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PERSI
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA ACTUAL
Sumário
Sumário da responsabilidade do relator (artº 663º nº 7 do Código de Processo Civil): I- As comunicações relativas ao PERSI não podem ser interpretadas como interpelação em ordem ao vencimento antecipado da dívida, já que, no PERSI, estamos perante um regime de benefícios de um conjunto de direitos e de garantias para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos Tribunais, nada permitindo concluir pelo vencimento antecipado da dívida. II- De acordo com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do S.T.J. de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2022, de 30/6/2022 (Publicado no D.R., I Série, de 22/9/2022), nos termos do art.º 310º, alínea e) do CC prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com os juros respectivos, sendo que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, origina uma prestação unitária e global, que envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo de prescrição de cinco anos. III- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente (artº 323º nº 1 do Código Civil). Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias (artº 323º nº 2 do Código Civil). IV- Um reduzido número ou mesmo uma única obrigação incumprida poderão, por si só, indiciar a penúria do devedor, característica da sua insolvência, tal como, inversamente, a não satisfação de um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para caracterizar tal estado.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1- “P… Compagny”, intentou processo especial de insolvência contra AA… e mulher, BB…, peticionando a declaração de insolvência dos requeridos.
Para fundamentar tal pretensão alegou, em resumo, que os requeridos detêm para com a requerente uma dívida no valor de 232.729,50 €, que se encontra vencida há cerca de cinco anos, proveniente de dois contratos de mútuo celebrados com a “Caixa …, S.A.”, dívidas que lhe foram transmitidas por via de um contrato de cessão de créditos.
Mais refere que o único património conhecido aos requeridos é uma fracção destinada à habitação sobre a qual incidem duas hipotecas voluntárias constituídas para garantir o crédito da requerente e diversas penhoras tituladas pela AT, por outras instituições financeiras e por particulares.
Por fim, alega que os requeridos não têm liquidez e solvabilidade económica para cumprir a generalidade das suas obrigações.
2- Regularmente citados, vieram os requeridos deduzir oposição, invocando a ilegitimidade da requerente, a prescrição do crédito e no mais impugnaram parcialmente os factos, alegando que não se encontram em incumprimento generalizado das suas obrigações.
3- Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da requerente, sendo ainda enunciado o objecto do litígio e indicados os temas de prova.
4- No seu requerimento de produção de prova, veio a requerida peticionar a realização de perícia judicial, “tendo por objecto a avaliação do justo valor de mercado do bem imóvel da propriedade dos Requeridos” (cf. Contestação de 26/4/2023).
5- Em sede de audiência de discussão e julgamento, foi proferido o seguinte despacho : “-Prova pericial: não se admite a requerida perícia, por se entender que a mesma é dilatória, não se mostrando necessária à decisão a proferir. Com efeito, ainda que se admita que o imóvel propriedade dos requeridos tenha o valor indicado na contestação e fosse no limite suficiente para pagar as dívidas vencidas dos mesmos, a verdade é que os autos evidenciam, desde já, que sobre o bem em causa incidem diversas penhoras não se encontrando o mesmo livre para ser transacionado, sendo certo que decorridos mais de dez anos sobre o incumprimento inicial das obrigações assumidas perante a Caixa…, S.A. e cinco anos sobre o início da acção executiva intentada para cobrança coerciva da dívida invocada pela requerente com a penhora do bem em causa, até ao momento o imóvel não conferiu liquidez aos requeridos para liquidar as suas dívidas”.
6- Após o julgamento, foi proferida Sentença a julgar a acção procedente, constando da sua parcela decisória : “Face a todo o exposto, o Tribunal julga procedente a presente acção e, em consequência (…), decide : a) declarar a insolvência de AA…, contribuinte fiscal nº …; b) declarar a insolvência de BB…, contribuinte fiscal nº …; c) fixar residência a ambos os insolventes na Rua …, Lisboa (art. 36º, nº 1, alínea c), do C.I.R.E.); d) nomear, por sorteio, como administrador da insolvência, Rui…, com escritório na Rua…, já antes aleatoriamente nomeado para o processo (art. 36º nº 1, alínea d), do C.I.R.E.); e) não nomear Comissão de Credores por não se dispor neste momento de elementos para tal (art. 66º do C.I.R.E., a contrario); f) determinar que os insolventes procedam à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos referidos art. 24º, nº 1, do C.I.R.E., que ainda não se encontrem nos autos (art. 36º, alínea f), do C.I.R.E.); g) determinar a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art. 36º, alínea g), do C.I.R.E.); h) advertir os credores da insolvente de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem; i) não declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência (art. 296º do C.I.R.E.); j) fixar em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (art. 36º, nº 1, alínea j), do C.I.R.E.); k) não designar dia para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art. 156º do C.I.R.E., dada a previsível composição da massa insolvente e o facto de a requerente não colocar qualquer hipótese de recuperação, sendo que não está em causa nenhuma das situações previstas no nº 2 do art. 36º (art. 36º, alínea n), do C.I.R.E.); l) avocar todos os processos de execução fiscal pendentes contra a insolvente a fim de serem apensados ao presente processo (artigo 181º do Código de Processo Tributário). * (…) Nos termos do art. 36º, nº 4, do C.I.R.E., todos os prazos previstos neste diploma que têm como referência a data da realização da assembleia de apreciação de relatório serão, caso não venha a ser designada data para a realização da assembleia de apreciação do relatório, contados com referência ao 45º dia subsequente à prolação desta sentença. Custas pela massa insolvente – art. 304º do C.I.R.E.. Valor: € 232.729,50 – art. 305º e 306º do C.P.C.. ** Registe e notifique a sentença nos termos do art. 37º do C.I.R.E.”.
7- Inconformada com a decisão que indeferiu o seu pedido de realização de prova pericial, dela recorreu a requerida, apresentando as suas alegações com as conclusões que se seguem : “I. O presente recurso tem por objecto do despacho proferido em 22/11/2023, em sede de audiência de julgamento, que indeferiu o pedido de prova pericial tendo por objecto a avaliação do justo valor de um bem imóvel da propriedade da Recorrente (em comunhão com o Requerido, seu cônjuge), oportunamente formulado na oposição à insolvência. II. A oposição à insolvência deduzida pela Recorrente demonstrou que a mesma não se encontra em situação de insolvência à luz dos artigos 3º nº 1 e 20º do CIRE, sustentando-se em múltiplos fundamentos, em ordem subsidiária. III. No contexto do presente recurso, releva especificamente um dos fundamentos subsidiários ali invocados, que consiste no afastamento dos requisitos da situação de insolvência em virtude da manifesta superioridade do activo – incluindo os activos líquidos e ilíquidos – dos Requeridos face ao seu passivo. IV. O critério geral de aferição da situação de insolvência consiste na impossibilidade de satisfação das dívidas vencidas, nos termos do artigo 3º nº 1 do CIRE, e a verificação do mesmo em cada caso concreto é feita por referência às situações típicas previstas no artigo 20º do CIRE. V. Para o apuramento da situação de insolvência, à luz do critério de base previsto no artigo 3º nº 1 do CIRE e dos casos típicos previstos no artigo 20º do mesmo código, é determinante apurar o valor do património, líquido ou ilíquido, dos putativos insolventes. VI. Se os bens que integram esse património, avaliados pelo seu justo valor de mercado, forem suficientes para satisfazer as dívidas vencidas dos Requeridos, fica afastada a situação de insolvência – interpretação que tem sido sufragada pela melhor jurisprudência. VII. Nesses casos, ainda que a liquidez imediata dos Requeridos seja insuficiente para cumprir todas as suas obrigações vencidas, o único meio contencioso adequado para cobrança dessas obrigações é o processo de execução, procedendo-se aí à venda judicial dos bens do devedor e destinando-se parte do produto da venda ao pagamento dos créditos exequendos, e o remanescente aos Executados. VIII. Interpretação diversa do artigo 3º nº 1 do CIRE significaria permitir que qualquer credor se servisse arbitrariamente do processo de insolvência, como meio alternativo ao processo de execução, para proceder à cobrança mais célere e expedita dos seus créditos, ainda que isso envolva prejuízos desmedidos e desproporcionais para o devedor – o que, manifestamente, não foi pretendido pelo legislador do CIRE. IX. A Recorrente, em comunhão com o Requerido, seu cônjuge, é proprietária de um bem imóvel correspondente a fracção autónoma designada pela letra I, sita na Rua…, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha nº xxx e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo xxxx. X. Esse bem imóvel, em função das suas características, localização e bom estado de conservação tem, no entender dos Requeridos, um valor substancialmente superior ao do respectivo passivo. XI. O meio de prova mais idóneo e eficiente para demonstrar em juízo o valor do bem imóvel em questão é a prova pericial, uma vez que a avaliação do mesmo depende de conhecimentos técnicos de que o Tribunal não dispõe. XII. Assim, a prova do valor do património da Requerida depende estritamente da realização de uma perícia judicial nos termos que ficaram peticionados na oposição à insolvência. XIII. Ao contrário do que pressupôs o Tribunal a quo, a relevância e a apreciação do justo valor do bem imóvel da Requerida, à luz do artigo 3º nº 1 do CIRE, não requer que o mesmo se encontre “livre para ser transacionado”, isto é, livre de ónus e encargos (v.g. hipotecas e penhoras). XIV. Tanto mais, porquanto esses ónus e encargos sempre se extinguiriam com a venda judicial, nos termos do artigo 824º do Código Civil. XV. Ainda que a alienação do bem imóvel em questão fosse realizada extra-processualmente pelos Requeridos, sempre a venda seria celebrada no pressuposto de que o preço a pagar pelo comprador seria precipuamente destinado a expurgar as ditas hipotecas e penhoras – pelo que, também nessa hipótese, o imóvel seria transacionado como se estivesse livre de ónus e encargos. XVI. Fica assim demonstrada, em concreto, a pertinência e a estrita necessidade da referida prova pericial para a prova de factos essenciais para a defesa da Requerida, devidamente alegados na oposição, à luz do disposto nos artigos 467º e segs. do CPC. XVII. Fica igualmente evidenciado que o Tribunal a quo, ao indeferir a realização da dita perícia, incorreu em manifestos erros de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 3º nº 1 e 20º do CIRE, e 467º e segs. do CPC. XVIII. Devendo a decisão recorrida ser revogada com esse fundamento, e substituída por outra que determine, ao abrigo do disposto no artigo 475º e segs. do CPC (ex vi artigo 17º do CIRE), a realização de perícia judicial tendo por objecto a avaliação do justo valor do bem imóvel da propriedade dos Requeridos, correspondente a fracção autónoma designada pela letra I, sita na Rua…, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha nº xxx e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo xxxx. XIX. Em virtude da procedência do presente recurso, deverão ser declarados nulos todos os actos subsequentes a despacho recorrido, na medida em que dele dependam, nomeadamente, o encerramento da audiência de julgamento e a sentença final proferida em 29/11/2023, por aplicação analógica do artigo 195º do CPC – o que desde já se requer. Nestes termos, requer a V. Exas. julguem o presente recurso totalmente procedente e, consequentemente, revoguem a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a realização de perícia tendo por objecto a avaliação do justo valor do bem imóvel dos Requeridos, melhor identificado supra. Mais se requer que, em virtude da procedência do presente recurso sejam declarados nulos os actos que dependam do despacho recorrido, nomeadamente o encerramento da audiência de julgamento e a sentença de 29/11/2023”.
8- A requerente apresentou contra-alegações relativamente a este recurso, indicando as seguintes conclusões : “I – Vem o recurso interposto do douto despacho que indeferiu o pedido de prova pericial requerida pelos insolventes. II – No entanto, o referido recurso deverá, nos termos do artigo 656.º do CPC, ser recusado uma vez que é “manifestamente infundado”. III – Tal facto prende-se com a circunstância de o objecto do recurso – perícia – não se enquadrar em nenhum dos temas da prova fixados em sede de audiência de discussão e de julgamento – temas da prova (e objecto do litígio) à qual as partes referiram nada ter a opor. Caso assim não se considere, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diga que, IV – Convenientemente, os insolventes não explicam como é que o referido imóvel – sobre o qual pretendem que seja realizada a perícia – que, segundo aqueles, é mais do que suficiente para liquidar as suas dívidas, nunca gerou, até ao dia de hoje, qualquer liquidez e/ou rendimento que lhes permitisse pagar (ainda que parcialmente) as suas dívidas. V – Tal facto demonstra, isso sim, que aquele imóvel é insuficiente para fazer face às obrigações vencidas dos requeridos. VI – Acresce que, a Caixa… – a quem a P… adquiriu créditos – instaurou, em 2017, acção executiva com vista à cobrança do crédito – processo onde foi penhorado o referido imóvel e que, posteriormente, veio a ser sustado por penhora prévia. VII – A Promontoria já desencadeou todos os mecanismos possíveis para fazer valer o seu crédito sobre os requeridos em face da circunstância de aqueles se encontrarem em incumprimento desde há mais de oito anos – valores que continuam, diariamente, a vencer juros. VIII – Dívidas que inclusive não se resumem ao crédito da qual a Promontoria é titular, conforme referido pelos próprios insolventes, em sede de contestações. IX – Pelo que é inequívoca a incapacidade de cumprimento das obrigações vencidas, logo, a situação de insolvência dos requeridos. De igual modo se diga, X – Contrariamente ao que parecem defender os insolventes, o Tribunal a quo considerou que a perícia requerida seria “dilatória não se mostrando necessária à decisão a proferir” e não porque o imóvel se encontra(va) onerado. XI – O imóvel não gerou durante todos estes anos – período mais do que suficiente para os insolventes terem diligenciado pela sua venda e, em última instância, para o pagamento das suas dívidas – qualquer liquidez que permitisse o pagamento (ainda que parcial) das obrigações, por parte dos insolventes. XII – Obrigações que se verificam para com a P… (cujo crédito, à data de 25/03/2021, ascendia já a € 232.729,50 - e que continua, diariamente, a vencer juros), mas também para com outros credores, nomeadamente, com os (cinco) maiores credores identificados pelos insolventes. XIII - Em face da antiguidade dos incumprimentos e da dimensão dos valores que se encontram em dívida, considerou o Tribunal a quo, como se impunha, que a perícia para apuramento do efectivo valor do imóvel seria irrelevante para afastar a manifesta incapacidade de cumprimento das obrigações vencidas. XIV – Devendo, consequentemente, manter-se inalterada o douto despacho recorrido que indeferiu o pedido de perícia, requerido pelos insolventes. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. certa e muito doutamente sempre suprirão, deve o recurso a que se responde ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais. Só assim se decidindo, será cumprido o Direito e feita Justiça”.
9- Inconformados com a Sentença, dela recorreram os requeridos, para tanto apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões : “I. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida em 29/11/2023, que julga a acção procedente e declara a insolvência dos Recorrentes. II. Não podem os Recorrentes conformar-se com o teor dessa decisão, porquanto a mesma incorre em patentes violações de regras processuais imperativas e, em qualquer dos casos, faz uma errada apreciação da prova constante dos autos e evidencia erros de interpretação do Direito aplicável. III. A Recorrente apresentou, anteriormente, recurso de despacho proferido na audiência de julgamento que indefere a produção de prova pericial, o qual ainda não subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, sendo certo que a procedência desse recurso implicará a anulação da sentença aqui recorrida. E.1) Questão prévia: da nulidade da sentença recorrida IV. O facto provado nº 9 foi alegado pela Requerente por requerimento de 20/9/2023 (ref.ª 46561813), e veio a revelar-se determinante para a decisão proferida pelo Tribunal a quo a respeito da existência dos créditos invocados pela Requerente e, consequentemente, da legitimidade da mesma para mover e prosseguir o presente processo. V. O (suposto) facto provado nº 9 só poderia ser considerado pelo Tribunal a quo, na estrita condição de ter sido dada oportunidade aos Recorrentes de sobre ele exercerem o contraditório, nos termos do artigo 5º nº 2, alínea b), parte final, do CPC (ex vi artigo 17º do CIRE). VI. Tem sido entendido pela jurisprudência que artigo 5º nº 2, alínea b), parte final, do CPC impõe que o Tribunal dê a conhecer às partes interessadas que irá atribuir relevância ao facto complementar ou concretizador em questão, concedendo-lhes o exercício do contraditório nesse pressuposto. VII. No caso vertente, não foi concedido o contraditório aos Recorrentes acerca da alegação do (suposto) facto provado nº 9, donde decorre uma violação da regra imperativa do artigo 5º nº 2, alínea b), parte final, do CPC e, bem assim, do princípio do contraditório previsto no artigo 3º nº 3 do CIRE. VIII. A sentença recorrida é configurável como uma decisão surpresa, e padece, por isso, de nulidade nos termos do artigo 195º do CIRE – pois decorre da inobservância de uma formalidade imposta por Lei, com manifesta relevância para a decisão da causa – e, cumulativamente, de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º nº 1, alínea d), do CPC (ex vi do artigo 17º do CIRE) – pois conhece uma questão de facto que não poderia conhecer sem prévio exercício do contraditório. IX. A sentença recorrida deverá, com esses fundamentos, ser declarada nula, o que se requer desde já. X. Admitindo por mera hipótese que assim não se entenda, o que não se concede, sempre haveria que considerar o seguinte, a título subsidiário: E.2) Da impugnação da decisão sobre matéria de facto XI. O Tribunal dá como provado, e bem, que “Os requeridos não pagaram as prestações acordadas e vencidas no dia 02.11.2012” (facto provado nº 7); XII. Mas depois contrapõe, aí erradamente, que “Tais contratos (de financiamento entre a Caixa… e os Recorrentes) retomaram o seu curso, tendo os requeridos deixado de pagar atempadamente as prestações em 2/11/2016 e em 2/06/2015, respectivamente” (facto provado nº 9), sendo esse facto, depois, determinante para a apreciação da questão da prescrição invocada pelos Recorrentes em sede de oposição. XIII. O Tribunal a quo afirma, em sede de motivação, que o seu convencimento quanto ao facto provado nº 9 decorreu da análise dos “documentos juntos em anexo ao documento nº 7 remetido com a p.i.” – sem especificar quais. XIV. É apenas possível supor que o Tribunal a quo se refere, nesse ponto, a duas notas de débito, com as ref.ª 128752 e nº 128757, emitidas pela Caixa…, que incluem alusões à “data da última prestação paga” e que integram o referido documento nº 7 junto à PI. XV. Os documentos em questão são da exclusiva autoria da própria Caixa…, e por isso não constituem um meio de prova objectivo e isenta quanto à data de vencimento dos créditos sub judice – justamente porque a Caixa…, anterior titular do crédito (e dos interesses) da Requerente, nunca iria contra os seus próprios interesses ao ponto de afirmar uma data de vencimento que permitisse aos Recorrentes invocar a prescrição. XVI. Os documentos a que se refere o Tribunal a quo não permitem, por isso, fundamentar o seu convencimento quanto ao facto provado nº 9 – o qual, em qualquer dos casos, é falso. XVII. Acresce que não existem nos autos quaisquer putativos meios de prova de que os Recorrentes tenham procedido a pagamentos de prestações dos créditos sub judice após o incumprimento verificado em 2/11/2012 (v. facto provado nº 7), o que igualmente retira qualquer sustento ao enunciado do facto provado nº 9. XVIII. Do exposto decorre que o Tribunal a quo sempre teria incorrido num erro de julgamento a respeito do facto provado nº 9, devendo o mesmo ser excluído, com esse fundamento, da matéria de facto assente – o que se requer desde já. E.3) Da impugnação da decisão sobre matéria de direito: da prescrição XIX. A cláusula 13º do contrato de mútuo no valor de € 194.760,00, e a cláusula 14º do contrato de mútuo no valor de € 49.476,35 (ambos integrantes do documento nº 7 do requerimento inicial), interpretada à luz dos artigos 236º e 238º do Código Civil, estatui que o incumprimento de uma das prestações de cada um desses contratos pelos aqui Recorrentes importa o vencimento imediato de todas as prestações subsequentes. XX. De acordo com as mesmas cláusulas, esse vencimento imediato não depende de qualquer interpelação adicional por parte da Caixa… (ou da Requerente, cessionária dos créditos em questão), o que é corroborado por vasta jurisprudência produzida em casos análogos, envolvendo cláusulas contratuais em tudo semelhantes. XXI. In casu, o incumprimento do plano prestacional dos referidos contratos de financiamento pelos Recorrentes ocorreu em 2/11/2012 (cfr. facto provado nº 7), tendo-se vencido, nessa data, todas as prestações subsequentes desses contratos. XXII. Com esse vencimento antecipado em 2/11/2012 teve início o prazo de prescrição de 5 anos, aplicável à globalidade das prestações vencidas, nos termos do artigo 310º, alínea e), do Código Civil. XXIII. Esse prazo não sofreu qualquer vicissitude devido à integração dos Recorrentes no programa PERSI, quer porque o DL nº 227/2012, de 25 de Outubro não se encontrava ainda em vigor em 2/11/2012, quer ainda porque o PERSI não integra qualquer uma das causas de suspensão ou de interrupção do prazo de prescrição, legalmente previstas nos artigos 318º e segs. do Código Civil. XXIV. O Tribunal a quo começa por estabelecer, correctamente, a premissa de que “o que releva para efeitos da contagem da prescrição é o último pagamento ocorrido antes da declaração do vencimento da integralidade da dívida, pois que será a partir desse momento que assume relevância a inercia do credor”. XXV. Contudo, o Tribunal a quo toma por base o facto provado nº 9 – que, como vimos, deverá ser retirado da matéria de facto provada – para depois concluir que esse “último pagamento” das prestações dos créditos invocados pela Requerente teria ocorrido em 2015 e 2016, em moldes que impediriam o decurso do prazo de prescrição até à citação dos Recorrentes no processo de execução movido pela Caixa… em 2018 (cfr. facto provado nº 12). XXVI. A decisão exara, nesse ponto, um erro de aplicação do Direito, directamente decorrente da errada inscrição do facto provado nº 9 na matéria assente, devendo ser revogada com esse fundamento, XXVII. E substituída por outra que declare a ilegitimidade da Requerente, por reconhecer que desde o vencimento antecipado da totalidade das prestações dos créditos da Requerente em 2/11/2012, até à citação dos ora Recorrentes no processo de execução movido pela CGD (melhor identificado no ponto 7 do requerimento inicial) decorreram mais de 5 anos, tendo transcorrido o prazo de prescrição previsto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil, e encontrando-se esses créditos extintos. XXVIII. Admitindo por mera cautela que assim não se entenda, o que não se concede, sempre haveria que considerar o seguinte: E.4) Da impugnação da decisão sobre matéria de direito: da solvência dos Recorrentes XXIX. Os artigos 3º, 20º e 30º nº 3 do CIRE, conjugada com os artigos 30º e nº 3 do mesmo código postulam que a declaração de insolvência ficará afastada sempre que o devedor demonstre, em concreto, que não se encontra numa situação de penúria financeira que o impossibilite de cumprir a globalidade das suas dívidas vencidas, e mesmo que se verifiquem os factos-índice previstos no artigo 20º do CIRE. XXX. Neste caso concreto, o artigo 3º nº 1 do CIRE deverá ser aplicado tendo em conta os factos provados nº 25 (“O requerido apresentou a declaração de reinício de actividade junto da Autoridade Tributária, reportada a 1/1/2023”), 27 (“Os requeridos celebraram acordo de pagamento com a C… Limited, por intermédio da H…I…, para liquidação de créditos bancários entretanto adquiridos por aquela entidade, no valor de € 12.000,00”), 28 (“Os requeridos propuseram a celebração de acordo de pagamento com a Unicre”) e 29 (“Os requeridos liquidaram em 29.04.2023 à AT dívidas fiscais no valor de € 3.864,81”). XXXI. Os factos provados nº 27, 28 e 29 demonstram que os Recorrentes têm capacidade económica para pagar uma parte substancial das suas dívidas vencidas, incluindo a credores particulares e à Autoridade Tributária e Aduaneira. XXXII. O facto provado nº 25 denota que essa capacidade financeira decorreu da reabertura da actividade profissional do Recorrente, por declaração apresentada junto da Autoridades Tributária e Aduaneira em 1/1/2023. XXXIII. Os factos provados acima referidos evidenciam que, não obstante as dificuldades económicas que levaram os Recorrentes a suspender o pagamento das suas dívidas (incluindo dos créditos do Requerente) em 2012, os mesmos lograram recuperar e restabelecer a sua situação financeira em 2023, XXXIV. E afastam liminarmente a verificação de uma situação de penúria financeira, sendo com ela incompatíveis. XXXV. Os factos dados como provados demonstram, em suma, que os Recorrentes se encontram presentemente numa situação de solvência e excluem a aplicação do critério substancial de decretamento da insolvência previsto no artigo 3º nº 1 do CIRE, determinando a improcedência da presente acção. XXXVI. A sentença de declaração de insolvência evidencia, também neste ponto, um erro de interpretação e aplicação das normas legais ao caso vertente, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção improcedente e absolva os Recorrentes do pedido – o que se requer, a título subsidiário. Nestes termos, requer a V. Exas. julguem o presente recurso procedente e, em consequência: i) declarem a nulidade da sentença recorrida, por aplicação dos artigos 195º e 615º nº 1, alínea d), do CPC (ex vi do artigo 17º CIRE); ou, caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese, ii) determinem a exclusão do facto provado nº 9 da matéria de facto assente; e, em conformidade, iii) declarem a improcedência da acção com fundamento na ilegitimidade da Requerente; ou, na hipótese de assim não se entender, o que não se concede, iv) declarem a improcedência da acção, por ter sido demonstrada a solvência dos Recorrentes à luz do artigo 3º nº 1 do CIRE. Assim se fazendo a costumada Justiça”.
10- A requerente contra-alegou, com as seguintes conclusões : “I – Inexiste qualquer nulidade da sentença recorrida: o facto dado como provado no ponto 9 (referente às datas de incumprimento dos dois contratos identificados nos autos) – contestado pelos Apelantes – foi alegado na petição de insolvência, pelo que inexiste qualquer violação do princípio do contraditório. II – Os requeridos têm perfeito conhecimento, desde que foram notificados da petição de insolvência, das datas de incumprimento definitivo dos dois créditos peticionados e, consequentemente, nada os impedia de terem, em sede de contestação, colocado em causa as referidas datas de incumprimento – o que fizeram, ainda que indirectamente, quando arguiram a excepção da prescrição. III – E mais tarde, a 6/10/2023, quando a Requerida respondeu ao requerimento da Requerente de 20/09/2023 – onde a aqui Apelada respondeu à excepção de prescrição. IV – Acresce que tais datas já tinham sido invocadas na execução intentada contra os aqui Apelantes, à qual não deduziram qualquer oposição. Paralelamente, V – Os documentos invocados pelos Apelados (docs. 1 e 2 juntos na contestação) para fundamentar que o facto dado como provado no ponto 9 da sentença recorrida não o deveria ter sido correspondem, apenas e tão-somente, às cartas enviadas pela Caixa…, em 2012, a informar da integração dos Requeridos no PERSI – cartas que não constituem qualquer declaração de vencimento antecipado/resolução dos contratos. VI – Tendo os contratos retomado o seu curso, aqueles vieram, posteriormente, a entrar em incumprimento – o que originou que a Caixa… remetesse duas cartas para os requeridos, conforme factos provados elencados nos números 10 e 11. VII – Factos que não foram impugnados pelos Apelantes. VIII – Do teor das referidas cartas resulta que as datas de incumprimento dos dois contratos celebrados correspondem, precisamente, àquelas que foram indicadas não só em sede de petição de insolvência, mas também no requerimento executivo referente ao processo onde os Requeridos foram executados. IX – A narrativa construída pela Apelante (de que os contratos estão em incumprimento desde 2012) não corresponde à verdade e coloca em causa a autoridade de caso julgado formal – o que demonstra a má-fé processual em que os Requeridos operam. X - Pelo que, contrariamente ao que referem os Apelantes, andou bem a Tribunal a quo ao dar como provado o facto elencado no ponto 9. XI – Tendo os dois contratos melhor identificados nos autos sido definitivamente incumpridos a 2/11/2016 e a 2/06/2015 e tendo aquelas responsabilidades sido accionadas a 28/12/2017, não se verifica qualquer prescrição. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se diga XII – Mesmo que se considerasse – o que apenas se admite por mero dever de patrocínio – que os contratos foram definitivamente incumpridos em 2012 (como defende a Apelante), mesmo assim não se verificaria qualquer prescrição, conforme detalhou a douta sentença recorrida. XIII – Por via da integração do regime do PERSI, a Caixa… não podia accionar os créditos até à extinção daquele procedimento – que apenas terminaria a 11/01/2013, conforme resulta o doc. 1 e 2 junto em sede de contestação. XIV – Decorridos os cinco anos (de prescrição) sobre essa data, os créditos apenas se encontrariam prescritos a 11/01/2018. XV – Sucede que a acção executiva melhor descrita nos autos foi intentada antes dessa data, bem como antes da que resulta do artigo 323, nº 2, do CC. XVI – Em síntese: também relativamente à apreciação da questão da prescrição, a sentença recorrida não merece qualquer reparo. Por fim, XVII – É clara e inequívoca a situação de insolvência dos Requeridos: não só não demonstraram os rendimentos que (alegadamente) têm (nomeadamente o Requerido) – vide pontos d, e, f, g e i dos factos não provados da douta sentença recorrida – bem como resultou dos autos a existência de dívida em montante superior a € 687.931,08. XVIII – Facto que é, só de per si, suficiente para demonstrar a incapacidade para fazer face às suas obrigações vencidas. XIX – Tanto assim é que, da perspectiva do crédito da Requerente, à data da apresentação da petição de insolvência, a dívida ascendia já ao impressionante valor de € 232.729,50 (e sobre o qual se continuam a vencer juros diariamente) – responsabilidades que, conforme referido, se encontram em dívida há mais de oito anos. XX – Período durante o qual os Requeridos não conseguiram gerar qualquer liquidez que lhes permitisse, ainda que parcialmente, pagar os referidos créditos. XXI – Pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. certa e muito doutamente sempre suprirão, deve o recurso a que se responde ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais. Só assim se decidindo, será cumprido o Direito e feita Justiça”.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto considerada como provada em 1ª instância é a seguinte :
1- No exercício da sua atividade creditícia, a “Caixa…, S.A.” celebrou com os requeridos AA… e BB… os seguintes acordos:
a) Um contrato de mútuo com hipoteca, identificado pelo IBAN PT 00…, pela quantia de 194.760 €, celebrado por escritura pública em 02/08/2006, que se destinou a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados em bens imóveis ;
b) Um contrato de mútuo com hipoteca, identificado pelo IBAN PT 00…, pela quantia de 49.476,35 €, celebrado por escritura pública em 02/08/2006, que se destinou à liquidação do empréstimo concedido pelo “Banco S…, S.A.”, para aquisição do imóvel hipotecado destinado à habitação própria permanente dos mutuários.
2- Para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, relativamente aos contratos de mútuo identificados, foram constituídas duas hipotecas sobre a fracção autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito na Rua…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº xxx da freguesia de Benfica e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo xxxx.
3- As hipotecas mostram-se registadas pelas AP. 73 de 2006/06/16 e AP. 74 de 2006/06/16 e garantem os capitais mutuados de 194.760 € e de 49.476,35 €, respectivamente, os respetivos juros anuais contratualmente acordados, bem como as despesas emergentes dos contratos celebrados, com os montantes máximos assegurados de 274.101,32€ e de 43.308,68€ respectivamente.
4- Nas Cláusulas 13ª e 14ª dos contratos identificados em 1. ficou acordado entre as partes que :
“A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, designadamente, no caso de : a) incumprimento pela parte devedora de qualquer obrigação decorrente do contrato ; (…)”.
5- Por escritura pública datada de 12/5/2020, a “Caixa…, S.A.” cedeu os identificados créditos e as respectivas garantias à requerente.
6- A transmissão das garantias hipotecárias para a requerente mostra-se registada pelas AP. 147 de 2020/09/29.
7- Os requeridos não pagaram as prestações acordadas e vencidas no dia 2/11/2012.
8- Em 1/1/2013, a “Caixa…, S.A.” endereçou aos requeridos as cartas anexas ao Documento nº 1 junto com a contestação, mediante a qual comunicou aos requeridos a sua integração no PERSI, nos termos do Decreto-Lei nº 227/2012, fazendo referência ao incumprimento de três contratos, dois dos quais os contratos identificados em 1., cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais.
9- Tais contratos retomaram o seu curso, tendo os requeridos deixado de pagar atempadamente as prestações em 2/11/2016 e em 2/6/2015, respectivamente.
10- Em 10/3/2017, a “Caixa…, S.A.” endereçou aos requeridos carta a informar que se encontravam em atraso 5 e 22 prestações, no valor total de 2.297,37 € e 3.188,29 €, e a interpelar os requeridos para procederem à liquidação dos valores em atraso ou à apresentação de soluções de regularização, por forma a evitar o accionamento judicial da totalidade da dívida, nos termos do Documento nº 2, junto com a resposta às excepções, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11- Em 11/5/2017, a “Caixa…, S.A.” endereçou aos requeridos carta a informar que se encontravam em atraso 7 e 24 prestações, no valor total de 3.349,24 € e 3.480,83 €, e a informar que face à frustração das diligências efectuadas com vista à regularização da dívida iria instaurar em Tribunal a competente acção judicial para cobrança da totalidade da dívida, nos termos do Documento nº 3, junto com a resposta às excepções, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12- A “Caixa…, S.A.” moveu contra os requeridos a acção executiva com vista à cobrança do crédito aqui invocado, em 28/12/2017, correndo a mesma termos no Juízo de Execução de Lisboa sob o nº xxx.
13- Na referida execução foi penhorado o bem imóvel identificado em 2..
14- A execução foi sustada quanto ao referido bem em Novembro de 2018, uma vez o imóvel em causa já se encontrava penhorado.
15- Sobre o imóvel que constitui o único património dos insolventes encontram-se registados os seguintes ónus :
a) Duas hipotecas a favor da requerente inscritas pela ap. 73 de 2006/06/16 e 74 de 2006/06/16, para garantia da dívida invocada nestes autos ;
b) Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de 54.230,89 € – ap. 1855 de 2014/11/28 ;
c) Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de 55.533,69 € – ap. 1636 de 2015/06/12 ;
d) Penhora a favor da “XXX, S.A.” para garantia da quantia exequenda de 3.589,62 € – ap. 3200 de 2015/12/11 ;
e) Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de 57.091,01 € – ap. 1979 de 2016/04/08 ;
f) Penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de 30.117,38 € – ap. 1840 de 2017/07/27 ;
g) Penhora a favor de CC… e DD… para garantia da quantia exequenda de 27.015,23 € – ap. 3745 de 2017/10/27 ;
h) Penhora a favor da “Caixa…, S.A.” para garantia da quantia exequenda de 209.788,34 € – ap. 1566 de 2018/01/10.
16- Não foram encontrados outros bens penhoráveis da titularidade dos requeridos.
17- Os requeridos foram citados para a execução em 30/5/2018.
18- Os requeridos tinham ainda pendentes contra si os seguintes processos executivos :
-Proc. nº xxx, instaurado pela “H… STC, S.A.” (credor originário “C… E…”) para cobrança da quantia de 18.351,64 € ;
-Proc. nº 28079/19.4 T8LSB, instaurado pela “C… Limited” (credor originário “B… – Banco…, S.A.”) para cobrança da quantia de 16.859,73 €.
19- Os requeridos invocaram a prescrição do crédito invocado pela requerente através de carta remetida em 13/2/2023, nos termos constantes do Documento nº 2, junto com a contestação.
20- Os requeridos invocaram expressamente a prescrição, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 304º do Código Civil, por carta de 3/2/2023, remetida à Autoridade Tributária e Aduaneira das dívidas a si imputadas, nos termos do Documento nº 16, junto com a contestação.
21- Os requeridos remeteram ao Instituto da Segurança Social, I.P., carta datada de 3/2/2023, na qual invocaram a prescrição de um conjunto de créditos aí identificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 304º do Código Civil, conforme cópia que se junta como Documento nº 17, junto com a contestação.
22- O presente processo de insolvência iniciou-se em 25/3/2021.
23- Foi proferida Sentença em 23/6/2022, que decretou a insolvência dos requeridos, considerando os factos alegados provados com base na revelia absoluta dos mesmos, a qual foi revogada com fundamento na nulidade da citação.
24- Os requeridos indicaram como sendo os seus cinco maiores credores, excluindo a requerente :
i) Instituto de Segurança Social, I.P. – 209.212,12 € ;
ii) Autoridade Tributária – 197.032,97 € ;
iii) “XXX, S.A.” ;
iv) CC… e DD… ;
v) “Banco B…, S.A.”.
25- O requerido apresentou a declaração de reinício de actividade junto da Autoridade Tributária, reportada a 1/1/2023.
26- Os requeridos intentaram acção declarativa comum, contra a “Caixa…, S.A.” e contra a aqui requerente peticionando que seja reconhecido que as ali R.R. não detêm sobre os aqui requeridos o crédito aqui invocado, por ter o mesmo prescrito, que corre termos no Juízo Central Cível de Lisboa sob o nº xxx.
27- Os requeridos celebraram acordo de pagamento com a “C…”, por intermédio da “H… I…”, para liquidação de créditos bancários entretanto adquiridos por aquela entidade, no valor de 12.000 €.
28- Os requeridos propuseram a celebração de acordo de pagamento com a “U…”.
29- Os requeridos liquidaram, em 29/4/2023, à AT dívidas fiscais no valor de 3.864,81 €.
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b) Foram considerados como não provados os seguintes factos :
I- O requerido AA é agente comercial desde 2000.
II- A partir de 2006, o requerido AA… exerceu a sua actividade por intermédio da “A… – Representações Têxteis, Ldª”.
III- Fruto do empenho e competência do requerido AA… o seu negócio obteve, à data, assinalável sucesso, gerando rendimentos elevados.
IV- A partir de Agosto de 2022, o requerido AA… ficou encarregue de agenciar a venda dos produtos “D…” nas regiões geográficas de Lisboa e sul de Portugal.
V- Na fase inicial da sua actividade de agente comercial da marca “D…”, o requerido promoveu vendas no valor de cerca de 80.000 €, com apenas doze clientes.
VI- O requerido AA… antecipa, numa estimativa conservadora, que até ao final do presente ano conseguirá promover vendas acrescidas em valores entre 150.000 € e 200.000 €.
VII- Cabe ao requerido uma comissão correspondente a 10% das vendas realizadas por seu intermédio.
VIII- As dívidas à AT e à SS encontram-se parcialmente extintas por prescritas, sendo a dívida actual à SS no montante de 131.406,80 €.
IX- Os requeridos têm procedido ao pagamento e à regularização das suas dívidas tributárias, com base nos rendimentos obtidos pelo requerido no exercício da sua actividade.
X- O imóvel identificado em 2. tem o valor de 650.000 €.
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c) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
“In casu” estamos perante um recurso referente a um despacho intercalar, e outro incidente sobre a Sentença, interpostos pelos requeridos
d) Recurso do despacho intercalar.
Perante as conclusões das alegações da recorrente a única questão em recurso consiste em determinar se devia ser autorizada a produção de prova pericial.
e) Recurso da Sentença.
Perante as conclusões das alegações dos apelantes as questões sob recurso consistem em determinar :
-Se a decisão recorrida é nula.
-Se há que alterar a matéria de facto.
-Se ocorreu a prescrição do crédito da recorrida.
-Se é possível concluir que os recorrentes se encontram em situação de insolvência.
e) Quanto ao recurso do despacho intercalar :
Vem a recorrente apresentar a sua discordância da decisão que indeferiu o seu pedido de realização de prova pericial, nomeadamente “a avaliação do justo valor de mercado do bem imóvel da propriedade dos Requeridos”, referindo que se trata “de meio de prova com relevância determinante para o cumprimento do ónus da Requerida de provar a sua solvência”.
Ora, como bem salienta a apelante, tem ela o ónus de provar a sua solvência, nos termos do artº 30º nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), isto é, cabe-lhe a ela trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias dos quais se conclua que não está insolvente.
E o Tribunal “a quo” entendeu que a diligência requerida é dilatória e desnecessária, pois, em seu entender, mesmo que se viesse a apurar que o imóvel apreendido tem um valor superior ao valor patrimonial, o montante apurado em sede de venda nunca chegaria para pagar as dívidas dos requeridos.
Ora, na verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que : o passivo seja superior ao activo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias ; o activo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu activo. Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
“In casu”, tendo em atenção o valor elevado das dívidas reclamadas (mais de 465.000 € - cf. Apenso de apesar de ainda não ter sido proferida decisão final no Apenso “E”, de Reclamação de Créditos), bem como a “carga” de penhoras e hipotecas incidente sobre o bem imóvel, cujo valor patrimonial em 2021 era de 151.072,60 € (cf. Apenso “D” – Apreensão de bens), não se vê que haja possibilidade de o património, mormente o aludido bem imóvel, ser em valor superior à soma das dívidas.
O que significa que bem andou o Tribunal “a quo” ao indeferir o pedido de prova pericial.
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f) Resulta do exposto que o recurso incidente sobre o despacho proferido em 22/1/2023, no decurso da audiência de discussão e julgamento, terá de improceder.
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g) Quanto ao recurso da Sentença :
Vejamos, em primeiro lugar se a decisão recorrida é nula.
Defendem os recorrentes que o Facto Provado 9. (“9- Tais contratos retomaram o seu curso, tendo os requeridos deixado de pagar atempadamente as prestações em 2/11/2016 e em 2/06/2015, respectivamente”) foi alegado pela apelada por requerimento datado de 20/9/2023, tendo o mesmo sido determinante para a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” a respeito da existência dos créditos por aquela invocados. No entanto, dizem que não lhes foi concedida a oportunidade de sobre ele exercerem o contraditório.
Assim, segundo defendem, “a sentença recorrida é configurável como uma decisão surpresa, e padece, por isso, de nulidade (…) pois conhece uma questão de facto que não poderia conhecer sem prévio exercício do contraditório”.
Ora, o artº 3º nº 3 do Código Processo Civil impede que o Tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, accione o contraditório, excepto os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
E importa, antes de mais, fixar o conceito de decisão-surpresa.
Na maioria das legislações europeias, onde se pretendem estabelecer regras de um processo justo, o Juiz tem o dever de participar na decisão do litígio participando na indagação do direito, sem que esteja confinado à alegação de direito feita pelas partes.
A questão que se coloca na Doutrina é saber se tendo, por exemplo, sido dirigido ao Tribunal um pedido para apreciar se ocorreu um incumprimento contratual o Juiz pode, oficiosamente, na apreciação de mérito a que procede declarar a nulidade do contrato. Vale por dizer se é legítimo neste caso o Juiz decidir sobre a nulidade de um contrato sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão e sem que, previamente, tenha convocado as partes a pronunciar-se sobre esta hipótese decisão. Ou seja, o Juiz, de forma absolutamente inopinada, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta decisão do litígio. Não tendo, no entanto as partes configurado a questão na via adoptada pelo Juiz caber-lhe-ia dar-lhes a conhecer a solução jurídica que pretenderia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos.
Não subsistem dúvidas de que na estruturação de um processo justo o Tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
Trata-se da emanação dos princípios fundantes do processo justo como sejam os princípios de cooperação, boa-fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o Tribunal.
Ora, embora o artº 3º nº 3 do Código Processo Civil exija do Juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, ressalva os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
Afigura-se-nos, assim, que pode ser arguida a nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo Tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Isto é, as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de suporte, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo Tribunal) que poderiam trazer alguma luz sobre a posição oficiosamente assumida pelo Tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do Tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório.
O certo é que se o Juiz envereda por uma posição diversa e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a “nova” solução, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afecta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo Tribunal.
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h) No caso concreto, é possível verificar que no requerimento inicial apresentado pela recorrida, constam no artigo 14º, como datas de incumprimento os referidos dias 2/11/2016 e em 2/06/2015.
No requerimento executivo da acção executiva nº xxx, instaurada pelo credora antecedente da agora recorrida, e entretanto suspensa, são contabilizados juros a partir das referidas datas.
E no requerimento junto pela apelada em 20/9/2023, diz aquela no artigo 43º que “conforme já alegado no artigo 14º da petição inicial, o incumprimento definitivo ocorreu a 2/11/2016 e a 2/06/2015”.
Por outro lado, a recorrente, com data de 6/10/2023, juntou aos autos um requerimento onde diz expressamente que “(…) tendo sido notificada do requerimento da Requerente de 20/9/2023 (ref.ª 37044362) vem, ao abrigo do disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil (doravante, CPC) aplicável ex vi do artigo 17º do Código da Insolvência de da Recuperação de Empresas (doravante, CIRE), expor e requerer a V. Exa. o seguinte (…)”.
Com os quatro factos acima indicados é fácil concluir :
-As datas de 2/11/2016 e de 2/06/2015 não foram apenas alegadas no requerimento de 20/9/2023.
-Caso se entendesse que as datas em causa apenas foram trazidas aos autos no aludido requerimento, os recorrentes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre as mesmas, tendo apresentado oposição àquele (embora limitando a mesma à questão da tempestividade da contestação).
Assim sendo, não é possível concluir que estamos perante um caso em que as partes não tiveram oportunidade de debater o referido Facto Provado 9. perante as instâncias.
Ficaram os apelantes surpreendidos com alguma questão nova? Com algo que anteriormente não havia sido suscitado nos autos?
As datas constantes do referido facto já haviam sido alegadas em sede executiva, antes da instância insolvencial, foram invocadas no requerimento inicial do processo de insolvência e mais tarde referidas em requerimento avulso, ao qual aos recorrentes tiveram oportunidade de deduzir oposição.
É, pois, com alguma perplexidade que encaramos esta alegação da prolação de uma decisão-surpresa.
Deste modo, e sem necessidade de mais considerandos, há que julgar o recurso improcedente nesta parte, inexistindo qualquer nulidade da Sentença.
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i) Vejamos, agora, se existem motivos para alterar a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª instância.
Ora, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.
De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
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j) Defendem os recorrentes que o Facto Provado 9. deve ser considerado como Não Provado.
O seu teor é o seguinte :
“9- Tais contratos retomaram o seu curso, tendo os requeridos deixado de pagar atempadamente as prestações em 2/11/2016 e em 2/06/2015, respectivamente”.
Dizem os apelante que o Tribunal, na sua motivação, refere que o seu convencimento quanto a tal facto decorreu da análise dos “documentos juntos em anexo ao documento nº 7 remetido com a p.i.”, sem especificar quais. E adiantam que “é apenas possível supor que o Tribunal a quo se refere, nesse ponto, a duas notas de débito, com as ref.ª 128752 e n.º 128757, emitidas pela CGD, que incluem alusões à “data da última prestação paga” e que integram o referido documento nº 7 junto à PI”. Referem que tais documentos “são da exclusiva autoria da própria CGD, e por isso não constituem um meio de prova objectivo e isento quanto à data de vencimento dos créditos sub judice”.
Concluem que “não existem nos autos quaisquer putativos meios de prova de que os Recorrentes tenham procedido a pagamentos de prestações dos créditos sub judice após o incumprimento verificado em 2/11/2012 (…), o que igualmente retira qualquer sustento ao enunciado do facto provado nº 9”, “devendo o mesmo ser excluído, com esse fundamento, da matéria de facto assente”.
Ora, em sede de fundamentação para considerar tal facto como provado, diz o Tribunal “a quo” que “dos documentos juntos em anexo ao documento nº 7 remetido com a p.i., que evidenciam que as prestações em dívida se referem às prestações vencidas em 02.11.2016 e subsequentes, relativamente ao mútuo no valor de € 194.760,00 e em 02.06.2015 e subsequentes quanto ao mútuo no valor de € 49.476,35. Não obstante os requeridos alegarem que as dívidas ficaram integralmente vencidas em 02.11.2012, a documentação junta ao processo evidencia que após a falta de pagamento das prestações de novembro de 2012, os requeridos foram integrados no PERSI, ainda que não se saiba o seu resultado, e que os pagamentos se prolongaram até 2015 e 2016, tudo indicando que o pagamento prestacional se manteve nos termos acordados até àquelas datas”.
Ora, a verdade é que a prova para tal facto tem que ser, necessariamente, documental.
Para defenderem que deixaram de pagar atempadamente as prestações em 2/11/2012, os recorrentes juntam aos autos as cópias de duas cartas enviadas pela “Caixa…, S.A.”, antecessora da recorrida, datadas de 1/1/2013 (ver Documentos juntos com a Contestação de 26/4/2023 sob a designação “Carta”, pgs. 3 e 4), nas quais se refere que se registam incumprimentos nos dois contratos referidos no Facto Provado 1., informando-os da sua integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), nos termos do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
No fundo, e sem querermos entrar ainda na fundamentação de Direito, os recorrentes pretendem equiparar à interpelação e resolução o envio das referidas cartas de integração em PERSI.
Não cremos que assim seja, uma vez que estamos perante comunicações substancialmente diferentes, respeitantes a regimes diferentes.
As comunicações relativas ao PERSI não podem ser interpretadas como interpelação em ordem ao vencimento antecipado da dívida, já que, no PERSI, estamos perante um regime de benefícios de um conjunto de direitos e de garantias para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos Tribunais, nada permitindo concluir pelo vencimento antecipado da dívida (neste sentido, cf. Acórdão da Relação de Évora de 20/4/2023, Procº 5183/21.3T8STB-A.E1, Relatora Elisabete Valente, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Ou seja, tais cartas apenas visavam informar os apelantes da sua integração no PERSI, não constituindo qualquer declaração de vencimento antecipado e resolução dos dois contratos.
Aliás, do teor dos Documentos nºs. 2 e 3 juntos com o requerimento apresentado pela recorrida em 20/9/2023 (Refª 37044362), é possível concluir que após 2/11/2012 ocorreram pagamentos por parte dos recorrentes, sendo que em tais cartas, datadas de 10/3/2017 e de 11/5/2017 (ver Factos Provados 10. e 11.) a “Caixa…, S.A.” informou os apelados que se encontravam em atraso diversas prestações, interpelando-os para procederem à liquidação dos valores em atraso, por forma a evitar o accionamento judicial da totalidade da dívida.
Por outro lado, do Documento nº 7 junto com o requerimento inicial de 26/4/2021 (ver subtítulo “Outro” – Docs. 1 a 12, pgs. 22 a 85), verifica-se ter sido instaurada acção executiva contra os recorrentes, resultando do teor do requerimento executivo que as prestações em dívida se referem às prestações vencidas em 2/11/2016 e subsequentes, e em 2/6/2015, nada tendo que ver com a data de comunicação do PERSI (refira-se que esse Documento nº 7 é confirmado pela Certidão Judicial da acção executiva em causa, junta aos presentes autos em 20/11/2023 – Refª 37642845). E a verdade é que os recorrentes não deduziram oposição à execução, nomeadamente no que diz respeito às datas de vencimento ali alegadas pela “Caixa…, S.A.”.
É quanto nos basta para concluirmos que bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar como provado o Facto 9., improcedendo o recurso nesta parte.
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k) Improcedendo o recurso incidente sobre a matéria de facto, será, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
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l) Em sede de fundamentação de Direito, há que verificar se ocorreu a prescrição do crédito da recorrida.
Nos termos artº 298º nº 1 do Código Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
A prescrição consubstancia-se no instituto pelo qual se opera a extinção de direitos subjectivos, quando estes não são exercidos pelo respectivo titular durante um determinado período de tempo, fixado por lei (art.º 298º, n.º 1 do CC) - a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos (art.º 304º, n.º 1 do CC).
Assim, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº 304º nº 1 do Código Civil).
O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (artº 309º do Código Civil). Prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (artº 310º al. d) do Código Civil) e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros (artº 310º al. e) do Código Civil).
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o Tribunal seja incompetente (artº 323º nº 1 do Código Civil).
A razão essencial das prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis (artº 310º do Código Civil), prende-se com a protecção do devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos (cf. Vaz Serra, in “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, pg. 107, nota 675). A lei funda-se no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos (retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (cf. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, 1974, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., 1982, pg. 278).
E com os juros (prazo de prescrição de cinco anos) devem prescrever as quotas de amortização (os montantes a pagar como complemento deles para gradual amortização do capital), se deverem ser pagas como adjunção aos juros, pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros (cf. Vaz Serra, in “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, pgs. 107 e 112 a 114).
Citando o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/12/2017 (Procº 561/16.2 T8VIS-A.C1, Relator Fonte Ramos, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) :
“A previsão normativa da alínea e) do art.º 310º do CC abrange, pois, as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas : uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente. Cada quota de amortização corresponderá, assim, ao valor somado do capital e dos juros correspondentes, pagáveis conjuntamente”.
“Resultando as quotas de amortização do capital da estipulação, entre as partes, de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, que visa facilitar e agilizar o pagamento através do fraccionamento da dívida em parcelas do capital – e em que cada prestação é composta por uma parcela de capital e outra de juros – faz sentido a existência de um prazo prescricional de curta duração aplicável a cada prestação que se vença, considerada individualmente, como obrigação autónoma”.
Sobre esta matéria releva, fundamentalmente, o Acórdão do S.T.J. de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2022, de 30/6/2022 (Publicado no D.R., I Série, de 22/9/2022), que fixou Jurisprudência nos seguintes termos :
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artº 310º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação”.
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
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m) Perante o descrito enquadramento jurídico, dúvidas não restam de que o caso “sub judice” consubstancia uma obrigação de valor predeterminado (capital e juros) cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais, sendo que, por força do estipulado no artº 310º als. d) e e) do Código Civil, a obrigação de restituição do capital mutuado foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a dita al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo de prescrição de cinco anos.
Vejamos, então, se “in casu” o crédito da recorrida deve ser considerado extinto por prescrição.
Defendem os apelantes que, devido à falta de pagamento atempado das prestações vencidas em 2/11/2012, a dívida venceu-se na integralidade nessa data. E pugnaram eles pela “não prova” do Facto 9., a fim de “repescarem” a referida data de 2/11/2012, em lugar das datas de 2/11/2016 e 2/6/2015, como a data a partir da qual se contaria o prazo de prescrição de cinco anos.
Ou seja, aquilo que releva para efeitos da contagem da prescrição é o último pagamento ocorrido antes da declaração do vencimento da integralidade da dívida, pois que será a partir desse momento que assume relevância a inércia do credor.
Porém, como acima se viu, o Facto Provado 9. permanece inalterado, razão pela qual o raciocínio expendido pelos recorrentes na defesa da sua posição “naufraga” na totalidade.
Com efeito, é verdade que no dia 2/11/2012 as prestações que se venciam nessa data não foram liquidadas, mas isso não implicou o vencimento da dívida na sua totalidade. Antes pelo contrário, o que sucedeu foi que a credora antecessora da recorrida instaurou um PERSI, com o objectivo de a dívida ser regularizada.
Só mais tarde, e após a continuação de pagamentos, a antecessora da recorrida veio reclamar os valores correspondentes às prestações vencidas a partir de 2/6/2015 e de 2/11/2016 (isso relativamente a cada um dos contratos em causa).
Em Março e Maio de 2017 veio a “Caixa…, S.A.” interpelar os recorrentes, a fim de estes procederem à regularização da dívida, informando-os de que iria recorrer aos meios judiciais com vista à satisfação da integralidade da divida vencida e vincenda.
A acção executiva (prévia ao presente Processo de Insolvência) foi instaurada em 28/12/2017.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (artº 323º nº 1 do Código Civil). Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias (artº 323º nº 2 do Código Civil).
Atenta a data da propositura da execução acima apontada, teremos de considerar que o prazo de prescrição se interrompeu em 3/1/2018.
Os prazos de cinco anos no caso dos autos terminariam em 2/6/2020 e em 2/11/2021.
O que significa que a dívida em causa não se encontra prescrita.
Concluímos, assim, que o recurso improcede nesta parte.
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n) Vejamos, então, se é possível concluir, como fez o Tribunal de 1ª instância, que os recorrentes se encontram em situação de insolvência.
Dispõe o artº 1º do C.I.R.E. que “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.
O legislador concebeu a situação de insolvência como a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas (cf. artº 3º nº 1 do C.I.R.E.), equiparando-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação do devedor à insolvência (artº 3º nº 4 do C.I.R.E.).
A impossibilidade de cumprimento caracterizadora da insolvência não tem, necessariamente, de abranger todas as obrigações assumidas pelo devedor e já vencidas, bastando a incapacidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciem a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Um reduzido número ou mesmo uma única obrigação incumprida poderão, por si só, indiciar a penúria do devedor, característica da sua insolvência, tal como, inversamente, a não satisfação de um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para caracterizar tal estado (neste sentido ver Carvalho Fernandes e João Labareda, in “C.I.R.E. Anotado”, pgs. 70 e 71). Tudo dependerá, pois, do peso relativo das obrigações incumpridas e da sua repercussão na actividade do devedor.
O estado de insolvência revela-se a partir dos factos que estão descritos nas diversas alíneas do nº 1 do artº 20º do C.I.R.E., usualmente designados por “factos-índices”, que se transcrevem :
-Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas ;
-Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações ;
-Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo ;
-Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos ;
-Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor ;
-Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artº 218º ;
-Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos :
I) Tributárias ;
II) De contribuições e quotizações para a segurança social ;
III) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato ;
IV) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência ;
-Sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do artº 3º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
Quando o pedido de declaração de insolvência não seja apresentado pelo devedor, deve o requerente justificar, na petição inicial, a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor (artº 25º nº 1 do C.I.R.E.), devendo tal peça processual conter, além da exposição dos factos que integram os pressupostos da declaração requerida, o pedido de insolvência, a identificação dos administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente, no caso do devedor ser casado, a identificação do cônjuge e regime de bens do casamento e ser instruída com certidão do registo público a que o devedor esteja, eventualmente, sujeito (artº 23º nºs. 1 e 2 als. b), c) e d) do C.I.R.E.). No caso de não lhe ser possível fazer as indicações e junções acima referidas, deve solicitar que as mesmas sejam prestadas pelo próprio devedor (artº 23º nº 3 do C.I.R.E.).
Deve ainda o requerente oferecer todos os meios de prova de que disponha.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 16/12/2009 (Procº 242/09.3 TYVNG.P1, Relator Abílio Costa, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), “parece, assim, estarmos perante uma acção executiva, uma vez que visa a reparação efectiva de direitos de crédito, mas com características especiais, já que se trata de uma execução colectiva, genérica ou total, e que segue um processo especial que, além do mais, contém elementos declarativos – cf. Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 18)”.
Finalmente, é de salientar que, apresentado o requerimento de pedido de declaração de insolvência pelo credor (e se não houver motivo para indeferimento liminar) o devedor é citado para, no prazo de dez dias, deduzir oposição com a cominação de que se não o fizer consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial (cf. artº 30º nº 5 do C.I.R.E.).
De acordo com aquele último preceito, os factos alegados pelos requerentes apenas se têm por confessados, embora isso não envolva necessariamente a prolação de Sentença condenatória.
O Juiz deve, então, verificar se os factos confessados são de molde a consubstanciar alguma das hipóteses configuradas nas alíneas do artº 20º nº 1 do C.I.R.E. e, só nesse caso, é que declarará a insolvência.
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o) No que ao caso em apreço diz respeito, está em causa, essencialmente, o preceituado no artº 20º nº 1, al. b) do C.I.R.E. (“A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos : (…) b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
Ora, os apelantes defendem que dos Factos Provados 25., 27., 28. e 29. é possível concluir pela capacidade económica dos apelantes para pagarem uma parte substancial das suas dívidas vencidas.
Porém, em face da restante matéria de facto provada, não podemos extrair a mesma conclusão que os apelantes.
Com efeito, tendo em consideração o montante elevado da dívida dos apelantes para com a recorrida aquando da apresentação, em 19/2/2024, pelo Administrador da Insolvência da Lista a que alude o artº 129º do C.I.R.E. no Apenso “E” – Reclamação de Créditos (253.606,36 €), a que acrescem as dívidas tituladas pelos demais credores (“Caixa…, S.A.”, “H…, S.A.”, “I… Portugal, Ldª”, Estado e “U…, S.A.”), tudo no valor total de 465.423,40 €, e atento, do lado do Activo, o património imobiliário dos apelantes, praticamente todo ele onerado com penhoras e hipotecas, há que concluir que os recorrentes se encontram numa situação financeira que não lhes permite cumprir as suas obrigações, sendo o seu Passivo muito superior ao Activo.
Além disso, não são conhecidos os rendimentos dos recorrentes (não se tendo provado, por exemplo, que o apelante tenha um negócio com assinalável sucesso, que gera rendimentos anuais entre 150.000 € e 200.000 € - ver Factos Não Provados III e VI).
Assim sendo, tendo em atenção os factos apurados, entendemos estarem preenchidos os requisitos necessários ao preenchimento da previsão da al. b) do nº 1 do artº 20º do C.I.R.E., o que implica a declaração de insolvência dos recorrentes.
Com efeito, verifica-se uma suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas e a falta de cumprimento dessas obrigações, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de os apelantes satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Acresce que os recorrentes não produziram qualquer prova que infirme a presunção resultante do preenchimento da previsão do artº 20º nº 1, al. b) do C.I.R.E., sendo certo que cabia a eles o ónus de alegar e provar que, apesar do preenchimento de tais índices, o mesmo não decorria de uma impossibilidade actual e definitiva de solver as suas obrigações, decorrendo, por exemplo, quaisquer outras circunstâncias, nomeadamente um impedimento temporário, circunstancial e de solubilidade expectável.
Como dissemos, não foi esse o caso.
Em suma, existe um incumprimento dos recorrentes, está demonstrado que os mesmos não patenteiam condições de solvabilidade, razão pela qual estão preenchidos todos os pressupostos necessários ao decretamento da insolvência daqueles.
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p) Assim sendo, e estando plenamente demonstrado o pressuposto objectivo essencial consagrado no artº 3º nº 1 do C.I.R.E. (“É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”), por força da verificação do facto-índice previsto no artº 20º nº 1, al. b) do C.I.R.E., não ilidido, é de confirmar o decidido na Sentença recorrida quanto à verificação do estado de insolvência doa apelantes.
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q) Em face do exposto, há que concluir que o recurso incidente sobre a Sentença proferida em 29/11/2023, terá de improceder.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em :
1º- Julgar improcedente o recurso incidente sobre o despacho proferido em 22/1/2023, no decurso da audiência de discussão e julgamento, que indeferiu a produção de prova pericial.
2º- Julgar improcedente o recurso incidente sobre a Sentença.
Custas : Pelos recorrentes (artº 527º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 11 de Março de 2025 Pedro Brighton Nuno Teixeira Renata Linhares de Castro