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PER
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO
ENCERRAMENTO
RECURSO
Sumário
1. O processo especial de revitalização, constitui, como o próprio nome indica, um processo especial, com etapas sucessivas e devidamente definidas nos artigos 17º-A a 17º-J do CIRE. Como qualquer processo judicial, a sua tramitação contempla fases que culminam num desenlace decisório, numa conclusão de mérito, que afirma ou nega o propósito visado aquando da sua instauração. 2. No contexto do PER, a decisão de homologação do plano de recuperação equipara-se a uma decisão favorável ou de procedência, do mesmo modo que a recusa de homologação daquele plano (ou a sua não aprovação) se equipara a uma decisão desfavorável ou de improcedência, não existindo outro conteúdo de mérito que possa ser alcançado no processo em questão que não o reconhecimento ou a negação da suscetibilidade de recuperação afirmada pela devedora no seu requerimento inicial. 3. Caso não seja interposto recurso da decisão de recusa de homologação do plano de pagamento, é irreversível o efeito de caso julgado produzido por aquela decisão (art. 619º, n.º1 do Código de Processo Civil), com a ampla eficácia associada à inexistência das restrições apontadas pelo artigo 40º, n.º3 do CIRE. 4. A autónoma decisão final de mérito que põe termo ao objetivo de recuperação por acordo visado com a instauração do processo especial de revitalização não se confunde com a possível declaração de insolvência, que lhe pode ou não ser subsequente.
Texto Integral
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
1. SOCIEDADE AGRÍCOLA TERRA DA EIRA, SAG, LDA instaurou, em 05.07.2023, processo especial de revitalização, pretendendo dar início às negociações conducentes à sua recuperação.
Após conclusão das negociações e comunicação pelo AJP dos resultados obtidos na votação, em 19.04.2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto: Recusa-se a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora Sociedade Agrícola Terra da Eira, SAG, Lda., NIPC 504 299 247, com sede social na Zona Industrial do Cadaval, Lote 4, 2550-171 Cadaval. Custas pela devedora com taxa de justiça reduzida a ¼ - arts. 17.º-F, n.º 12 e 302.º nº 1, ambos do CIRE. Notifique o Sr. Administrador Judicial Provisório para, em dez dias, emitir parecer sobre se a devedora se encontra em situação de insolvência, nos termos do art. 17.º- G, n.º 3, ex vi art. 17.º-F, n.º 9, ambos do CIRE. Fixo, ao Sr. Administrador Judicial, a remuneração fixa de € 2000, 00, a que acresce o IVA à taxa legal – art. 23.º, n.º 1, do EAJ, na redacção dada pela Lei n.º9/2022, de 11-01”.
A sentença foi notificada às partes, incluindo a ora devedora/apelante, em 07.05.2024 (ref.ª Citius n.º160868349).
Na mesma data – 07.05.2024 – foi publicado anúncio da recusa de homologação do plano – ref.ª Citius n.º160872718).
2. Em 14.05.2024 a devedora deu entrada de requerimento no PER (ref.ª Citius n.º15209153), apontando a existência de um lapso seu na omissão de comprovação documental da garantia que acompanhava o crédito da CGD, que terá dado causa à recusa de homologação do plano, requerendo que se considere retificada a qualificação da natureza do crédito e, em consequência, por aplicação do disposto no art. 146º, n.º2 do Código de Processo Civil, se homologue o plano de recuperação apresentado pela devedora.
Em 23.05.2024 foi proferido despacho (ref.ª Citius n.º161055262) com o seguinte teor parcial:
«(…) Ademais, dificilmente se poderia entender como um “lapso”, quando o seu entendimento esbarra com o da credora que reclamou o crédito e o reconhece como comum.
Sendo, portanto, uma questão de entendimento.
Por fim, reveste natureza substantiva e não formal, justamente pela razão acima apontada e por não contender com a integridade formal de actos processuais praticados ou omitidos.
Ainda que assim não se considerasse, crê-se intempestivo o requerimento de “rectificação” em apreço, quando, nos autos, já foi proferida sentença.
Com efeito, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo lícito, porém, rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 614.º, 615.º e 616.º do CPCivil – art. 613.º do CPCivil -, cujos pressupostos não se verificam.
A possibilidade de rectificação que emerge do art. 146.º do CPCivil não serve o fito de reversão do sentido da sentença que haja sido proferida nos autos, devendo ocorrer ex ante a decisão final do processo, o que igualmente se intui do requisito que exige a inexistência de prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
Termos em que se indefere o requerido pela devedora.
Notifique.»
3. Em 12.06.2024, o Sr. Administrador Judicial Provisório (AJP) apresentou parecer elaborado nos termos do art. 17º-G, n.º1 do CIRE, concluindo ser do parecer de que deverá ser decretada a insolvência do devedor, com vista à sua recuperação, com a apresentação de um plano de insolvência e manutenção da atual administração.
4. Por despacho de 27.06.2024 foi ordenado o cumprimento do disposto no art. 17º-G, n.º5 do CIRE.
5. Em 08.08.2024 foi dirigida notificação à devedora/apelante para, querendo, se opor ao parecer do AJP no prazo de 5 dias, com a cominação de que: caso a empresa se oponha, o juiz determina o encerramento e arquivamento do processo, que acarreta a extinção de todos os seus efeitos (nº 6 do artº 17-G do CIRE); caso a empresa não se oponha, poderá a insolvência ser declarada pelo juiz, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
6. Em 25.09.2024 (ref.ª Citius n.º162217751) foi proferido o seguinte despacho: “Nos presentes autos de processo especial de revitalização relativamente a Sociedade Agrícola Terra da Eira Sag, Lda., apresentou esta o plano de recuperação. Concluído o processo negocial e sujeito a votação, o plano de recuperação obteve a aprovação dos credores, porém, a sua homologação foi recusada por sentença de 19-04-2024, transitada em julgado (ref.ª 160663851). O Sr. Administrador Judicial Provisório emitiu parecer no sentido de que a devedora se encontra em situação de insolvência. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 17.º- G, n.º 5, do CIRE, ex vi art. 17.º- J, al. b), do mesmo Código, a devedora remeteu-se ao silêncio. Este silêncio equivale a não dedução de oposição, o que a lei comina com a declaração de insolvência pelo juiz no prazo de três dias úteis, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência – art. 17.º - G, n.º 7, do CIRE, ex vi art. 17.º- J, al. b), do CIRE. Termos em que se declara encerrado o presente processo especial de revitalização – art. 17.º-J, n.º 1, al. b), do CIRE. Cessam as funções do Sr. Administrador Judicial Provisório. Custas pela devedora (incluindo a remuneração já fixada sob ref.ª160663851) – arts. 17.º- F, n.º 12, e 17.º- C, n.º 6, do CIRE. Registe e notifique. E ainda: I. Extraia certidão do requerimento inicial, documentos anexos, do parecer do Sr. AJP, ref.ª 15324587 e deste despacho; II. Autue a referida certidão como processo especial de insolvência (apresentação pessoa colectiva); III. “Distribua” o referido processo a este J2; IV. Apense o presente PER ao processo especial de insolvência; V. No processo de insolvência, abra conclusão a fim de proferir sentença de declaração de insolvência”.
O despacho foi notificado ao apelante em 24.10.2024.
Em 30.10.2024 foi lavrado termo de trânsito em julgado nos autos de PER, certificando que a sentença final proferida nos autos transitou em julgado em 22.05.2024.
7. Em 07.11.2024 a devedora apresentou requerimento de interposição de recurso da sentença que recusou a homologação do plano de recuperação e do despacho de encerramento, proferido ao abrigo do disposto no art. 17º-J, n.º1, alínea b) do CIRE, concluindo por pedir a revogação da sentença que recusou a homologação daquele plano e pedindo que a mesma seja substituída por outra, que determine a sua homologação. Mais pede que, em consequência, seja igualmente revogada a decisão de encerramento do processo.
As decisões objeto de recurso datam de 19.04.2024 e de 26.09.2024 e foram notificadas à apelante em 07.05.2024 e 24.10.2024, respetivamente.
Em sede de contra-alegações, pugna a credora NOVO BANCO, S.A. pela manifesta extemporaneidade do recurso.
8. Em 09.01.2025 o tribunal recorrido proferiu despacho a admitir o recurso da sentença de recusa de homologação do plano de recuperação, de 19-04-2024, e do despacho de encerramento de 26-09-2024, considerando a Mmª Juiz a quo que o recurso é admissível por “se tratarem de decisões recorríveis”, admitindo o mesmo como apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
9. Subidos os autos a este tribunal da Relação, face às posições já assumidas por apelante e apelada nas alegações apresentadas, em 17.01.2025 foi proferido despacho pela relatora que decidiu não admitir o recurso interposto, por manifesta extemporaneidade, não conhecendo do respetivo objeto.
10. Notificada, veio a apelante reclamar a intervenção da conferência, ao abrigo do disposto no art. 652º, n.º3 do Código de Processo Civil, pugnando pela prolação de acórdão que reverta a decisão singular da relatora, com consequente admissão de recurso.
Sintetiza os fundamentos da sua pretensão nas seguintes conclusões:
i. O artigo 644° do CPCivil, aplicável ex vi do disposto no artigo 17.º do CIRE, distingue entre as decisões objeto de apelação imediata ou autónoma, especificamente previstas nos nºs 1 e 2, e as decisões que só ulteriormente podem ser impugnadas com o recurso que das primeiras venha a ser interposto, nos termos previstos pelo nº 3;
ii. Já a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias abrangidas pelo n° 2 obedece a distintos critérios: ou a evidente potencial influência no resultado e celeridade da lide [alíneas a) a d)], ou a independência da matéria delas objeto ou dos seus efeitos em relação ao objeto e resultado final da ação [alíneas e) a g)], ou a inutilidade que resultaria da sua impugnação diferida [al. h)];
iii O critério da inutilidade da impugnação diferida corresponde à inutilidade do próprio resultado do recurso, ainda que provido, decorrente da irreversibilidade do resultado entretanto produzido pela ausência da sua imediata apreciação.
Ora,
iv. A irrecorribilidade autónoma do despacho que recusa a homologação do Plano de recuperação não é suscetível de produzir a situação irreversível que a lei preconiza, dado que a não aprovação (ou não homologação) do Plano não conduz inevitavelmente à declaração de insolvência do devedor.
Com efeito,
v. Ainda que o administrador judicial provisório emita parecer no sentido da insolvência, é certo que, por um lado, o devedor tem a faculdade de se opor e obstar à declaração de insolvência e, por outro lado, o juiz está obrigado a aferir da real situação do devedor, quanto à impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas;
vi. À luz da lei processual civil em vigor, se não se trata de uma decisão final nem de uma decisão “listada” no n.º 2 do artigo 644.º, a sua impugnação faz-se com a impugnação da decisão final que ponha termo à causa;
vii. Essa decisão, em sede de PER, é o despacho que determina o encerramento do processo em cumprimento do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b).
Ou seja,
viii. Só com a prolação do despacho de encerramento do PER é que a decisão que recusa a homologação do Plano é suscetível de produzir efeito/influência no resultado do procedimento, pelo que só nesta fase faz sentido a impugnação desta decisão, a deduzir com o recurso do despacho que põe termo ao procedimento.
Acresce que,
ix. Com as alterações aportadas ao CIRE pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro – designadamente aos artigos 17.º-F, 17.ºG e 17.º-J – existe uma diferença de tramitação entre a decisão de homologação do plano de recuperação, que dá lugar ao encerramento do processo logo «após o trânsito em julgado» da mesma, e uma decisão de não homologação.
Ou seja,
x. No caso de uma decisão de não homologação, não há qualquer referência ao trânsito em julgado, antes, o trânsito em julgado terá de aguardar «o cumprimento do disposto nos n.ºs 1 a 7 do artigo 17.º- G» para que finalmente o processo se possa dar por encerrado, e se comece a contar o prazo de recurso ou trânsito em julgado.
Por outro lado,
xi. Também não se retira, da redação do n.º 10 do artigo 17.º-F do CIRE qualquer argumento a favor da recorribilidade autónoma da decisão de não homologação – pelo menos, pelos fundamentos indicados pelo Mm.º Relator.
Na verdade,
xii. É difícil compreender e aceitar que um recurso autónomo de uma decisão de não homologação tenha efeito meramente devolutivo, por regra, e que esse efeito seja alterado a posteriori, após prolação do parecer do administrador judicial provisório.
E por duas razões:
xiii. Em primeiro lugar, porque a norma do n.º 10 do artigo 17.º-F vem imediatamente a seguir à norma que determina que, em caso de não homologação, «aplica-se o disposto nos n.ºs 3 a 9 do artigo 17.º-G», que consta do respetivo n.º 9, sendo assim condicionada por essa inserção sistemática;
xiv. Em segundo lugar, porque o elemento literal da interpretação aponta em sentido diferente: vejam-se os incisos «é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão» e «caso o parecer do administrador venha a ser», que claramente apontam para a oportunidade de interposição do recurso em momento posterior ao conhecimento do parecer do administrador judicial provisório;
Por último,
xv. O argumento que aponta para o facto de a decisão de não homologação do plano de recuperação ter estrutura equivalente à de uma sentença não colhe, pois, o CIRE refere-se a «decisão de não homologação» e não a sentença, designação que está reservada unicamente para as decisões que tenham a ver com a insolvência (sentença de insolvência, sentença de homologação do plano de insolvência, sentença de indeferimento do pedido de insolvência).
Foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.
*
II.
Constitui questão única a decidir e a submeter à conferência, por dela depender o juízo de (in)tempestividade do recurso, aferir se a decisão judicial de recusa de homologação do plano de recuperação é autonomamente recorrível.
III.
Os factos a considerar correspondem aos já resumidos em sede de relatório - I. -, que se consideram reproduzidos.
IV.
O processo especial de revitalização constitui, como o próprio nome indica, um processo especial, com etapas sucessivas e devidamente definidas nos artigos 17º-A a 17º-J do CIRE e que se destina a “permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização” – 17º-A, n.º1.
Como qualquer processo judicial, a sua tramitação contempla fases que culminam num desenlace decisório, numa conclusão de mérito, que afirma ou nega o propósito visado aquando da sua instauração.
O art. 644º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 17º, n.º1 do CIRE (em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE), na parte relevante para apreciação dos argumentos aduzidos pela apelante em defesa da admissibilidade do recurso interposto, distingue, no seu n.º1, al. a), a apelação da decisão que põe termo à causa, da apelação de decisões interlocutórias cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, prevista no n.º2, al. h).
Constitui entendimento da apelante que, uma vez que a sentença de não homologação do plano de recuperação não conduz inevitavelmente à declaração de insolvência do devedor, ainda que haja parecer do AJP nesse sentido, só com a prolação do despacho de encerramento do PER é que aquela decisão pode produzir efeito no resultado do procedimento, razão pela qual apenas nesta fase faz sentido a impugnação daquela decisão, a deduzir com o recurso da decisão/despacho final. Em suma, na perspetiva da apelante, por a decisão de recusa de homologação do plano não constituir uma decisão final, a sua impugnação será feita com o despacho que ponha termo à causa, que entende corresponder ao despacho que determina o encerramento do processo.
Contudo, com todo o respeito, olvida a apelante que o propósito do PER não é o de decidir se a devedora deve ser declarada insolvente, mas antes se a devedora tem condições de ser recuperada, obtendo um acordo com os credores conducente à sua revitalização.
No contexto do PER, a decisão de homologação do plano de recuperação equipara-se a uma decisão favorável ou de procedência, do mesmo modo que a recusa de homologação daquele plano (ou a sua não aprovação) se equipara a uma decisão desfavorável ou de improcedência, não existindo outro conteúdo de mérito que possa ser alcançado no processo em questão que não o reconhecimento ou a negação da suscetibilidade de recuperação afirmada pela devedora no seu requerimento inicial.
O processado a seguir após a prolação da decisão de mérito varia consoante a decisão final seja de homologação ou de recusa de homologação, mas essa distinção não contende com a natureza daquela decisão, i.e., com o facto de estarmos perante uma sentença ou uma decisão que coloca termo ao processo, ou seja, perante um “ato pelo qual o juiz decide a causa principal”, na terminologia usada pelo legislador para definir a decisão que se pode designar como “sentença” (art. 152º, n.º2 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do art. 17º, n.º1 do CIRE).
Precisamente por constituir uma decisão final, com particulares requisitos de fundamentação, a decisão proferida em 19.04.2024 tem a estrutura decisória de uma sentença – com relatório, fundamentação de facto, fundamentação jurídica e conclusão decisória, contemplando a condenação em custas -, sendo o parecer do AJP que se segue àquela decisão a antecipação da fase subsequente do processo: encerramento definitivo ou base do processo de insolvência, que correrá autonomamente – art. 17º-G, n.º6 e n.º7.
O teor das alegações recursivas evidencia que o único conteúdo de mérito que contém sustentação suficiente para alicerçar os fundamentos que a apelante aduz com vista à obtenção da pretendida revogação corresponde à decisão de recusa de homologação do plano de pagamento, inexistindo qualquer fundamento autónomo dirigido à decisão de encerramento do processo, que a apelante pretende erigir em decisão final do processo especial e que constitui um passo processual subsequente a esta, definido por lei e dependente apenas do conteúdo do parecer do AJP, da posição que a devedora assuma perante tal parecer e da decisão a proferir pelo juiz no confronto de ambos, sendo o recurso a interpor dessa decisão, a ser admitido, subsumível à al. g) do n.º2 do art. 644º, enquanto decisão proferida depois da decisão final.
A própria lei, no art. 17º-F, n.º 10 do CIR, dispõe que sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º3 do artigo 40º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência, evidenciando, não só a recorribilidade daquela decisão, como os efeitos do recurso interposto da mesma nos casos em que o AJP conclua pela situação de insolvência da empresa (suspensão da liquidação e da partilha do ativo).
Como bem refere a apelada, “[Q]uer o PER se convole ou não em processo de insolvência, com o trânsito em julgado da decisão de recusa de homologação, o processo especial de revitalização será irremediavelmente encerrado: inexiste outro desfecho possível”, já que foi essa decisão que pôs termo à causa, inexistindo qualquer decisão final posterior.
Acrescenta a apelante, pretendendo sustentar que a decisão singular que rejeitou o recurso viola as normas do CIRE e do Código de Processo Civil, que as alterações introduzidas pela Lei 9/2022, de 11.01, abarcando os artigos 17º-C a 17º-J do CIRE, em particular as que incidiram sobre os artigos 17.º-F, 17.ºG e 17.º-J, sustentam a conclusão de que, em caso de não aprovação ou não homologação do plano, o PER não termina senão com a decisão de encerramento do processo “nos termos do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b) do CIRE”.
Não logramos, contudo, compreender a argumentação expendida.
As disposições do CIRE que regulam o procedimento a seguir em caso de prolação de decisão de não homologação do plano de recuperação – concretamente os artigos 17º-F, n.º9 e 17º,-G, números 3 a 9 e 17º-J, n.º1, al. b), citados pela apelante -, ainda que evidenciem a diferença de tramitação do processo especial de revitalização consoante exista decisão de homologação ou decisão de não homologação, não contêm qualquer dispositivo que suporte a conclusão de que a segunda não transita em julgado enquanto o processo não contiver despacho de encerramento. Não só o já mencionado art. 17º-F, n.º10 do CIRE expressamente regula o procedimento a seguir nos casos em que é interposto recurso da decisão de não homologação (previsão que seria destituída de sentido lógico caso a reação recursiva, como defende a apelante, apenas fosse admissível após o encerramento do processo), como a ausência de menção ao trânsito em julgado realçada em relação ao art. 17º-J, n.º1, al. b) (em confronto com a al. a), citada pela apelante), mais não significa do que a afirmação de que o encerramento do processo em caso de não homologação do plano de recuperação não ocorre imediatamente após o trânsito em julgado da decisão (contrariamente ao que, sucede, por razões que cremos serem óbvias, quando exista homologação), mas em momento posterior, ou seja, após cumprimento do formalismo previsto nos n.ºs 1 a 7 do art. 17º-G do CIRE, sendo que destes, apenas os números 3 a 9 se aplicam aos casos de não homologação do acordo (por força do art. 17º-F, n.º9).
O sentido interpretativo dos números 9 e 10 do art 17º-F é particularmente claro: caso o juiz não homologue o acordo, desencadeia, por efeito da prolação da decisão de não homologação, a tramitação prevista no n.º3, notificando o AJP para emitir parecer (como sucedeu no caso concreto – veja-se ponto I.1 do relatório), sendo aplicável ao recurso interposto da decisão de não homologação o disposto no n.º3 do artigo 40º caso esse parecer venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.
A circunstância de os prazos de apresentação de parecer e de interposição de recurso correrem em simultâneo, podendo o teor do parecer condicionar em parte o efeito do recurso, não suporta, em qualquer vertente possível de interpretação, a conclusão da apelante de que a decisão de não homologação apenas transita em julgado após a prolação do despacho de encerramento. Quando muito, sublinharia o óbvio: que a decisão apenas transita em julgado após apreciação definitiva do recurso interposto.
Em relação à declaração de insolvência sequencial à não homologação do PER, que, com as alterações introduzidas pela Lei 9/2022, de 11.01, passou a depender de audição prévia e não oposição da devedora (ponto 16 do requerimento da apelante), mais uma vez nos distanciamos da questão da recorribilidade da decisão de não homologação do plano de recuperação.
A autónoma decisão final de mérito que põe termo ao objetivo de recuperação por acordo visado com a instauração do processo especial de revitalização, não se confunde com a possível declaração de insolvência, que lhe pode ou não ser subsequente. Note-se que, caso o parecer do AJP houvesse sido no sentido de a apelante não se encontrar em situação de insolvência, nenhuma dúvida existiria quando ao encerramento puro e simples do processo especial de revitalização (n.º4 do art. 17º-G), sendo a única diferença, caso o parecer seja no sentido de a empresa se encontrar em situação de insolvência, a de permitir que esta seja declarada em processo de insolvência a que será apensado o processo especial de revitalização, entretanto encerrado – procedimento que se encontra bem claro na decisão de encerramento reproduzida no ponto I.6 do relatório.
Por outro lado, a previsão do n.º10 do art. 17º-F, caso o parecer do AJP venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência, não altera o efeito devolutivo do recurso interposto da decisão de não homologação, como parece sugerir a apelante no ponto 17 do seu requerimento, antes impede que alguns efeitos irreversíveis do processo de insolvência, que prossegue os seus termos (confirmando o efeito devolutivo) se produzam no património da devedora, ou seja, a liquidação e partilha aguardam a decisão final do recurso, que sempre terá que ser interposto no prazo legal concedido após notificação da decisão de não homologação do plano.
Não existe qualquer leitura conjugada que autorize a conclusão da apelante no sentido de os preceitos legais apontarem para uma oportunidade de interposição do recurso da decisão de não homologação em momento posterior ao conhecimento do teor do parecer do AJP. Diremos, aliás, que a leitura é de interpretação unívoca no sentido contrário.
Como refere Catarina Serra [Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, p.476], analisando o recurso da sentença não homologatória (recorribilidade que não é sequer analisada, porque, diremos nós, não é questionável) “o art. 17º-F, n.º9, aparece como a tentativa de proteger o devedor de alguns dos efeitos de uma declaração de insolvência que poderá não se justificar, face à pendência do recurso e à possibilidade de inflexão da decisão de não homologação do plano”, acrescentando adiante dever ter-se consciência que a previsão de tais efeitos suspensivos “é susceptível de estimular a propositura de recursos da sentença não homologatória do plano”.
Por último, pretende ainda a apelante rebater a decisão singular na parte em que qualifica a decisão de não homologação do plano como “sentença”.
Dado que no requerimento de interposição de recurso a própria apelante refere interpor recurso “Da sentença que recusou a homologação do Plano de Recuperação apresentado pela Devedora” e conclui dizendo que “deve a sentença que recusou a homologação do Plano de recuperação ser revogada e substituída por outra” e que, nesta fase, nenhum argumento adianta para contrariar o seu próprio entendimento, nada mais consideramos ser de acrescentar ao que acima ficou dito a propósito da natureza da decisão final.
Em síntese, caso não seja interposto recurso da decisão de recusa de homologação do plano de pagamento, é irreversível o efeito de caso julgado produzido por aquela decisão (art. 619º, n.º1 do Código de Processo Civil), com a ampla eficácia associada à inexistência das restrições apontadas pelo referido artigo 40º, n.º3 do CIRE.
Nenhuma pronúncia se entende ser necessária em relação à citação da Sr.ª Desembargadora Fátima Reis Silva a que recorre a apelante no ponto 8 da sua fundamentação, dado que a apelada, de forma atenta, situa e contextualiza o teor da mesma, que nenhuma relação tem com situações em que se discuta o recurso interposto da decisão de recusa de homologação do plano de pagamento (ponto 8 das contra-alegações).
Do mesmo modo, o aresto citado pela apelante no ponto 9 da sua fundamentação revela-se irrelevante para a situação em apreço, já que incide sobre a decisão do incidente de reclamação da relação de bens em processo de inventário que, naturalmente, tendo em conta a finalidade do referido processo (partilha do património hereditário), corresponde a uma decisão incidental no processo e não, como sucede no caso concreto, a uma decisão final.
Dado que a decisão final de não homologação do plano de pagamento, que pôs termo ao PER, foi proferida em 19.04.2024 e foi notificada à apelante em 07.05.2024, sendo de 15 dias o prazo de interposição de recurso em processos urgentes, (artigo 638º, n.º1, 2ª parte do Código de Processo Civil e 17º-A, n.º3 do CIRE), o exercício do direito por requerimento apresentado em 07.11.2024 é manifestamente extemporâneo, obstando ao conhecimento do objeto do recurso (art. 652º, n.º1, al. b) do Código de Processo Civil).
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Em termos formais e como mecanismo de justificação da tempestividade do recurso, a apelante autonomizou o recurso da decisão de recusa de homologação do plano de pagamento – que já concluímos ser extemporâneo –, do recurso dirigido ao despacho de encerramento do processo, proferido ao abrigo do disposto no artigo 17.º-J, n.º 1, alínea b) do CIRE.
Contudo, lidos os fundamentos do recurso interposto, verificamos que nenhum vício ou erro é autonomamente imputado ao referido despacho (alínea D da fundamentação), sendo assumida a natureza meramente reflexa e indireta que a apelante entende afetar a correção do mesmo, isto é, por existir vício na decisão de recusa de homologação, tal vício afetaria a decisão que lhe é subsequente.
Analisadas conclusões do recurso, que delimitam o seu objeto (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), verifica-se, pela leitura da conclusão XXXI, a menção exclusivamente consequencial que a apelante dirigiu ao despacho de encerramento do processo, que entende corresponder a uma decisão viciada com base nas normas que entendeu serem violadas na decisão que recusou a homologação do plano.
Ora, o recurso, dado o seu propósito de questionamento da correção de uma decisão judicial desfavorável, tem que permitir a sua reapreciação pelo tribunal superior com base em concretos e delimitados fundamentos, de facto ou de direito, sendo que nenhuma das conclusões da apelante autoriza a reapreciação da concreta questão “decidida” no despacho de encerramento do processo.
Não existe, assim, qualquer possibilidade de apreciação de um autónomo recurso dirigido à única vertente decisória em relação à qual, caso fosse admissível, a apelante se encontrava em tempo para interpor recurso, por, manifestamente, tal recurso não ter objeto que autorize a submissão a decisão por parte deste tribunal, como ressalta do próprio pedido: “revogação da decisão de encerramento em consequência da revogação da sentença que recusou a homologação do plano de recuperação”. Realce-se que, nesta parte, nenhuma divergência foi apontada pela apelante à decisão singular ora submetida a conferência.
Por esse motivo, a conclusão de extemporaneidade do único recurso de apelação que se mostra suportado por delimitadas conclusões recursivas afeta a admissibilidade global do recurso de apelação interposto pela apelante.
Nos termos expostos, conclui-se ser de manter a decisão singular de não admissão do recurso de apelação, por manifesta extemporaneidade.
V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam em conferência as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a reclamação e, em consequência, em confirmar a decisão singular da relatora de não admissão do recurso interposto pela devedora/apelante, por manifesta extemporaneidade do mesmo.
Custas da reclamação a cargo da devedora/apelante.
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Lisboa, 11/03/2025
Ana Rute Costa Pereira
Susana Santos Silva
Elisabete Assunção.