “Incapacidade acidental”, nos termos do qual É anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. VI, pg. 323,
A primeira destas regras específicas, constante do artigo 2199.º, refere-se à incapacidade (tomada a expressão no sentido rigoroso próprio da falta de aptidão natural para entender o sentido da declaração ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens, por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada.
A disposição legal refere-se expressamente ao carácter transitório que pode ter a falta de discernimento ou de livre exercício da vontade de dispor, por parte do testador, para significar que o vício contemplado nesta norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a disposição é lavrada.
E por conseguinte o mesmo tipo de deficiência psicológica que o artigo 257º considera em relação aos actos entre vivos em geral.
Na área das disposições testamentárias, trata-se de uma situação de crise essencialmente distinta da abrangida na alínea b) do artigo 2189º (incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica).
A nulidade do testamento feito pelo interdito baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade, juris et de jure, criada pela sentença, desde que é proferida até ao momento em que a interdição é levantada.
A anulação decretada, a requerimento do interessado, com base no artigo 2199º, assenta pelo contrário na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no preciso momento em que lavrou o testamento, fosse para entender o sentido e alcance da sua declaração, fosse para dispor, com a necessária liberdade de decisão, dos bens que lhe pertenciam.
A anulação do testamento depende, pois, da demonstração de que, quando manifestou a
sua vontade de dispor dos seus bens, o testador não estava consciente do acto que estava a praticar, do seu alcance, que tinha capacidade de discernimento.
Na sugestiva definição destes autores, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, volume II, pg. 384, apud acórdão do STJ, de 11.04.2013, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1565/10.4TJVNF.P1.S1,
”[se] devem considerar como não estando em seu perfeito juízo aqueles que, em virtude de qualquer perturbação ou desarranjo mental, quer de natureza permanente, quer passageira, careçam de vontade própria ou da percepção necessária para compreenderem o alcance e o sentido do negocio da ultima vontade". "Não se exige, para se poder afirmar que o testador não está em seu perfeito juízo, que ele seja demente ou mentecapto; basta que ele tenha juízo não perfeito ou seja fraco de espírito"
Refira-se que ao aludir ao carácter transitório da incapacidade, pretende a lei significar que a deficiência da vontade do testador deve verificar-se no momento em que a disposição testamentária é feita, abrangendo tanto situações esporádicas, transitórias, como situações permanentes, que justifiquem a instauração de uma acção de maior acompanhado (cfr. acórdão da Relação do Porto, de 10.07.2024, Miguel Baldaia de Moraes, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 136/23.0T8BAO.P1).
Importa, pois, apurar se II, o testador, quando lavrou o testamento estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração.
Como se sublinha no acórdão do STJ, de 02.05.2012, Marques Pereira, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 2712/05.3TBPVZ.P1.S1,
Estamos perante uma questão de direito: que o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados.
Este acórdão inspira-se em Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, volume I, 4.ª ed., pg. 184, nota 412, onde se afirma que as hipóteses do artigo 2199.º CC são proposições de direito, a concluir de factos alegados e provados pelas partes.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de de 11.04.2013, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1565/10.4TJVNF.P1.S1:
Não se constituirá controversa a asserção de que a verificação ou validação de um estado de incapacidade impeditiva de perceber e entender o alcance de um acto jurídico, em que se expressa e pretende dispor de valores e bens do respectivo património, conleva uma questão de direito a ser extraída e dessumida dos factos que vierem a ser dados como provados.
E ainda o acórdão da Relação do Porto, de 04.05.2015, Ana Paula Amorim, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1267/12.7TVPRT.P1:
A demonstração dos fundamentos de anulação assenta na descrição de factos que traduzam manifestações de que o testador não tinha o discernimento nem a vontade suficiente para testar, denunciando como se comportava e que falhas acusava, de maneira a permitir que o julgador, perante os factos apurados fique apto a valorar tais circunstâncias à luz dos pressupostos do art. 2199º CC.
Constitui entendimento pacífico que o ónus da prova acerca da incapacidade do testador impende sobre aquele que pretende invalidar o testamento. Ou, por outras palavras, compete àquele que pretende obter a anulação do testamento a prova dos factos que permitem concluir pela incapacidade do testador.
Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, acórdão do STJ, de 14.10.2021, Vieira e Cunha, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 152/19.6T8VRL.G1.S1; de 11.04.2013, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1565/10.4TJVNF.P1.S1; acórdão da Relação do Porto, de 10.07.2024, Fernanda Almeida, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 4492/18.3T8AVR.P1 ; de 10.07.2024, João Venade, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 8868/20.8T8PRT.P1; de 26.09.2022, Jorge Seabra, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1235/18.5T8VFR.P1; de 04.05.2015, Ana Paula Amorim, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1267/12.7TVPRT.P1.
A questão que se suscita em primeira linha é a de saber se é exigível àquele que impugna a validade do testamento que demonstre a situação de incapacidade do testador no exacto momento em que o testamento foi outorgado. O acórdão do STJ, de 11.04.2013, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1565/10.4TJVNF.P1.S1, responde assim:
Em nosso, juízo, ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença, que no plano clínico, é comprovada e cientificamente susceptível de afectar a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer acto de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. Tratando-se de uma doença que no plano clínico e cientifico está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portador deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais.
Nesta matéria é recorrentemente invocado um estudo de Galvão Teles, Revista dos Tribunais, 72.º, pg. 268:
Provado o estado de demência em período que abrange o ato anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
Este estudo influenciou decisivamente a jurisprudência dos Tribunais superiores nesta matéria. Assim, e a título meramente exemplificativo:
─ acórdão do STJ, de 24.05.2011, Marques Pereira, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 4936/04.1TCLRS.L1.S1:
IV- Se, à data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração
testamentária;
V-Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.”
─ acórdão do STJ, de 14.01.2021, Vieira e Cunha, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 152/19.6T8VRL.G1.S1:
II – Corresponde ao id quod plerumque accidit que, provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, seja de presumir que, na data do mesmo acto, aquele estado se mantinha sem interrupção.
─ acórdão da Relação do Porto, de 10.07.2024, Fernanda Almeida, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 4492/18.3T8AVR.P1:
I - Provado o estado de demência em período que abrange o ato anulando (art. 2199.º do CC), é de presumir que na data do mesmo ato aquele estado se mantinha sem interrupção.
II - À parte interessa na validade do ato caberá ilidir a presunção, demonstrando que este ocorreu num momento excecional e intermitente de lucidez.
─ acórdão da Relação do Porto, de 19.11.2020, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 271/18.3T8MTS.P1:
III - Recai sobre o interessado na anulação do testamento o ónus da prova da situação de incapacidade de facto do testador.
IV - Porém, se estiver demonstrado que o testador se encontrava num estado de saúde mental em que a incapacidade era a consequência mais provável, cabe ao beneficiário do testamento o ónus de demonstrar que apesar disso, no momento da celebração do testamento, o testador se encontrava com aptidão natural para entender o sentido da declaração e exercer livremente o poder de dispor dos seus bens.
─ acórdão da Relação de Lisboa, de 10.11.2020, Luís Filipe Sousa, www.dgsi.jtrl.pt., proc. n.º 3308/16.0T8PDL.L1-7:
IV. Num contexto em que o outorgante em testamento e outros atos notariais padece de doença que, no plano clínico e cientifico, implica a deterioração progressiva das condições de perceção, compreensão, raciocínio, gestão dos atos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstrato e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e fatores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, incumbe ao peticionante da anulabilidade dos atos jurídicos praticados pelo outorgante “provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais”. Ao Réu, que pugne pela validade de tais atos, cabe provar factos extintivos do direito invocado, nomeadamente que o outorgante/testador, no momento da outorga, se encontrava num “intervalo lúcido” do seu estado de demência.
─ acórdão da Relação de Coimbra, de 30.06.2015, Jaime Ferreira, www.dgsi.jtrc.pt., proc. n.º 893/05.5TBPCV.C1:
IV - Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
VI - No entanto, sempre recai sobre o interessado na anulação o ónus de alegar e provar o estado de doença em período que abrange o acto anulado e que essa doença pela sua natureza e características
impede o testador de entender o sentido da sua declaração ou o livre exercício da sua vontade.
─ acórdão da Relação de Guimarães, de 09.04.2019, Margarida Sousa, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 1146/17.1T8BGC.G1:
I - Numa situação de incapacidade acidental decorrente de um estado clínico demencial ou de doença evolutiva e degenerescente das capacidades de perceção, compreensão e intelecção do mundo circundante e vivencial, não deve exigir-se de quem visa a anulação do ato a prova de que no exato momento em que o declarante materializou o ato jurídico ajuizado, o estado de incapacidade acidental se mantinha ou era verificável;
II - É próprio de um quadro crónico e irreversível de uma doença mental com tais características que as incapacidades a tal doença associadas se mantenham contínua e permanentemente, não necessitando, pois, os interessados na anulação, de provar o estado de incapacidade no exato momento de feitura do testamento de demonstração (id quod plerum accidit);
III - Nessas situações, incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos, ou seja, incumbirá a quem pretende manter os efeitos do ato demonstrar a existência de uma “janela de lucidez”.
─ acórdão da Relação de Guimarães, de 04.10.2017, Pedro Damião e Cunha, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 1108/14.0TJVNF.G1:
I- Em princípio, o ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento- cfr. art. 2199º do CC-, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;
II- No entanto, logrando o interessado na anulação do testamento provar que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
III- Assim, se, á data do testamento, se mostra atestado medicamente que a Testadora sofria da referida doença de alzheimer, em contínua actividade e progressão, e que estava totalmente dependente de terceiros, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquela se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
IV- Nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava.
Vejamos então se os apelantes cumpriram o ónus que sobre eles impendia.
Atentemos no ponto 31 da matéria de facto provada, com o aditamento que lhe foi feito em sede de reapreciação da matéria de facto:
31) Na pendência da acção de maior acompanhado, referida em 12), foi realizado um exame pericial ao falecido, pelo Perito Dr. LL, por observação efectuada ao II em 11.12.2020, cfr. relatório se junta como documento n.º 13.
Consta desse exame pericial, para além do mais, o seguinte:
“1. O examinando, II, padece de PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR, ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-10, DEMÊNCIA INESPECÍFICA.
2. Esta perturbação tem uma etiologia complexa e multifactorial, surgiu nos últimos anos de vida do doente, desde 2015, tem uma evolução insidiosa, progressiva e com agravamento em 2019, sendo à luz do conhecimento médico actual, irreversível.
3. Este quadro clínico limita significativamente o desempenho do examinando em termos volitivos e cognitivos e resulta num prejuízo relevante do seu funcionamento adaptativo, de forma que este não consegue atingir padrões de independência pessoal e responsabilidade social em vários aspectos da sua vida diária.
4. Esta perturbação caracteriza-se por défices em vários domínios cognitivos, como o raciocínio, resolução de problemas e por alterações do comportamento.
5. Em termos concretos, o examinando encontra-se totalmente dependente de terceiros
para as actividades instrumentais da vida diária: gestão de dinheiro, pagamento de contas, compra e gestão de despensa, compromissos financeiros, bancários e tributários, sob pena de delitos. (…)
9. O examinando não tem capacidade plena para determinar quem pretende que seja nomeado para o cargo de seu acompanhante”».
É o seguinte o teor do segmento do “Exame Indirecto” do exame pericial, com sublinhado nosso, que foi aditado:
Registo da 1.ª consulta de neurologia no Centro Hospitalar ... (09-08- 2017) – Dr.ª XX: "A afilhada refere alguns esquecimentos (não sabe em que dia está, quer pagar as contas 2 vezes porque não se recorda que já tinha pago) e discurso repetitivo desde há pelo menos 2 anos, que tem vindo a progredir. Esquece-se das combinações e das conversas; recorda-se muito bem das coisas antigas. Confunde-se muito. Deixou de se sentir capaz de conduzir. Nunca se perdeu; não sai de casa por dificuldades em se mobilizar. Queixa-se de falta de força nas pernas, sem alterações do comportamento nem alucinações visuais. Dorme bem. Necessita de apoio para tomar banho pelas dificuldades motoras. MMSE: 26/30 (1 erro na orientação temporal, 1 na espacial, 1 na evocação, 1 na linguagem";

-Registo da 2ª consulta de neurologia no Centro Hospitalar ... (22-11- 2017) - Dra. XX: "Mantém os consumos alcoólicos excessivos. No dia 10-11 teve queda sob efeito de álcool (etanol> 1,50) com traumatismo craniano e cervical. Fez TAC-CE e cervical que descartou alterações traumáticas. As mesmas queixas. Mais confuso desde a queda."

-Consulta Neurologia (3-5-2019), Ora. III: "O doente acha que está bem mas a afilhada acha que está mais esquecido. Continua a viver sozinho, mas com muita ajuda desta afilhada - apoia na alimentação, da parte da tarde. Também é a afilhada que trata das coisas do banco e multibanco e as contas. Gere a própria medicação - mas às vezes esquece-se. Toma banho sozinho mas com dificuldade. Está sempre a perguntar o dia em que está. Já sai pouco de casa. Não se perde. Sem quedas ... MMSE 25/30 (perde .4 na orientação e 1 na evocação). Portanto, parece haver deterioração cognitiva de predomínio mnésico, possivelmente degenerativa."
-Consulta Neurologia (20-11-2019) ─ Dra. JJJ: "A afilhada que lhe dá apoio traz um papel a dizer que voltou a beber, deixou de tomar toda a medicação, está cognitivamente cada vez pior e tem ideias na cabeça delirantes. Vive sozinho a afilhada dá apoio de tarde. Come sempre fora. Toma banho sozinho, mas desleixo na higiene. Bebe vinho tinto todos os dias, diz que é só um copo mas a afilhada diz que é bem mais. Toma conta dos pagamentos das contas mas a afilhada tem que o lembrar ... MMS (23/30). Portanto síndrome demencial de predomínio mnésico, com impacto funcional e com alterações do comportamento descritas pela afilhada. Existe o problema social, o senhor não tem aceite ajuda na gestão da medicação e nem aceita outro tipo de apoios ou centro de dia". Prescrita neste Consulta antidemencial- rivastigmina.
No capítulo da “Discussão” consta o seguinte:
O exame direto e indireto concordam, que o examinando apresenta um compromisso global muito significativo das suas funções cognitivas, nomeadamente das funções mnésicas. Paralelamente apresenta incapacidade funcional significativa.
Este quadro clínico neurodegenerativo deve ser integrado numa PERTURBAÇÃO NEUROCOGNITIVA-MAJOR (pela Classificação DSM-5), ou, na terminologia da Classificação Internacional de Doenças-1 O, DEMÊNCIA INESPECÍFICA (F03). Em termos de gravidade, a demência neste caso deverá ser estratificada de severa.
A demência é uma síndrome clínica evolutiva caracterizada por um conjunto de sintomas e sinais manifestados por dificuldades cognitivas {na memória, funções executivas, compreensão, cálculo, julgamento), dificuldades na linguagem e alterações psicológicas e psiquiátricas (quadros ansiosos, depressivos,psicóticos), com diminuição do funcionamento psicossocial. Este impacto funcional faz-se sentir em atividades de vida diárias, como seja a higiene pessoal, a alimentação, a capacidade de controlo de esfíncteres, etc. No seu estado atual encontra-se já no estadio grave da doença. A sua doença não tem cura ou reversibilidade. Pelo contrário, evoluirá para níveis progressivos maiores de incapacidade.
Em termos etiológicos, a etiologia mais provável é de uma demência mista (Alzheimer e Vascular), valorizando os fatores de risco (hipertensão Em termos etiológicos, a etiologia mais provável é de uma demência mista (Alzheimer e Vascular), valorizando os fatores de risco (hipertensão, dislipidemia, alcoolismo) e a semiologia clínica (défices mnésicos marcados e ideação paranóide), bem como a
evolução da doença.
De acordo com a informação disponível a instalação deu-se de forma insidiosa, com registo na consulta de Neurologia em 2017, que as alterações da memória (défice cognitivo ligeiro) se vinham a desenvolver desde 2015. Em novembro de 2019, dada a incapacidade funcional e alterações do comportamento, é diagnosticada uma síndrome demencial. Efetivamente, por ano,8-15% dos casos de défice cognitivo ligeiro evoluem para demência.
Mercê da doença neuropsiquiátrica de que padece o requerido está privado da sua autonomia para cuidar da higiene pessoal, alimentação, tomar a medicação que necessita, bem como para governar os seus bens e o seu dinheiro. A sua doença, que é permanente e irreversível, torna-a assim inapto para a prática de todos os negócios relacionados com a organização da sua vida e com a gestão dos seus bens e interesses. Carece, pois, de supervisão para as atividades básicas sob pena de graves negligências, estando totalmente dependente de terceiros para o exercício das atividades instrumentais da vida diária. Parece-nos adequada a medida de Representação geral e administração total de bens.
Daqui resulta que o testador padecia de uma perturbação neurocognitiva major, ou demência inespecífica, iniciada em 2015, com agravamento em 2019, patologia que levou a instauração de um processo especial de acompanhamento. O testamento foi elaborado em 2019.
A outorga do testamento ocorreu em pleno quadro de demência, de grau severo, sendo, por isso, legítimo presumir que o testador se encontrava incapacitado de entender o alcance da sua declaração. E, como resulta da impugnação da matéria de facto, os apelados não lograram demonstrar que, na altura da outorga do testamento, o testador se encontrava numa denominada “janela de lucidez”.
Nessa conformidade, importa concluir que, quando outorgou o testamento, o testador se encontrava incapacitado de entender o alcance da sua declaração, assim se preenchendo a previsão do artigo 2199.º CC.
Sustentam os apelados que a incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257.º CC, exige, para a anulabilidade do acto, que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário).
Sem razão, porém.
O artigo 2199.º CC, ao prever a anulação do testamento por incapacidade acidental, estabelece um regime especial relativamente ao regime da incapacidade acidental no âmbito do negócio jurídico, previsto no artigo 257.º CC, pois, contrariamente ao que aqui sucede, não é ali exigida a notoriedade da incapacidade ou o seu conhecimento pelo declaratário.
A diferença de regimes assenta na diversa natureza dos actos que se destinam a regular: o artigo 257.º CC regula a incapacidade acidental no âmbito do negócio jurídico em geral, destinando-se a exigência de notoriedade da incapacidade ou conhecimento pelo declaratário a tutelar as expectativas deste; o artigo 2199.º CC reporta-se ao testamento, um negócio jurídico unilateral não receptício.
Neste sentido, e a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ, de 02.05.2012, Marques Pereira, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 2712/05.3TBPVZ.P1.S1; de 11.04.2013, Gabriel Catarino, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 1565/10.4TJVNF.P1.S1 de 20.06.2023, Manuel Capelo, www.dgsi.pt.jstj, proc. n.º 5142/21.6T8CBR.C1.S1; da Relação do Porto, de 04. 05.2015, Ana Paula Amorim, www.dgsi.jtrp.pt, proc. n.º 1267/12.7TVPRT.P1; da Relação de Guimarães, de 11.01.2024, Carla Oliveira, www.dgsi.jtrg.pt., proc. n.º 2845/22.1T8BRG.G1.
Estão, pois, preenchidos os pressupostos para a anulação do testamento, devendo, em consequência determinar-se o cancelamento dos registos relativos aos imóveis e direito de time sharing identificados nos artigos 112.º e 113.º da petição inicial.
Não há que condenar os apelados a restituírem estes bens à herança, por terem sido objecto de arrolamento, conforme sentença que constitui doc. n.º 7 junto com a petição inicial, e ter sido nomeado depositário o apelante AA.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência:
─ anula-se o testamento outorgado por II, no dia no dia 12 de Novembro de 2019, no Cartório Notarial do Dr. JJ;
─ determina-se o cancelamento dos registos efectuados pela beneficiária do testamento relativamente aos imóveis e direito de time sharing identificados nos artigos 112.º e 113.º da petição inicial.
Custas pelos apelados (artigo 527.º CPC).

Porto, 11 de Março de 2025
Márcia Portela
Anabela Dias da Silva
João Diogo Rodrigues