DIVÓRCIO
REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
ARROLAMENTO
BENS EM COMPROPRIEDADE
Sumário

I - Face ao disposto no nº 1 do art. 376.º do CPC, as disposições relativas ao procedimento cautelar comum, são aplicáveis aos procedimentos cautelares especificados, pelo que, dado que no procedimento cautelar de arrolamento a lei não prevê expressamente se a providência deve ser decretada sem a audiência prévia do requerido, deve o juiz, através de despacho fundamentado, decidir dispensar ou não essa audiência prévia, consoante entenda que a mesma é ou não suscetível de comprometer a urgência ou o efeito útil da providência.
II - Nos termos do disposto no art. 409.º, nº 1 do CPC, o arrolamento deve incidir sobre bens comuns, ou bens próprios que estejam sob a administração do outro.
III - Resultando da prova documental que consta dos autos, que o casamento entre as partes foi celebrado sob o regime de separação de bens, sendo que neste regime de bens, de acordo com a previsão do art. 1735.º do Código Civil, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, ou seja, não há bens comuns, e embora, face ao disposto no nº 2 do art. 1736.º do mesmo diploma legal, “Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.”, havendo bens pertencentes a ambos os cônjuges, sempre o seriam em compropriedade, pelo que nunca teria aplicação o art. 409.º referido.

Texto Integral

Apelação 2539/24.3T8PRD.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
AA, melhor identificado nos autos, instaurou procedimento cautelar de arrolamento especial, nos termos do disposto no art. 409.º do CPC, contra BB, requerendo que se proceda ao arrolamento da quantia que se encontra depositada na ou nas contas bancárias da Banco 1..., tituladas pela Requerida e que se encontra na posse desta.
Alegou, em síntese, que casou com a requerida no dia 08 de dezembro de 2015, sob o regime da separação de bens, que pretende intentar ação de divórcio, e que este arrolamento de bens é preliminar de tal ação. Mais alegou que durante a vida em comum Requerente e Requerida amealharam algum dinheiro que foram depositando numa conta que ficou titulada apenas no nome da Requerida, mas que nos termos do disposto no nº 2 do art. 1736.º, do Cód. Civil, aquele dinheiro tem-se como pertencente, em compropriedade, a ambos os cônjuges.

Entrado o requerimento inicial, foi proferido despacho que ordenou a citação da requerida para, querendo, deduzir oposição, ao abrigo do disposto no art. 366.º, nº 1 do CPC.

Nessa sequência, a requerida deduziu oposição, pugnando, em síntese, pela improcedência do procedimento cautelar, desde logo tendo em conta o regime de bens do casamento e a inexistência de bens comuns a partilhar.

Atentas as posições das partes manifestadas nos articulados, o Tribunal a quo decidiu ser possível conhecer imediatamente do mérito da providência, sem necessidade de produção de qualquer prova, por se tratar de mera questão jurídica, tendo proferido decisão que julgou manifestamente improcedente o procedimento cautelar e, consequentemente, não decretou o arrolamento.

Não se conformando com o assim decidido, veio o Requerente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos autos e com efeito suspensivo da decisão.
Formulou, o recorrente, as seguintes conclusões das suas alegações:
“1- O tribunal “a quo” cometeu vários erros nos presentes autos de arrolamento.
2- O presente procedimento de arrolamento foi intentado nos termos e ao abrigo do disposto no art. 409º, do Cód. Proc. Civil, como resulta claro do prólogo do requerimento inicial o arrolamento requerido é de bens próprios do Requerente.
3- Bens que estão sob a administração da Requerida.
4- O arrolamento é especial, ao abrigo da 2ª parte do já referido nº 1 do art. 409º, do Cód. Proc. Civil e tem tramitação especial.
5- A parte contrária não pode ter conhecimento da providência antes da mesma ser deferida ou indeferida.
6- E nunca por nunca a parte contrária poderia ter sido citada para tomar posição sobre a mesma, como quanto a nós erradamente foi, ao abrigo de uma providência comum, nos termos do art. 366º, nº 1 do CPC.
7- O despacho recorrido aplicou mal a lei, tendo violado o disposto nos arts. 409º, 366º, nº 1 e 228º, todos do Cód. Proc. Civil.
8- Resulta do despacho recorrido que este assenta em justificação e fundamentação para a qual não necessitava de ouvir a parte contrária.
9- Pelo que, à luz do direito aplicável, só devia e tinha de proferir decisão de deferimento ou indeferimento da providência face aos factos e ao direito alegado pelo Recorrente.
10- Restando a este interpor recurso, querendo, sobre o seu indeferimento, tudo se passando sem que a parte contrária devesse ter ou tivesse conhecimento.
11- Assegurando-se, assim, o risco da perda de garantia patrimonial que com o procedimento em causa se visava acautelar.
12- E o efeito surpresa da providência que, no caso concreto em qualquer circunstância e à luz de qualquer dispositivo legal, já não existe e a perda da garantia patrimonial é ou pode ser assim óbvia e até fatal.
13- O despacho recorrido é ilegal e deve ser revogado, o que se requer.
14- Devendo declarar-se nulo e sem qualquer eficácia processual tudo quanto foi decidido após o recebimento do requerimento do arrolamento, o que se requer.
15- O tribunal fez uma errada leitura e interpretação dos factos constantes do requerimento do arrolamento, já que desde o cabeçalho aos factos narrados no corpo da causa de pedir e do pedido resulta claro que se pretende o arrolamento de dinheiro que, sendo bem próprio do Requerente, está sob a administração da Requerida.
16- Donde, a necessidade de se lançar mão do presente arrolamento com vista a garantir o recebimento do dinheiro.
17- Salvo melhor opinião, o despacho recorrido também violou o disposto nos art. 1735º e 1753º, todos do Cód. Proc. Civil.
18- A decisão acertada para o presente arrolamento era o de deferir o arrolamento de bens sem audição da parte contrária.
19- Aplicando-se o disposto no art. 409º, do Cód. Proc. Civil.
20- O que se requer seja doutamente deferido e decidido.
Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que defira o arrolamento de bens nos termos requeridos, assim se fazendo sã e inteira JUSTIÇA.”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, as questões a apreciar consistem em saber se a decisão recorrida é ilegal e deve ser declarado nulo e sem qualquer efeito tudo quanto foi decidido após o recebimento do requerimento de arrolamento e se deveria, antes, ter sido deferido o arrolamento sem audição da parte contrária.
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2. Decisão recorrida
É a seguinte a decisão recorrida:
“AA, melhor identificado nos autos, veio instaurar o presente procedimento cautelar de arrolamento especial nos termos do disposto no artº 409º do CPC, contra BB, requerendo que se proceda ao arrolamento da quantia que se encontra depositada na ou nas contas bancárias da Banco 1..., tituladas pela Requerida e que se encontra na posse desta.
Alega em súmula e para o que agora releva, que casou com a requerida no dia 08 de Dezembro de 2015, sob o regime da separação de bens, pretendendo intentar acção de divórcio, constituindo este arrolamento de bens preliminar de tal acção. Mais alegou que durante a vida em comum Requerente e Requerida amealharam algum dinheiro que foram depositando numa conta que ficou titulada apenas no nome da Requerida. Finalmente alegou que nos termos do disposto no nº 2 do art. 1736º, do Cód. Civil, aquele dinheiro tem-se como pertencente, em compropriedade, a ambos os cônjuges. O que o Requerente tem de aceitar porque não consegue fazer prova de que lhe pertence em exclusivo ou, no mínimo, em maior percentagem.
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A requerida foi citada para deduzir oposição, o que fez, pugnando, em síntese, pela improcedência do procedimento cautelar, desde logo pelo regime de bens do casamento e inexistência de bens comuns a partilhar.
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O Tribunal é competente.
Inexistem nulidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e obstem à apreciação do mérito da causa.
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As providências cautelares visam, prevenir eventuais prejuízos resultantes da delonga temporal que carateriza a atividade de resolução de conflitos e que podem prejudicar o efeito útil da ação judicial.
Como é sabido, a função primordial da tutela cautelar, e o que a distingue das demais providências judiciais, é a sua instrumentalidade em face da ação principal que irá decidir, definitivamente, o litígio.
O arrolamento é uma providência cautelar especificada de natureza conservatória, cuja função é a de assegurar a conservação de certos bens na pendência da ação principal ou garantir a persistência de documentos idóneos a provar a titularidade do direito, evitando, assim, a produção de um eventual dano ao requerente. Consiste numa descrição, avaliação e depósito de bens (litigiosos) e visa assegurar a sua permanência (ou o não extravio, ocultação ou dissipação), em ordem a fazer valer a titularidade de direitos sobre esses bens na acção «à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas» – Art.º 403º, nº 2, do CPC.
A providência cautelar de arrolamento (comum), prevista nos artigos 403.º e seguintes do Código de Processo Civil, tem por finalidade evitar o extravio, ocultação, ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos que sejam objeto do direito do requerente.
Em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, a lei prevê que, como preliminar ou incidente da respetiva ação que, «qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro» (artº 409º, nº 1, do CPC), sem que seja necessário sequer demonstrar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (artº 409º, nº 3, do CPC), por se presumir iuris et de iure que a rotura da sociedade conjugal é propiciadora de atuações ilícitas sobre o património dos cônjuges.
Nesse contexto, o arrolamento tem ainda como objetivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente, em vista do qual se estabelece que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se» (artº 408º, nº 2, do CPC).
Embora o legislador tenha concebido os arrolamentos especiais previstos no art.º 409º, nº 1, do CPC, como preliminares ou incidentes das acções aí referidas, não pode deixar de se reconhecer que a finalidade última deste tipo de arrolamentos não é tanto o desfecho da acção, mas os actos subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, onde sobressai a partilha do património comum.
O arrolamento não se esgota na acção de divórcio, separação ou anulação, mas mantém-se e subsiste até se mostrar efectuada a partilha, uma vez que, até lá, não obstante o divórcio decretado, permanece o perigo de dissipação e extravio dos bens. E por isso já se entendeu que nos arrolamentos previstos no art.º 409º, nº 1, do CPC, cabe também o arrolamento requerido após o divórcio, separação de bens ou declaração de nulidade ou anulação de casamento, desde que não tenha sido realizada a partilha, ou seja como preliminar ou incidente, já não daquelas acções, mas sim do inventário para partilha de meações (Ac RL de 18.09.2014, www.dgsi.pt).
E neste medida, o entendimento jurisprudencial tem sido no sentido de admitir o decretamento do arrolamento especial, não só como preliminar ou incidente da ação de divórcio, mas também como preliminar ou incidente da ação de inventário, porquanto em ambos os casos se justifica a presunção de existência do fundado receio de dissipação ou ocultação de bens, dada a conflituosidade dos cônjuges, de modo a prevenir o desaparecimento do património conjugal e de modo a alcançar-se uma partilha justa e equilibrada.
De acordo com a configuração dada pelo próprio requerente no requerimento inicial, o presente arrolamento foi instaurado nos termos do artº 409º do CPC, como preliminar da ação de divórcio a intentar, estando ambos casados sob o regime de separação de bens, alegando expressamente o requerente que o bem cujo arrolamento pretende, pertence em compropriedade a ambos os cônjuges.
Como referido, o arrolamento admitido no artº 409º do CPC, configura um arrolamento especial, que pode, quanto ao que aqui importa ser preliminar de ação de divórcio a intentar, mas cuja finalidade é tão só o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro.
Da prova documental junta aos autos, resulta que o casamento entre as partes está celebrado sob o regime de separação de bens.
Estando as partes casadas sob o regime de separação de bens, não há bens comuns, podendo existir apenas bens próprios e bens em compropriedade, conforme resulta da definição que nos é dada pelo artigo 1735.º do Código Civil, consagrando-se no n.º 2 do artigo 1736.º do Código Civil uma presunção de compropriedade, em caso de dúvida quanto ao titular de determinado bem.
Significa isto, que, no regime da separação de bens não há património comum, nem bens do casal, no sentido de propriedade colectiva ou de “mão comum”.
O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto de o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito), que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela [CC anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 347 e 348], a comunhão de mão comum ou propriedade colectiva reporta-se a “um património afectado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza (…) e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos litigados por determinado vínculo (familiar, societário ou de outra ordem). A doutrina (…) costuma recorrer a este conceito para enquadrar o regime a que a lei subordina o património comum dos cônjuges, tal como o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa.
Assim, na partilha dos bens subsequente à dissolução da comunhão ou destinada a pôr-lhe fim, os contitulares têm apenas direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
Já na compropriedade, tal como previsto no art.º 1403.º, n.º 1, do CC, dois ou mais sujeitos participam no direito de propriedade sobre bem certo e determinado, sendo que a divisão se faz por acordo ou nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.
Ora, afastada, in casu, a existência de bens comuns, por força do regime de bens do casamento, não há património comum a partilhar, donde se mostra excluída a possibilidade de inventário subsequente ao divórcio.
Acresce que, conforme alegado o bem cujo arrolamento se pretende, pertence a ambos os cônjuges em compropriedade, não é possível a obtenção do efeito pretendido através do arrolamento especial intentado, que é requerido como preliminar ou incidente da acção de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, e onde apenas se procede ao arrolamento de bens comuns ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro, tendo em vista garantir a justa partilha dos bens, logo que o divórcio seja concretizado.
Nada impede, porém, que, em relação a esses bens detidos em compropriedade possa ser requerido arrolamento (geral nos termos do artº 403º do CPC), o qual, porém, não será dependência da ação de divórcio nem de inventário, mas de ação de divisão de coisa comum, a correr nos Juízos Locais Cíveis.
Nestes termos, não se verifica a instrumentalidade da presente providência relativamente à ação de divórcio a intentar, já que não é a ação de divórcio a ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas (art.º 403º, nº 2, do CPC).
DECISÃO
Face a tudo o anteriormente exposto, julgo manifestamente improcedente o presente procedimento cautelar e, consequentemente, não decreto o arrolamento.
Custas pelo requerente.
Registe e notifique.”
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede e da decisão recorrida.
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IV – MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O requerente/recorrente refere no seu requerimento inicial que intenta o procedimento cautelar de arrolamento como preliminar da ação de divórcio que pretende instaurar contra a requerida.
E assim sendo, o procedimento a adotar deveria ter sido o do arrolamento especial previsto no nº 1 do art. 409.º do CPC, que dispõe que “Como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro.”.
Entende, ainda, que o procedimento cautelar especificado de arrolamento é decretado sem audição da parte contrária.
Ora, no caso, o Tribunal recorrido decidiu mandar citar a requerida para deduzir oposição, ao abrigo do disposto no art. 366.º do CPC.
Cabe, então, apreciar se tal decisão é ilegal, como o recorrente pretende.
Ora, não nos parece.
Se analisarmos o Capítulo II, do Título IV, relativo aos procedimentos cautelares especificados, constatamos que se prevê expressamente o decretamento, sem citação ou audiência do requerido, quanto aos procedimentos cautelares de restituição provisória de posse e de arresto, o que não acontece em relação aos demais procedimentos cautelares, nomeadamente, o arrolamento.
A isto acresce que, face ao disposto no nº 1 do art. 376.º do CPC, as disposições relativas ao procedimento cautelar comum, são aplicáveis aos procedimentos cautelares especificados.
Assim sendo, dado que no procedimento cautelar de arrolamento a lei não prevê expressamente se a providência deve ser decretada sem a audiência prévia do requerido, deve o juiz, através de despacho fundamentado, decidir dispensar ou não essa audiência prévia, consoante entenda que a mesma é ou não suscetível de comprometer a urgência ou o efeito útil da providência.
No caso, o despacho que mandou citar a requerida, embora sem uma fundamentação exaustiva dos motivos, acaba por justificar a opção pela audição da requerida, ao referir o art. 366.º, nº 1 do CPC, subentendendo-se, deste modo, que entende não ocorrer motivo que exija a dispensa da dita audição.
Não ocorre, pois, qualquer nulidade ou ilegalidade do despacho em causa.

No que diz respeito à decisão de improcedência do procedimento cautelar:
Como se diz na decisão recorrida, em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, a lei prevê que, como preliminar ou incidente da respetiva ação que, «qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro» (art. 409.º, nº 1, do CPC), sem que seja necessário sequer demonstrar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (art. 409.º, nº 3, do CPC), por se presumir iuris et de iure que a rotura da sociedade conjugal é propiciadora de atuações ilícitas sobre o património dos cônjuges.
Mais se diz que nesse contexto, o arrolamento tem ainda como objetivo acautelar a justa partilha dos bens após a dissolução do casamento, designadamente no eventual processo de inventário subsequente, em vista do qual se estabelece que «o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se» (art. 408.º, nº 2, do CPC).
Sucede que, face ao disposto no citado art. 409.º, nº 1 do CPC, o arrolamento deve incidir sobre bens comuns, ou bens próprios que estejam sob a administração do outro.
Da prova documental que consta dos autos resulta, tal como, aliás, foi alegado pelo requerente, que o casamento entre as partes foi celebrado sob o regime de separação de bens.
Neste regime de bens, de acordo com a previsão do art. 1735.º do Código Civil, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, ou seja, não há bens comuns, embora, face ao disposto no nº 2 do art. 1736.º do mesmo diploma legal, “Quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, os bens móveis ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges.”.
No caso, embora no recurso, o recorrente venha dizer que o arrolamento foi pedido ao abrigo da 2ª parte do nº 1 do art. 409.º do CPC, ou seja, o arrolamento de bens próprios que estejam sob a administração do outro, o certo é que no requerimento inicial é alegado pelo recorrente, que a quantia que pretende ver arrolada pertence, em compropriedade, a ambos os cônjuges. Compropriedade que, aliás, é negada pela requerida na sua oposição.
Ora, ainda que estejamos perante bens móveis (a quantia existente na conta bancária), entendemos não se verificar, no caso, a presunção que consta do nº 2 do art. 1736.º do Código Civil, a qual apenas ocorre quando haja dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, sendo certo que na situação em discussão, essa dúvida não se afigura evidente, considerando que a conta se encontra apenas em nome da requerida, nada indicando que as quantias aí depositadas sejam compropriedade de ambos os cônjuges.
Mas, ainda que assim fosse, concordamos com a decisão recorrida, quando aí se refere que na compropriedade, tal como previsto no art. 1403.º, n.º 1, do CC, dois ou mais sujeitos participam no direito de propriedade sobre bem certo e determinado, sendo que a divisão se faz por acordo ou nos termos do processo especial de divisão de coisa comum.
Assim, não estando em causa bens comuns do casal ou bens próprios do requerente, sob administração da requerida, mas antes bens em compropriedade, não tem aplicação o art. 409.º do CPC, devendo o arrolamento ser requerido ao abrigo do art. 403.º, nº 1 do CPC e por dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
E se é certo que nos termos do art. 376.º, nº 3 do CPC, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, certo é também que não se verificam, até porque não foram devidamente alegados, os requisitos para que seja decretado o arrolamento normal, nos termos dos arts. 403.º a 405.º do CPC, nomeadamente, a prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o justo receito de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos, já que o requerente não junta qualquer prova documental que pudesse comprovar ter feito depósitos na conta em questão, conta que, como já referido, se encontra apenas no nome da requerida, e eventualmente de sua mãe, mas não do requerente.
Face ao exposto, não podemos deixar de concordar com a decisão do Tribunal recorrido que decidiu não decretar o arrolamento a quantia que se encontra depositada na ou nas contas bancárias da Banco 1..., tituladas pela Requerida.
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V - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 2025-03-20
Manuela Machado
Judite Pires
Isabel Silva