I – A redacção dos n.ºs 1 e 2 do art. 419.º do CPPenal introduzida pela Lei 13/2022, de 01-08, tem um conteúdo puramente processual, à qual se aplica o disposto no art. 5.º, n.º 1 do CPPenal, segundo o qual a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, não tendo cabimento as excepções previstas no n.º 2 da referida norma, como tem sido prática uniforme nos nossos tribunais.
II - A Lei 55/2021, de 13-08, entrou em vigor na data nela estipulada, mas só a 11-05-2023, com a entrada em vigor da Portaria 86/2023, de 27-03, que procedeu à regulamentação ali prevista, foi possível dar execução aos novos procedimentos de distribuição previstos naquele diploma, designadamente ao sorteio de Juízes-Adjuntos, afastando-se o critério da antiguidade.
III - A nulidade insanável prevista na alínea a) do art. 119.º do CPPenal pressupõe uma efectiva violação de regras de determinação da composição do Tribunal, no caso de recurso, o que não ocorre quando apenas se discute a sucessão de leis no tempo quanto a tal questão e se opta por um dos regimes cuja validade, per si, não é posta em causa.
IV - Neste contexto, a aplicação de um dos regimes em causa de forma não conforme às regras de sucessão de leis no tempo, e na falta de outra previsão legal, constituiria mera irregularidade, a invocar nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CPPenal.
V - Ressalva-se deste apertado período para invocar a irregularidade relativa à composição do Tribunal de recurso o actual regime (decorrente da entrada em vigor da Lei 55/2012 de 13-08), prevendo-se no n.º 1 do art. 205.º do CPCivil, ex vi art. 4.º do CPPenal, sob a epígrafe “Falta ou irregularidade da distribuição”, que a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final.
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 9
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 4028/14.5TDPRT, a correr termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 9, por acórdão de 03-11-2021, foi decidido:
«Em face de tudo o exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo no seguinte:
1. Parte Criminal:
Julgam parcialmente procedente a acusação e, em consequência:
a) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de falsificação de documento (art. 256º, nº 1, als. a) e e),do Código Penal), de que vinha acusado;
b) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) (ofendido BB), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
c) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) (ofendido CC), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
d) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) (ofendido DD), na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;
e) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla qualificada (arts. 217º e 218º, nº 2, al. a), do Código Penal) (ofendido EE), na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
f) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em b) a e), condenam o arguido AA na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Custas pelo arguido, nos termos do art. 513º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC e suportando ainda os encargos devidos.
2.1. Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante/assistente BB e, em consequência:
a) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 250.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da notificação do arguido para contestar o pedido cível até efectivo e integral pagamento;
b) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data do presente Acórdão até efectivo e integral pagamento.
No mais, julgam o pedido cível improcedente.
Custas a cargo do assistente/demandante BB e do arguido/demandado, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.
2.2. Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante/assistente DD e, em consequência:
a) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da notificação do arguido para contestar o pedido cível até efectivo e integral pagamento;
b) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data do presente Acórdão até efectivo e integral pagamento.
No mais, julgam o pedido cível improcedente.
Custas a cargo do assistente/demandante DD e do arguido/demandado, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.
2.3. Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante/assistente EE e, em consequência:
a) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 20.802,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da notificação do arguido para contestar o pedido cível até efectivo e integral pagamento;
b) Condenam o arguido AA a pagar ao demandante/assistente, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data do presente Acórdão até efectivo e integral pagamento.
No mais, julgam o pedido cível improcedente.
Custas a cargo do assistente/demandante EE e do arguido/demandado, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.»
Por acórdão proferido nesta Relação do Porto, datado de 13-07-2022, foi negado total provimento ao recurso, rejeitando-se o mesmo no segmento relativo à impugnação da matéria de facto, e confirmando-se a decisão recorrida.
Após a prolação do referido acórdão, por requerimento entrado em juízo em 31-08-2022, veio o recorrente, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 8, do CPPenal, reclamar para a conferência do despacho de 29-06-2022 que incidiu sobre o requerimento de 27-06-2022, apresentado pelo anterior Mandatário do arguido, através do qual renunciou à procuração outorgada por este, solicitando que seja declarada a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão singular indicada.
Por requerimento entrado em juízo em 02-09-2022 veio o recorrente, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 8, do CPPenal, reclamar para a conferência do despacho datado de 20-06-2022 que rejeitou o recurso interlocutório do despacho de 26-10-2021 e determinou que o recurso interposto do acórdão final proferido pelo 1.ª Instância fosse julgado em conferência e não em audiência, solicitando que seja declarada a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão singular indicada.
Por requerimento entrado em juízo em 12-09-2022 veio o recorrente, nos termos dos arts. 120.º, n.º 1, e 105.º do CPPenal, arguir a nulidade do acórdão proferido nesta Relação do Porto em 13-07-2022.
Por requerimento entrado em juízo também em 12-09-2022 veio o recorrente apresentar recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão desta Relação do Porto de 13-07-2022.
Por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2022, foram julgadas improcedentes as reclamações para a conferência apresentadas e, em consequência, mantidos nos seus precisos termos os dois despachos reclamados, e julgadas improcedentes as nulidades e inconstitucionalidades arguidas e invocadas, sendo mantido o acórdão reclamado nos seus precisos termos.
Paralelamente, por decisão sumária de 10-01-2023, o Tribunal Constitucional decidiu, ao abrigo do disposto no art. 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tornar conhecimento do objeto do recurso, por não ser admissível, uma vez que quer à data em que foi requerida a interposição do recurso de constitucionalidade, quer à data da sua admissão, a decisão recorrida não constituía ainda, na respetiva ordem judiciária, uma decisão definitiva, no sentido pressuposto pelo n.º 2 do art. 70.º da LTC.
Do acórdão proferido em recurso neste Tribunal da Relação do Porto a 21-12-2022 veio o recorrente AA apresentar dois requerimentos, entrados em juízo em 13-01-2023, um com recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e outro com recurso para o Tribunal Constitucional.
Por despacho de 23-01-2023 foi decidido não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por inadmissibilidade legal, sendo, por tal razão admitido o recurso para o Tribunal Constitucional.
Por requerimento entrado em juízo a 06-02-2023, veio o recorrente apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não lhe admitiu o recurso.
Por decisão de 09-03-2023 do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi indeferida a reclamação apresentada por AA, atenta a irrecorribilidade do acórdão de 21-12-2023.
Irresignado com a tal decisão singular proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio o reclamante da mesma recorrer para o Tribunal Constitucional, por requerimento de 23-03-2023.
Por despacho de 24-03-2023, do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido não admitir o recurso interposto pelo reclamante para o Tribunal Constitucional.
Por requerimento de 19-04-2023, veio AA, ao abrigo dos arts. 76.º, n.º 4, 77.º, n.º 1, e 78º-A, n.º 3, todos da LTC, reclamar para a conferência do despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Por acórdão do Tribunal Constitucional de 07-06-2023 foi decido indeferir a reclamação apresentada.
Ainda Irresignado, por requerimento de 22-06-2023, veio o reclamante pedir a reforma do mencionado acórdão do Tribunal Constitucional em sede de custas.
Por acórdão 27-09-2023, o Tribunal Constitucional decidiu indeferir a pretendida reforma do acórdão de 07-06-2023.
O apenso de reclamação baixou definitivamente a este Tribunal da Relação do Porto a 30-10-2023.
No que concerne ao recurso que a 13-01-2023 o recorrente AA apresentou para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em recurso neste Tribunal da Relação do Porto a 21-12-2022, o mesmo foi inicialmente admitido, por despacho de 23-01-2023, uma vez que, através do mesmo despacho, não havia sido admitido o recurso que também apresentou para o Supremo Tribunal de Justiça.
Todavia, tendo o recorrente reclamado do despacho que não lhe admitiu o recurso do acórdão de 21-12-2022 para o Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho, a 10-02-2023, onde se entendeu que por circunstâncias posteriores à admissão do recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente havia alterado os pressupostos em que se baseou o despacho que inicialmente admitiu tal recurso e que se mostrava irremediavelmente intempestiva a sua admissão, razão pela qual o mesmo não podia ser admitido, devendo o recorrente aguardar pelo esgotamento da tramitação do apenso de reclamação da não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça só então se encontrando em condições, querendo, de apresentar recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 21-12-2022.
Nesta sequência, a 23-03-2023 o recorrente interpôs novo recurso para o Tribunal Constitucional, o qual veio a ser admitido por despacho de 04-11-2023, posto que se aguardou pela baixa do apenso de reclamação B, que apenas foi remetido a este Tribunal da Relação do Porto a 30-10-2023.
Por decisão sumária de 17-01-2024, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos.
Não se conformando com a referida decisão sumária, o recorrente AA reclamou da mesma para a conferência, que, por acórdão de 29-05-2024, indeferiu a reclamação apresentada e confirmou a decisão sumária proferia.
Por requerimento de 12-06-2024, o recorrente arguiu a nulidade da distribuição, da intervenção dos Juízes Conselheiros e a violação do juiz natural, tendo o Tribunal Constitucional, por acórdão de 22-10-2024, indeferido a mencionada arguição de nulidade.
Por fim, o recorrente veio ainda, ao abrigo dos arts. 613.º, n.º 2, e 616.º, n.º 2, do CPCivil, ex vi art. 69.º da LTC requerer a reforma do acórdão de 22-10-2024 quanto a custas, pretensão que foi indeferida por acórdão do Tribunal Constitucional de 21-01-2025.
Baixados os presentes autos vindos do Tribunal Constitucional, a 20-02-2025, constata-se que por requerimento entrado em juízo a 28-10-2024 – curiosamente, ou não, apenas seis dias a após a prolação do acórdão pelo Tribunal Constitucional de 22-10-2024 que indeferiu a arguição de nulidade por violação de regras da distribuição e do juiz natural –, e que foi remetido para junção aos autos principais que se encontravam naquele Alto Tribunal, veio o recorrente arguir perante este Tribunal da Relação do Porto a nulidade insanável decorrente da circunstância de o acórdão de 21-12-2022 prolatado nesta Relação ter tido intervenção de dois e não apenas um Juiz-Adjunto, contrariamente ao que ocorreu com o acórdão desta mesma Relação de 13-07-2022.
Começa por invocar a tempestividade da arguição da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. a), do CPPenal, já que as nulidades insanáveis podem ser arguidas a todo o tempo e devem ser declaradas oficiosamente em qualquer fase do processo, até ao trânsito em julgado da decisão.
Quanto à alegada nulidade propriamente dita, invoca que o essencial da questão se prende com a alteração da composição do Colectivo no decurso da apreciação de um requerimento que suscita nulidade do Acórdão proferido pelo Colectivo primitivo.
Afirma que «[p]ara o Recorrente se a 10/02/2022 foi feita a distribuição dos presentes autos a um Coletivo específico, não se alcança razoável nem legitimo que seja chamado a intervir na apreciação das reclamações para a conferência e do requerimento de nulidade um Juiz Desembargador que não participou na prolação do acórdão sobre o qual se suscitam as referidas nulidades» e que «não pode aceitar que seja “introduzido” no Colectivo um 2º Juiz-Adjunto no decurso da apreciação de um requerimento (incidente pós-decisório) que é, repetimos, justamente dirigido ao Colectivo que proferiu o primitivo acórdão, entendendo que só este poderia apreciar e decidir qualquer reclamação sobre aquele nos termos dos artº. 617º º4 ex vi artº. 666º nº1 do C.P.C. e artº. 4º do CP.P.».
Esclarece que «quando o recurso da decisão de 1ª instância foi aí apresentado, os autos foram remetidos à Relação e distribuídos nos termos legais, tendo-se alcançado a já referida composição pela Exma, Sra. Juiz Desembargadora Relatora Dra. Maria Joana Grácio; pelo Juiz-Adjunto, o Exmo, Sr. Juiz Desembargador Dr. Paulo Costa (e pelo Juiz Presidente, o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Dr. Francisco Marcolino).
Quer isto significar que a causa foi submetida ao Tribunal, e concretamente, ao Colectivo competente, cabendo a este apreciar os fundamentos das reclamações e requerimento apresentados e decidir ou não do seu provimento.
Pois temos já uma decisão do Colectivo primitivo que se pronunciou sobre o recurso do Recorrente, à qual se seguiu um requerimento que suscita a nulidade dessa decisão dirigido àquele Colectivo e, depois, temos um novo Colectivo a apreciar as referidas nulidades.
A violação das regras ocorreu com a inusitada, não justificada, nem fundamentada, introdução nos autos de um 2º Juiz-Adjunto no decurso da apreciação de um requerimento que só pelo Colectivo primitivo poderia ser apreciado.
O Arguido/Recorrente entende que na discussão dos autos não podiam intervir dois juízes adjuntos, como sucedeu, na medida em que os normativos vigentes à data da distribuição dos autos ao Tribunal da Relação do Porto impunham que o recurso fosse julgado por um Juiz Relator e um Juiz Adjunto, pelo que foram violadas as regras de composição do Tribunal, tendo sido grosseiramente violado o princípio do juiz natural.»
Deduz assim que «verificando-se que o segundo acórdão do Tribunal da Relação do Porto foi proferido por um coletivo de juízes constituído por três Ilustres Senhores Juízes Desembargadores quando, salvo melhor opinião, o deveria ter sido por dois (um Relator e um Adjunto) em conformidade com a distribuição verificada aquando da remessa dos autos a este Tribunal da Relação do Porto a 10/02/2022, nos termos da lei geral e abstracta em vigor à data, verifica-se que o mesmo padece da nulidade insanável e de conhecimento oficioso, prevista pelo art. 119º, al. a), do Código de Processo Penal, nulidade esta que, devendo ser declarada por este Venerando Tribunal.»
Acrescenta que «ainda que se entendesse – hipótese que se coloca por mera cautela de patrocínio sem se conceder – que era necessária a intervenção de um 2.º Juiz-Adjunto no projecto de acórdão de 21/12/2022 dos presentes autos, em virtude da entrada em vigor da Lei n.º 13/2022, de 01 de Agosto, estando em vigor a Lei n.º 55/2021, de 13/01, a qual introduziu mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, sempre teria de ser este o diploma a observar, afastando-se as regras da seleção por antiguidade.»
Mais uma vez, esclarece que «[a] nova redacção do artigo 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC, acima citada, assim como a daquela que foi atribuída ao artigo 204.º, n.ºs 4 a 6 do CPC, entrou em vigor 60 dias após a publicação da Lei n.º 55/2021 em Diário da República, conforme resulta do artigo 4.º daquela Lei.
Tal publicação ocorreu no dia 13 de Agosto de 2021, sendo, consequentemente, aplicável aos presentes autos, e, concretamente, ao acto de distribuição destinado a introduzir o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Nuno Pires Salpico, e, assim, a determinar a nova composição do Tribunal Colectivo.
Nos presentes autos – à revelia do disposto no artigo 213.º, n.ºs 1 e 3, al.s a) e b), do CPC “ex vi” artigo 4.º do CPP – não existiu qualquer acto de distribuição aleatória do processo quanto à intervenção do Exmo. Senhor Juiz-Adjunto Dr. Nuno Pires Salpico.
Ora, inexistindo distribuição aleatória do processo no que se refere àquele Exm.º Senhor Juiz Desembargador Adjunto, cumpre concluir que o mesmo foi determinado à luz de um procedimento que não respeita as regras legalmente impostas para o efeito, leia-se, com recurso a distribuição independente de critérios de antiguidade ou outros e que assegure a não repetição sistemática do Tribunal Colectivo (artigo 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC), efectuada com “meios eletrónicos, os quais devem garantir aleatoriedade no resultado” (cfr. 204.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPC “ex vi” artigo 4.º do CPP), o que implica manifesta violação do artigo 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC, “ex vi” do artigo 4.º do CPP.
Os artigos 204.º, n.ºs 1 e 4, al. a) e 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 4.º do CPP, constituem normas infraconstitucionais que reforçam as garantias pelo princípio do Juiz Natural (artigo 32.º, n.º 9, da CRP), o que de resto se retira da sua previsão.
Tais normas, com a sua nova redacção, entraram inequivocamente em vigor após o decurso da “vacatio legis” de 60 dias contada da publicação da Lei n.º 55/2021 em Diário da República, conforme resulta do artigo 4.º daquela Lei, sendo através das mesmas que se deve proceder à determinação da composição do (único) Tribunal competente para a apreciação da causa.
Na realidade, a “vacatio legis” fixada pela Assembleia da República não foi nunca condicionada ao cumprimento do prazo para regulamentação da Lei dado ao Governo.
Em lado algum previu o legislador que a Lei e, assim, os princípios e regras de distribuição de processos junto dos Tribunais superiores apenas entraria em vigor se o Governo (formado pelo PS, que votou contra a sua aprovação) regulamentasse a Lei.»
Antecipando já eventual recurso para o Tribunal Constitucional, invoca o recorrente que:
«Os artigos 204.º, n.ºs 1 e 4, al. a) e 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC, na redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, os artigos 3.º e 4.º desta última Lei e o artigo 5.º, n.º 1 do CPP, interpretados no sentido de a exigência de distribuição dos Juízes Adjuntos que integram o Colectivo junto do Tribunal superior (nos termos do artigos 419.º, n.º 1 e 429.º, n.º 1, do CPP, na redacção que resulta da Lei n.º 13/2022, de 1 de Agosto), por meios eletrónicos de forma a garantir o carácter aleatório da mesma e a não repetição sistemática do Tribunal Colectivo, não ter entrado em vigor e ou não ser aplicável a recurso penal distribuído, junto de Tribunal superior, em processo pendente, após o decurso do prazo de 60 dias da vacatio legis prevista no artigo 4.º da mesma, com fundamento na falta de publicação de diploma legal pelo Governo que proceda à sua regulamentação prevista no artigo 3.º daquela, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigo 13.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 4 e 32.º, n.º 9 da CRP.
Acresce que é materialmente inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos artigos 419º nº 1 e 429º nº 1, ambos do CPP na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12 e dos artigos 204.º, n.ºs 1 e 4, al. a) e 213.º, n.º 3, al.s a) e b), do CPC, na redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 55/2021, de 13 de Agosto, o artigo 4.º desta última Lei e o artigo 5.º, n.º 1 do CPP, segundo a qual o Tribunal da Relação do Porto após a prolacção de acórdão com colectivo determinado por distribuição prévia, pode alterar a composição deste colectivo em sede de decisão de incidente pós decisório que recai sobre o primitivo acórdão, no que tange ao número de juízes que o compõem, concretamente para um relator e dois adjuntos com recurso a regras de antiguidade, postergando as regras de distribuição, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva nas suas várias vertentes, incluindo o princípio do juiz natural, da especialização e da decisão em prazo razoável – artigos 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 9 e 211.º da Constituição da República Portuguesa.»
Termina o seu requerimento afirmando que «a violação da regra do juiz natural pode redundar na comissão da nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea a) do C.P.P., isso na medida em que a causa seja deferida a outro tribunal, ou a membros dele, que não o(s) abstractamente (pré-)determinável(eis) em razão daquelas regras atributivas de competência.
Assim sendo, e por tudo o exposto, entende o Arguido/Recorrente que o Coletivo dos presentes autos, no momento em que passou a ser composto também pelo Dr. Nuno Pires Salpico, Exmo. Senhor Juiz Desembargador Adjunto, sofreu uma alteração, o que viola o princípio do juiz natural e represente nulidade insanável nos termos da alínea a) do artigo 119.º do C.P.P., nulidade que invoca para todos os efeitos legais.»
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do requerimento em apreço.
O requerimento em análise enquadra-se genericamente no âmbito da faculdade prevista no art. 425.º, n.º 4, do CPPenal, constituindo reclamação com arguição de nulidade, no caso nulidade insanável.
Vejamos.
Ao ser proferido, em recurso, um acórdão pelo Tribunal da Relação, como ocorreu nos presentes autos, fica de imediato esgotado o poder jurisdicional dos juízes quanto à matéria da causa. É o que resulta do disposto no art. 613.º, n.º 1, do CPCivil ex vi art. 4.º do CPPenal.
Ainda assim, é lícito ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença. Assim o prevê o n.º 2 do indicado preceito do Código de Processo Civil, mas também o n.º 4 do art. 425.º do Código de Processo Penal ao estipular que «[é] correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.»
No caso dos autos a nulidade suscitada não tem previsão no art. 379.º do CPPenal, constituindo-se como nulidade invocável a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão, no caso, condenatória.
Nessa perspectiva puramente formal, estava o recorrente em tempo de suscitar uma nulidade insanável, concretamente a prevista no art. 119.º, al. a), do CPPenal, na vertente da violação das regras legais relativas ao modo de determinar a (…) composição do Tribunal de recurso.
O requerimento apresentado será, pois, apreciado.
Porém, como veremos, nenhuma mácula, e muito menos insanável, afecta a composição do Tribunal de recurso no que respeita à decisão proferida a 21-12-2022.
À data da distribuição do processo no Tribunal da Relação do Porto (10-02-2022) estava em vigor a redacção ao art. 419.º do CPPenal introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, e que nos seus n.ºs 1 e 2 estabelecia que:
«1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz-adjunto.
2 - A discussão é dirigida pelo presidente, que, porém, só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e do juiz-adjunto.»
Todavia, a 21-12-2021 havia sido publicada a Lei 94/2021, de 21-12, que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação (cf. o seu art. 16.º), ou seja, a 21-03-2022, e que através do seu art. 14.º revogou o n.º 2 do art. 419.º do CPPenal.
Por tal razão, o primeiro acórdão proferido nestes autos nesta Relação do Porto, datado de 13-07-2022, mostra-se assinado pela aqui relatora, a quem foi distribuído o processo nessa qualidade, pelo Exmo. Juiz-Adjunto Dr. Paulo Costa e pelo Presidente da Secção Dr. Francisco Marcolino, que nessa qualidade, e após a entrada em vigor da Lei 94/2021, de 21-12, e da consequente eliminação do n.º 2 do art. 419.º do CPPenal, passou a assinar todos os acórdãos prolatados na Secção a que então presidia, participando na deliberação.
Sucede que, pouco depois, foi publicada a Lei 13/2022, de 01-08, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cf. o seu art. 5.º), isto é, 02-08-2022, e que atribuiu nova redacção aos n.ºs 1 e 2 do art. 419.º do CPPenal, que passou a ser a seguinte:
«1 - Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes-adjuntos.
2 - A discussão é dirigida pelo presidente, que, porém, só vota, para desempatar, quando não puder formar-se maioria com os votos do relator e dos juízes-adjuntos.»
Estas normas têm um conteúdo puramente processual, às quais se aplica o disposto no art. 5.º, n.º 1 do CPPenal, segundo o qual a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior, não tendo cabimento as excepções previstas no n.º 2 da referida norma, como tem sido prática uniforme nos nossos tribunais.
Como tal, e independentemente da validade da composição do Tribunal que prolatou o acórdão de 13-07-2022, que se manteve, quando a 21-12-2022 foi proferida nova decisão colegial no Tribunal da Relação, que apreciou reclamações e nulidades entretanto invocadas pelo recorrente, foi necessário dar cumprimento à Lei 13/2022, de 01-08, e adaptar a composição do Tribunal à nova redacção do art. 419.º do CPenal, fazendo intervir um segundo Juiz-Adjunto e atribuindo ao Presidente da Secção a função de dirigir a discussão e apenas votar para desempatar, que em concreto não foi necessário.
Por tal razão, o segundo acórdão prolatado nestes autos no Tribunal da Relação do Porto mostra-se assinado pela aqui relatora, pelo 1.º Juiz-Adjunto Dr. Paulo Costa, que já havia a assinado o primeiro acórdão, e pelo 2.º Juiz-Adjunto Dr. Nuno Pires Salpico, que pela primeira vez teve intervenção nos autos.
À data da distribuição do presente processo estava em vigor o sistema de composição de colectivos baseado na antiguidade dos magistrados judiciais, sendo apenas sorteado o relator.
Com efeito, nos termos do artigo 203.º do CPCivil ex vi art. 4.º do CPPenal, é pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.
Assim, a aqui relatora foi designada como relatora dos autos aquando da sua distribuição no Tribunal da Relação do Porto e à data do primeiro acórdão proferido mantinha essa qualidade, pelo que assinou o acórdão de 13-07-2022 respeitando a sua qualidade de relatora.
Por outro lado, no âmbito da 1.ª Secção Criminal, o Exmo. Colega Dr. Paulo Costa era o Juiz Desembargador que se seguia à relatora em termos de antiguidade, pelo que a sua intervenção como Juiz-Adjunto deu cumprimento ao critério da ordem de precedência a que alude o art. 56.º, n.º 2, ex vi art. 74.º, n.º 1, ambos da LOSJ ou o art. 661.º, n.º 2, do CPCivil, ex vi art. 4.º do CPPenal
Por fim, também o Exmo. Presidente da 1.ª Secção Criminal, o, então, Juiz Desembargador Francisco Marcolino, assinou o acórdão na qualidade de Presidente da Secção tendo por referência as regras já enunciadas.
Porém, logo a dia 07-09-2022 o Exmo. Juiz Conselheiro Francisco Marcolino tomou posse nessa qualidade no Supremo Tribunal de Justiça, sendo substituído nas funções de Presidente da Secção pelo, então, Exmo. Juiz Desembargador José Carreto, que viria a assinar a acta da sessão em conferência de 21-12-2022, nessa qualidade, sendo esta a data da prolação do segundo acórdão neste Tribunal da Relação do Porto.
O mesmo encontra-se assinado pela aqui relatora, que manteve essa qualidade, e pelos Exmos. Juízes-Adjuntos Dr. Paulo Costa (1.º Adjunto), pelas razões já indicadas, e Dr. Nuno Pires Salpico (2.º Adjunto).
A deliberação tomada agora sem a intervenção do Presidente da Secção e com um segundo Juiz-Adjunto decorre da alteração ao art. 419.º introduzida pela Lei 13/2022, de 01-08, a que já se aludiu, que teve aplicação imediata como também já se analisou.
E a intervenção específica do Exmo. Colega Juiz Desembargador Dr. Nuno Pires Salpico decorre das mesmas normas aplicáveis ao 1.º Adjunto: era o Juiz Desembargador que na Secção em causa e na ordem de antiguidade se seguia ao primeiro Juiz-Adjunto, o Exmo. Colega Paulo Costa.
É verdade, como refere o recorrente, que a Lei 55/2021, de 13-08, veio introduzir alterações a várias normas do Processo Civil, inserindo mecanismos de controlo da distribuição electrónica dos processos judiciais, designadamente, e para o que aqui importa, determinando que a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro (redacção atribuída ao art. 213.º, n.º 3, al. a), do CPCivil).
Porém, ao contrário do invocado pelo recorrente, esta lei não estava em condições de ser executada na data da sua entrada em vigor, isto é, 60 dias após a sua publicação, como se previa no seu art. 4.º, precisamente por falta de regulamentação.
Com efeito, previa-se no seu art. 3.º, sob a epígrafe “Regulamentação” que o Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação, devendo aquela entrar em vigor ao mesmo tempo que esta[1].
A ideia seria iniciar a elaboração de regulamentação à Lei dentro de 30 dias e no prazo de 60 dias Lei e respectiva regulamentação, que deviam entrar em vigor ao mesmo tempo, em simultâneo, portanto, estariam prontas a aplicar.
Mas o pretendido objectivo não se verificou e só em Maio de 2023 aquela pretensão legislativa se tornou exequível.
A Lei 55/2021, de 13-08, entrou em vigor na data nela estipulada, mas não era passível de execução, como, aliás, se reconheceu no preâmbulo da Portaria 86/2023, que veio proceder à prevista regulamentação.
Como decorrência destas incidências, a 21-12-2022, data de prolação neste Tribunal da Relação do Porto do acórdão que suscitou a nulidade que se aprecia, não era possível proceder à operação de sorteio de um 2.º Juiz-Adjunto.
Explica-se na referida Portaria que:
«A Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, e a Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, vieram prever novos mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais e dos processos da jurisdição administrativa e fiscal, remetendo para o Governo a sua regulamentação.
Os trabalhos destinados à preparação da regulamentação destas leis iniciaram-se logo após a sua publicação, com o levantamento das necessidades de alteração a introduzir nos sistemas de informação de suporte à atividade dos tribunais para dar cumprimento às novas disposições legais.
De acordo com as regras instituídas por estas leis passa a ser necessário reunir diariamente, em todos os locais onde ocorre distribuição, um conjunto de operadores da justiça para assistir ao ato da distribuição, que até aqui dispensava, na maioria dos casos, qualquer intervenção humana, e elaborar uma ata à qual é anexado o resultado da distribuição. Por força deste novo figurino, o Governo procurou encontrar as melhores soluções tecnológicas para que a operacionalização prática das leis pudesse ter lugar sem afetar significativamente o funcionamento diário dos tribunais. Essas soluções requerem, no entanto, desenvolvimentos informáticos relevantes nos sistemas de informação de suporte à atividade dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e fiscais.
Em face da complexidade destes desenvolvimentos, entende o Ministério da Justiça dever operacionalizar a Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, e a Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, mesmo que alguns dos procedimentos previstos na presente portaria não beneficiem, no imediato, das funcionalidades e automatismos pretendidos.
Simultaneamente, e porque o Governo se revê nos objetivos do legislador de total transparência do procedimento de distribuição de processos, estabelece-se na presente portaria a obrigatoriedade de publicitação das decisões, das deliberações, dos provimentos e das orientações que, nos termos da lei, podem condicionar as operações de distribuição, permitindo um escrutínio efetivo do resultado das operações de distribuição.
Reconhecendo o impacto potencial desta regulamentação sobre o funcionamento quotidiano dos tribunais, determina-se ainda que seja efetuada uma avaliação da aplicação prática do regime, por forma a identificar constrangimentos e oportunidades de melhoria.»
Determina ainda a Portaria, publicada a 27-03-2023, que a sua entrada em vigor ocorre 45 dias após a sua publicação, ou seja, a 11 de Maio de 2023.
Como tal, só nesta última data, como bem se explica no preâmbulo da Portaria em análise, foi possível dar execução aos novos procedimentos de distribuição previstos na Lei 55/2021, de 13-08, designadamente, e para o que aqui importa, ao sorteio de Juízes-Adjuntos, afastando-se o critério da antiguidade.
Em suma, nos presentes autos foram sempre escrupulosamente cumpridas as normas que em cada momento vigoraram no que respeita à composição do Tribunal de recurso, nenhuma regra legal ou constitucional tendo sido violada com os procedimentos adoptados ao longo do processo.
A composição do Tribunal de recurso que julgou em conferência o acórdão de 21-12-2022 não foi arbitrária, à revelia das normas então vigentes ou à revelia de um qualquer critério legal.
Não procede, pois, a invocação de inconstitucionalidades por violação do juiz natural, nem, tão-pouco, inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 13.º 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, através da interpretação dos arts. 204.º, n.ºs 1 e 4, aI. a), e 213.º, n.º 3, als. a) e b), do CPC, na redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 55/2021, de 13-08, dos arts. 3.º e 4.º desta última Lei e do art. 5.º, n.º 1, do CPP no sentido de que a exigência de distribuição dos Juízes-Adjuntos que integram o Colectivo junto do Tribunal superior (nos termos do arts. 419.º, n.º 1, e 429.º, n.º 1, do CPPenal, na redacção que resulta da Lei 13/2022, de 1 de Agosto), por meios eletrónicos de forma a garantir o carácter aleatório da mesma e a não repetição sistemática do Tribunal Colectivo, não ter entrado em vigor e ou não ser aplicável a recurso penal distribuído junto de Tribunal superior, em processo pendente, após o decurso do prazo de 60 dias da vacatio legis prevista no art. 4.º da mesma, com fundamento na falta de publicação de diploma legal pelo Governo que proceda à sua regulamentação prevista no artigo 3.º daquela, que não foi, sequer, explicada pelo recorrente.
Mas ainda que se concluísse que a composição do Tribunal de recurso no âmbito do segundo acórdão proferido havia interpretado incorrectamente a sucessão de leis sobre a questão da sua composição, nunca estaríamos perante uma qualquer nulidade insanável, concretamente a prevista na al. a) do art. 119.º do CPPenal, ou seja, perante violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal de recurso.
É que as regras sobre a determinação da composição do Tribunal de recurso, sejam as anteriores, sejam as posteriores, são todas elas válidas enquanto regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal de recurso. E o que o recorrente discute não é a validade de cada um dos regimes de composição do Tribunal de recurso que se seguiram no tempo, que são válidos per si, mas a concreta execução da sucessão de leis no tempo.
E aí não estamos perante qualquer nulidade insanável – que pressupõe a efectiva violação de regras sobre o modo como se determina a composição do Tribunal de recurso – mas eventualmente, caso se aplique um regime não conforme às regras de sucessão de leis no tempo, e na falta de outra previsão legal, perante mera irregularidade a invocar nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CPPenal, há muito ultrapassado.
Ressalva-se deste apertado período para invocar a irregularidade relativa à intervenção de um Juiz-Adjunto nos termos em que o recorrente configura o problema, o actual regime (decorrente da entrada em vigor da Lei 55/2012 de 13-08, prevendo-se no n.º 1 do art. 205.º do CPCivil, ex vi art. 4.º do CPPenal, sob a epígrafe “Falta ou irregularidade da distribuição”, que a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final.
Assim, ainda que alguma falha tivesse ocorrido na aplicação da sucessão de leis que regulam a composição do Tribunal de recurso – que não se verificou, como vimos – nunca estaríamos perante qualquer nulidade, e muito menos insanável, restando enquadrar a putativa falha como irregularidade, a invocar nos termos descritos, que não foram cumpridos e há muito se esgotaram.
Diga-se, aliás, que a analisada arguição de nulidade insanável, vista a cronologia do processo, se apresenta como manifesto expediente dilatório do recorrente para impedir a baixa do processo à 1.ª Instância e a execução da pena em que foi condenado.
Com efeito, por requerimento de 12-06-2024, ou seja, cerca um ano e meio após o acórdão de 21-12-2022, que determinou a arguição de nulidade insanável que aqui se aprecia, o recorrente arguiu junto do Tribunal Constitucional a nulidade da distribuição, da intervenção dos Juízes Conselheiros e a violação do juiz natural, naquele Tribunal, tendo o Tribunal Constitucional, por acórdão de 22-10-2024, indeferido a mencionada arguição de nulidade.
É de estranhar, por ser altamente anómalo, que o recorrente se tenha lembrado de invocar um tal vício junto do Tribunal Constitucional e que se tenha esquecido de o invocar antes ou em simultâneo, neste Tribunal, relativamente ao acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 21-12-2022.
Na verdade, só a 28-10-2024, seis dias após a decisão do Tribunal Constitucional sobre o requerimento de 12-06-2024, logo muito perto do trânsito em julgado do decidido naquele Alto Tribunal, o recorrente se lembrou de arguir a “nulidade insanável” da composição do Tribunal de recurso que prolatou a decisão de 21-12-2022, cerca de dois anos antes.
Toda esta avaliação e a complexidade da reclamação com arguição de nulidade deve reflectir-se nas custas do procedimento.
Improcede, assim, a pretensão do recorrente.
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em:
a) - Julgar improcedentes as pretensões do recorrente;
b) - Condenar o recorrente, aqui reclamante, nas custas da reclamação, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
Porto, 12 de Março de 2025
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
_______________
[1] Realce a negrito e sublinhado da relatora.