VENDA A FILHOS OU NETOS
CONSENTIMENTO
ANULAÇÃO DA VENDA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
CONDENAÇÃO
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
TERCEIRO
CADUCIDADE
ABUSO DE DIREITO
INCAPACIDADE DO MENOR
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
Sumário

Sumário da responsabilidade da relatora – art. 663º nº7 do CPC.
1 - A mera expetativa de uma condenação não gera conflito de interesses, nos termos e para os efeitos previstos no art. 99º do EOA, o qual é sempre apreciado em concreto.
2 - Os recursos interpostos em processo de insolvência, incluindo incidentes e apensos, têm sempre efeito devolutivo nos termos do art. 14º nº5 do CIRE, que substitui integralmente o regime do art. 647º do CPC.
3 – Quando o tribunal, face a um pedido de anulação, julga o mesmo procedente não ordenando oficiosamente a restituição do que haja sido prestado (nos termos do nº1 do art. 289º do CC), inexiste nulidade por omissão de pronúncia, sendo de apreciar, de mérito, se foi devidamente interpretado o nº1 do art. 289º do CC.
4 – A falta de consentimento, para os efeitos previstos no nº1 do art. 877º do CC é um facto constitutivo do direito do autor.
5 – O consentimento previsto no nº1 do art. 877º do CC não está sujeito a qualquer exigência de forma, podendo ser tacitamente prestado.
6 - Uma decisão de consentimento da alienação de bens a outros descendentes, nos termos do art. 877º do CC, não sendo uma decisão de disposição ou oneração de bens pertencentes ao menor é uma decisão suscetível de afetação futura de direitos patrimoniais do menor que deve ser considerada de especial importância, exigindo o acordo dos dois progenitores, nos termos do nº1 do art. 1902º do CC.
7 - Não existe qualquer inadmissibilidade legal de prova apenas com base em declarações de parte ou depoimento de parte, quanto a factos não desfavoráveis, impondo-se um standard de valoração adequado à realidade de se estar a lidar com uma parte, com óbvio interesse no desfecho da causa.
8 – A proibição constante do art. 877º do CC é de índole preventiva: de prevenção do perigo de simulação de liberalidades a algum dos filhos ou netos em detrimento dos restantes descendentes, em virtude das dificuldades de provar tal tipo de simulação, de modo a evitar a ulterior igualação na partilha ou a ofensa da legítima.
9 – Para que se verifique uma situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium terão que ser imputáveis à mesma pessoa a situação geradora de confiança e a conduta contrária. Não se verifica abuso de direito se o factum proprium é atribuído ao pai da A., seu representante, mas a propositura da ação, que se considera consubstanciar o venire foi efetuada pela A., a titular do direito, ainda que inicialmente representada pelos pais.
10 - O prazo de caducidade previsto no nº2 do art. 877º do CC é apenas um termo final e não compreende a fixação legal de um termo inicial, implicando que o direito pode ser exercido a qualquer momento até ao termo do prazo de caducidade previsto. Na incapacidade por menoridade, o direito pode ser exercido pelo próprio, quando cessada a incapacidade e, até ao termo desta, nos termos previstos por lei, através dos representantes legais.
11 - O direito dos cônjuges sobre o património comum não tem como objeto uma quota ideal ou a metade de cada um dos bens que o integram, mas sim todo o património, em bloco, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de cada um dos cônjuges, alienar ou onerar bens ou parte especificada de bens comuns, ou de qualquer quota ideal sobre os mesmos.
12 – A compra e venda de bem comum vendido por dois ex-cônjuges, verificando-se que apenas quanto a um deles se verifica uma causa de anulação do negócio, não pode, por esse motivo, ser reduzida à meação, inexistente, do outro vendedor no concreto bem transacionado.
13 - Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, condene oficiosamente as partes a restituir o que obtiveram em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objeto diverso do pedido, atento o disposto no nº 1 do art. 609º do CPC.
14 – A constituição de hipoteca pode ser um dos direitos previstos no nº1 do art. 291º do CC, preceito aplicável ao titular desse direito real de garantia que preencha os demais requisitos previstos.

Texto Integral

Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
FC, menor, representada por seus pais VC e IB, intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra
ES,
VC,  
SB e marido VB,
TS e
Banco B,
Pedindo seja declarada anulada a compra e venda do dia 3/12/2009, entre os 1ºs e 2ºs RR, na qualidade de vendedores e 3ª R e marido, na qualidade de compradores, e consequentemente o mútuo com hipoteca entre a 3ªR e marido e 4ºR e seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor dos 3R e marido e da hipoteca a favor da 4ªR, referente à ap. 3507 de 14/10/2009 e ap.3508 de 14/10/2009, com a sua conversão em definitivo pelo averbamento da ap.2962 de 9/12/2009 (da ap. 3507 de 14/10/2009) e averbamento pela ap. 2963 de 9/12/2009 (da ap. 3508 de 14/10/2009), com todas as consequências legais.
Para tanto alegou, em síntese,
Os 1ª e 2º RR. foram casados entre si, desse casamento tendo nascido as 3ª e 4ª RR.
Em 03/12/2009, a 1ªR, também na qualidade de procuradora do 2ºR. vendeu à 3ªR., sua filha, um prédio misto, devidamente identificado, pelo valor de € 118.300,00, tendo a 4ª R. dado o seu consentimento no ato.
A 3ª R. e o marido solicitaram à 5ª R. um empréstimo no valor do preço, dando em garantia o referido imóvel.
Na data de outorga da escritura a A. já tinha nascido, facto que era do conhecimento de todos os 1ª, 2º, 3ª e 4ª RR.
O 2º R. estava ao tempo em Angola e apenas teve conhecimento da compra e venda em 24/01/2019, data do primeiro contacto com a sua patrona nomeada no âmbito de ação contra si intentada pela 3ªR.
A venda não foi consentida pela A., que dela não teve conhecimento, pelo que a mesma é anulável nos termos do disposto no nº2 do art. 877º do CC e, consequentemente, também a hipoteca constituída sobre o imóvel.
Citados os RR., contestaram:
- Banco B, excecionando a falta de representação de advogado da A., dado que o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi formulado pelo seu pai, sem menção da representação e não foi igualmente formulado pela sua mãe, excecionando a caducidade do direito de propositura da ação, de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, dado que VC outorgou procuração à sua esposa com poderes especiais para proceder à venda do imóvel que era bem comum do casal. Todos os intervenientes, incluindo a A. e seus pais e os 1º a 4º RR vivem na mesma morada, o imóvel vendido, pelo que não é possível que aqueles só tenham tomado conhecimento da venda em 2019. Acresce que o 2º R. foi citado na ação intentada pela filha e um dos documentos que acompanhava a citação era a escritura de compra e venda. O imóvel estava onerado com hipoteca que garantia dois empréstimos concedidos ao pai da A. e então sua mulher, 1ª e 2º RR., tendo a venda servido para liquidar aqueles empréstimos e tendo, na sequência, sido extinta execução que já pendia contra ambos, execução notificada ao pai da A. em 22/04/2010. No mais defendeu-se por impugnação, alegando que não está em causa a venda da quota parte do imóvel pertencente à 1ª R. e que o Banco é terceiro de boa-fé, estando salvaguardado no negócio dado que a ação não foi proposta nos 3 anos posteriores à conclusão do negócio.
- massa insolvente de SB e VB, alegando que aqueles foram declarados insolventes por sentença de 02/04/2020, sendo substituídos pelo administrador da insolvência nos termos do disposto no nº3 do art. 85º do CIRE; excecionou a falta de capacidade da A. por não estar devidamente representada dado que o seu pai intentou a ação contra si próprio, estando em claro conflito de interesses; o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi solicitada pelo 2º R., pelo que a sua Ilustre Patrona não tinha poderes suficientes para intentar a ação em nome da A.; excecionou a caducidade do direito de interposição da presente ação, alegando que o 2º R. teve, pelo menos à data da citação ocorrida no processo nº 757/18.2T8ALQ, conhecimento da venda ou seja, em 26/10/2018. No mais defendeu-se por impugnação, alegando que a R. SB e seu marido acordaram na compra deste e de outro património para evitar a sua execução, endividando-se e que desconheciam a existência da A. O 2ºR. agiu com má-fé pois deveria ter alertado os demais da existência da A., sabendo o que se preparava. O bem era comum, sendo sempre válida a venda da quota da 1ª R. Caso o negócio seja anulado, o empréstimo concedido à R. SB deve ser extinto e devem ser reembolsadas todas as quantias por estes pagas. 
A A. veio responder às exceções, pedindo a respetiva improcedência e alegando:
- quanto à falta de constituição de advogado que foi pedido apoio judiciário em nome da menor muito antes da entrada da presente ação e que foi pedida a intervenção da mãe da menor;
- quanto à caducidade, alegando que, na data da escritura, o pai da A. não estava em território nacional, tendo a escritura sido outorgada com uma procuração outorgada previamente; o pai da A. só teve conhecimento da escritura em 24/01/2019; divorciou-se da 1ª R. em outubro de 2009 e voltou a sair do país, tendo a R. ES abusado dos seus poderes de representação; está de relações cortadas com a filha SB; não residem todos na mesma morada, existindo duas habitações no imóvel; quando regressou a Portugal não questionou o facto de as filhas residirem no imóvel e não suspeitou da venda; na ação intentada contra si não foi parte a mãe da menor; o pai da A. tem pouca instrução e ao ser citado não compreendeu o alcance do que se questionava só o tendo entendido quando lhe foi explicado pela patrona; os RR. ES, SB, marido e TS sabiam da existência da menor à data da celebração da escritura;
- quanto à falta de capacidade ativa e ao conflito de interesses invocado é inexistente pois do lado ativo VC surge apenas como representante da A. e não como parte;
- no tocante ao apoio judiciário foi já pedido e concedido em nome da A.
Veio ainda pronunciar-se sobre os documentos juntos com a contestação requerendo diligências de prova.
Veio o R. Banco B pronunciar-se.
Por despacho de 16/06/2021 foi ordenada a notificação da mãe da A. para vir ratificar o processado.
A mãe da A. veio juntar requerimento declarando ratificar o processado.
Por despacho de 19/11/2021 foi constatada a existência de conflito de interesses relativamente ao legal representante pai da A. dada a sua posição de R. nos autos e suscitada a intervenção do Ministério Público com vista à nomeação de curador à A.
O Ministério Público veio indicar pessoa a nomear como curador.
Foi nomeado curador e determinada a remessa dos autos para apensação ao processo de insolvência da 3ª R. e marido.
Por despacho de 30/05/2022 foi ordenada a notificação do Ministério Público nos termos do disposto no art. 325.º, n.º 1, do CPC.
Por despacho de 02/05/2023 foi nomeado curador “ad litem” da Autora FB, menor de idade (arts. 15.º e 17.º, n.º 4, do CPC).
Realizou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador no qual foram declaradas ultrapassadas as questões de falta de representação e capacidade judiciária relativamente à A. e relegado para final o conhecimento da exceção de caducidade.
Foi fixado o valor da causa, bem como o objeto do litígio e foram indicados os temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento e foi proferida sentença em 13/04/2024, na qual foi decidido:
“Nesta conformidade, julga-se procedente a presente acção, e, em consequência:
A) Anula-se o contrato de compra e venda celebrado em 03-12-2009, entre os 1.º e 2.º RR, na qualidade de vendedores e 3.os RR, na qualidade de compradores, referente ao prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …, da freguesia de …, inscrito na matriz rústica sob os artigos … e inscrito na matriz urbana sob o artigo ….
B) Determina-se o cancelamento do registo de aquisição a favor dos 3.os RR sob a Ap. 3507, de 14-10-2009, convertida em definitivo sob a Ap. 2962, de 09-12-2009, e o cancelamento do registo da hipoteca a favor do 5.º R, sob a Ap. 3508, de 14-10-2009, convertida em definitivo sob a Ap. 2963, de 09-12-2009.
Custas a cargo dos RR, em partes iguais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que haja sido concedido.
Registe e notifique.”

1.1. Recurso interposto por massa insolvente de SB e Marido
Inconformada apelou a massa insolvente de SB e Marido, pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que julgue como não provado os factos indicados nas alíneas i) e j) da matéria de facto e em consequência sejam os recorrentes absolvidos do pedido, ou, caso assim se não entenda seja apreciada a questão do abuso de confiança e, em caso de improcedência de qualquer dos pedidos, a reformulação da decisão no sentido de condenar os RR. ES e VC a restituir o preço pago, atualizado em virtude da depreciação monetária, apresentando as seguintes conclusões:
“I. Na presente Acção declarativa constitutiva a autora peticionou:
i. que fosse declarada anulada a compra e venda do dia 03-12-2009, entre os 1.º e 2.º RR, na qualidade de vendedores e 3.ª R e marido, na qualidade de compradores, e consequentemente o mútuo com hipoteca entre a 3.ª R e marido e o 5.ºR;
ii. que fosse ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da 3.ª R e marido e da hipoteca a favor do 5.º R, referente à ap. 3507 de 14-10-2009 e ap. 3508 de 14-10-2009, com a sua conversão em definitivo pelo averbamento da ap. 2962 de 9-12-2009 (da ap. 3507 de 14/10/2009) e averbamento pela ap 2963 de 9-12- 2009 (da ap. 3508 de 14/10/2009), com todas as consequências legais.
II. Os RR Banco B e os oras recorrentes contestaram.
III. Foi fixado como objecto do litígio:
i. Anulabilidade do contrato de compra e venda de bem imóvel celebrado em 03-12-2009, por falta de consentimento de descendente, a Autora, na venda;
ii. Caducidade do direito de anulação.
IV. Produzida a prova o tribunal a quo deu como provado
i) A Autora, através dos seus representantes legais, não deu o seu consentimento à venda referida em d).
j) Os 1.ª, 3.os e 4.ª RR sabiam, na data da outorga da escritura, que já tinha nascido a A.
V. salvo o devido respeito, foi indevidamente dados como provados os factos i) e j).
VI. Ora, o tribunal a quo, firmou a sua convicção quanto ao facto provado sob i) em função do acordo das partes.
VII. Sucede que na sua contestação (cfr. artigo 39.º) a Massa Insolvente contestou todos os factos deduzidos na petição.
VIII. Nomeadamente que a Autora não tenha dado o seu consentimento à escritura cuja anulabilidade se peticionava.
IX. Tanto assim, que inclusivamente alegou a ora recorrente que desconhecia que a autora seria filha do seu pai à data da escritura.
X. Pelo que nunca se poderia dar aquele facto como provado por acordo, mas antes teria que se fundamentar a resposta a tal facto em provas produzidas nos autos.
XI. O que não sucede, encontrando-se assim nesta medida a sentença de nulidade - cfr artigo 615.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil.
XII. Por outro, quanto Facto sob j) entendeu-se que o mesmo resultou provado em função das declarações prestadas pelo 2.º R VC.
XIII. Contudo que credibilidade podem ter tais declarações quando o mesmo declara que alegar outorgar uma procuração à Ré ES para tratar de assuntos gerais e verificamos pela procuração juntos aos autos, que foi uma procuração com poderes específicos para a venda do imóvel.
XIV. Aliás como quando foi outorgada a dita escritura de compra e venda desconheciam os demais intervenientes que o seu pai teriam outros filhos que não a Ré SB e a sua irmã TS.
XV. Nem sequer tal seria-lhes plausível uma vez que os pais se tinham acabado de divorciado.
XVI. E nunca pensariam que o pai teria tido outro filho encontrando-se ainda casado.
XVII. Pelo que desconheciam a existência da autora.
XVIII. Ora, o Réu VC, sabendo plenamente que se estava a preparar a venda e sabendo da existência da Autora, deveria ter alertado os demais intervenientes.
XIX. Se não o fez, foi porque de má fé, engendrou esta situação para que mais tarde pudesse, em representação da menor, vir requerer a anulabilidade do negócio.
XX. Actuando em claro abuso de direito – cfr artigo 334.º do Código Civil.
XXI. Questão essa que foi suscitada na petição e que o douto tribunal não se pronunciou.
XXII. Aliás conforme doutrina do Supremo Tribunal de Justiça (in www.jurisprudencia.pt – Proc. 8281/17.4T8LSB.L1.S1) tal questão é de conhecimento oficioso.
XXIII. Ora nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões suscitadas – n.º 1 alínea d).
XXIV. Assim ao deixar de se pronunciar sobre esta questão, que inclusivamente era de conhecimento oficioso a douta sentença encontra-se ferida de nulidade.
XXV. Tal como decidido pelo Supremo Tribunal da justiça (in www.dgsi.pt – Processo 40/20.3TRPRT):
XXVI. Ora tendo a ora recorrente suscitado a questão do abuso de direito, questão que é de conhecimento oficioso do tribunal, deveria o tribunal a quo pronunciar-se sobre tal questão.
XXVII. O que não fez.
XXVIII. Ora com a proibição de venda de pais a filhos procura-se evitar uma simulação, difícil de provar, em prejuízo das legítimas dos descendentes (Baptista Lopes, Contrato de compra e venda, pág. 51, apud Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1997, pág. 165).”
XXIX. Por este artigo, defende-se tanto a legítima dos descendentes provenientes do casamento, como a legítima dos filhos nascidos fora do matrimónio (A. Varela, RLJ, 119.º-22).
XXX. Ora ao proceder a anulabilidade vai-se criar, pela via legal, um desequilíbrio nas legítimas das descendentes.
XXXI. Porquanto, a filha SB assumiu o pagamento das dívidas dos progenitores e tem vindo a pagar.
XXXII. Sendo que não fosse esta venda aquele imóvel seria vendido em execução hipotecária.
XXXIII. Pelo que em qualquer dos casos nunca esteve em causa a legítima da Autora.
XXXIV. Situação que deveria ter sido ultrapassada pelo abuso de direito que alega a Autora.
XXXV. Porque de facto o seu pedido é destituído de alcance prático.
XXXVI. Pois a sua legítima no final de contas não irá existir.
XXXVII. Finalmente, o douto tribunal a quo entendeu que a anulação afecta o negócio na sua totalidade e que “De harmonia com o disposto no art. 289.º, n.º 1, do CCivil, “Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
XXXVIII. E por esse via determinou, implica o retorno do bem imóvel vendido à propriedade dos vendedores, com o consequente cancelamento das inscrições de aquisição a favor dos 3.º RR., referidas em q).
XXXIX. Ora o contrato de compra e venda é um contrato sinalagmático, que implica duas prestações interligados.
XL. A transacção de um bem, neste caso imóvel, por troca do pagamento do preço.
XLI. Ao determinar o retorno do bem imóvel deveria tal sentença determinar também a condenação dos Réus ES e VC a devolver integralmente do preço pago, actualizado em virtude da depreciação monetária.
XLII. O que não sucedeu, sendo nessa medida omissa.”
*
1.1.1. Resposta ao recurso da A.
Respondeu ao recurso a A., pedindo seja apreciada a legitimidade da Recorrente, para o ato, tendo em conta a situação de conflito de interesses invocada, no que respeita ao mandato forense do I. Mandatário da Recorrente e em simultâneo Mandatário da R ES, uma vez que o mandato poderá não ser válido, por violação do disposto no art. 99º do EOA, e consequentemente, a falta de constituição de mandatário para o presente recurso, sob pena de o recurso não ter seguimento, e, caso não seja esse o entendimento, seja o recurso julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões:
I - Da questão prévia
I.1- Vem a Massa Insolvente SB e Marido interpor recurso quanto à decisão proferida pela tribunal a quo através do seu I.Mandatário.
I.2-Em sede de alegações, em determinada altura e mais concretamente, no seu pedido contante no ponto 49, vem requerer o seguinte: “49. Sendo que caso de improcedência de qualquer destes pedidos, deverá ser reformulada a decisão no sentido de condenar os Réus ES e VC a restituir o preço pago, atualizado em virtude da depreciação monetária.”
I.3-Nas suas conclusões termina com: “XLI. Ao determinar o retorno do bem imóvel deveria tal sentença determinar também a condenação dos Réus ES e VC a devolver integralmente do preço pago, actualizado em virtude da depreciação monetária.”
I. 4- O I.Mandatário da Recorrente, também é Mandatário da R ES.
I.5-Salvo devido respeito, parece que estamos perante uma situação de conflitos de interesses, pois o I.Mandatario não deve representar as partes quando o pedido de ambos está em oposição, ferindo assim o seu direito à defesa, bem como, ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, o advogado deverá cessar esse conflito, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 99º do EOA.
I.6- O I. Mandatário das partes, a partir do momento em que se deparou com a questão de poder estar em causa interesses opostos entre os RR que representa deveria o mesmo ter renunciado aos poderes que lhe foram conferidos pelos RR, nos termos e ao abrigo do nº4 do art99º do EOA, o que não o fez.
I.7-Não estando assim acautelados e assegurados os direitos de defesa dos RR, deverá V.Exa. pronunciar-se quanto ao patrocínio do I. Mandatário dos RR, no âmbito do presente recurso, e desta forma se os RR se encontram devidamente representados para intentar o presente recurso, uma vez que para o ato em causa é obrigatória a constituição de mandatário ( Cfr. art. 40º, nº1, b) do CPC), tendo como consequência o não seguimento do recurso.
Meramente à cautela, e sem se conceder, sempre que dirá que,
Quando às Alegações da Recorrente SB e Marido que motivaram o recurso
II - A douta sentença recorrida é extensamente fundamentada e inatacável, pelo que se tornou despiciendo repetir a sua fundamentação em alegações.
III - Não pode a A, ora Recorrida, aceitar ou reconhecer que assiste qualquer razão à Recorrente, no que respeita aos fatos constantes nas suas alegações.
IV - Em suma, a Recorrente não aceita que tenha sido dado como provado os fatos em i) e j), pois entende que, o tribunal a quo, firmou a sua convicção quanto ao facto provado sob i) em função do acordo das partes, quando não o deveria ter feito.
V - Entende que a Massa Insolvente que contestou todos os factos deduzidos na petição; que a ora recorrente desconhecia que a autora seria filha do seu pai à data da escritura, motivo pelo qual nunca se poderia dar aquele facto como provado por acordo, mas antes teria que se fundamentar a resposta a tal facto em provas produzidas nos autos.
VI - Mais alega, que na sequência desse fato, a sentença de nulidade - cfr artigo 615.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil.
VII - A livre apreciação estabelecida pelo legislador no nº 5 do art. 607º do CPC não inclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, o que não ocorre no caso em concreto.
VIII - No entanto, o fato i) ao ser dado como provado por admissão de factos por acordo ocorre porque, o douto tribunal entende que os factos relevantes para a acção ou para a defesa se não forem impugnados (incluindo pelo R VC), e havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade, os termos e ao abrigo do disposto no art. 574º nº1 do CPC), são considerados provados ao abrigo do principio da livre apreciação da prova por parte do douto tribunal.
IX - Tendo o R. VC prestado declarações nos autos, enquanto R e não enquanto pai da A FC, e mais nenhum dos RR, ou qualquer testemunha indicada por estes tenham desmentido as declarações prestadas pelo R VC, parece que efetivamente o fato ficou provado “em função de os RR saberem que a A. existia à data da celebração da escritura de compra e venda.
X - Entendeu, o douto tribunal, e bem que as declarações prestadas pelo R VC, foram credíveis, ao contrário dos restantes intervenientes que, se efetivamente tinham interesse em demonstrar que as declarações prestadas pelo R VC não eram verdadeiras, teriam nessa altura o momento certo para contrapor e não o fizeram.
XI - A Recorrente, ao recorrer da matéria de fato sem indicar qual o concreto meio probatório constante no processo ou registo de gravação, nele realizada que imponham decisão sobre os fatos da matéria de facto impugnada da diversa da recorrida (cfr. art. 640º, nº1, b) e nº2 do CPC).
XII - Ao contrário andou bem o douto tribunal ao indicar as declarações de parte do R VC, como meio de prova à fundamentação dos fatos que considerou provado.
XIII - Ao não ter sido respeitado os requisitos obrigatório para a impugnação da decisão da matéria de fato, deveria tal recurso ter sido rejeitado (art. 640º, nº1, ultima parte do CPC.)
XIV - Andou bem o tribunal a quo em considerar como provado o fato sob i) e j).
XV - A Recorrente alega, e no que respeita ao fato j), que o douto tribunal entendeu considera-lo como provado em função das declarações prestadas pelo 2.º R VC.
XVI - No entanto, tem o tribunal a quo o poder discricionário de apreciar livremente a prova, mas ainda assim, não esqueceu de esclarecer e fundamentar que “que apesar do comportamento adoptado pelo R VC, quanto ao seu discurso, ainda assim, foi frisado pelo douto tribunal, que aferiu o que deveria ser considerado ou não credível. O R VC, ao descrever toda a sua situação e envolvência com os restantes RR e A, foi conciso, e sempre reforçando a ideia de que os RR sabiam da existiam da A, até porque o R VC, antes de 2017, ter estado em Portugal algumas vezes e sempre nesse período que esteve em Portugal, era no anexo à casa morada de família que residia com a A, sendo que era impossível os RR SB e Marido que residiam na casa principal, não se aperceberem que existia um bebé em tal anexo!
XVII - Alegam os RR SB e Marido, que desconheciam a existiam da A, visto que os pais se tinham acabado de divorciado.
XVIII - A Recorrente só se “esqueceu” de referir que os pais se divorciaram em Outubro de 2009, porque o R VC já tinha outra família, e a A tinha nascido em Março de 2009 fruto da união de fato do R VC com a progenitora da A, estando atualmente casados.
XIX - A Recorrente mantem a posição que foi um plano “engendrado” pelo R VC para vir mais tarde recuperar o imóvel!
XX - Realmente, quem presenciou as declarações do R VC, e deparou-se com o seu fraco grau de instrução, que apenas tem a 4ª classe, com idade superior a 65 anos, e sempre trabalhou na área de mecânico, acredita que o mesmo tem uma capacidade e conhecimentos fora do comum para prever e engendrar toda esta situação!
XXI - O R. VC estava de má fé quando “engendrou” todo este esquema, e os RR que sabiam da existência da A, tendo a R. ES outorgado a escritura de compra e venda com procuração outorgada pelo R VC, e declarando que estava ainda casada com ele, não estava de má fé, nem os restantes RR que compactuaram ao declararem e assinarem a dita escritura bem sabendo que os pais já se encontravam divorciados!
XXII - A Recorrente, por diversas vezes, nas alegações do supra recurso, “confunde” ora a posição do progenitor pai da A. FC, com a posição que este ocupa nos autos principais na qualidade de R.
XXIII - E daí, invocar a questão do abuso de direito! Aliás, “camuflou” a referida excepção perentória na contestação, através da impugnação dos fatos!
XXIV - A Recorrente alega no seu ponto 23 das suas alegações que: “Questão essa que foi suscitada na petição e que o douto tribunal não se pronunciou”
XXV - Ora, a Recorrida não invocou em sede de petição a questão do abuso de direito.
XXVI - A A na data que intentou a presente ação, tinha de o fazer através de um seu representante legal, pai ou mãe, são os seus representantes legais que zelam pelos direitos dos menores, e neste caso a A, independentemente de o seu pai, também ser R na ação.
XXVII - A posição do pai da A, tem de ser apreciada na qualidade de R, e não na qualidade de progenitor da A, pelo que o presente recurso não tem qualquer cabimento!
XXVIII - As questões invocadas pela Recorrente, a titulo de abuso de direito quanto ao pai da A, deveriam ter sido colocadas, contra o R VC, e não contra este na qualidade de pai da A. O pai da menor não é parte interessada, na propositura da ação, apenas fê-lo na qualidade de representante legal da A, e prestou declarações na qualidade de Réu.
XXIX - Em sede de audiência prévia, foi nomeado curador especial à A para sanar qualquer vicio ou nulidade, pelo que tendo essa questão sido sanada com a nomeação de curador especial, não carece de fundamentação em sede de sentença.
XXX - E efetivamente, se era esse o entendimento da Recorrente, o deveria ter arguido em sede e altura própria (audiência prévia ou audiência de julgamento) e não o fez.
XXXI - Tinha a Recorrente em sede de audiência prévia, a prerrogativa de poder reclamar da identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas de prova, nomeadamente requerendo a discussão do abuso de direito, e não o fez.
XXXII - Não existe qualquer questão de abuso de direito por parte da A., a Autora é menor, carece de legitimidade para interpor qualquer tipo de ação que tenha por causa, zelar e garantir os direitos que entende que forem violados, e conforme legalmente previsto tem capacidade e legitimidade os progenitores, ou apenas um quando, os progenitores se encontrem casados, nos termos e ao abrigo do disposto no art.16º, nº2 do CPC e 123º, 124º, 1877º, 1878º, nº1 e 1901 todos do C.Civil.)
XXXIII - Pelo que andou bem o douto tribunal ao referir que:
“Sendo incapaz, o consentimento que houvesse de prestar a esta venda, seria através dos seus progenitores, os seus legais representantes (cfr. art. 124.º do CCivil) o 2.º Réu, vendedor e a mãe (facto sob a)), ou obtido o respectivo suprimento judicial, nos termos do art. 1001.º do CPCivil; - Independentemente da forma como houvesse de ser prestado (que não supõe uma forma especial – art. 217.º do CCivil) ou suprido, o consentimento da Autora, descendente do 2.º Réu, vendedor, constitui requisito de validade do negócio. Não tendo sido prestado ou suprido – facto sob i) -, o negócio é anulável (vide o Ac. STJ acima citado); À anulabilidade são aplicáveis as disposições dos arts. 285.º e ss do CCivil, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 877.º do mesmo Código.”(vide sentença- II.2- Direito, 1), 13º, 14º e 15ºparagrafo)
XXXIV - O douto tribunal não é obrigado a pronunciar-se sobre a questão suscitada sobre o abuso de poder, uma vez que, tendo o douto tribunal elementos suficientes, que não obstam ao conhecimento do mérito da causa, e que tal questão coloque em causa o “desfecho final”, e que decisão diferente seria assumida caso, se pronunciasse sobre tal;
XXXV - Tal como é a posição adoptada pela jurisprudência em: Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra; Processo: 5281/19.3T8VIS.C1; Relator: MOREIRA DO CARMO, in https://jurisprudencia.pt/acordao/201742/ - “1. Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites.3. A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC) não se verifica se a questão que devesse apreciar estiver prejudicada pela solução dada a outra (art. 608º, nº 2, 1ª parte, do mesmo código).4. A defesa por exceção perentória, caso do abuso de direito, enquanto baseada em facto impeditivo do direito afirmado pelo autor, pressupõe que os factos constitutivos se verificaram e que o efeito deles decorrente se produziu: não se impede o que não existe; assim, a verificação de que os factos que integram a causa de pedir não ocorreram torna, por isso, inútil a subsequente consideração de exceção perentória que os pressuponha. 5. Se o direito a que o A. se arroga, baseado na causa de pedir que invocou, não se verificou, o juiz a quo, que a essa conclusão chegou, não está obrigado a conhecer, por desnecessidade, da exceção perentória de abuso de direito, invocado pela R., que visava impedir a aludida causa de pedir e o correspondente direito.6. O tribunal aprecia livremente as declarações de parte (salvo se houver confissão), nos termos do art. 466º, nº 3, do NCPC; naturalmente porque a própria parte tenderá a declarar aquilo que a favorece e sustenta a posição/versão que apresentou nos autos e que, portanto, visa defender os seus interesses.”
XXXVI - Como ensina Lebre de Freitas - em A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 105, nota (60) e 320, nota (10) –, a defesa por exceção perentória, caso do abuso de direito, enquanto baseada em facto impeditivo do direito afirmado pelo autor, pressupõe que os factos constitutivos se verificaram e que o efeito deles decorrente se produziu: não se impede o que não existe.
XXXVII - Isto é, a verificação de que os factos que integram a causa de pedir não ocorreram torna, por isso, inútil a subsequente consideração de exceções perentórias que os pressuponham.
XXXVIII - A Recorrente pretende ainda justificar que a anulabilidade do negócio jurídico e que criará, um desequilíbrio nas legítimas das descendentes, e que nunca esteve em causa a legítima da Autora.
XXXIX - Salvo o devido respeito, na presente ação não estão a ser discutida, as eventuais dividas dos R VC e ES, a sua hipotética venda em execução, ou até a questão da legítima dos filhos dos RR.
XL - O que a presente ação pretendia e pretende é a reposição de um direito, que assiste à menor, enquanto incapaz, de poder ou através dos seus representantes legais ou quando deixar de ser incapaz (maioridade), podem exercer um direito que lhe foi retirado, pelos RR quando procederam à realização da escritura de compra e venda a filhos, sem o consentimento de todos os filhos e neste caso a A. filha nascida fora do matrimonio.
XLI - O que está em causa é o exercício de um direito indisponível que assiste à menor enquanto A de o poder acionar.
XLII - Pelo que mais uma vez o tribunal a quo fundamentou e bem a sua posição perfilhada na douta sentença: “Contudo, entende-se que o conhecimento da celebração do negócio deve ser reportado ao titular do consentimento e não a outrém, pelo que o conhecimento adquirido pelo 2.º Réu ou por ambos os progenitores, ainda que legais representantes da Autora, detentores das responsabilidades parentais, não tem a virtualidade de fazer iniciar o prazo de caducidade.; Enveredar por este entendimento implicaria postergar um direito que a lei expressamente concede aos incapazes, onde se inclui a Autora, com o termo da incapacidade.” vide sentença- II.2- Direito, 2), 8ºe 9º paragrafo)
XLIII - E quando o tribunal a quo ordenou o retorno do bem imóvel à esfera patrimonial do R VC e da R ES, mas não se pronunciando quanto à questão do valor pago, decidiu bem, pois o douto tribunal não pode condenar aquém do que as partes requereram.
XLIV - Se nenhum dos RR veio requerer que em caso de improcedência da ação fosse restituído o valor pago aos RR por parte da Recorrente através da concessão de empréstimo bancário requerido junto da R BPI, não pode o tribunal a quo condenar em mais do que lhe foi pedido, no caso em concreto de condenar o R VC e a R ES a procederem ao reembolso das quantias recebidas pela dita venda.
XLV - Não pode o douto tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC, o que no caso em concreto não ocorre.
*
1.2. Recurso interposto por Banco B
Igualmente inconformada apelou Banco B, pedindo seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença, absolvendo-se o Réu do pedido, apresentando as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 13.03.2024, que julgou a ação procedente e provada, condenando os Réus no pedido.
2. Ao recurso, de Apelação, com subida imediata e nos próprios autos, deve ser fixado o efeito suspensivo – artigo 647º, nº 3, alíneas b) e e) do CPC.
3. O recurso tem por objeto também a reapreciação de prova gravada.
4. O pedido deduzido pela Autora, menor, inicialmente representada pelo seu Pai, também Réu, consistiu na i) declaração de anulabilidade da compra e venda celebrada no dia 03.12.2009, entre os 1ª e 2º RR na qualidade de vendedores e a 3ª Ré e marido na qualidade de compradores, e consequentemente, o mútuo com hipoteca entre a 3º Ré e marido e o 5º Réu Banco; ii) no cancelamento do registo de aquisição a favor da 3ª Ré e marido e da hipoteca a favor do 5º Réu, referente à Ap. 3507 de 14.10.2009 e Ap. 3508, de 14.10.2009, com a sua conversão em definitivo pel averbamento da Ap. 2962, de 09.12.2009 e averbamento pela Ap. 2963, de 09.12.2009, com todas as consequências legais.
5. A ação foi contestada pelo Banco, e bem assim, pelos 3º e 4º RR.
6. O Banco veio invocar a exceção de caducidade do direito de requerer a anulabilidade da escritura pública dado que o prazo de um ano, previsto nos artigos 287º nº 1 e 877º, nºs 1 e 2 do Código Civil, que corre a contar do conhecimento da celebração do negócio teria já terminado em 02.12.2010, uma vez que o representante legal da menor tinha tido conhecimento e tinha outorgado procuração a favor da sua ex-mulher, aqui 1ª Ré.
7. O Banco deduziu impugnação alegando que a Autora não é filha da 1ª Ré, pelo que a venda por esta feita não estava sujeita ao consentimento da Autora, pelo que relativamente à 1ª Ré, a venda não é suscetível de ser anulada.
8. A sentença foi proferida em 13.03.2024, e julga a ação totalmente procedente, considerando não se mostrarem verificadas as exceções invocadas, designadamente a caducidade do direito de propor a ação.
9. Dos factos dados como provados – alíneas a) a q), que aqui se dão por integralmente reproduzidas - considera o ora Recorrente que os factos dados como provados sob as alíneas i) e j) não o deveriam ter sido, pelo que vem impugnar a matéria de facto quanto a estas 2 alíneas.
10. Sobre a primeira questão em recurso, de impugnação da matéria de facto – e concretamente quanto à alínea i) – a Autora, através dos seus representantes legais, não deu o seu consentimento à venda referida na alínea d) dos factos provados – considera o Banco que, contrariamente à fundamentação da resposta sobre a matéria de facto dada pelo Tribunal, não se verificou o acordo das partes para a prova deste facto, que foi, aliás objeto de impugnação na contestação, afirmando o Banco desconhecer, sem obrigação de conhecer, a Autora ( artigo 574º, nº 3 do CPC).
11. Tendo em conta que os 3º e 4º RR também apresentaram contestação, não se poderá aceitar que houve acordo das partes, quanto a este facto.
12. Verificando-se uma causa de nulidade da sentença, prevista no artigo 615º, nº 1 alínea b) do CPC, o que vem invocar.
13. E sendo tal facto contrariado pelo facto dado como provado sob a alínea n) dos factos provados – que o 2º R teve conhecimento da escritura de 03.12.2009 por ocasião desta.
14. E também pelo único facto dado como não provado.
15. Alega ainda o ora Recorrente que o consentimento pode ser prestado de forma verbal, como resulta do artigo 364º, nº 1 do CC, e foi decidido no Acórdão do STJ de 29.05.2012, supra invocado.
16. E como tal, a atuação do 2º R, enquanto representante legal da menor, ao outorgar a procuração, conferindo poderes à 1ª Ré para celebrar a escritura de venda, pelo preço cláusulas e condições que entender, receber preços, assinar a respetiva escritura, praticando, requerendo e assinando tudo quanto se mostre necessário aos referidos efeitos, não pode deixar de manifestar esse consentimento.
17. Pelo que tal facto – não admitido por acordo das partes – e sem qualquer outra fundamentação que o motive, deverá ser retirado da lista dos factos dados como provados, sob pena de nulidade da sentença.
18. O facto dado como provado pelo Tribunal a quo, sob a alínea j), também foi impugnado pelo ora Recorrente.
19. Tal facto – Os 1º, 3º e 4º RR sabiam, na data da outorga da escritura, que já tinha nascido a A. – foi dado como provado com base nas declarações de parte prestadas pelo 2º R, Pai da Autora, ao Tribunal, e que, apesar de o Tribunal admitir que o 2º Réu tem um evidente interesse no desfecho desta ação, considerou-as verosímeis.
20. Defende o Banco que nenhuma outra prova foi apresentada que corroborasse estas declarações, nem a outra testemunha inquirida – LS, amigo do 2º Réu – manifestou conhecer essa situação, pelo que não pode o Tribunal considerar tal facto como provado, dada a exígua prova que foi feita, a fragilidade do meio probatório que representam as declarações de parte e tendo em conta o grande interesse que este 2º Réu tem no desfecho desta ação.
21. Pelo que tal facto não deverá ser aceite como provado, devendo passar a Não Provado.
22. Como é defendido pela doutrina e pela Jurisprudência, a prova por declarações de parte, tem uma função eminentemente integrativa e subsidiária, sendo aceite com reservas, e reservando a sua valoração para um mero princípio de prova.
23. A prova por declarações de parte não pode ser justaposta aos testemunhos probatórios.
24. Na sentença ora em recurso, considerou o Tribunal ser anulável o contrato de compra e venda celebrado em 03.12.2009, por falta de consentimento da menor.
25. Sendo-lhe aplicáveis as disposições dos artigos 285º e ss do Código Civil, bem como o disposto no nº 2 do artigo 877º do mesmo Código.
26. O Banco, nas suas alegações, defende que, não estando o facto dado como provado sob a alínea i) dos factos provados, devidamente fundamentado na sentença, e não podendo aceitar-se que a prova do mesmo foi obtida pelo acordo das partes, estando a sentença ferida de nulidade, por esse motivo, não se tem por verificado este segmento da sentença.
27. À data da celebração da escritura, a menor estava representada pelo seu Pai, pelo que a sua incapacidade foi por ele suprida.
28. E sendo o consentimento a prestar passível de ser dado pela forma verbal, toda a atuação do pai da Autora, ao outorgar a procuração a dar poderes para a celebração da escritura, confirmou tal consentimento.
29. Recusar agora essa leitura e pretender fazer prova de que a menor, representada pelos pais, não deu o consentimento à venda, e como tal a mesma é anulada, configura abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, nos termos do artigo 334º do Código Civil, o que o Tribunal ad quem deverá apreciar.
30. Considerou também o Tribunal, na sentença recorrida, que, nos termos do artigo 877º, nº 2 do Código Civil, o prazo de caducidade de um ano, aí previsto, apenas tem início quando a Autora atingir a maioridade, o que apenas vai acontecer em Março de 2027.
31. Pelo que não se verifica a exceção da caducidade do direito de propor a ação, suscitada pelo Banco.
32. A fundamentação dada para a improcedência da exceção de caducidade contraria os dispositivos legais que no campo das incapacidades, atribuem a representação legal dos filhos menores aos seus Pais, como forma do seu natural suprimento.
33. Como aliás refere a M. Juiz na sentença, o 2º Réu, Pai da Autora, teve conhecimento da realização da escritura na data em que esta foi outorgada, em Dezembro de 2009; e nessa perspetiva, há muito que o direito de anulação se encontraria caducado.
34. A tese defendida na sentença quanto à caducidade não cabe na redação dada ao artigo 877º do Código Civil, nomeadamente no seu nº 2.
35. Não há, igualmente jurisprudência que a sustente, pelo que deverá o recurso ser julgado procedente quanto a esta questão, revogando-se a sentença recorrida e decidindo-se pela verificação a exceção de caducidade da ação.
36. O Tribunal a quo entendeu que o âmbito de anulação do contrato de compra e venda terá de ser total e não parcial, contrariando o disposto no artigo 292º do Código Civil.
37. O Banco recorrente entende que o âmbito da anulação não poderá ser total mas apenas parcial, cumprindo o disposto no artigo 292º do CC, por falta de alegação e de prova que permitisse concluir que o negócio não teria sido concluído sem a parte alegadamente viciada.
38. Quanto à decisão tomada pelo Tribunal a quo – de que tendo a anulação do negócio eficácia retroativa, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou o valor correspondente, mas que tal decisão não se estende ao contrato de mútuo, o qual se atém à esfera jurídica dos compradores e não intervêm no estado jurídico do imóvel, vem o Banco suscitar a nulidade da sentença, na medida em que não foram especificados os fundamentos da decisão de direito quanto a esta matéria – artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC.
39. De acordo com o artigo 289º, nº 1 do CC, as hipotecas terão de ser repristinadas, uma vez que se opera, com efeitos retroativos, a reconstituição da situação patrimonial que existia antes da venda, que se dá como anulada.
40. A sentença está igualmente ferida de nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, pois o Juiz deixou se se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, como é o caso desta.”
*
1.2.1. Resposta ao recurso da A.
A A. veio responder ao recurso, pedindo seja apreciada a questão da tempestividade do recurso, e, caso não seja esse o entendimento, deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões:
I - Da questão prévia
I.1- A R Banco B, interpor recurso quanto à decisão proferida pelo tribunal a quo em 22/5/2024.
I.2- O recurso, foi interposto fora de prazo, pelo que o mesmo não poderá ser admitindo, por se considerar extemporâneo.
I.3-R Banco B, foi notificada da douta sentença objeto do presente recurso, em 18/4/2024, logo, a R considera-se notificada a 22/4/2024.
I.4-Pelo que a partir do dia 23/5/2024, inicia-se a contagem do prazo para a propositura do recurso objeto de resposta.
I.5-A contagem dos prazos é feito nos termos do art.138º do CPC, ou seja “ é continua e suspendem-se apenas durante as férias judicias”.
I.6-Estando os autos objeto da douta sentença, apensados a um processo de insolvência, o prazo para a instauração de recurso é de 15 dias, conforme o disposto no art. 638º,n1, 2ª parte., por se considerar um processo urgente conforme é definido no art. 138º, nº1 do CPC)
I.7-Sendo o processo de insolvência um processo urgente, não se aplica a regra geral dos 30 dias, mas sim de 15 dias para a interposição de recurso.
I.8-Preceitua o n.º 1 do art.º 9 da CIRE «O processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal».
I.9-Assim, sendo a R notificada a 23/4/2024, e prazo de 15 dias para a dita interposição começaria a contar a 23/4/2024, e terminaria a 7/5/2024, o recurso deu entrada a 22/5/2024.
I.10- Desta forma, foram ultrapassados os prazos de interposição de recurso, devendo o mesmo ser considerado extemporâneo.
I.11-Mas, ainda admitindo, que a R Banco B, pretendesse recorrer-se do prazo a que alude, o art.638,º7 do CPC, também estes já estavam ultrapassados.
I.12-Ou seja, sendo os prazos contínuos, e acrescendo ao prazo de 15 dias (Art.638º, nº1, 2ªparte do CPC), o prazo de 10 dias (art.638º, nº7 CPC) para a interposição de recurso, o mesmo terminava a 17/5/2024, e o recurso foi interposto a 22/5/2024,
I.13-Quer numa vertente, ou noutra foram ultrapassados os prazos para a R Banco B, poder recorrer da sentença proferida nos presentes autos.
I.14-Assim, requer-se a V.Exa. que se digne declarar a intempestividade do presente recurso, e consequentemente, improceder o mesmo, nos termos e ao abrigo no disposto no arrt. 638, nº6 do CPC.
Meramente à cautela, e sem se conceder, sempre que dirá que,
Quando às Alegações da Recorrente Banco B motivaram o recurso
II - A douta sentença recorrida é extensamente fundamentada e inatacável, pelo que se tornou despiciendo repetir a sua fundamentação em alegações.
III - Não pode a A, ora Recorrida, aceitar ou reconhecer que assiste qualquer razão à Recorrente, no que respeita aos fatos constantes nas suas alegações.
IV - Em suma, a Recorrente não aceita que tenha sido dado como provado os fatos em i) e j), e o seu recurso versa sobre as seguintes questões:
a) Da impugnação parcial da matéria de facto dada como provada;
b) Da relevância das declarações de parte do 2º R VC;
c) Da anulabilidade da venda por falta de consentimento da descendente;
d) Do prazo de caducidade fixado para a ação de anulação – artigo 877º, nº 2 do CC;
e) O âmbito de anulação e seus efeitos e de que modo estes se repercutem na esfera
V - Alega a Recorrente, que, o tribunal a quo, firmou a sua convicção quanto ao facto provado sob i) em função do acordo das partes, quando não o deveria ter feito.
VI - Entende que a Recorrente Banco B, que contestou todos os factos deduzidos na petição, bem como 3º e 4º RR;
VII - Não se vislumbra no processo que a 4ªR TS tenha contestado a referida ação.
VIII - Não contestaram a 1ªR ES, o 2ºR VC, nem a 4ªR TS.
IX - Considerou o Tribunal a quo Não Provado, que a Autora, na pessoa do 2º Réu, seu representante legal, teve conhecimento da existência e conteúdo da escritura referente ao imóvel referida em d) dos factos provados, na data da citação para a ação que constitui o Apenso C, em 26.10.2018, ou por ocasião do primeiro contacto com a sua patrona nomeada, Dr. RN, em 24 de Janeiro de 2019 –único facto dado como não provado, cuja fundamentação assentou no facto de, relativamente à Autora, ter sido produzida prova de realidade diversa (facto sob a alínea n).
X - Ficou, provado que o 2º Réu, representante legal da Autora, teve conhecimento da escritura referida em d), por ocasião desta.
XI - Que a forma de prestar o consentimento, nos termos e para os efeitos do artigo 877º do Código Civil, pode ser verbal, sem formalidades especiais ou legais, a atuação do 2º R, enquanto representante legal da menor, ao outorgar a procuração, conferindo poderes para a 1ª Ré celebrar a escritura de venda, pelo preço, cláusulas e condições que entender, receber preços, assinar a respetiva escritura, praticando, requerendo e assinando tudo quanto se torne necessário aos referidos efeitos, não pode deixar de manifestar esse consentimento.
XII - A A não perfilha tal posição, até porque o poder paternal não era exercido apenas pelo R VC.
XIII - O R VC, vivia maritalmente com IB, mãe da menor, pelo que o pode paternal era exercido em conjunto pelos dois.
XIV - A mãe da A. também teria que dar o consentimento, ainda que verbal, e não o fez; seguindo a logica do recurso, e dos fatos dados como provados e não provados, se os RR desconheciam a existência da A, então não podem vir afirmar que o consentimento” ainda que verbal”, tenha sido dado pela progenitora da A!
XV - A questão do consentimento obrigatório, nos casos de venda de bens de pais a filhos, visa proteger os interesses de todos os herdeiros, o que não aconteceu no caso sub judice.
XVI - Sendo a A. menor a mesma inicialmente foi representada pelo seu pai, por ser considerada à luz do nosso ordenamento jurídico de incapaz.
XVII - Mais tarde a sua mãe IB, foi notificada para “ratificar todo o processado praticado pela mesma na presente ação, na qualidade de sua representante legal (vide notificação datada de 21/6/2021, com a refª citius: 148970584.
XVIII - A progenitora IB, veio aos autos indicar que assumia a representação da menor, que ratificava todos os atos praticados em nome da menor, e requereu apoio judiciário (vide oficio, com a refª citius: 11113199 de 5/7/2001).
XIX - Entendeu o douto tribunal, que estando os progenitores à data a residirem em conjunto, não existia regulação do poder paternal e como tal “Assim, p. se nomeia defensor oficioso, notificando-se para tal a AO – aliás, também na linha dos acórdãos citados na anterior promoção” (vide despacho datado de 10/12/2022, com a ref:citius: 154976419).
XX - Foi então nomeado curador especial à A para sanar qualquer vicio ou nulidade, pelo que tendo essa questão sido sanada com a nomeação de curador especial, curador “ad litem” da Autora, menor de idade nos termos e ao abrigo do disposto no art.15 e 17º, nº4 do CPC, não se vislumbra que a sentença careca de fundamentação sobre este fato, apesar de tal sido indicada na supra sentença (vide sentença, pagina 4, penúltimo paragrafo).
XXI - Por uma questão de imparcialidade, e conflito de interesses, o douto tribunal, entendeu acautelar qualquer situação, que viesse a ser suscitado a titulo de vícios, pelo que nomeou o Curador especial.
XXII - Pelo que nada há a apontar quanto à apreciação da prova feita pelo douto tribunal em sede de sentença., inexistindo qualquer nulidade da sentença.
XXIII - A livre apreciação estabelecida pelo legislador no nº 5 do art. 607º do CPC não inclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
XXIV - O fato i) ao ser dado como provado por admissão de factos por acordo ocorre porque, o douto tribunal entendem que os factos relevantes para a acção ou para a defesa se não forem impugnados (incluindo pelo R VC , e havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade (art. 574º nº1 do CPC), bem como das declarações prestadas tela testemunha LA, são considerado provados ao abrigo do principio da livre apreciação da prova por parte do douto tribunal.
XXV - O R VC prestado declarações nos autos, enquanto R e não enquanto pai da A FC, e mais nenhum dos RR, ou qualquer testemunha indicada por estes tenham desmentido as declarações prestadas pelo R VC, pelo contrário, foram corroboradas pela testemunha LA, parece que efetivamente o fato ficou provado “em função de os RR saberem que a A existia à data da celebração da escritura de compra e venda.
XXVI - E considerou provado porquê? Porque entendeu que as declarações prestadas pelo R VC, foram credíveis, ao contrário dos restantes intervenientes que, se remeteram ao silêncio, quando tinham interesse em demonstrar que as declarações prestadas pelo R VC não eram verdadeiras, teriam nessa altura o momento certo para contrapor e não o fizeram. (Cfr. dia 27/02/2024, audiência e discussão de julgamento, depoimento gravado em suporte digital na aplicação habilus, ficheiro, com inicio: 00:10:34 h / Fim: 01:29:35 h)
XXVII - Andou bem o douto tribunal ao indicar as declarações de parte do R VC, como meio de prova à fundamentação dos fatos que considerou provado, nomeadamente o i) e j).
XXVIII - E andou bem o tribunal à quo em considerar como provado o fato sob i).
XXIX - Acrescenta ainda a Recorrente nas suas alegações, e no que respeita ao fato j), que o tribunal a quo entendeu considerar como provado em função das declarações prestadas pelo 2.º R VC, “declarações que se apresentam verosímeis, não obstante o evidente interesse do mesmo no desfecho desta acção, face ao relato circunstanciado e preciso da factualidade em apreço”, e que não o deveria ter feito.
XXX - Ora, teremos de novamente recorrer ao poder discricionário do douto tribunal, ao apreciar livremente a prova, e que através da sua fundamentação, ficou convencido “que apesar do comportamento adotado pelo R VC, quanto ao seu discurso, ainda assim, foi frisado pelo douto tribunal, que percebeu o que deveria ser considerado ou não credível. O R VC, ao descrever toda a sua situação e envolvência com os restantes 2R e 3 RR e A, foi conciso, e sempre reforçando a ideia de que os 2 R e 3RR sabiam da existiam da A, até porque o R VC, antes de 2017, tinha estado em Portugal algumas vezes e sempre nesse período que esteve em Portugal, era no anexo à casa morada de família que residia com a A, sendo que era impossível os 3RR SB e Marido que residiam na casa principal, não se aperceberem que existia um bebé em tal anexo!
XXXI - A Recorrente, faz menção a excertos das declarações da testemunha LS, mecânico, amigo do 2º Réu, o qual afirmou ter frequentado a sua casa, para sustentar que o fato i) não devia ter sido dado como provado, mas esqueceu-se de referir o excerto em que a referida testemunha, descreveu minuciosamente, a casa do 2R , que nessa casa vivia a esposa (1ªR), e os seus filhos 3ª e 4ªR, bem como o marido desta, e que após o 2R ter regressado de Angola, foi à sua casa, que existia um anexo construído pelo 2R, e os menores já se encontravam a residir lá em conjunto com os restantes. Afirma que “estranhou viverem todos em comunidade “ (Cfr. declarações gravadas via habilus- 1 m 28s a 1m58s; 5m 2 s; 5m 27s a 6m17s; 6m51s a 8m 30s; 9m a 10m 48s; 11m10s a 11m 22s)
XXXII - A Recorrente, por diversas vezes, nas alegações do supra recurso, “confunde” ora a posição do progenitor pai da A FC, com a posição que este ocupa nos autos principais na qualidade de R.
XXXIII - As questões invocadas pela Recorrente, a titulo de abuso de direito quanto ao pai da A, deveriam ter sido colocadas, contra o R VC, e não contra este na qualidade de pai da A. O pai da menor não é parte interessada, na propositura da ação, apenas fê-lo na qualidade de representante legal da A.
XXXIV - Foi nomeado curador especial à A para sanar qualquer vicio ou nulidade, pelo que tendo essa questão sido sanada com a nomeação de curador especial, não carece de fundamentação em sede de sentença. Apesar de ter sido feito referência a essa nomeação em sede de redação de sentença.
XXXV - Não existe qualquer questão de abuso de direito por parte da A, a Autora é menor, carece de legitimidade para interpor qualquer tipo de ação que tenha por causa, zelar e garantir os direitos que entende que forem violados, e conforme legalmente previsto tem capacidade e legitimidade os progenitores, ou apenas um quando, os progenitores se encontrem casados, nos termos e ao abrigo do disposto no art.16º, nº2 do CPC e 123º, 124º, 1877º, 1878º, nº1 e 1901 todos do C.Civil.), independentemente do seu pai também ser R na ação.
XXXVI - O tribunal a quo não é obrigado a pronunciar-se sobre a questão suscitada sobre o abuso de poder, uma vez que, tendo o douto tribunal elementos suficientes, que não obstam ao conhecimento do mérito da causa, e que tal questão coloque em causa o “desfecho final”, e que decisão diferente seria assumida caso, se pronunciasse sobre tal; d, o tribunal não é obrigado a pronunciar-se.
XXXVII - Tal como é a posição adotada pela jurisprudência em: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra; Processo: 5281/19.3T8VIS.C1; Relator: MOREIRA DO CARMO, in https://jurisprudencia.pt/acordao/201742/”.
XXXVIII - Como ensina Lebre de Freitas - em A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., págs. 105, nota (60) e 320, nota (10) –, a defesa por exceção perentória, caso do abuso de direito, enquanto baseada em facto impeditivo do direito afirmado pelo autor, pressupõe que os factos constitutivos se verificaram e que o efeito deles decorrente se produziu: não se impede o que não existe.
XXXIX - Isto é, a verificação de que os factos que integram a causa de pedir não ocorreram torna, por isso, inútil a subsequente consideração de exceções perentórias que os pressuponham.
XL - A A, ora Recorrida na data que intentou a presente ação, tinha de o fazer através de um seu representante legal, pai ou mãe, são os seus representantes legais que zelam pelos direitos dos menores, e neste caso a A, independentemente de o seu pai, também ser R na ação.
XLI - O pai da menor não é parte interessada, na propositura da ação, apenas fê-lo na qualidade de representante legal da A.
XLII - Foi nomeado curador especial à A para sanar qualquer vicio ou nulidade, pelo que tendo essa questão sido sanada com a nomeação de curador especial, não carece de fundamentação em sede de sentença, conforme já referido anteriormente.
XLIII - Pelo que andou bem o douto tribunal ao referir que :“Sendo incapaz, o consentimento que houvesse de prestar a esta venda, seria através dos seus progenitores, os seus legais representantes (cfr. art. 124.º do CCivil) o 2.º Réu, vendedor e a mãe (facto sob a)), ou obtido o respectivo suprimento judicial, nos termos do art. 1001.º do CPCivil.- Independentemente da forma como houvesse de ser prestado (que não supõe uma forma especial – art. 217.º do CCivil) ou suprido, o consentimento da Autora, descendente do 2.º Réu, vendedor, constitui requisito de validade do negócio. Não tendo sido prestado ou suprido – facto sob i) -, o negócio é anulável (vide o Ac. STJ acima citado). - À anulabilidade são aplicáveis as disposições dos arts. 285.º e ss do CCivil, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 877.º do mesmo Código.”(vide sentença- II.2- Direito, 1), 13º, 14º e 15ºparagrafo)
XLIV - A Recorrente alega que “A intervenção da Mãe da Autora nos presentes autos não se verificou.”
XLV - Tal não corresponde à verdade, para tal reproduz-se a resposta às alegações já apresentadas supra:
- O R VC, vivia maritalmente com IB, mãe da menor, pelo que o poder paternal era exercido em conjunto pelos dois.
- A mãe da A também teria que dar o consentimento, ainda que verbal, e não o fez; seguindo a lógica do recurso, e dos fatos dados como provados e não provados, se os RR desconheciam a existência da A, então não podem vir afirmar que o consentimento” ainda que verbal”, tenha sido dado pela progenitora da A.
- A questão do consentimento obrigatório, nos casos de venda de bens de pais a filhos, visa proteger os interesses de todos os herdeiros, o que não aconteceu no caso sub judice.
- Sendo a A menor a mesma inicialmente foi representada pelo seu pai.
- Mais tarde a sua mãe IB, foi notificada para “ratificar todo o processado praticado pela mesma na presente ação, na qualidade de sua representante legal (vide notificação datada de 21/6/2021, com a refª citius:
- A progenitora IB, veio aos autos indicar que assumia a representação da menor, que ratificava todos os atos praticados em nome da menor, e requereu apoio judiciário (vide oficio, com a refª citius: 11113199 de 5/7/2001).
-Entendeu o douto tribunal, que estando os progenitores à data a residirem em conjunto, não existia regulação do poder paternal e como tal “Assim, p. se nomeia defensor oficioso, notificando-se para tal a AO – aliás, também na linha dos acórdãos citados na anterior promoção” (vide despacho datado de 10/12/2022, com a ref: citius: 154976419).
- Foi então nomeado curador especial à A para sanar qualquer vício ou nulidade, pelo que tendo essa questão sido sanada com a nomeação de curador especial, curador “ad litem” da Autora, menor de idade nos termos e ao abrigo do disposto no art.15 e 17º, nº4 do CPC, e consequentemente não carecendo de fundamentação em sede de sentença.
- Por uma questão de imparcialidade, e conflito de interesses, o douto tribunal, entendeu acautelar qualquer situação, que viesse a ser suscitado a titulo de vícios, pelo que nomeou o Curador especial.
XLVI - Não existe qualquer prescrição do direito de anulação da escritura.
XLVII - O prazo a que alude o art.877º, nº1 do CCivil, prazo esse de 1 ano, refere-se a partir do momento em que cessa a incapacidade, no caso em concreto, sendo a A menor, o prazo de prescrição do seu direito caduca 1 anos após atingir a maioridade, altura em que é declarada capaz.
XLVIII - Pelo que andou bem o tribunal ao considerar que: “Sendo a Autora, filha do vendedor 2.º R, menor, incapaz, o prazo de caducidade aplicável, salvo melhor opinião, é o que consta da segunda parte do preceito em apreço, isto é, o prazo de um ano a contar do termo da incapacidade, no caso, ao momento em que perfizer os dezoito anos de idade (cfr. art. 122.º do CCivil)” ( vide sentença, pag. 9, último paragrafo)
XLIX - Nos autos, a Autora alcançará a maioridade apenas em Março de 2027, pelo que ter-se-á de entender que não caducou o direito de anulação da venda referida em d).
L - Pelo que mais uma vez o tribunal a quo fundamentou e bem a sua posição perfilhada na douta sentença: “Contudo, entende-se que o conhecimento da celebração do negócio deve ser reportado ao titular do consentimento e não a outrem, pelo que o conhecimento adquirido pelo 2.º Réu ou por ambos os progenitores, ainda que legais representantes da Autora, detentores das responsabilidades parentais, não tem a virtualidade de fazer iniciar o prazo de caducidade. Enveredar por este entendimento implicaria postergar um direito que a lei expressamente concede aos incapazes, onde se inclui a Autora, com o termo da incapacidade.” vide sentença- II.2- Direito, 2), 8º e 9º paragrafo)
LI - Se fosse declara procedente a dita exceção, estar-se-ia a violar todos os direitos a que assistem aos menores, nomeadamente o seu direito de poder dar o seu consentimento.
LII - Consentimento esse que não foi dado por nenhum dos progenitores, quer por escrito, quer verbal.
LIII - A Recorrente pretende ainda justificar que a anulabilidade do negócio jurídico vai-se criar, pela via legal, um desequilíbrio e uma repristinação.
LIV - Na ação não estão a ser discutida, as eventuais dividas dos R VC e ES, a sua hipotética venda em execução, ou até a questão do ressarcimento dos valores entregue pela Recorrente aos 3RR.
LV - A ação pretendia e pretende é a reposição de um direito, que assiste à menor, enquanto incapaz de poder ou através dos seus representantes legais ou quando deixar de ser incapaz (maioridade), podem exercer um direito que lhe foi retirado, pelos RR quando procederam à realização da escritura de compra e venda a filhos, sem o consentimento de todos os filhos e neste caso a A. filha nascida fora do matrimonio.
LVI - Não se trata de uma questão de legitimidade, abuso de poder, ou até a legítima da A, o que está em causa é o exercício de um direito indisponível que assiste à menor enquanto A de o poder acionar.
LVII - E quando o tribunal a quo ordenou o retorno do bem imóvel à esfera patrimonial do R VC e da R ES, mas não se pronunciando quanto à questão do valor pago, decidiu bem, pois o douto tribunal não pode condenar aquém do que as partes requereram.
LVIII - Se o R Banco não veio requerer que em caso de improcedência da ação fosse restituído o valor pago à R Banco por parte dos 23º RR, que o receberam através da concessão de empréstimo bancário requerido junto da R Banco, para liquidação junto da 1R, não pode o tribunal a quo condenar em mais do que lhe foi pedido.
LIX - Se a Recorrente não acautelou o seu direito de regresso em momento próprio, não o pode vir requerer em sede de recurso.
LX - As hipotecas existentes à data da celebração da compra e venda, em nada deverá intervir com a posição da A, ora Recorrida nos autos., pois é uma situação alheia a si.
LXI - A Recorrida, apenas pretende acautelar os seus direitos, enquanto menor, que não foram devidamente protegidos, aquando a venda de um bem para o qual não deu o seu consentimento.
LXII - Não é pelo fato de ser menor, que a lei não a protege, ainda que a Recorrente tenha atuado de boa fé, e desconhecendo a existência da A à data da celebração da escritura de compra e venda.
LXIII - A Recorrida tem pai, que neste caso também é R, mas também tem mãe, que em momento algum deu o consentimento em nome da sua filha, a A, ora Recorrida para a dita escritura de compra e venda.
LXIV - Não pode o douto tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
LXV - Nestes termos, e no modesto entender da A, ora Recorrida, deverá ser mantida na integra a douta sentença recorrida, e a ação julgada procedente por provada, sendo pois mantida a decisão proferida em sede de sentença pelo douto tribunal.
Veio também responder a ambos os recursos o curador ad litem nomeado à A., menor, pedindo seja negado provimento a ambos os recursos.
O recurso foi admitido por despacho de 25/06/2024 (ref.ª 161411610), no qual considerou não terem sido cometidas as nulidades invocadas.
Naquele despacho foi expressamente fundamentada a tempestividade do recurso interposto por Banco B.
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1.3. Tramitação do recurso
Por despacho da relatora de 05/11/2024 foi concedido prazo para exercício de contraditório pelas recorrentes quanto às questões prévias suscitadas pela recorrida nas suas contra-alegações: irregularidade do mandato quanto à massa insolvente e intempestividade do recurso quanto ao recorrente Banco e ainda determinada a audição das partes quanto ao efeito suspensivo fixado ao recurso.
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Pronunciaram-se:
- o curador da menor FC, informando nada ter a opor a que ao recurso seja atribuído efeito devolutivo;
- massa insolvente de SB e VB, indicando ter sido junta procuração conferindo poderes ao mandatário, e inexistir qualquer conflito de interesses entre a R. ES e a massa insolvente. Pediu o desentranhamento do requerimento do curador da menor, defendendo que aquela está representada por patrona, tendo uma desvantagem desleal ao poder pronunciar-se duas vezes e informou nada ter a opor a que seja fixado efeito devolutivo ao recurso;
- a A. FC, informando nada ter a opor a que ao recurso seja atribuído efeito devolutivo;
- Banco B pronunciou-se negando a extemporaneidade do recurso, informando nada ter a opor à fixação de efeito devolutivo ao recurso e fazendo seu o requerimento apresentado pela massa insolvente quanto à dupla intervenção da menor, pelo curador e pela patrona nomeada.
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- como questões prévias:
- falta de mandato da recorrente massa insolvente e situação de conflito de interesses da respetiva mandatária, suscitadas pela recorrida nas suas contra-alegações;
- tempestividade do recurso interposto por Banco B, suscitadas pela recorrida nas suas contra-alegações;
- efeito dos recursos, suscitada oficiosamente pelo tribunal;
- nulidade da sentença;
- impugnação da matéria de facto;
- anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado em 03/12/2009;
- abuso de direito;
- caducidade do direito a pedir a anulação;
- efeitos da anulação do contrato.
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3. Fundamentos de facto:
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
“a) A Autora FC nasceu em 16-03-2009 e é filha do 2.º R VC e de IB.
b) A 1.ª R ES foi casada, sob o regime da comunhão de adquiridos, com o 2.º R VC de 14-01-1976 até 20-10-2009, data em que se divorciaram.
c) A 3.ª R SB e a 4.ª R TS são filhas dos 1.ª e 2.º RR., nascidas, respectivamente, em 23-12-1977 e 07-10-1988.
d) Mediante escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca, outorgada em 03-12-2009, perante a Notária X, a 1ª. R, na qualidade de casada sob o regime da comunhão de adquiridos com o 2.º R., por si e em representação deste, mediante procuração que exibiu e que ficou arquivada, declarou vender aos 3.º RR. SB e marido VB, que declararam comprar, o prédio misto, composto de cultura arvense, oliveiras, solo subjacente de cultura arvense de olival, vinha, olival, mato, construção rural, casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, destinada a habitação, sito em … Azambuja, inscrito na matriz rústica sob os artigos …, com o valor patrimonial, respectivamente, de € 113, 91 e € 31, 67 e inscrito na matriz urbana sob o artigo … com o valor patrimonial de € 78 270, 00, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …, da referida freguesia de …, pelo preço de € 118 300, 00, que receberam e de que deram quitação.
e) Mais declararam os 3.º RR que para a aquisição do referido prédio solicitaram ao Banco B, o 5.º R, um empréstimo no montante de € 118 300, 00, de que se confessaram devedores, constituindo sobre o mesmo hipoteca do direito de superfície, que aquele declarou aceitar, nas condições exaradas no documento complementar anexo.
f) Declarou a 4.ª R prestar o seu consentimento aos 1.ª e 2.º RR..
g) Sobre o referido prédio incidiam duas hipotecas voluntárias a favor do Banco B, S.A., Ap. 07-02-2002 e 14-10-2002, cujo cancelamento foi assegurado, conforme declaração emitida pelo Banco em 19-11-2009, exibido no acto.
h) Em 13-10-2009, o 2.º R outorgou uma procuração – autenticada por solicitador - a favor da 1.ª R, a quem conferiu “os poderes para em conjunto venderem à sua filha e genro SB e VB, pelo preço, cláusulas e condições que entender, receber preços, assinar a respectiva escritura do prédio misto sito … Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …, inscrito na matriz sob os artigos ...., da referida freguesia de …, podendo proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, conforme bem entender, praticando, requerendo e assinando tudo quanto se torne necessário aos referidos efeitos.”.
i) A Autora, através dos seus representantes legais, não deu o seu consentimento à venda referida em d).
j) Os 1.ª, 3.os e 4.ª RR sabiam, na data da outorga da escritura, que já tinha nascido a A..
k) Em 23-10-2018, os aqui 3.os RR. instauraram contra o aqui 2.º R, acção declarativa de condenação, que corre termos sob o n.º 757/18.2T8ALQ, no Juízo Local Cível de Alenquer, e que constitui o actual Apenso C, onde peticionaram a condenação do Réu VC a entregar-lhes o prédio misto referido em d), livre de pessoas e bens.
l) O 2.º R. foi citado para a referida acção em 26-10-2018, tendo-lhe sido entregue nota de citação, a petição inicial e os documentos anexos, incluindo a escritura pública referida em d).
m) Por requerimento de 26-10-2018, o 2.º R requereu apoio judiciário, que lhe foi deferido, para contestar a referida acção, em cujo formulário fez constar:
“pretendo um advogado para tratar desta situação, dado que o terreno era meu e pus a casa em nome da filha por me ter ausentado do país”.
n) O 2.º R. teve conhecimento da outorga da escritura pública referida em d), por ocasião desta.
o) O 5.º R Banco B desconhecia a existência da Autora, à data da escritura referida em d).
p) O 2.º R e o seu novo agregado familiar residem, pelo menos, desde 2018, em habitação autónoma anexa à habitação dos RR. SB e VB, incluindo a Ré TS.
q) Na Conservatória do Registo Predial de Azambuja, consta inscrita a aquisição por compra referida em d) a favor dos 3.º RR, sob a Ap. 3507, de 14-10-2009, convertida em definitiva sob a Ap. 2962, de 09-12-2009 e inscrita a hipoteca voluntária, referida em d), a favor do 5.º R sob a Ap. 3508, de 14-10-2009, convertida em definitiva sob a Ap. 2963, de 09-12-2009.
II.1.2. Factos não provados
1. A A., na pessoa do 2.º R, seu representante legal, teve conhecimento da existência e conteúdo da escritura referente ao imóvel referida em d), na data da citação para a acção que constitui o Apenso C, em 26-10-2018 ou por ocasião do primeiro contacto com a sua patrona nomeada, Dra. RN, em 24 de Janeiro de 2019.
***
Não se responde à restante factualidade alegada ou por ser irrelevante ou por conter factualidade jurídico-conclusiva.”
*
4. Questões prévias
4.1. Mandato da apelante massa insolvente/ conflito de interesses
A apelada FC, nas suas contra-alegações ao recurso interposto pela massa insolvente veio requerer ocorra pronúncia sobre se os RR. se encontram devidamente mandatados para intentar o presente recurso, uma vez que é obrigatória a constituição de mandatário e a Ilustre Mandatária da recorrente deveria ter renunciado aos poderes que lhe foram confiados pelos RR., a partir do momento em que se deparou com uma situação de conflito de interesses entre a massa insolvente e R. ES, nos termos do nº4 do art. 99º do EOA, o que, na sua alegação sucede.
Entende que existe conflito de interesses na medida em que é subsidiariamente pedido em recurso que os RR. ES e VC sejam condenados a devolver o preço pago, atualizado em função de depreciação monetária.
O despacho de admissão do recurso admitiu o mesmo tabelarmente, sem pronúncia sobre esta questão.
Ordenado o contraditório, a apelante massa insolvente de SB e marido vieram alegar que nenhuma das partes representada pelo Mandatário subscritor da peça se encontram em conflito de interesses, sendo todos RR., não tendo a R. ES sequer contestado a ação e tendo conferido mandato ao subscritor por entender que a defesa apresentada pela massa insolvente era a correta, inexistindo qualquer divergência.
Apreciando:
Nos termos do disposto no nº1 do art. 48º do CPC, a falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem ser suscitadas a qualquer altura pela parte contrária, o que abrange a fase de pendência do recurso, para o qual é obrigatória a constituição de advogado (40º, nº1, al. c) do CPC).
A questão suscitada pela recorrida prende-se com a análise da existência de conflito de interesses entre dois clientes do mesmo advogado nos presentes autos e suas eventuais consequências, nos termos dos nºs 3 e 4 do art. 99º do EOA.
Nos termos dos referidos nºs 3 e 4 do art. 99º da EOA (Lei nº 145/2015 de 09/09/2015):
«3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.»
A norma do Art. 99º do EOA tem uma tripla função[2]:
“a) Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes;
b) Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes.
c) Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.
É, assim, aplicável, a conflitos de interesses atuais e potenciais.
A aferição do conflito de interesses é efetuada através dos dados concretos dos autos, uma vez que o potencial conflito invocado se limita à representação de duas partes no mesmo processo.
A Massa insolvente e a ES são ambas RR. nos autos.
Compulsados os mesmos verifica-se que as únicas intervenções que a R. ES teve foram a junção de pedido de apoio judiciário (em 02/03/2020), que veio a ser indeferido (ofício de 05/08/2020) e a junção de procuração forense a favor do Ilustre Mandatário que também representa a massa insolvente em 01/06/2023 (requerimento refª 46089489 de 10/07/2023), ou seja, após a realização de audiência prévia (na qual a referida R. esteve presente).
A R. massa insolvente, por sua vez, sempre representada pelo mesmo Ilustre Mandatário, contestou e juntou procuração forense em 26/08/2020, alegando, já na contestação (art. 73) que a nulidade imporia o regresso do imóvel à propriedade dos RR. ES e VC, a repristinação da execução contra estes e da dívida paga pela venda do imóvel, a extinção do empréstimo concedido aos RR. SB e VB e o reembolso de todas as quantias pagas por estes por conta da venda do imóvel e do empréstimo para aquisição do mesmo.
Em sede de recurso imputou omissão à sentença proferida por não ter condenado os RR. VC e ES a devolver o preço pago, apesar de ter determinado o retorno do imóvel à sua propriedade.
Ou seja, a posição da massa insolvente é a mesma desde a contestação da ação e já o era quando a R. ES conferiu mandato ao mesmo Ilustre Advogado.
O que tem como consequência que a R. ES se identifica com a posição assumida pela massa insolvente, dado que se assim não fosse não teria outorgado e junto procuração forense na altura em que o fez e teria certamente intervindo nos autos fazendo valer uma sua posição (diversa) o que não fez.
Não é a mera expetativa de uma condenação que gera conflito de interesses, nomeadamente quando essa condenação é encarada subsidiariamente a uma absolvição.
Não resulta, assim dos dados concretos dos autos, a existência de qualquer conflito de interesses suscetível de suscitar a aplicabilidade do art. 99º do EOA, que, refira-se, não tem como consequência a imediata caducidade do mandato, mas sempre imporia a concessão de prazo para a constituição de novo mandatário.
Termos em que, verificando-se a regularidade do mandato conferido através da procuração forense outorgada pela massa insolvente ao seu Ilustre Mandatário, se considera a mesma devidamente representada por advogado.
*
4.2. Tempestividade do recurso interposto pelo R. Banco BPI, SA
A apelada FC veio, também em sede de contra-alegações, suscitar a intempestividade do recurso interposto por Banco B, alegando que o prazo de recurso terminou em 07/05/2024 e, acrescido de 10 dias nos termos do nº7 do art. 638º do CPC, terminou em 17/05/2024, tendo sido interposto em 22/05/2024.
Em sede de despacho de admissão do recurso, o tribunal a quo, após admitir o recurso interposto referindo-o como tempestivo, consignou:
Suscita a Autora a intempestividade do recurso.
Conforme acima se decidiu, o recurso interposto pelo Banco Réu é tempestivo, posto que respeitou o prazo de quinze dias para o efeito, acrescido de dez dias, para reapreciação da prova gravada, nos termos do art. 638.º, n.º 1, e n.º 7, do CPCivil, tendo sido o acto praticado no 3.º dia útil, 22-05-2024 (conforme consta do formulário Citius), e paga a respectiva multa, de 40% da taxa de justiça devida, nos termos do art. 139.º, n.º 5, al. c), do CPCivil.”
Banco B, na sequência do contraditório ordenado veio dar por integralmente reproduzido o despacho proferido em sede de admissão do recurso, que considerou o recurso tempestivo e alegou ter tido que pedir e insistir pelas gravações da audiência de julgamento.
Apreciando:
Nos termos do disposto nos arts. 638º nº1 do CPC e 9º nº1 do CIRE, o prazo de interposição de recurso, em processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, é de 15 dias, acrescendo 10 dias se o recurso visar a reapreciação de prova gravada nos termos do nº7 do art. 638º do CPC.
A sentença recorrida foi proferida no dia 13/03/2024 e notificada no dia 18/04/2024 a todas as partes, incluindo o recorrente Banco B.
Nos termos do art. 248º nº1 do CPC, a notificação da sentença considera-se efetuada em 22/04/2024. O prazo de recurso de 15 dias, acrescido de 10 dias, dado que o recorrente pediu a reapreciação de prova gravada, terminou, assim, no dia 17/05/2024, 6ª feira.
O recurso deu entrada no dia 22/05/2024, ou seja, no 3º dia útil posterior ao termo do prazo, acompanhado do pagamento da multa respetiva, nos termos do disposto no art. 139º nº5 do CPC.
O recurso foi, nestes termos, tempestivamente interposto.
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4.3. Efeito dos recursos
Massa Insolvente de SB e Marido interpôs recurso, indicando ser o mesmo de apelação, a subir nos próprios autos com efeito suspensivo, nos termos do art. 647º nº3, al. c) do CPC.
O recurso foi admitido nos termos descritos, indicando-se, como base legal do efeito suspensivo, os arts. “647.º, n.º 3, als. b), e e), este por referência ao art. 644.º, n.º 2, al. f), todos do CPCivil”
Banco B interpôs recurso indicando que a lei determina o efeito do recurso será suspensivo nos termos do art. 647º nº3, als. b) e e) do CPC.
O recurso foi admitido com efeito suspensivo nos mesmos termos: os arts. 647.º, n.º 3, als. b), e e), este por referência ao art. 644.º, n.º 2, al. f), todos do CPCivil.
Como acima referido, foi concedido prazo para pronúncia quanto ao efeito do recurso a todas as partes, indicando-se “que os presentes autos foram apensados a um processo de insolvência, passando a constituir um seu apenso e a estar sujeitos a várias das regras previstas no CIRE, como por exemplo, o art. 9º nº1, nos termos do qual passou a ser um processo urgente.
Nos termos do disposto no art. 14º nº5 do CIRE, os recursos interpostos no processo de insolvência e todos os seus apensos têm efeito devolutivo.
Trata-se de regra especial que, aplicando o nº1 do art. 17º do CIRE, afastará a aplicabilidade do art. 647º do CPC, que permite a fixação de efeito suspensivo em determinados casos previstos por lei e a requerimento, condicionado a caução, do recorrente.”
Ambos os recorrentes e recorrida se pronunciaram, todos tendo afirmado nada ter a opor à fixação do efeito devolutivo.
Apreciando:
Os presentes autos, embora tendo tido início no Juízo Central Cível de Loures como ação de processo comum autónoma, foram apensados ao processo de insolvência de SB e marido em 11/05/2022.
A partir do momento em que foram apensados a um processo de insolvência, passaram a ser regulados por algumas regras do CIRE aplicáveis a todo o processo, incluindo incidentes e apensos.
É o caso do art. 14º do CIRE, que contém uma norma especial em matéria de recursos, cujos nºs 2 a 6 se aplicam a todos os recursos interpostos no processo ou em qualquer dos seus apensos – cfr. o confronto com a redação do nº1 do art. 14º com os demais números do preceito.
Tratando-se de uma regra especial, apenas se aplicam aos recursos as normas gerais do CPC em relação a aspetos não regulados.
Como já se escreveu no Ac. TRL de 13/09/2024[3] “O primeiro exercício necessário é o da determinação da regras aplicáveis e respetivo âmbito.
«O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» – art. 1º nº1 do CIRE[4].
É um processo especial que, quanto à sua natureza, pode ser considerado misto, com uma fase marcadamente declarativa (até à declaração de insolvência) e outra claramente executiva (após a declaração de insolvência com liquidação de todo o património do devedor que integra a massa insolvente para satisfação dos credores ou através da aprovação de um plano de insolvência)[5].
Nos termos do nº1 do art. 17º do CIRE, o processo de insolvência é regido pelas regras deste código e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, «em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.».
Trata-se de uma regra de função similar à prevista no art. 549º nº1 do CPC (onde estabelece que os processos especiais se regem pelas regras próprias e, subsidiariamente pelas gerais e comuns e que se segue o processo executivo quando haja lugar a venda de bens), sublinhando-se, porém expressamente, no nº1 do art. 17º do CIRE a primazia das regras do CIRE.
Ao longo do CIRE, o legislador remeteu especificamente para algumas regras do CPC, em especial para as normas que regulam o processo executivo na parte relativa à tramitação de feição “executiva”, ou seja, a apreensão e liquidação, mas não só[6]. A regra geral do art. 17º, no entanto, vale também para as remissões expressas, ou seja, a aplicação dos preceitos do CPC dá-se enquanto os mesmos não contrariem disposições do CIRE.
O CIRE regula os recursos no art. 14º do CIRE, norma que prescreve no seu nº5 que «os recursos sobem imediatamente, em separado, e com efeito devolutivo.».
A única exceção geral a esta regra está prevista no nº6 que enumera os casos em que os recursos sobem nos próprios autos.
Encontramos ao longo do diploma as únicas exceções à regra do efeito devolutivo, sempre concretas e circunstanciadas e prevendo o âmbito do efeito suspensivo – arts. 17º-F, nº10, 40º nº3, 42º nº3, 217º nº5, 222º-F nº7 e 239º nº6 do CIRE. Tal implica, à luz do art. 17º nº1 do CIRE, já citado, que não podem ser aplicadas regras que contrariem esta regra geral – de que os recursos têm efeito devolutivo, apenas podendo ter efeito suspensivo parcial nos casos previstos expressamente – não sendo assim aplicável, em processo de insolvência, o nº4 do art. 647º do CPC[7].
Esta regra surge ordenada à promoção da celeridade do processo e à primazia dada à satisfação do coletivo dos credores, consagrada desde logo no art. 1º.
Neste exato sentido, mas com maior e, quanto a nós, acertada amplitude, Rui Pinto[8] adverte que o nº5 do art. 14º do CIRE se trata de “uma regra que substitui integralmente, em nosso ver, o regime do artigo 647º CPC, dado o enunciado expressa e sem restrições. Em consequência, não têm efeito suspensivo os recursos de despachos de indeferimento de incidentes processados por apenso (cfr. artigo 647º nº3 al. c) CPC), nem se admite atribuição judicial de efeito suspensivo mediante prestação de caução (cf. artigos 647º nº4 e 648º CPC), únicas normas que poderiam ser cabíveis aos processos pré-insolvenciais e insolvenciais.”
Ou seja, trata-se de uma regra sem exceção: os recursos interpostos em processo de insolvência, incluindo incidentes e apensos, têm sempre efeito devolutivo.[9]
Ainda que assim se não entendesse, no caso é bastante claro que não se verificam as hipóteses das alíneas b) e e) do nº3 do art. 647º do CPC: não se trata de nenhuma das ações previstas nas als. a) e b) do nº3 do art. 629º do CPC, e não respeita à posse ou propriedade de casa de habitação, mas sim à anulação de um contrato de compra e venda de imóvel apreendido para a massa insolvente; por outro lado trata-se de uma ação de anulação de compra e venda de bem sujeito a registo, pelo que o cancelamento do registo é, no caso, decretado como consequência necessária da procedência do pedido principal, sendo dele totalmente dependente, na economia da sentença proferida.
Os recursos interpostos têm, assim, efeito devolutivo.
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Assim, consigna-se serem os recursos os próprios, corrigindo-se o respetivo efeito, que é devolutivo nos termos do nº5 do art. 14º do CIRE – artigo 652º nº1 do CPC.
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5. Fundamentos do recurso
5.1. Nulidade da sentença
A recorrente massa insolvente imputa à sentença as seguintes nulidades:
- ao dar como provado o facto constante de i) da matéria de facto provada com base em acordo das partes, inexistente, dado que, na sua contestação (art. 39º), impugnou toda a matéria de facto alegada na petição inicial, foi cometida a nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 615º do CPC;
- suscitou na sua contestação (refere petição) a existência de abuso de direito por parte do R. VC, questão sobre a qual o tribunal não se pronunciou o que gera a nulidade prevista na al. d) do nº1 do art. 615º do CPC.
A apelada defendeu a inexistência da nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 615º do CPC, alegando ter o tribunal entendido não terem os factos sido impugnados, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade, nos termos do art. 574º nº1 do CPC.
 Quanto à nulidade por omissão de pronúncia alegou ter sido tal exceção perentória camuflada na contestação e que não invocou tal questão na petição que apresentou. O abuso de direito é dirigido ao R. VC como réu e não como pai. Como pai não é parte interessada e só propôs a ação em representação da menor. A nomeação do curador sanou todas as questões, pelo que não carece de fundamentação na sentença. Mais defende que tal questão deveria ter sido suscitada em sede de audiência prévia. Entende estar a questão do abuso de direito prejudicada pela solução dada.
O recorrente Banco B, em sede de impugnação da matéria de facto, defendeu que o facto dado como provado sob a alínea i) não resultou provado em função do acordo das partes, ao contrário do que refere a sentença, pelo que na ausência de fundamentação não pode tal facto manter-se, constituindo causa de nulidade da sentença nos termos do art. 615º nº1, al. b) do CPC. Aponta como consequência para a nulidade a retirada da lista dos factos dados como provados.
Alega ainda, em sede de discordância dos fundamentos de direito a nulidade da sentença nos termos da mesma al. b) do nº1 do art. 615º do CPC por não terem sido especificados os fundamentos da decisão de direito, no passo em que o tribunal decidiu que “O fundamento de anulabilidade do contrato de compra e venda não se estende, consequentemente, ao contrato de mútuo, o qual se atém à esfera jurídica dos compradores e não intervêm no estado jurídico do imóvel.”[10]
Foi ainda por este recorrente, na mesma sede, arguida a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC por não ter sido emitida pronúncia quanto à restituição do que tiver sido prestado e à reconstituição da situação patrimonial antes da venda, nomeadamente quanto à repristinação de duas hipotecas pré-existentes.
A apelada no tocante à nulidade alegada a propósito da al. i) da matéria de facto dada como provada indicou não ter a ação sido contestada pelos RR. VC, ES e TS e que tendo o tribunal entendido não terem os factos sido impugnados, independentemente da convicção da parte acerca da sua realidade, nos termos do art. 574º nº1 do CPC, foram devidamente dados como provados inexistindo qualquer nulidade.
No tocante à segunda arguida nulidade por omissão de pronúncia defendeu não se verificar dado que o tribunal não pode condenar além do que as partes requereram, não tendo o banco formulado qualquer pedido alternativo.
Apreciando:
Dispõe o n.º 1 do art. 615º do CPC:
«1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
O art. 615º do CPC prevê o elenco taxativo de nulidades que podem afetar a sentença.
Como é uniformemente prevenido pela doutrina e jurisprudência, importa sempre distinguir as nulidades de processo e as nulidades de julgamento, sendo que o regime deste preceito apenas se aplica às segundas.
Quanto à previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC relativa à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa ter em conta que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art. 607º do CPC.
O nº 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, acrescentando o nº 4 a exigência de análise crítica das provas.
Esta obrigação de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão reflete o dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»), também regulamentado no art. 154º do CPC.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, o que lhes permitirá avaliar a mesma e ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros[11], a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
Tem vindo a ser entendido, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva - neste sentido, entre muitos outros, os Acs.[12] STJ de 08/02/2024 (Nuno Pinto Oliveira – 995/20), 10/05/2021 (Henrique Araújo - 3701/18), 06/07/2017 (Nunes Ribeiro - 121/11), de 10/07/2008 (Sebastião Póvoas - 08A2179) e os Acs. TRL de 18/04/2024 (Carla Cristina Figueira Mato – 7115/20), 11/03/2021 (Inês Moura - 1074/18) e de 18/04/2024 (José Manuel Monteiro Correia – 1912/21)[13], entre muitos outros. 
A fundamentação da sentença deve ser de facto e de direito: com a indicação dos factos provados e não provados e com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim poderá ser compreensível pelos destinatários.
Assim, além da total ausência ou inexistência de fundamentação, esta nulidade ocorrerá também se a referida fundamentação, pela sua formulação, não permite de todo apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário (e não o erro de julgamento, que leva à alteração ou revogação e não à nulidade).
Para os efeitos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, quando se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” referem-se as questões que constituem o objeto da sentença. Também a alínea d) do nº1 do art. 615º deve ser conjugado com o artº 608º, com vista à determinação das questões a resolver na sentença. Essas questões, aquelas que se impõe ao juiz resolva na sentença são, em primeira linha as questões de forma, alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e finalmente as questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das exceções e ainda as que o juiz deva conhecer oficiosamente – cfr. nº2 do art. 608º.
Na lição de Ferreira de Almeida[14] “Integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento total ou parcial do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.”
Trata-se, aliás, de questão pacífica na jurisprudência, como nos apontam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa[15] - o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
“Na verdade, o que a lei impõe é, antes de mais, que os fundamentos e a parte dispositiva de uma decisão sejam construídos em jeito de resposta aos problemas fundamentais com que as partes construíram a causa de pedir, os pedidos ou as exceções; não em jeito de resposta aos raciocínios em que as partes suportam as suas posições. Deste modo, uma decisão não tem de ser o espelho do teor argumentativo da extensão do requerimento ou dos articulados respetivos.
Dito isto, é natural que uma decisão bem fundamentada “dialogue” com a argumentação das partes quando esta seja decisiva na substanciação da causa de pedir, pedidos ou exceções. Ou seja: a não apreciação de certo argumento expendido pela parte pode, indiretamente, ter consequências na (já referida) suficiência do mérito demonstrativo dos fundamentos da decisão, sindicável por recurso, quando admissível.”[16]
Não integra omissão de pronúncia a situação em que a solução dada a determinada questão prejudique o conhecimento de outras.
A nulidade apontada por ambas as recorrentes ao segmento da sentença que deu como provada a al. i) da matéria de facto provada é um clássico caso de discordância: ambas as recorrentes discordam da fundamentação do tribunal, que fundamentou ter dado o facto como provado por acordo das partes. O facto de considerarem que aquela fundamentação está errada não a faz desaparecer, significa apenas que pode estar errada. Ou seja, o que ambas as recorrentes alegam é discordância e erro de julgamento, que deve ser apreciado na impugnação da matéria de facto, que ambas também fazem quanto a este facto. Não há, assim, qualquer omissão que deva ser valorada como nulidade.
O recorrente Banco B aponta ainda uma nulidade nos termos desta alínea b), alegando falta de fundamentação quanto ao segmento da sentença no qual se entendeu que o fundamento de anulabilidade do contrato de compra e venda – que neste passo já havia decidido – não se estende ao contrato de mútuo, celebrado entre os compradores e o banco, o qual se mantém[17].
O segmento em causa respeita à apreciação das consequências da anulação da compra e venda em relação ao Banco e tem o seguinte teor: “Por via deste preceito legal, a anulação da compra e venda de 03-12-2009, implica o retorno do bem imóvel vendido à propriedade dos vendedores, com o consequente cancelamento das inscrições de aquisição a favor dos 3.º RR., referidas em q). O fundamento de anulabilidade do contrato de compra e venda não se estende, consequentemente, ao contrato de mútuo, o qual se atém à esfera jurídica dos compradores e não intervém no estado jurídico do imóvel.”
Embora sucinta, compreende-se perfeitamente a argumentação do tribunal a quo, que indica que o contrato de compra e venda foi anulado por razões relativas às pessoas dos vendedores e compradores, em nada se relacionando com o contrato de mútuo, ou seja, não se verificando qualquer dessas razões quanto às partes do contrato de mútuo e cujos efeitos não interferem no estado jurídico do imóvel.
Aliás, compulsada a contestação apresentada pelo R. Banco BPI nos autos, verificamos que nada foi alegado no tocante aos efeitos de uma eventual anulação do contrato de compra e venda no contrato de mútuo celebrado pela ora insolvente, pelo que se tratou de uma consequência oficiosamente explorada pelo tribunal, que não sentiu necessidade de responder ou rebater qualquer argumento das partes, que não lhe tinha sido apresentado, o que explica a referência sucinta.
Em conclusão, são perfeitamente percetíveis a afirmação produzida e as razões que a fundamentam, pelo que não se pode considerar ocorrer qualquer nulidade por falta de fundamentação, no tocante ao segmento referido.
Passando ao conhecimento das nulidades arguidas por omissão de pronúncia, verificamos que a R. massa insolvente, na sua contestação, alegou que as intervenientes na escritura desconheciam a existência da A. e que o R. VC, sabedor de que se preparava a venda e da existência da A. deveria ter alertado os demais intervenientes e, se não o fez foi porque pretendia mais tarde, em nome da menor, vir requerer a anulação do negócio, atuando em abuso de direito nos termos do art. 334º do CC.
Aquando da fixação do objeto do litigio e indicação dos temas de prova foram indicados os acervos de factos base da alegação de abuso de direito: o conhecimento/desconhecimento do R. VC da realização da escritura de compra e venda e o desconhecimento/conhecimento das RR. ES, insolventes e TS da existência da A. à data de celebração da escritura[18].
No entanto, apurados os factos base [alíneas j) e n)], não foi conhecido o alegado abuso de direito. O facto de não ter sido destacado, na contestação (e não na petição, um claro lapso de escrita) não invalida a sua alegação, apenas dificulta a tarefa de todos: do próprio, das demais partes e do tribunal.
Surpreendemos, assim, uma omissão de pronúncia, que gera nulidade, nos termos do art. 615º nº1, al. d) do CPC, mas cujos elementos de facto foram objeto de prova, pelo que, após decidida a respetiva impugnação da matéria de facto, será suprida por este tribunal, em juízo de substituição, nos termos do disposto no nº1 do art. 665º do CPC.
Passando ao conhecimento da nulidade por omissão de pronúncia arguida pelo recorrente Banco B, imputa este recorrente à decisão recorrida o defeito de não se ter, ao abrigo do disposto no art. 289º nº1 do CPC, debruçado nem decidido a devolução pelos 1º e 2ª RR. do preço do imóvel que vão receber de volta e a repristinação das duas hipotecas voluntárias a favor do Banco assim se reconstituindo a situação patrimonial anterior à venda.
Cita em seu abono o AUJ nº 4/95 e o Ac. TRL de 18/02/93, referentes à condenação na restituição do recebido, nos termos do art. 289º nº1 do CC.
A apelada aponta não ter sido formulado qualquer pedido neste sentido.
A sentença recorrida conheceu apenas dos pedidos que foram formulados, não se tendo pronunciado quanto, quer à restituição do preço pelos vendedores, quer à repristinação de duas hipotecas anteriores a favor do Banco, matéria aludida pelos RR. nas suas contestações, mas que não foi causa de qualquer pedido formulado por qualquer deles.
O que este recorrente defende é que se impunha ao tribunal que oficiosamente conhecesse e decidisse tudo o necessário à efetiva retroatividade[19] da anulação, nos termos do art. 289º nº1 do CC.
A assim ser, no caso concreto, o que se verificará é um erro de direito, ou seja, uma indevida interpretação do nº1 do art. 289º do CC, e não uma omissão de pronúncia, dado que o tribunal conheceu e decidiu todas as questões que importavam para o conhecimento dos pedidos que lhe foram formulados.
O que significa que, ao invés de uma nulidade por omissão de pronúncia, estamos perante uma questão de mérito, a de saber se o tribunal, oficiosamente, deveria ter apreciado e ordenado a restituição do preço pago pelo bem objeto do contrato de compra e venda que anulou e se nos termos da mesma norma deveria ter apreciado a repristinação das duas hipotecas anteriormente existentes.
Não há, assim, na omissão apontada qualquer nulidade por omissão de pronúncia, sendo ambas as questões a dilucidar em sede de mérito do recurso – na verdade, de ambos os recursos interpostos, dado que a mesma questão, enquanto matéria de mérito, foi também suscitada pela recorrente massa insolvente.
Em resumo:
- julgam-se improcedentes as nulidades arguidas por ambas as recorrentes nos termos da al. b) do nº1 do art. 615º do CPC;
- julga-se procedente a nulidade arguida por omissão de pronúncia quanto ao alegado abuso de direito por parte do R. VC, nos termos da al. d) do nº1 do art. 615º do CPC, a suprir por este Tribunal, nos termos do nº1 do art. 665º do mesmo diploma;
- julga-se improcedente a nulidade arguida pelo recorrente Banco B nos termos da al. d) do nº1 do art. 615º do CPC.
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5.2. Impugnação da matéria de facto
Ambos os recorrentes apresentam impugnação relativa à prova dos factos dados como provados sob as alíneas i) e j).
No tocante a alínea i), além da arguição de nulidade efetuada por ambas as recorrentes, já conhecida e indeferida, apresentam argumentos coincidentes: o tribunal deu o facto como provado indicando o acordo das partes, sendo que esse acordo não ocorreu.
A recorrente massa insolvente alega ter impugnado toda a matéria de facto alegada na petição no art. 39º da contestação, tendo nomeadamente alegado desconhecer a existência da autora à data.
O R. Banco alegou ter contestado e ter afirmado, nos arts. 83º a 86º da sua contestação desconhecer a existência da A., nos termos e para os efeitos do art. 574º nº3 do CPC, tendo também o 3º e 4º RR contestado. Nenhuma das testemunhas inquiridas pelo tribunal se pronunciou sobre a questão do consentimento e o tribunal considerou provado que VC teve conhecimento da outorga da escritura pública de compra e venda por ocasião desta. Mais alega que resulta da lei que os pais ou apenas um, em caso de ausência, incapacidade ou impedimento suprem a incapacidade dos menores, podendo o consentimento ser verbal. O pai outorgou a procuração sabendo da existência da filha pelo que, a R. ES, ao outorgar a venda munida da procuração, estava a manifestar esse consentimento do pai da menor. A ausência do consentimento da escritura pública não prova o não consentimento.
A apelada alega que o poder paternal não era apenas exercido pelo R. VC, tendo a mãe que dar o seu consentimento. Aponta que, na lógica do alegado, se a R. ES desconhecia a existência da A. não podia consentir por ela em representação do pai. O facto i) pode ser livremente apreciado pelo tribunal e foram aceites independentemente da convicção da parte. O tribunal indicou as declarações do R. VC como fundamento para a prova de i) e de j) na sua livre convicção.
Na resposta ao recurso da massa insolvente defendeu ainda a apelada não terem sido respeitados os requisitos obrigatórios para a impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 640º nº1, última parte do CPC.
Quanto à al. j) da matéria de facto provada, a apelante massa insolvente põe em causa a credibilidade dada pelo tribunal às declarações de VC, notando que o mesmo declarou ter outorgado uma procuração à R. ES para tratar de assuntos gerais quando se tratou de uma procuração com poderes específicos para o ato. Alega que todas as RR. mãe e filhas, desconheciam a existência da A. e que a sua existência nem seria plausível porque VC e ES se haviam acabado de divorciar e nunca pensariam que teria outro filho ainda estando casado.
A apelada frisou a credibilidade das declarações do R. VC, alegando não terem sido cumpridos os requisitos previstos no art. 640º nº1 do CPC.
O Banco recorrente indicou ter sido apenas o R. VC a fazer as afirmações que fundaram o facto provado sob j), nenhuma outra prova tendo sido apresentada que teria vindo a Portugal com a menor, em agosto de 2009, quando esta só tinha 5 meses de idade. Indica que o declarado pelo R. não é verosímil, atentas as deslocações a Portugal que fez sozinho no mesmo ano. A testemunha LS, amigo do R. VC nada disse sobre esta visita em agosto de 2009. Tendo em conta o evidente interesse do R. no desfecho da ação, entende que o facto deve ser dado como não provado. Por outro lado, tratou-se de prova por declarações de parte que deve ser valorada com reservas, como meio subsidiário, pouco fidedigno e mero princípio de prova.
A apelada apontou a credibilidade das declarações do R. VC.
Apreciando:
Nos termos do disposto no nº1 do art. 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do nº2, al. a), do referido preceito legal, no caso previsto na alínea b), deve também o recorrente, quando os meios probatórios tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de transcrição dos excertos considerados importantes, sob pena de imediata rejeição.
Nos termos da alínea b) do mesmo nº2, cabe ao recorrido desenvolver a mesma indicação em sentido inverso, ou seja, indicar as concretas passagens que infirmam as conclusões do recorrente, e querendo proceder à sua transcrição, sem prejuízo, porém, dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Como refere Abrantes Geraldes[20] a verificação das exigências previstas neste preceito deve ser feita à luz de um critério de rigor, já que decorre do princípio da autorresponsabilidade das partes e apenas assim se impede que este tipo de impugnação resvale no mero inconformismo. Importa, porém, não exponenciar os requisitos formais em violação do princípio da proporcionalidade, denegando a reapreciação da matéria de facto “…com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.”
É, pois, um exercício de equilíbrio que se pede, sendo necessário rigor ancorado no texto da lei, mas sem excessivo formalismo, garantindo o efetivo conhecimento em impugnação de matéria de facto, sempre que as partes cumpram, efetivamente o seu ónus.
Tal como se refere no Ac. STJ de 17/12/19[21] é “…orientação consolidada da jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido da atenuação do excessivo formalismo no cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC, designadamente em todos aqueles casos em que o teor do recurso de apelação se mostre funcionalmente apto à cabal identificação da impugnação da matéria de facto e ao respectivo conhecimento sem esforço excessivo. Cfr., a este respeito, entre muitos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-02-2018 (proc. n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1), de 15-02-2018 (proc. n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1), consultáveis em www.dsgi.pt, e os acórdãos de 17-04-2018 (proc. n.º 1676/10.6TBSTR.E2.S1) e de 24-04-2018 (proc. n.º 3438/13.0TBPRD.P1.S1), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt.”
Recorde-se que, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o art. 640º já citado, tem como solução para o seu incumprimento (diversamente da previsão do art. 639º nº3) a rejeição do recurso, total ou parcialmente, não existindo possibilidade de despacho de aperfeiçoamento - cfr. arts. 635º nº4, 640º nº2, al. a) e 641º nº1, al. b), ambos do CPC.
Analisando a alegação dos recorrente à luz das exigências do artigo 640º do CPC e mantendo presente que a menção à impugnação da matéria de facto e a identificação dos concretos pontos de facto erradamente julgados devem constar das conclusões [cfr. 635º nº4, 641º, nº2, al. b) e 640º nº1, al. a), todos do CPC] e que a especificação dos meios probatórios, a indicação das passagens da gravação e a posição expressa sobre o resultado pretendido devem constar da motivação[22], constatamos que:
- ambos os recorrentes identificam, na motivação, como erradamente julgados, os factos dados como provados sob i) e j);
- nas conclusões, indicam como erradamente julgados os mesmos factos i) e j) – cls. V) da recorrente massa insolvente e cls. 9 do banco recorrente;
- resulta, quer da motivação, quer das conclusões, qual a decisão que no seu entender deve ser proferida – a de não provado – a massa insolvente e o banco recorrente indicam que a al. i) deve ser excluída dos factos provados – cls. X i XI da massa insolvente e cls. 17 do banco recorrente; e que a al. j) deve ter o mesmo destino – cls. XII a XVII, interpretadas, e cls. 21 do banco recorrente;
- indicam, na motivação, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão: ausência de prova quanto a i) e j).
Os recorrentes cumpriram, assim, o seu ónus pelo que compre conhecer da impugnação deduzida quanto ao julgamento da matéria de facto.
Recordando, o tribunal deu como provado sob i) e j), a seguinte matéria:
i) A Autora, através dos seus representantes legais, não deu o seu consentimento à venda referida em d).
j) Os 1.ª, 3.os e 4.ª RR sabiam, na data da outorga da escritura, que já tinha nascido a A..
Tendo motivado nos seguintes termos:
“Facto sob i) – resultou provado em função do acordo das partes.
Facto sob j) – resultou provado em função das declarações prestadas pelo 2.º R VC, que esclareceu que se ausentou para Angola em finais de Outubro de 2007 e regressou a Portugal, em definitivo, em 2017, sendo que, nesse período de tempo, constituiu nova família, dando-se o nascimento da A. em Março de 2009, e que, em Agosto deste ano de 2009, esteve, em Portugal no anexo que construiu no terreno onde se encontra o imóvel objecto de venda à filha SB, durante três semanas com a sua nova companheira e filha, a A., sendo que, nessa ocasião, quer a sua ex-esposa, quer as suas outras duas filhas, vieram a saber do nascimento e existência da A., à data, com seis meses de idade, declarações que se apresentam verosímeis, não obstante o evidente interesse do mesmo no desfecho desta acção, face ao relato circunstanciado e preciso da factualidade em apreço.”
À data da realização da escritura de compra e venda em causa nos autos a A. tinha 8 meses de idade – factos a) e d), o que significa que temos apurado, como facto notório, que a própria A., menor e incapaz, não deu o seu consentimento.
O que está em causa na al. i) é, assim, unicamente, se os legais representantes da A., o R. VC e IB, respetivamente pai e mãe, deram o seu consentimento em representação da menor.
Na petição inicial a A. alegou no art. 17º “a A não deu o seu consentimento para a referida venda, nem dela teve conhecimento (através dos seus representantes legais).”
A ação foi contestada apenas pela massa insolvente de SB e marido VB e pelo Banco B.
O Banco na sua contestação não impugnou esta alegação, dirigindo-se os arts. 83 a 86 da contestação à alegação de que os demais RR. conheciam a existência da A. efetuada no art. 7º da petição inicial (cfr. art. 82 da contestação).
A massa insolvente, na sua contestação, produziu, no art. 39 uma impugnação genérica: “A Autora vem subverter a verdade dos factos, pelo que nos termos do artigo 574.º do Código de Processo Civil impugnam-se todos os factos aduzidos pela Autora.”,
Nos termos do disposto no art. 574º nº1 do CPC, «Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.»
A regra que, na versão do CPC anterior à revisão de 1995[23] impunha que o réu tomasse posição definida “perante cada um dos factos” articulados pelo autor, suprimiu assim a exigência de impugnação especificada, passando a permitir-se a negação global dos factos constantes da petição inicial – cfr. art. 490º do CPC nas versões anteriormente vigentes do CPC[24].
Na formulação atual é, nestes termos permitida uma impugnação geral que não carece de ser motivada[25], como a que foi efetuada pela R. massa insolvente no art. 39 da contestação, apenas se impondo que se tratem dos factos essenciais[26] que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
O facto em causa é, claramente um facto essencial, havendo alguma divergência na doutrina sobre se a falta de consentimento se trata de um facto constitutivo do direito da A. ou se o consentimento é um facto impeditivo ou extintivo a provar pelo R.
Vaz Serra, em anotação ao Ac. STJ de 29/07/69[27] defende tratar-se de um facto cuja prova cabe ao R., argumentando com a dificuldade do facto negativo e por ser o demandado “quem tinha interesse na validade do contrato, [logo ele] é que devia ter-se acautelado com os meios de prova do consentimento que acaso tivesse sido dado, e é ele quem se encontra na melhor situação de demonstrar o que realmente se passou com o contrato, quanto ao qual, por ser do seu interesse, e não do outro filho, lhe cumpria assegurar-se da existência dos seus requisitos de validade e de prova deles.”[28]
No entanto, parte significativa da doutrina entende tratar-se de facto constitutivo do direito do autor, por se tratar de uma ação de anulação – assim Pires de Lima e Antunes Varela[29], Raúl Ventura[30], entre outros e a jurisprudência, depois de se ter decidido caber no ónus da prova do R.[31], estabilizou-se no sentido de que se trata de um facto constitutivo do direito do autor, seja por via do nº1 ou do nº3 do art. 342º do CC[32].
Também nós entendemos, atento o pedido formulado e a respetiva base legal (o art. 877º nº1 do CC), que a falta de consentimento é um facto essencial que constitui a causa de pedir do autor.
Assim, tal como reclamado por ambos os recorrentes, o facto em causa não pode ser dado como provado por admissão por acordo das partes, havendo que verificar se existe algum outro fundamento para dar tal factualidade como provada, ou se, como pretendem ambos os recorrentes, deverá ser dado como não provado o não consentimento através dos representantes legais.
A recorrente massa insolvente limitou-se a apontar a não existência de acordo das partes.
O banco recorrente alegou as razões pelas quais se deve dar como não provado tal ponto, nos termos acima sintetizados e que se repetem:
- não foi produzida prova testemunhal sobre o facto;
- o tribunal deu como provado que o R. VC teve conhecimento da outorga da escritura pública de compra e venda por ocasião desta – alínea n) da matéria de facto provada;
- a incapacidade dos menores é suprida pelos pais, podendo ser suprida apenas por um, em caso de ausência, incapacidade ou impedimento – arts. 1901º a 1903º do CC;
- o consentimento pode ser verbal – Ac. STJ de 29/05/2012;
- o pai, VC outorgou a procuração sabendo da existência da filha pelo que, a R. ES, ao outorgar a venda munida da procuração, estava a manifestar esse consentimento do pai da menor. A ausência do consentimento da escritura pública não prova o não consentimento.
Defende assim, que o consentimento foi dado mediante a outorga da procuração pelo pai.
Apreciando a prova produzida – e após a audição integral das declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas – confirmamos que nenhuma questão direta sobre o consentimento foi efetuada ou respondida.
Temos, em primeiro lugar, o facto de na escritura pública não constar o consentimento expresso da menor, através dos seus representantes, ou sequer do representante representado, ali constando o consentimento expresso da outra filha, TS.
Para o Ac. TRL de 26/06/2008, já citado, tal é bastante.
Ali se escreveu, com sublinhado nosso: “Neste contexto tornava-se necessário o consentimento da autora e das suas irmãs, por força da representação sucessória (artigo 2039º do Código Civil) face ao óbito do seu pai, filho da vendedora, consentimento que, embora não carecendo de forma especial, não foi prestado, como se deixou consignado na escritura de compra e venda, o que basta para se ter por cumprido o ónus de alegação e prova desse facto pela autora, ónus que lhe estava cometido por se entender que se trata de facto constitutivo do seu direito potestativo de anulação (artigo 342º nº 1 do Código Civil).”
O que significa que, seguindo esta orientação, no caso concreto, o facto constante de i) é uma consequência do facto de, da escritura reproduzida em d), e) e f) da matéria de facto provada não constar o consentimento prestado em representação da A., o que implica que estará provado com base na mera ausência de consentimento na escritura pública.
O Ac. STJ de 29/05/2012 expressa opção diversa.
Ali se escreveu, mais uma vez com sublinhado nosso: “25. Não exigindo a lei nenhuma forma especial para a prestação do consentimento (artigo 364.º/1 do Código Civil) nem sequer exigindo a lei que o contrato de compra e venda a filhos e netos, sob pena de nulidade, careça do consentimento das pessoas para tanto legitimadas, não se vê que seja sustentável a argumentação dos recorrentes no sentido de que o consentimento constitui cláusula essencial do negócio de compra e venda.
26. No seu entender, a ausência dessa cláusula da escritura de compra e venda implicaria a prova, logicamente necessária, " do reverso dessa realidade", ou seja, a prova de que não houve consentimento. No entanto, não se nos afigura que assim se deva entender, pois, ainda que a lei fulminasse com nulidade o contrato de compra e venda a filho ou neto sem consentimento, impor-se-ia apenas declarar tal nulidade desde que a lei exigisse a redução a escrito dessa manifestação de vontade independentemente de ela constituir ou não cláusula essencial do contrato.
27. Com efeito, se a lei exigisse forma escrita para o consentimento, da ausência de documento não se retiraria que não houve consentimento verbal, retirar-se-ia apenas que não houve consentimento escrito. Daí adviriam as pertinentes consequências legais.”
Se aplicarmos esta posição, teremos que seguir o percurso de análise de se podemos ter tacitamente[33] por dado o consentimento da menor, através de um único dos seus representantes, ao outorgar a procuração forense reproduzida em h) da matéria de facto provada.
Recordando, nessa procuração outorgada em 13/10/2009 o R. VC, pai da menor A., conferiu à R. ES “os poderes para em conjunto venderem à sua filha e genro SB e VB, pelo preço, cláusulas e condições que entender, receber preços, assinar a respectiva escritura do prédio misto sito … Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …, inscrito na matriz sob os artigos …, ambos da Secção Z, da referida freguesia de …., podendo proceder a quaisquer actos de registo predial, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, conforme bem entender, praticando, requerendo e assinando tudo quanto se torne necessário aos referidos efeitos”.
É notório que o próprio R. VC sabia que a A. FC era sua filha, nascida sete meses antes.
As explicações, escassas, dadas sobre o R. VC sobre esta procuração[34], conjugadas com as declarações do diretor da agência do Banco BPI onde a operação de crédito foi tratada, HB, de que, em 06/10/2009, quando assumiu esse cargo, o crédito já estava aprovado, levam à conclusão de que esta procuração, outorgada dias antes do divórcio dos RR. VC e ES (cfr. facto constante de b) – o casamento foi dissolvido por divórcio em 20/10/2009), se destinava especificamente à outorga desta escritura de compra e venda e à solução da questão dos créditos hipotecários que incidiam sobre o imóvel e contração do novo crédito em nome da SB[35].
Não temos, porém, qualquer indício de que o R. VC, além de ele próprio ter sabido que a compra e venda se faria por ter possibilitado a mesma mediante a outorga de procuração, quisesse também dar consentimento como representante da A. FC.
Em primeiro lugar porque das declarações do R., na sua globalidade não resulta claro que o mesmo estivesse exatamente ciente das consequências da compra e venda que declarou querer fazer.
Vejamos:
O R. declarou que sabia que havia uma ou duas (ou três) prestações do crédito que ele e ES haviam contraído para a aquisição do imóvel (ou construção do anexo) em atraso quando foi para Angola. Foi para Angola em 2007 e começou logo a enviar dinheiro que achou seria para as prestações e nunca mais, nas suas palavras, falou nada com ninguém sobre o crédito, deixou de ter acesso à conta, mas apesar disso, achou que estaria tudo bem. Com que base, não soube explicar.
Continuou a enviar dinheiro após o divórcio – nessa altura menos, até 2011 – que era levantado pela filha SB e que achava que era para as prestações do banco. Mas nunca falou com a SB ou com quer que fosse sobre isso. Mas deixa de enviar dinheiro quando a ex-mulher se queixou que não via dinheiro nenhum, o que indicia que o dinheiro enviado seria para sustento e não para pagar prestações.
Foi-lhe pedida uma explicação para, se achava que a casa ainda era sua e ainda tinha crédito a correr no banco, havia deixado de enviar dinheiro respondeu que se a SB usava a casa era ela que devia pagar.
Mas a este ponto já sabemos que o VC sabia que a casa “não estava em seu nome” – cfr. a procuração e a justificação para o pedido de apoio judiciário mencionada na motivação de n) da matéria de facto provada.
É bastante claro das declarações que prestou que acha ter-lhe sido tirada a sua casa, ou seja, que tendo sabido da operação de compra e venda e concordado com a mesma, acharia ser só uma forma de resolver problemas, as dívidas (que agora não admite, refugiando-se em nunca lhe ter sido dito nada e nunca ter perguntado). Aliás, a profundidade da sua zanga coma filha SB é palpável nas suas declarações.
Provavelmente, na sua cabeça, se todos se tivessem ficado a dar bem a casa podia estar em nome de fosse quem fosse, mas seria sempre sua. Isso explica porque voltou para Portugal para ali viver com os filhos e a mulher, mais tarde, para a mesma casa, primeiro (declarações do próprio, ficou na cave da casa principal) e depois para o anexo, quando as relações esfriaram.
Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre teremos que analisar se o R. VC, sozinho, podia consentir em representação da sua filha menor.
Nos termos do art. 124º do CC, a incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal, e, subsidiariamente, pela tutela.
Nos termos do nº1 do art. 1878º do CC compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.
Em regra coincidem a titularidade das responsabilidades parentais[36], que pertence aos pais, com o seu exercício, regulando-se a possibilidade, em certos casos de confiança do exercício a terceira pessoa (art. 1907º nº1 do CC).
O exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais, quer na constância do casamento, quer na união de facto – arts. 1901º, nº1 e 1911º nº1do CC.
No caso, embora ao tempo da outorga da procuração os RR. VC e ES estivessem ainda casados, a A. FC já tinha nascido estando a respetiva filiação estabelecida quanto a pai e mãe – cfr. al. a) da matéria de facto provada.
Resulta das declarações do R. VC que, ao tempo, vivia com a mãe da FC, em Angola, em condições análogas às dos cônjuges[37], pelo que nos situamos no regime dos arts. 1901º a 1904º do CC por via do disposto no nº1 do art. 1911º do CC.
Não é aplicável ao caso concreto que nos ocupa o disposto no art. 1903º nº1 do CC[38], dado que a mãe da menor, IB, não estava ausente, incapacitada, nem impedida por decisão judicial. Não foi alegada nem se apurou qualquer matéria de facto que pudesse levar a tal conclusão.
O conceito de ausência usado na lei é um conceito técnico estrito, que aqui não se pode ter por preenchido pela ausência da mãe do país. O conceito está usado em sentido técnico-jurídico, nos termos previstos nos arts. 89º e ss. do CC. Como refere Clara Martins Pereira[39] trata-se de ausência aferida e face de uma série de requisitos cujo preenchimento deve ser judicialmente verificado, um dos quais sendo o desaparecimento da pessoa sem que dela se saiba.
Não é claramente o caso da mãe da A., que não estava desaparecida, ao tempo vivia em Angola.
Ficamos assim como única possibilidade de consentimento tácito válido prestado por apenas um dos progenitores a verificação da previsão do nº1 do art. 1902º do CC: «Se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância;»
Antunes Varela e Pires de Lima[40] ensinavam ser a regra uma presunção de acordo com duas exceções: i) quando a lei exija expressamente o consentimento de ambos os pais e ii) em atos de especial importância.
Não estamos no âmbito da primeira exceção, importando verificar se o consentimento seria um ato de especial importância.
Trata-se de um conceito indeterminado de especial imprecisão[41] devendo a particular importância do ato ser medida objetivamente face às circunstâncias concretas.
“As “questões de particular importância” – como quer que a jurisprudência e a doutrina vierem a defini-las – serão sempre acontecimentos raros. Os dois progenitores, assim, apenas terão a necessidade de cooperar episodicamente, e sempre à volta de assuntos que, por serem importantes para a vida do filho, porventura os chamarão à sua responsabilidade de pais e à contenção recomendável para essas ocasiões. Por sua vez, a decisão dos “atos da vida corrente” ficará inteiramente na esfera do progenitor com o filho vive, ou com o filho se encontra temporariamente, sem necessidade de se procurar o consentimento do outro nem de se presumir este consentimento.”[42]
A jurisprudência tem tratado a distinção em termos casuísticos mas assinalando tipos de atos que caem nos atos de especial importância e nos atos da vida corrente, de que é exemplo o Ac. TRL de 02/05/2017 (Pedro Brighton – 897/12).
Tomé D’Almeida Ramião indica como sendo típicos atos de especial importância “as decisões relativas à administração dos bens do filho que impliquem disposição ou oneração”[43]. Helena Bolieiro e Paulo Guerra apontam como exemplo “decisões de administração que envolvam oneração;”[44].
Em comum toda a doutrina aponta para um âmbito restrito, que vem sendo muito pensado para as situações de separação e divórcio, que deve ser objetivamente avaliado em concreto[45].
Uma decisão de consentimento da alienação de bens a outros descendentes, não sendo uma decisão de disposição ou oneração de bens pertencentes ao menor é uma decisão suscetível de afetação futura de direitos patrimoniais do menor que, quanto a nós, deve ser considerada de especial importância, exigindo o acordo dos dois progenitores.
Trata-se, assim, de ato excluído da presunção, nos termos do nº2 do referido artigo 1902º do CC[46].
A contra parte na outorga da procuração, o ato que o recorrente Banco entende ser a manifestação do consentimento tácito, é a co-R. ES, que sabia[47] que o R. VC vivia maritalmente com outra pessoa, tanto assim que o divórcio de ambos se deu dias depois, ou seja, já estava pensado e acordado entre ambos.
Ou seja, e recopilando, tratando-se de um ato de especial importância, nunca o R. VC podia sozinho prestar o seu consentimento tácito mediante a outorga da procuração de 13/10/2009.
Aqui chegados, temos que, independentemente da posição assumida quanto à suficiência da omissão de consentimento expresso, na escritura de 03/12/2009 a filha TS prestou consentimento expresso e não há qualquer menção ao consentimento da FC.
Há uma declaração concreta do R. VC que nos parece elucidativa da não intenção de prestação de consentimento em representação da FC – e agora alheando-nos da falta de prova de acordo da mãe da FC apenas para efeitos de raciocínio – no final do seu depoimento foi-lhe feita a pergunta de quando soube que havendo outros filhos e havendo uma venda, todos (incluindo a A.) teriam de consentir. Apesar de o tribunal ter reagido, qualificando a pergunta como matéria de direito, o R. chegou a responder e disse que só a Dra. RN (patrona nomeada na ação que constitui o apenso C) lhe disse.
Na verdade, não se tratava de uma questão sobre matéria de direito.
O R. VC pura e simplesmente não sabia, em 2009, quando outorgou a procuração para que fosse feita a venda, que a menor FC também teria que consentir. Bate certo com o respetivo perfil, fracos conhecimentos jurídicos e com a forma como declarou lidar com os assuntos da sua vida, mesmo os importantes, como um crédito à habitação ou a titularidade de um imóvel, numa postura de aguardar que as coisas se resolvam por si. E daqui retiramos com segurança bastante que, efetivamente, e independentemente das questões jurídicas já apontadas, não houve consentimento.
Antecipando argumentos, e porque estamos, de certa forma, a assentar a nossa convicção em parte das declarações de parte do R. VC, cuja importância e credibilidade ambos os recorrentes põem em causa, a propósito da impugnação da matéria de facto dada como provada sob a alínea j), procederemos desde já à apreciação global do depoimento e ao conhecimento dos argumentos esgrimidos pelo recorrente Banco.
As declarações restadas pelo R. VC foram em parte credíveis e em parte não credíveis. A esta mesma conclusão já havia chegado o tribunal a quo quando não lhe deu credibilidade quanto ao conhecimento da realização da escritura de compra e venda pelo próprio e lhe deu credibilidade quanto ao conhecimento, pela ex-mulher e pelas filhas, da existência da menor FC.
Ouvido integralmente o depoimento foi exatamente essa a impressão que nos deixou.
Trazia uma história para contar, parecendo mesmo ensaiada, no tocante à data e circunstâncias em que teve conhecimento da escritura, mas não teve capacidade de a adaptar quando confrontado com elementos em contrário (a carta de citação com todos os elementos, cujo AR assinou, após ter declarado que só recebeu um aviso para ir ao tribunal). Confrontado com elementos que punham em crise o que dizia refugia-se ou no “não me lembro” ou no “não entendi”.
Mas nesse depoimento há elementos que impressionam pela sinceridade e espontaneidade: os detalhes da vida em comum com a menor e a então companheira em Portugal, nesse aspeto, embora relativamente a data posterior[48], confirmado pela testemunha LS que declarou que todos conviviam na mesma casa, ex-mulher e filhas do primeiro casamento (e genro e neto) e atual companheira e filhos do segundo casamento, em “comunidade”; os sentimentos negativos para com a filha SB e a ausência dos mesmos em relação à ex-mulher e à filha TS, embora todas estivessem estado envolvidas na compra e venda; a insistência em detalhes que ninguém lhe perguntou, como a venda dos camiões, o cheque de dezanove mil euros ou a gaveta cheia de cartas das finanças em seu nome por abrir.
A recorrente massa insolvente defende a falta de credibilidade apontando que o R. VC declarou ter passado procuração à R. ES para tratar de assuntos gerais quando na verdade passou uma procuração com poderes especiais para vender o imóvel.
Na realidade, o R. VC não declarou ter passado uma procuração para tratar de assuntos gerais. O que declarou, depois de confrontado com a procuração, foi que era para passar a casa para o nome da SB “se lhe acontecesse alguma coisa”, negando ser para resolver a dívida ao banco.
Na verdade, essa parte do depoimento não mereceu credibilidade, mas sem que tal determine automaticamente que todo o depoimento fica afetado, até porque mesmo nesse ponto não negou ter passado aquela concreta procuração.
O recorrente banco aponta como incredível o relato das deslocações a Portugal no ano de 2009 – matéria que analisaremos a propósito do conhecimento da impugnação relativa ao facto dado como provado sob a al. j) – e defende que as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária, valendo apenas como princípio de prova, citando em abono da sua posição dois acórdãos do Tribunal da Relação do porto de 2014.
Defende assim que deve ser contrariada a convicção do tribunal recorrido, com excessiva incidência das declarações do R. e ser considerada a sua natureza subsidiária e pouco fidedigna.
Trata-se da defesa da tese de que o tribunal não pode basear-se exclusivamente num depoimento de parte não confessório, dada a sua natureza não isenta ou desinteressada.
Na sequência do progressivo abandono da posição estrita – que apenas admitia o depoimento de parte como meio de prova de factos desfavoráveis[49] - generalizou-se a posição de que o depoimento de parte e as declarações de parte podem ser livremente valorado pelo juiz na parte não confessória, mas que dada a posição interessada do depoente/declarante, deveriam ser, por regra, valorados em conjunto com outros meios de prova. Foi, aliás, essa a ideia por trás da consagração das declarações de parte[50].
Mas como resulta da maioria da jurisprudência, não se formulou uma regra abstrata de impossibilidade de prova de factos exclusivamente com base no depoimento de parte: tratando-se de jurisprudência, o que resulta dos muitos arestos sobre a matéria é exatamente um critério casuístico que, num juízo de normalidade, impõe uma valoração do depoimento de parte, no segmento não desfavorável, com especial cuidado[51].
E, na verdade, como explicitado por Luís Filipe Pires de Sousa[52] a propósito das declarações de parte, “nada obsta a que (…) constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”
A essencialidade do direito à prova e a tendência crescente de remoção aos obstáculos de natureza processual não nos permitem retirar da previsão da existência do meio de prova declarações de parte (em especial pela forma como foi instituído) uma redução do âmbito já alcançado para o depoimento de parte[53].
Assim, não existindo qualquer inadmissibilidade legal de prova apenas com base em declarações de parte, quanto a factos não desfavoráveis, o que se impõe é um standard de valoração adequado à realidade de estarmos a lidar com uma parte, com óbvio interesse no desfecho da causa.
E isso leva-nos à apreciação concreta das declarações de parte prestadas nos autos pelo R. percurso que vimos fazendo e que prosseguiremos.
Assim, e quanto à alínea i) da matéria de facto provada, tudo considerado, não há fundamento para alteração do juízo de provado efetuado pelo tribunal recorrido.
Relativamente à alínea j) da matéria de facto provada, os recorrentes alegaram a falta de credibilidade das declarações que o tribunal valorou como credíveis, nessa parte, a recorrente massa insolvente, nos termos já expostos, e o recorrente Banco, além de defender a tese da subsidiariedade das declarações de parte, indicou inverosímil que, tendo-se deslocado a Portugal duas vezes sozinho em 2009 (outubro e dezembro) também tenha vindo a Portugal em agosto do mesmo ano com uma criança de 5 meses de idade. Indicou ainda a ausência de qualquer outro elemento de prova que confirmasse esta deslocação a Portugal em agosto.
O tribunal a quo fundamentou pela seguinte forma:
“Facto sob j) – resultou provado em função das declarações prestadas pelo 2.º R VC, que esclareceu que se ausentou para Angola em finais de Outubro de 2007 e regressou a Portugal, em definitivo, em 2017, sendo que, nesse período de tempo, constituiu nova família, dando-se o nascimento da A. em Março de 2009, e que, em Agosto deste ano de 2009, esteve, em Portugal no anexo que construiu no terreno onde se encontra o imóvel objecto de venda à filha SB, durante três semanas com a sua nova companheira e filha, a A., sendo que, nessa ocasião, quer a sua ex-esposa, quer as suas outras duas filhas, vieram a saber do nascimento e existência da A., à data, com seis meses de idade, declarações que se apresentam verosímeis, não obstante o evidente interesse do mesmo no desfecho desta acção, face ao relato circunstanciado e preciso da factualidade em apreço.”
 O R. VC declarou que em 2009 esteve em Portugal três vezes: em agosto, por três semanas a passar férias com a mulher e a filha, em outubro sozinho, porque foi assaltado, lhe roubaram o passaporte e teve que cá vir tratar disso, e em dezembro, sozinho para passar o Natal.
Não partilhamos da estranheza do recorrente Banco quanto a três vindas a Portugal num ano, nomeadamente com as justificações dadas (férias, Natal e tratar de assuntos que apenas aqui podiam ser tratados): não é dramático viajar com uma criança de meses, é de senso comum que os pais querem mostrar à família os seus filhos recém-nascidos, três semanas, por regra não esgotam o tempo de férias e duas das viagens foram só do R., o que implica menos gastos. A justificação dada pelo R. para a vinda em outubro e o tempo que sabemos ter aqui passado (a procuração foi presencialmente outorgada em 13/10/2009 e o divórcio, também presencial e tratado pelos ex-cônjuges ocorreu em 20/10/2009), pelo menos 7 dias, é compatível com a questão do passaporte.
A parte menos credível das declarações do R. foi, com muita nitidez, a relacionada com o conhecimento da operação bancária incluindo a compra e venda. Nas partes relativas ao atual conflito com a filha SB foi muito espontâneo e sincero. Notamos que, quando interrogado sobre as datas das vindas a Portugal em 2009, a sua preocupação foi com a vinda em dezembro (até disse o dia em que chegou, 23) insistindo no facto de ninguém lhe ter dito nada sobre a escritura (que tinha sido realizada no dia 03/12).
A avaliação feita pelo tribunal recorrido das declarações do R. VC afigura-se, assim, correta e coincide com a avaliação deste tribunal.
Conhecida a questão (jurídica) suscitada pelo recorrente banco quanto à suscetibilidade de as declarações de parte poderem constituir o único meio de prova, desde que credíveis, improcede, assim, também a impugnação da matéria de facto quanto à matéria constante da al. j).
Improcede, nestes termos, integralmente, a impugnação da matéria de facto efetuada por ambos os recorrentes.
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5.3.  Anulabilidade da venda por falta de consentimento de descendente
A recorrente massa insolvente invocou que nunca esteve em causa a legítima da A., dado que se não fosse esta venda o imóvel seria vendido em execução hipotecária, pelo que o pedido é destituído de interesse prático.
O recorrente Banco voltou a alegar que o consentimento foi prestado através da outorga da procuração pelo pai, resultando das declarações de parte deste, o R. VC, que a mãe da menor apenas veio residir para Portugal em 2018, sendo a sua ausência colmatada pelo outro progenitor, nos termos do art. 1903º do CC, nunca tendo a mãe da A. intervindo nestes autos.
Apreciando, e começando por conhecer os argumentos suscitados pela recorrente massa insolvente:
Como se escreveu na sentença recorrida e se subscreve, com a proibição do art. 877º do CC procura evitar-se uma simulação, difícil de provar, em prejuízo das legítimas dos descendentes, quer os provenientes do casamento, quer os nascidos fora do casamento.
A questão suscitada pela recorrente e R. massa insolvente dirige-se diretamente à filosofia da norma e ao interesse por ela protegido, sendo que quer a doutrina mais clássica, quer a maioria da jurisprudência defendem que esta proibição é de índole preventiva[54] - “prevenção do perigo de simulação de liberalidades a algum dos filhos ou netos em detrimento dos restantes descendentes, em virtude das dificuldades de provar tal tipo de simulação, de modo a evitar a ulterior igualação na partilha ou a ofensa da legítima”[55].
Trata-se, porém, de uma norma de perigo abstrato[56], aplicável independentemente do património existente ou inexistente, razão pela qual os factos relativos à hipoteca anterior e pendência de execução foram tidos como instrumentais e não como factos essenciais (decisão que nenhuma das RR. impugnou). Todas as vendas a descendentes são proibidas, sem consentimento dos demais, mesmo que exista um imenso património, mesmo que já se hajam entregue a cada um dos demais bens ou valores equivalentes.
Passando aos argumentos suscitados pelo recorrente banco, verificamos que se tratam das questões já conhecidas em sede da impugnação da matéria de facto, repetidas agora com o argumento acrescido de que o facto de a mãe apenas ter vindo residir em Portugal em 2018 levará à subsunção da regra do art. 1903º por se tratar de um caso de ausência, acrescentamos nós, em 2009.
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os argumentos acima expendidos, recordando-se que, e em síntese, se decidiu que as responsabilidades parentais, no caso, deveriam ser exercidas por ambos os progenitores e que a procuração apenas havia sido outorgada pelo pai da menor. Sendo o consentimento uma questão de particular importância, nunca a outorga da procuração poderia ser considerada consentimento (tácito) à venda, não sendo aplicável o nº1 do art. 1903º do CC.
Ali se escreveu, e se retoma:
Não é aplicável ao caso concreto que nos ocupa o disposto no art. 1903º nº1 do CC[57], dado que a mãe da menor, IB, não estava ausente, incapacitada, nem impedida por decisão judicial. Não foi alegada nem se apurou qualquer matéria de facto que pudesse levar a tal conclusão.
O conceito de ausência usado na lei é um conceito técnico estrito, que aqui não se pode ter por preenchido pela ausência da mãe do país. O conceito está usado em sentido técnico-jurídico, nos termos previstos nos arts. 89º e ss. do CC. Como refere Clara Martins Pereira[58] trata-se de ausência aferida e face de uma série de requisitos cujo preenchimento deve ser judicialmente verificado, um dos quais sendo o desaparecimento da pessoa sem que dela se saiba.
Não é claramente o caso da mãe da A., que não estava desaparecida, ao tempo vivia em Angola.
Não estando desaparecida e estando localizada, não podemos postergar uma das mais importantes regras introduzidas pela Lei nº 61/2008 de 31/10 – “temos como regra que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em conjunto por ambos os progenitores, conforme o determina o artigo 1906.º, do Código Civil.”[59]
Como já se decidiu no Ac. TRE de 13/10/2011[60], apenas se justifica “o afastamento do regime regra, de exercício comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, face à ausência do progenitor, falta de contactos com a criança (…) e total desconhecimento do seu paradeiro, nos termos do estatuído no artigo 1903.º, do Código Civil.”
De facto, sendo este o regime regra, “só em situações excecionais, como as previstas no artigo art.º 1906º-A, aditado ao Código Civil pela Lei n.º 24/2017, se considera que pode ser contrário ao interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais, como ocorre quando for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores (alínea a), se estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças (al. b), ou nos casos em que é desconhecido o paradeiro do progenitor, circunstância que só por si desaconselha o exercício em conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância, impondo-se um ónus ao progenitor residente de contactar o outro progenitor, sempre que se tratasse da tomada de decisões dessa natureza, de difícil concretização, e que tornaria o exercício conjunto das responsabilidade parentais inexequível.”[61]
Acresce que, contrariamente ao alegado, a mãe da menor teve intervenção dos autos, como resulta do requerimento refª 12938533 de 26/10/2022, no qual a mãe da menor interveio nos autos, tendo a inexistência do desacordo a que se refere o art. 18º do CPC sido constatada pelo despacho de 31/10/2022.
Improcedem, nestes termos, os argumentos de ambos os recorrentes relativos aos pressupostos da anulação nos termos do art. 877º do CC.
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5.4. Abuso de direito
A apelante massa insolvente, nos termos explicitados em 5.1., alegou, na sua contestação, que as intervenientes na escritura desconheciam a existência da A. e que o R. VC, sabedor de que se preparava a venda e da existência da A. deveria ter alertado os demais intervenientes e, se não o fez foi porque pretendia mais tarde, em nome da menor, vir requerer a anulação do negócio, atuando em abuso de direito nos termos do art. 334º do CC, matéria não conhecida na sentença recorrida e que ora, em suprimento da nulidade cometida, se passará a conhecer.
O Banco recorrente, que nos articulados não invocou qualquer forma de abuso de direito, fê-lo ora nas alegações de recurso, referindo que terá que ser conhecido por este tribunal, invocando novamente que o consentimento da A. foi dado através da outorga de procuração pelo pai e que pretender fazer prova de que “a menor, representada pelos pais, não deu o consentimento à venda, e como tal ela é anulável, configura abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, nos termos do artigo 334º do Código Civil.”
O abuso de direito é uma questão de conhecimento oficioso[62], como vem sendo decidido de forma pacífica pela jurisprudência[63], mas a sua alegação apenas em sede de recurso levanta problemas óbvios: como refere o Ac. TRL de 04/10/2007, “Sendo verdade que o abuso de direito é de conhecimento oficioso, isso não significa que o juiz deva convidar a parte (que nem sequer o invocou) para indicar factos que possam suportar esse mesmo abuso de direito.
O conhecimento oficioso significa apenas que o juiz, perante os factos que constam dos autos, retira a conclusão que uma das partes – ou até ambas – estão a incorrer na previsão do art.º 334º, mesmo que nenhuma delas o tenha invocado. Não significa que o juiz convide a parte a alegar factos que até então não constam do processo para depois aferir se existiu ou não abuso de direito.”
Ou seja, sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, não o são os factos que o possam suportar.
Assim sendo, e não tendo a questão sido oportunamente suscitada pelo banco recorrente, a decisão recorrida, nomeadamente a seleção de matéria de facto provada, foi feita de acordo com a lide tal como as partes a haviam conformado.
Como refere Menezes Cordeiro[64] (sublinhado nosso) “II. A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos — salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo.
Verificados tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo juiz, mesmo quando o interessado não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso. O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica. Além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes.”
Iremos, assim, conhecer do abuso de direito alegado pela recorrente massa insolvente e ainda da mesma questão suscitada pelo recorrente Banco, mas limitada pelo conhecimento dos factos apurados e constantes dos autos[65].
O abuso de direito pressupõe a titularidade de um direito, exercido, porém, por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art. 334º do Código Civil). Justifica-se por razões de justiça e de equidade e visa obviar a consequências desajustadas pelo facto de as normas jurídicas serem gerais e abstratas.
Existe abuso de direito quanto o titular de um determinado direito, previsto e tutelado pela ordem jurídica, no caso concreto, o exercita fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
Uma das tipologias de abuso de direito é  a categoria do venire contra factum proprium que se delimita numa contradição direta entre a situação jurídica originada no factum proprium e o segundo comportamento do autor da conduta[66].
Distinguem-se, quanto à segunda conduta, o venire positivo e o venire negativo.
No venire positivo uma pessoa manifesta uma intenção ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo ato e depois pratica-o. Há três possibilidades, tendo em conta que só se aplica a figura quando o factum proprium não corresponda a uma declaração negocial ou a um comportamento reconduzível a tal[67]: i) no exercício de direitos potestativos, ii) no exercício de direitos comuns e iii) atuações no âmbito de liberdades gerais.
No venire negativo “a situação paradigmática reside em alguém prevalecer-se de nulidades quando, conhecendo-as, tivesse em momento prévio mostrado a intenção de agir em execução do negócio viciado.” A hipótese mais típica é a de anunciar uma conduta e posteriormente negá-la, a pretexto de nulidade, caducidade ou outros fatores impedientes.
A doutrina dominante reconduz o venire contra factum proprium a uma manifestação da tutela da confiança, cuja concretização assenta em quatro pressupostos:
“1ª Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2ª Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível;
3ª Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4ª A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.”[68]
Estas proposições são interligadas e a falta de uma delas pode ser compensada pela especial intensidade de outra e, adverte ainda o Ilustre civilista, o venire dá ainda corpo à primazia da materialidade subjacente, sendo um espaço aberto à expansão para novas áreas.
Como se escreveu no Ac. STJ de 17/12/24 (Ricardo Costa - 4810/20): “O regime do abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, sancionado pelo art. 334º do CCiv. e plasmando excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, aplica-se a situações de omissão prolongada do exercício de um direito, em circunstâncias tais que suscitam a confiança e expectativa legítimas e fundadas sobre a inalterabilidade do reconhecimento jurídico de uma certa situação factual-concreta, porque estabilizada na relação entre as partes, e de que o direito em sentido antagónico não virá a ser exercido, uma vez imputável ao titular do direito essa consolidação da “fé”; a consequência é a perda do direito por ilicitamente exercido e a insusceptibilidade de ser sufragado em juízo.”
Munidos destes conceitos apreciemos os factos relevantes, mantendo presente que “o ponto sensível do modelo de venire reside na detecção de facto susceptível de gerar uma situação de confiança legítima.”[69]
A recorrente massa insolvente elege como factum proprium o conhecimento pelo R. VC da existência da menor FC ao tempo da celebração da escritura e como venire a interposição da ação de anulação.
O recorrente Banco entende como factum proprium o conhecimento pelo R. VC da existência da A. FC ao tempo em que outorgou a procuração, o conhecimento, pelo mesmo R., da realização da escritura e a ausência de objeções ou restrições quanto à menor. O venire está consubstanciado, quanto a esta recorrente, na pretensão de “fazer prova de que a menor, representada pelos pais, não deu o consentimento à venda, e como tal ela é anulável”, ou seja, na interposição da presente ação com este fundamento.
A mera enunciação dos dados demonstra de imediato que a situação que ambos os recorrentes elegem como facto gerador da confiança (o conhecimento de que a filha FC existia e, logo, que também teria que dar consentimento à realização de uma venda que conhecia e possibilitou, contribuindo ativamente para a mesma mediante a outorga de procuração) a conduta do R. VC e que o venire, neste caso, negativo, é imputado à A. FC.
É certo que nos termos do art. 124º do CC, a incapacidade por menoridade é suprida pelo poder paternal e que este, ou seja, as responsabilidades parentais são exercidas pelos pais.
O R. VC é pai da A., mas ela está representada nos autos por um curador especial, tendo a questão processual derivada de o patrocínio judiciário da menor ter sido solicitado apenas pelo R. VC e o conflito de interesses processual adveniente de este ser R. numa ação em que a autora é sua filha menor, sido há muito ultrapassado por decisões transitadas em julgado.
Independentemente da questão da representação, a autora nestes autos é a FC e não o seu pai VC.
A conduta do R. VC em 2009 não pode ser imputada à A. FC por falta de elementos de facto que possam suportar tal conclusão.
Não foi alegada nem se apuraram quaisquer factos que permitam imputar à A. nenhum dos elementos acima apontados que permitiriam concluir estar ela a agir em abuso de direito.
Não estão assim reunidos na pessoa da A. os pressupostos de facto para que se possa concluir que ela (e não o seu representante), agiu em abuso de direito ao propor a presente ação com os fundamentos que alegou.
Não podemos esquecer que o objetivo da norma invocada, como já referido, é a proteção dos descendentes[70] e não dos ascendentes. Mesmo que o R. VC tenha instrumentalizado a A. no seu próprio interesse, o que releva é a proteção da menor, cujos interesses, no caso estão legal e abstratamente protegidos, facto que a maior parte dos intervenientes nos autos não releva devidamente.
Improcede, nestes termos o alegado abuso de direito da A. na propositura da presente ação, e com os fundamentos com que o fez.
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5.5. Caducidade do direito de anulação
Tendo sido alegada a caducidade do direito a pedir a anulação pelos RR. Banco e massa insolvente, nas respetivas contestações, a sentença recorrida julgou tal questão improcedente com os seguintes argumentos:
“De harmonia com o disposto no art. 877.º, n.º 2, do CCivil “A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.”
Trata-se este de um prazo de caducidade, por fixar a lei um prazo para o exercício de um direito e não se referir expressamente à prescrição (cfr. art. 298.º, n.º 2, do CCivil).
A lei prevê o prazo de um ano e dois momentos distintos a quo: o conhecimento da celebração do contrato e o termo da incapacidade, se forem incapazes.
A legitimidade activa para o exercício do direito de anulação cabe aos titulares do consentimento a prestar, os filhos e os netos.
Sendo a Autora, filha do vendedor 2.º R, menor, incapaz, o prazo de caducidade aplicável, salvo melhor opinião, é o que consta da segunda parte do preceito em apreço, isto é, o prazo de um ano a contar do termo da incapacidade, no caso, ao momento em que perfizer os dezoito anos de idade (cfr. art. 122.º do CCivil)[71].
Nos autos, a Autora alcançará a maioridade apenas em Março de 2027, pelo que ter-se-á de entender que não caducou o direito de anulação da venda referida em d).
É um facto que ficou demonstrado que o 2.º Réu teve conhecimento da venda na ocasião em que a escritura foi outorgada, em Dezembro de 2009. A significar que, se entendêssemos aplicável o primeiro prazo (um ano a contar do conhecimento da celebração do negócio), há muito que o direito de anulação se encontraria caducado.
Contudo, entende-se que o conhecimento da celebração do negócio deve ser reportado ao titular do consentimento e não a outrém, pelo que o conhecimento adquirido pelo 2.º Réu ou por ambos os progenitores, ainda que legais representantes da Autora, detentores das responsabilidades parentais, não tem a virtualidade de fazer iniciar o prazo de caducidade.
Enveredar por este entendimento implicaria postergar um direito que a lei expressamente concede aos incapazes, onde se inclui a Autora, com o termo da incapacidade.”
A recorrente massa insolvente conformou-se com o decidido, tendo apenas o Banco recorrente posto em causa este segmento da fundamentação, invocando, em síntese:
-  A fundamentação dada para a improcedência da exceção perentória da caducidade contraria as regras legais que, no campo das incapacidades, atribuem a representação legal dos filhos menores aos seus pais, como forma do seu natural suprimento;
- o 2º Réu, pai da Autora, teve conhecimento da realização da escritura na data em que esta foi outorgada, Dezembro de 2009;
- a interpretação dada pelo Tribunal ao artigo 877º, nº 2 do Código Civil implica que a presente ação não deveria ter sido admitida – porque proposta pelo Pai, Réu na ação e representante legal da Autora – ficando a aguardar que esta atingisse a maioridade, não podendo estar representada em juízo, face à sua incapacidade temporária e ao entendimento de que apenas o titular do consentimento, e não outrem, poderia agir;
- na posição do tribunal recorrido sendo os pais, legalmente, os representantes da menor até à maioridade, os atos por estes praticados e diretamente relacionados com a menor não lhe podem ser oponíveis, devendo aguardar-se pelo termo da incapacidade;
A A. respondeu que não existe qualquer prescrição do direito de anulação da escritura e que o prazo a que alude o art.877º do CC se conta a partir do momento em que cessa a incapacidade, pelo que, no caso em concreto, sendo a A. menor, o prazo de prescrição do seu direito caduca 1 ano após atingir a maioridade, altura em que cessa a incapacidade.
Apreciando:
Começamos por referir que, diversamente pelo alegado pela recorrida, estamos perante um prazo de caducidade e não de prescrição, atento o disposto no nº2 do art. 298º do CC[72].
A letra da lei é clara e não admite duas interpretações: o prazo de um ano conta-se do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se o titular do direito for incapaz[73].
Ou seja, sem qualquer outra condição que não a incapacidade, tal como prevista no Código Civil, o legislador, exatamente o mesmo legislador que estabeleceu, no mesmo diploma, o regime de suprimento da incapacidade dos menores (e de outras formas de incapacidade, ora não relevantes), consagrou que quando o titular do direito seja incapaz, o prazo de caducidade para o exercício do mesmo é de um ano a contar do termo da incapacidade.
Defende o recorrente Banco que sendo os pais os representantes da menor, o prazo aplicável é o primeiro prazo, ou seja, um ano a contar do conhecimento pelos representantes.
Tal posição deixaria sem campo de aplicação o segundo prazo previsto, dado que todas as formas de incapacidade são passíveis de suprimento e, como frisou o tribunal recorrido, deixaria sem proteção o menor incapaz, que nunca poderia agir se o consentimento tivesse sido dado pelos seus representantes mais de um ano antes da maioridade.
O que esta parte da norma tutela é o interesse do incapaz e a defesa dos respetivos interesses mesmo em relação aos seus representantes, ainda que legais.
Questão diversa é a propositura da ação ainda no decurso da menoridade/incapacidade da A., inicialmente representada pelo pai. O recorrente Banco liga as duas questões, defendendo que para que possa entender ser o prazo de um ano a contar do termo da incapacidade aplicável, terá também que se entender que o direito não pode ser exercido senão pelo próprio, ou seja, depois do termo da incapacidade.
Como melhor se escreveu no Ac. STJ de 06/04/2017 (António da Silva Gonçalves - 1161/14) “a caducidade (do direito ou da acção) pode genericamente definir-se como a extinção ou perda de um direito ou de uma acção pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma natural circunstância que, naturalmente (v.g. a morte), faz desencadear a extinção do direito.”
E citando Aníbal Castro[74], prossegue o aresto “A prescrição destina-se a contrariar a situação antijurídica da negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos.”
E novamente citando o mesmo autor “A caducidade encontrará o seu fundamento específico no interesse público da paz familiar e segurança social da circulação, e no interesse da brevidade das relações jurídicas, a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos (Aníbal de Castro; A Caducidade; pág. 28).”
Ou seja, um prazo de caducidade é sempre a previsão do termo de uma situação de incerteza quanto à eficácia de determinado ato, estabelecido no interesse da paz e segurança jurídicas.
Neste exato sentido ver também o Ac. TRC de 10/09/2024 (Fonte Ramos – 95536/23) “Na caducidade, por motivos puramente objetivos e, em regra, de ordem pública, visa-se a rápida definição da situação jurídica, que a situação se defina dentro do prazo fixado. Prescinde, por conseguinte, da negligência do titular ou das suas intenções.”
O que significa que estamos apenas ante um termo final e não ante a fixação legal de um termo inicial, implicando que o direito pode ser exercido a qualquer momento até ao termo do prazo de caducidade previsto.
Tal não significa que, na incapacidade por menoridade, apenas possa ser exercido pelo próprio, quando cessada a incapacidade – essa sim, seria uma posição que iria contrariar frontalmente as regras legais previstas quanto ao suprimento da incapacidade por menoridade.
O direito pode ser exercido, até ao termo da incapacidade, nos termos previstos por lei, através dos representantes legais e, depois do termo da incapacidade pelo próprio, no prazo de um ano[75] após esse termo da incapacidade.
Como pode o incapaz ser protegido da postergação do seu interesse próprio pelos representantes durante a incapacidade? Precisamente através do mecanismo do conflito de interesses, que operou nestes autos e desembocou na nomeação de um representante especial à menor, independente e desligado dos interesses – sejam eles quais forem – dos pais da mesma.
E importa neste ponto recordar, mais uma vez, que a presente ação não foi intentada pelo pai da menor FC, mas sim por esta, a qual, devido ao conflito de interesses com o pai, R. nesta ação, se encontra representada por outrem que não os seus pais, embora ainda menor.
Confirma-se, assim, a correção da fundamentação e solução dadas pelo tribunal recorrido à suscitada caducidade do direito de anulação, improcedendo os argumentos do Banco recorrente nesta parte.
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5.6. Consequências da anulação do contrato
Nos presentes autos a A. deduziu os seguintes pedidos[76]:
“b) ser declarada anulada a compra e venda do dia 3/12/2009, entre os 1 e 2RR, na qualidade de vendedores e 3 R e marido, na qualidade de compradores, e consequentemente o mutuo com hipoteca entre a 3R e marido e 4R;
c) que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor dos 3R e marido e da hipoteca a favor da 4R, referente à ap. 3507 de 14/10/2009 e ap.3508 de 14/10/2009, com a sua conversão em definitivo pelo averbamento da ap.2962 de 9/12/2009 ( da ap. 3507 de 14/10/2009) e averbamento pela ap 2963 de 9/12/2009 (da ap. 3508 de 14/10/2009), com todas as com sequências legais,”
Os RR. citados, ou não contestaram (RR. VC e ES) ou contestaram sem deduzir qualquer pedido reconvencional[77] (RR. Banco e massa insolvente), embora aludindo às consequências da anulação do negócio.
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5.6.1. Redução do negócio
            O tribunal, neste ponto da sentença recorrida, fundamentou a impossibilidade de redução do negócio a que ambas as RR. contestantes haviam aludido por via da desnecessidade de consentimento quanto à meação da R. ES.
Apenas o recorrente banco se insurge quanto a este passo da fundamentação, alegando que, nos termos do art. 292º do CC, a invalidade parcial constitui a regra e a invalidade total a exceção, cabendo aos interessados na destruição do negócio, no caso a A., a prova de que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada, prova que não foi carreada para os autos.
Alega, assim, que a ser considerado anulável, apenas o seria na parte relativa ao 2º Réu e já não na parte relativa à 1ª Ré, de quem a Autora não era filha, pelo que o âmbito da anulação não poderá ser total, mas apenas parcial, cumprindo o disposto no artigo 292º do Código Civil, por falta de alegação e de prova que permitisse concluir que o negócio não teria sido concluído sem a parte alegadamente viciada.
Apreciando:
A apreciação efetuada pelo tribunal recorrido, embora sintética, está absolutamente correta.
Não se coloca qualquer questão de ónus da prova dado que dos factos se retira que VC e ES haviam sido casados em comunhão de adquiridos – al. b) da matéria de facto provada – pelo que este bem imóvel que ambos venderam integrava o património comum do casal.
Como se escreveu no Ac. TRL de 21/05/2024 (Amélia Sofia Rebelo – 3516/18), “É questão consensual que, pela natureza da comunhão conjugal, o património comum é objeto de um direito único de propriedade titulado por ambos os cônjuges e que, por isso, se diz coletivo. Distingue-se da indivisão que caracteriza a compropriedade, não só porque a esta corresponde a coexistência de mais do que um direito de propriedade sobre o mesmo bem (cfr. art. 1403º do CC), mas também porque, contrariamente ao que sucede na compropriedade, o direito dos cônjuges sobre o património comum não tem como objeto uma quota ideal ou a metade de cada um dos bens que o integram, mas sim todo o património, em bloco, estando-lhes por isso vedada a possibilidade de, cada um dos cônjuges, alienar ou onerar bens ou parte especificada de bens comuns, ou de qualquer quota ideal sobre os mesmos. Por isso, a comunhão conjugal patrimonial caracteriza-se como comunhão una, indivisa, e sem quotas ou divisão, real ou ideal, sobre o qual a cada um dos cônjuges (ou ex-cônjuges) apenas assiste o direito à meação.”
“Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede um certo grau de autonomia e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela” – Pereira Coelho in Curso de Direito da Família, vol. I, 4ª edição, pg. 507.
Trata-se assim de um património coletivo que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade – uma comunhão sem quotas, um património que não comporta divisão, mesmo ideal, cuja particular fisionomia radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da coletividade e que exige que o património coletivo subsista enquanto esse vínculo perdurar.
As regras e esta feição comum mantêm-se até à partilha dos bens entre os cônjuges.
Na partilha dos bens destinada a pôr fim à comunhão, os respetivos titulares apenas têm direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por concretos bens ou por uma quota em cada bem concreto objeto da partilha. Consequentemente, o direito a metade do ativo e passivo desse património comum a que se reporta o artigo 1730.º, n.º 1, do Código Civil, não confere a cada cônjuge o direito a metade de cada bem concreto daquele património comum, mas, tão-só, o direito ao valor de metade desse património aquando da partilha de bens. Assim, o «direito à meação de bens comuns» não é um bem disponível, seja durante o casamento ou após a sua dissolução enquanto não ocorrer a partilha do património comum[78].
O que significa, no concreto, que a R. ES não podia vender o direito à meação de um bem concreto integrado na comunhão, porque inalienável e, em consequência, o negócio não pode ser reduzido à “parte” vendida apenas pela R. ES, tal como decidido, de forma correta, pelo tribunal recorrido.
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5.6.2. Obrigação de restituição do preço e repristinação das hipotecas anteriores
Seguidamente e aludindo à regra do art. 289º do CC o tribunal entendeu que “Por via deste preceito legal, a anulação da compra e venda de 03-12-2009, implica o retorno do bem imóvel vendido à propriedade dos vendedores, com o consequente cancelamento das inscrições de aquisição a favor dos 3.º RR., referidas em q). O fundamento de anulabilidade do contrato de compra e venda não se estende, consequentemente, ao contrato de mútuo, o qual se atém à esfera jurídica dos compradores e não intervém no estado jurídico do imóvel.”
Passou seguidamente ao conhecimento do pedido de cancelamento da hipoteca e das objeções levantadas pelo R. Banco, que invocou ser terceiro de boa-fé, nos termos do art. 291º do CC e que a aplicação do nº1 do art. 289º do CC daria lugar à repristinação de dívida anterior dos vendedores e de hipoteca sobre o bem garantindo a referida dívida anterior.
O tribunal começou por referir que a repristinação da dívida e hipotecas anteriores extravasava os efeitos da anulação do negócio previstos no art. 289º nº1 do CC, e que não havia sido deduzido pedido nesse sentido. Concluiu ainda que a situação não podia merecer proteção, tendo em linha de conta que assenta em ato originalmente anulável; todos os RR. à exceção do banco, sabiam da existência da Autora e, consequentemente, da necessidade do seu consentimento para a venda, que não existiu, o que não é debelado pela circunstância de o 5.º R Banco não ter conhecimento da existência da Autora. As duas hipotecas anteriores não estão assim, abrangidas.
Quanto a este passo insurge-se a R. massa insolvente alegando que o contrato de compra e venda é um contrato sinalagmático, que implica duas prestações interligadas e que assim sendo, por via da aplicação do art. 289º nº1 do CC, ao determinar o retorno do bem imóvel deveria a sentença determinar também a condenação dos Réus ES e VC a devolver integralmente do preço pago, atualizado em virtude da depreciação monetária.
O recorrente banco defende, não só a devolução do preço pelos vendedores como, compreendido no âmbito de aplicação do art. 289º do CC, a repristinação de duas hipotecas sobre o imóvel, registadas antes da escritura de compra e venda celebrada em 03.12.2009 – constantes da al. g) da matéria de facto provada – argumentando que o respetivo valor consta dos documentos juntos pelo Banco, bem como o montante em dívida quanto a cada uma delas, à data em que foi interposta a ação executiva contra a 1ª e 2º RR, por incumprimento dos contratos.
Aponta ainda estarem nos autos cópias dos 2 cheques que foram emitidos pelo Banco, aquando da celebração da escritura de 03.12.2009, sendo um para liquidação dos empréstimos em dívida e em incumprimento no Banco por parte dos vendedores, e outro emitido à ordem da ora 1ª Ré que outorgou na escritura na qualidade de vendedora e também em representação do 2º Réu.
Invoca o Ac. do STJ de uniformização de jurisprudência de 28.03.1995, e ainda o Ac. TRL de 18/02/93, no sentido da oficiosidade das consequências da nulidade, alegando ainda que assim não sendo ocorrerá enriquecimento sem causa.
Apreciando:
Com clareza, o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a possibilidade de restituição do preço pago por tal não lhe ter sido pedido, tal como declarou em relação à aludida repristinação das hipotecas anteriores.
A interrogação esboçada pela recorrente massa insolvente e expressamente formulada pelo recorrente Banco é a de se, em ação de anulação, o tribunal pode oficiosamente determinar a restituição de tudo o que tiver sido prestado.
Estabelece o art. 289º do CC, sob a epígrafe Efeitos da declaração de nulidade e da anulação:
«1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.
3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes.»
A estatuição do nº1 importa o estabelecimento de uma relação de liquidação: deve ser restituído tudo o que tenha sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente[79].
Como ensina Heinrich Ewald Hörster[80] há distinções a fazer entre os casos de anulação e os casos de nulidade:
“Para o caso da anulabilidade, a regra do art. 289º, nº 1, significa os direitos, provisoriamente transmitidos por meio do negócio anulável, são retransmitidos, desde já, “por mero efeito da sentença’’ enquanto as prestações efectuadas no cumprimento do contrato anulável necessitam de ser restituídas pelas partes. No fundo, a situação corresponde, de uma maneira inversa, aos efeitos do contrato de compra e venda (art. 879º): os efeitos do art. 289º nº 1, são o “reflexo” cada um dos efeitos previstos nas três alíneas do art. 879º. Temos a retransmissão imediata da propriedade e as obrigações subsequentes de reentregar a coisa e de reembolsar o preço pago. Uma vez que os efeitos da anulação se retrotraiem ao momento da celebração do negócio em princípio tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado. Daí que a sentença de anulação, ao destruir efeitos jurídicos produzidos (provisoriamente, é certo, mas produzidos) tenha carácter constitutivo - ao contrário da sentença respeitante a um negócio nulo.”
No caso da nulidade, prossegue, a sentença é meramente declarativa. Os efeitos jurídicos laterais e as trocas de prestações entre as partes são, nas palavras do autor “evidentemente, atingidos pela declaração de nulidade, na medida em que os primeiros são destruídos e as segundas são de restituir como no caso da anulabilidade”.
No Assento 4/95 de 17/05[81], citado pelo recorrente Banco decidiu-se que “Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil.”[82]
O dever de restituição foi consagrado legalmente, prevalecendo sobre o enriquecimento e podendo, como decidido, ser decretado oficiosamente pelo tribunal quando conheça oficiosamente da nulidade.
Podemos aplicar o precedente reforçado resultante desta jurisprudência aos casos de anulação? Já verificámos as diferenças entre uma e outra invalidades e o Assento em causa foi tirado num caso de nulidade oficiosamente conhecida.
Dando a palavra a Lopes do Rego[83] num caso em que, pedida a anulação não havia sido pedida a restituição dos bens, no caso, doados, tendo as instâncias determinado essa restituição oficiosamente com arrimo na norma do nº1 do art. 289º do CC:
“Importa, pois, analisar com alguma profundidade os precisos contornos do conflito jurisprudencial dirimido pelo referido acórdão uniformizador[84]:
Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico, invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil.
Tal solução assentou na seguinte linha argumentativa:
O acórdão fundamento, face a contrato (no caso de cessão de exploração comercial), que servira de base a uma acção de denúncia do mesmo na pressuposição da sua validade, orientou-se no sentido de que, detectada e declarada (oficiosamente) a sua nulidade por ocorrência de vícios formais (não redução a escritura pública) a respectiva causa de pedir ficaria sem suporte, quer dizer, tornar-se-ia insubsistente e insuficiente, o que necessariamente conduziria à improcedência dos pedidos formulados, já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente, a tudo acrescendo que a obrigação de restituir consignada no artigo 289 do Código Civil respeita apenas a negócios nulos, não inculcando o dispositivo citado a restituição in pristinum, mesmo que não pedida; e ainda a circunstância de o entendimento diferente, ou seja este último entendimento, importar a violação do artigo 661 do Código de Processo Civil que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa do pedido, como também dos artigos 193 n. 2 alíneas a) e b) e 498 n. 4 desse Código, que exigem uma dada relação entre a causa de pedir e o pedido.
Por seu lado, o acórdão recorrido, em caso de acção tendente a obter a restituição da quantia mutuada em acção proposta na ideia da validade do contrato, enveredou no sentido de que, apurada oficiosamente a nulidade do contrato, por falta da devida forma legal, haverá lugar à restituição do prestado, com assento, não em enriquecimento sem causa mas por força do determinativo do artigo 289 do Código Civil, e tudo isso por ser da incumbência do tribunal a qualificação jurídica da situação concreta e julgar com base em fundamento jurídico diferente do enunciado pela respectiva parte.
Esta apontada antinomia entre os arestos em confronto cumprirá solucionar, com fixação final da solução mais conveniente e legalmente adequada.
Ambos os confrontados arestos são concordes no sentido de que no nosso ordenamento jurídico está consagrado o princípio da substanciação (contraposto ao da individualização) segundo o qual, não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, mas antes será necessária a indicação especificada do facto constitutivo desse direito (cf. Prof. A. Reis - Código do Processo Civil Anotado, vol. II, 3. edição, página 356; Prof. Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, página 297; Prof. Castro Mendes Manual do Processo Civil-1963, página 299).
Com assento nesses princípios sempre ficará salva ao Tribunal a possibilidade de qualificar juridicamente a situação que lhe é posta à consideração, embora alicerçada nos factos articulados, como decorre do artigo 664 do Código do Processo Civil, o que conduz, no caso concreto, à possibilidade de fazer reconverter um contrato supostamente válido, em contrato nulo (por falha dos devidos requisitos formais).
Mas cabe perguntar se tal se reconduzirá ao resultado de a acção respectiva, cuja causa petendi assentava no pressuposto da validade do negócio, ficar sem suporte quanto ao alicerce em que se baseou (validade do negócio) - (é essa a posição tomada pelo acórdão fundamento quando afirma, a entender-se, no caso, fundar-se a pretensão do autor em contrato não válido se haverá que inferir pela insuficiência de causa de pedir, com as devidas consequências - absolvição do pedido; já que o contrato nulo é um nada jurídico sem virtualidade para modificar a situação preexistente);
Ou se antes, e atenta a possível reconversão da causa de pedir que passaria a assentar na nulidade do negócio, ficaria viável solucionar o pleito ao abrigo do estatuído no artigo 289 do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade (ou anulação) do negócio jurídico, deverão ser repostas as coisas no estado anterior, com restituição do que houver sido prestado.
Seguindo o entendimento do Prof. Vaz Serra exposto na R.L.J. 109, página 308 e seguintes (em anotação ao acórdão fundamento) somos do parecer que a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293 do Código Civil, pelo menos, em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionante se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.
Com tal em nada se agrava a posição do demandado, já que, válido ou nulo o negócio, sempre ele seria obrigado ao que lhe é pedido, além de se evitar ao peticionante o ónus de propor nova acção (com acento na nulidade) e cujos efeitos e fins seriam os mesmos, evitar esse que o princípio da economia processual aconselharia.
Como adianta o dito Prof. no comentário e artigo citado, o contrato nulo (ao contrário do expendido no acórdão fundamento), não é um nada jurídico, mas algo de existente (embora de errada perfeição, diremos nós) já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293 do Código Civil.
Como refere o Prof. Eduardo Correira - Separata da Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXIX, "requisito de conversão é antes que a vontade hipotética se conclua da finalidade jurídico-económica, ou de outra espécie efectivamente tida em vista pelas partes".
Nem se pode dizer (como adianta o acórdão fundamento) que solução diferente da que adoptou (ele acórdão fundamento) contraria o disposto no artigo 661 do Código de Processo Civil que proíbe a condenação em quantidade superior ou em coisa diversa da pedida, já que, no caso de ambos os acórdãos confrontados o que se pretende, seja válido ou nulo o negócio, é precisamente a restituição do que havia sido prestado.
Do deixado dito resulta, por virtude do instituto da conversão a que nos referimos já, a reposição das coisas no estado anterior, como determina o artigo 289 n. 1 do Código Civil, reposição a fazer nos precisos termos deste preceito, e não por recurso ao princípio do enriquecimento sem causa, já que este assume carácter subsidiário a advir de falta de causa numa deslocação patrimonial, enquanto que no caso em apreço isso se não verifica, antes estando patente uma nulidade de acto alicerçador do pedido de restituição (cf. Cons. Mário Brito in Código Civil Anot., vol. I, página 364).
O que estava em causa na controvérsia jurisprudencial dirimida pelo citado assento era, pois, a da admissibilidade de convolação pelo tribunal da configuração jurídico - normativa que o A. dava à causa de pedir em que fundava a respectiva pretensão, - passando a sustentá-la, não no cumprimento de certa relação contratual, mas nas consequências legais da declaração oficiosa da nulidade do negócio jurídico invocado como base da pretensão do demandante – envolvendo ainda tal reconfiguração jurídica da «causa petendi» uma alteração na configuração jurídica do próprio pedido, da pretensão material deduzida, que deixa de assentar na obtenção de uma prestação por via do contrato, para passar a incidir sobre a obtenção de determinado bem ou quantia pecuniária como decorrência da declaração oficiosa de nulidade dessa relação contratual.
Subjacente ao assento está, pois, não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades da acto jurídico - mas também uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático- jurídico que este pretende alcançar (só assim se podendo explicar que o tribunal possa atribuir o bem, valor ou montante pecuniário pedido, não em consequência ou a título de cumprimento do contrato em que se consubstanciava a causa de pedir, mas através da figura do dever de restituir tudo aquilo que se obteve em consequência de um negócio oficiosamente tido por nulo).
O que, deste modo, identifica a pretensão material do A., o efeito jurídico por ele pretendido, enquanto elemento individualizador da acção, será o efeito prático-jurídico por ele pretendido com a acção e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal convolar, por exemplo, de um pedido de « destruição» dos efeitos do negócio jurídico, configurado como de anulação ou declaração de nulidade, para uma declaração de ineficácia do contrato, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o juiz julgou objecto diverso do que havia sido peticionado: veja-se, em clara aplicação deste entendimento, mais substancialista e flexível, o acórdão uniformizador 3/2001, em que se considerou legítima a convolação de um pedido reportado à invalidade do contrato para a respectiva declaração de ineficácia, típica da figura da impugnação pauliana, assim se corrigindo oficiosamente o erro do A. sobre a qualificação jurídica do efeito pretendido pelo demandante.
Das considerações precedentes decorre que a doutrina consagrada no Assento 4/95 não é aplicável à situação dos autos: desde logo, porque está excluído que o Tribunal possa conhecer oficiosamente da anulabilidade do negócio jurídico que o A. invoca no pressuposto da sua validade, já que tal figura implica, como é óbvio, a arguição do vício pelo interessado legítimo, nos termos do art. 287º do CC.
Depois, porque, no caso «sub juditio»,não foi formulada qualquer pretensão que directamente tivesse como objecto a obtenção ou restituição ao património do doador dos bens imóveis ilegitimamente doados, ao contrário do que ocorreu na situação sobre que versou o assento, em que o que se pretendia era precisamente, fosse válido ou nulo o negócio, a restituição do bem ou valor que havia sido prestado: estamos, pois, aqui confrontados com uma total omissão de um pedido de condenação na restituição dos bens, uma vez que o A., na sua estratégia processual, se limitou a formular um pedido constitutivo, no caso de «anulação» do negócio: ora, se nada obsta, como atrás se viu, a que seja possível qualificar diferentemente tal efeito jurídico pretendido – alicerçando antes a «destruição» dos efeitos do negócio nas figuras da ineficácia ou da inoponibilidade – já não parece viável suprir oficiosamente a referida e total ausência de formulação de um pedido de condenação na restituição de certos bens, que o A. de todo omitiu.
E não se diga que , perante o disposto no art.289º do CC, a obrigação de restituir tudo o que foi prestado é meramente consequencial da invalidação do negócio: tal significa apenas que, no caso, tal pedido consequencial, a ser formulado, seria um pedido dependente, constituindo mesmo, porventura, um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sujeito ao regime mais favorável de ampliação pelo A.(cfr. art. 233º do CPC) - mas já não que seja lícito ao tribunal proceder, ele próprio, na sentença e a título oficioso, a tal «ampliação» que o A. não curou de requerer, sob pena de resultar violado o princípio do pedido, ínsito na figura estruturante do princípio dispositivo que sempre caracterizou o processo civil.
Deste modo, tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens, consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do disposto no art.661º, nº1, do CPC.”
Transpondo, e tal como decidido no Ac. TRG de 27/01/2022 (Maria Cristina Cerdeira – 550/20), tirado num caso de anulação por falta de consentimento, nos termos do art. 877º do CC, “Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº. 1 do artº. 609º do NCPC.”[85]
Ou seja, o tribunal não podia condenar os RR. ES e VC a restituir o preço porque tal pedido não foi formulado, nem pela A. nem por qualquer dos RR. em reconvenção.
Em relação à repristinação das hipotecas anteriores acresce, além de tal pedido não ter sido deduzido, que se trata de um efeito que cai fora do círculo dos efeitos da anulação previstos no art. 289º nº1 do CC. Na tese do recorrente Banco não foi por via do negócio anulado que o cancelamento das hipotecas anteriores foi assegurado, mas antes por via do pagamento da dívida garantida[86], pelo que, e tal como referido pelo tribunal recorrido “extravasa os efeitos da anulação do negócio de compra e venda”.
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5.6.3. Hipoteca constituída pelos compradores
No tocante ao pedido de cancelamento da hipoteca constituída na mesma escritura mediante a qual se realizou a compra e venda, o tribunal recorrido sustentou que o art. 291.º do CC não está vocacionado para resolver questões referentes a direitos reais de garantia, como é o caso da hipoteca, citando em abono o Ac. do STJ de 21-09-2017, proc. 31/11.5TBVLN.G1.S1, e julgou procedente o pedido.
Alega o recorrente banco que resulta da al. o) da matéria de facto provada que o Banco é terceiro de boa-fé, pois desconhecia a existência da Autora, à data da realização da escritura. Invoca o AUJ 15/97, de 04.07.1997, segundo o qual “Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado, ou registado posteriormente”. Conclui que a anulação não lhe é oponível dado que o registo da ação ocorre depois de passados muito mais de 3 ano sobre o registo da hipoteca, referindo ainda o artigo 17º, nº 2 do Código do Registo Predial.
Estabelece o art. 291º do CC, sob a epígrafe Inoponibilidade da nulidade e da anulação:
«1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.»
Como ensinava o saudoso Prof. Carlos Alberto da Mota Pinto[87] “No actual Código Civil o problema da oponibilidade da e anulabilidade a terceiros foi resolvido de forma original, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão na base da invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico (1). Em princípio, tais formas invalidade são oponíveis a terceiros, salvo o caso especial da simulação, que é inoponível a terceiros de boa fé (art. 243.º). Em nome da protecção dos legítimos interesses de terceiros dos interesses do tráfico jurídico estabeleceu-se, contudo, a declaração de nulidade ou a anulação do negócio respeitante a bens sujeitos a registo, se não for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, é inoponível a terceiros de boa fé, adquirentes, a titulo oneroso, de direitos sobre os mesmos bens (cfr, art. 291.º) (2).”
O recorrente cita o Assento 15/97, que foi o primeiro de dois arestos, hoje uniformizadores, sobre o tema dos terceiros para efeitos de registo. No assento citado foi acolhida a tese ampla, vindo porém a ser proferido um acórdão posterior de uniformização de jurisprudência que reviu expressamente a doutrina do Assento 15/97 e decidiu no sentido da tese restrita: «Terceiros, para efeito do disposto no artº 5º do Código de Registo Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.»[88] Tal entendimento veio a ser recebido pela lei, pondo fim à polémica, aditando-se um nº4 ao art. 5º do Código do Registo Predial no mesmo sentido, mediante o Decreto Lei nº 533/99 de 11/12.
Cita também o art. 17º do Código do Registo Predial, que, porém, não é aplicável à situação dos autos, seguindo o critério, indicado, entre outros pelo Ac. STJ de 07/09/2017 (Maria da Graça Trigo - 4363/04), no qual se decidiu: “I - O regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante do art. 291.º do CC, aplica-se às hipóteses em que o interveniente num negócio substantivamente inválido pretende a respectiva invalidação, mas se vê confrontado com terceiros (não intervenientes nesse negócio) que adquiriram, de boa fé e a título oneroso, direitos sobre os bens (imóveis ou móveis sujeitos a registo) cuja subsistência depende do primeiro negócio. Se esses terceiros registaram o correspondente acto aquisitivo, a invalidade não lhes é oponível, salvo se a acção de anulação ou de declaração de nulidade for instaurada e registada nos três anos posteriores à celebração do primeiro negócio, definindo, assim, a lei o equilíbrio entre a tutela da validade substancial do negócio e a confiança depositada no registo.
II - Por sua vez, o regime de tutela dos terceiros de boa fé, resultante dos arts. 5.º, n.º 4, e 17.º, n.º 2, do CRgP, supõe duas aquisições sucessivas de um mesmo transmitente, tendo sido registada a segunda transmissão, mas não a primeira, pretendendo o primeiro adquirente (que não registou) invocar a invalidade do negócio de que resultou a segunda aquisição (registada), porque, à data da sua celebração, já o direito transmitido não se encontrava na esfera jurídica do transmitente, mas antes na esfera jurídica do primeiro adquirente.”;
Terceiro, para os efeitos do art. 291º do CC “são os que, integrando-se numa e mesma cadeia de transmissões veem a sua posição afectada por uma ou várias causas de invalidade anteriores ao acto em que foram intervenientes”[89].
O nº1 refere “direitos adquiridos” sem especificar quais são esses direitos. Para sabermos isso “temos que analisar a situação jurídica criada pelo negócio jurídico precedente, conforme este for anulável ou nulo.”[90]
O Ac. STJ citado pela sentença recorrida (de 21/09/2017, proferido no Proc. nº 31/11, relator Távora Victor) assume a posição de que “O artigo 291.º do CC não tem aplicação quando se esteja perante direitos reais de garantia já que estes não constituem um direito sobre a coisa, mas simplesmente um direito relacionado com a mesma, conferindo somente ao seu titular o direito a ser pago com preferência sobre os credores, sem direitos especiais sobre aquela, que não gozem de prioridade de registo (art. 686.º do CC).”
O aresto foi tirado num clássico caso em que tem sido decidido pelas instâncias a inaplicabilidade do art. 291º, uma aquisição a non domino em que o comprador constituiu hipoteca sobre o bem assim adquirido[91]. Mas na verdade é expressa esta premissa, com o argumento de que os direitos reais de garantia não constituem um direito sobre a coisa, mas simplesmente relacionada com esta.
Seguindo a metodologia casuística proposta por Heinrich Ewald Hörster recordemos que no caso presente a venda foi efetuada pelos proprietários, os RR. VC e ES, à sua filha SB, faltando autorização de uma filha nascida fora do casamento.
Na escritura fez-se constar a declaração dos adquirentes de que “para a aquisição do referido prédio solicitaram ao Banco B, o 5.º R, um empréstimo no montante de € 118 300, 00, de que se confessaram devedores, constituindo sobre o mesmo hipoteca do direito de superfície, que aquele declarou aceitar, nas condições exaradas no documento complementar anexo” – al. e) da matéria de facto provada.
Da al. q) da matéria de facto provada consta ainda com interesse que:
“Na Conservatória do Registo Predial de Azambuja, consta inscrita a aquisição por compra referida em d) a favor dos 3.º RR, sob a Ap. 3507, de 14-10-2009, convertida em definitiva sob a Ap. 2962, de 09-12-2009 e inscrita a hipoteca voluntária, referida em d), a favor do 5.º R sob a Ap. 3508, de 14-10-2009, convertida em definitiva sob a Ap. 2963, de 09-12-2009.”
Sendo o negócio anulável, ele produziu os seus efeitos, embora de forma provisória, pelo que a hipoteca foi constituída por quem de direito, nos termos do disposto no art. 715º do CC.
A hipoteca é um direito real de garantia que confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo (art. 686.º). “Ou seja, o credor que seja titular de uma hipoteca tem, ressalvadas algumas exceções, uma preferência na satisfação do seu crédito perante os outros credores do titular do bem onerado em sede de venda executiva do mesmo.”[92]
Anulada a aquisição os compradores deixam de poder, retroativamente, constituir hipoteca sobre o bem cuja venda foi anulada, pelo que o credor hipotecário deixa de ter garantia porquanto já não pode seguir o bem e, em caso de incumprimento, ser pago com prioridade em relação aos demais credores.
Trata-se de um direito sobre o bem – o de receber prioritariamente pelo respetivo produto em venda executiva ou insolvencial – oneroso, porquanto garante um empréstimo concedido - que o Banco adquiriu e do qual deixa de dispor, pela aplicação do art. 289º nº1 do CC.
Parece-nos que o credor hipotecário nestas condições vê a sua posição afetada pela invalidade e fica sem um direito que integrou o negócio jurídico que celebrou – e que não foi afetado, o empréstimo – o direito real de garantia que o integrava.
Trata-se de um direito que só se efetiva sobre a coisa em caso de incumprimento da obrigação, mas cuja existência determina a maior parte dos elementos do negócio, nomeadamente o preço e duração.
Por esse motivo, e com total respeito por opinião contrária, cremos que estamos ante um direito adquirido sobre um bem, que constituiu um ónus sobre o mesmo, que resulta prejudicado pelos efeitos da anulação de um negócio precedente.
E da mesma opinião comungam, entre outros, o Ac. STJ de 19/04/2016 (Maria Clara Sottomayor – 5800/12) onde se escreveu (com sublinhado nosso) “Deste modo, os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação do contrato mantêm-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada.
Ou seja, passado esse período, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou da anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente.
Para tal bastará que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé.”
Também no Ac. TRC de 02/03/2010 (Carlos Querido – 42/2001) se decidiu pela inoponibilidade a entidade bancária de declaração de nulidade do registo do prédio sobre o qual o comprador havia constituído hipoteca a seu favor.
Podem ainda citar-se vários outros arestos em que se conheceu, julgando verificados ou não verificados os respetivos requisitos de aplicabilidade, da aplicação do art. 291º do CC a hipotecas, considerando-os direitos adquiridos afetados – Ac. STJ de 27/09/2012 (Tavares de Paiva – 3375/09) e Ac. TRP de 07/10/2008 (0823886).
Considerando a oneração por hipoteca como um dos direitos previstos no nº1 do art. 291º do CC, há assim que verificar se estão reunidos os requisitos de aplicação do mesmo ao recorrente Banco e se a anulação lhe é oponível.
São requisitos cumulativos de aplicação do art. 291º do CC[93]:
“l) os bens sobre os quais incidem os negócios devem ser bens imóveis ou móveis sujeitos a registo; 
2) o negócio pelo qual o terceiro pretende adquirir direitos tem de ser um negócio oneroso;
3) os terceiros devem estar de boa-fé, vigorando, por determinação expressa lei (artigo 291.º, n.º 3), um conceito ético de boa-fé, no sentido de que só serão merecedores de proteção os terceiros adquirentes que, no momento da aquisição, desconheçam, sem culpa, o vício que constituiu fundamento da nulidade ou da anulabilidade do negócio; 
4) o terceiro deve proceder ao registo da sua aquisição;
5) o registo da aquisição do terceiro deve ser anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou, tratando-se de anulação convencional, ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio;
6) a ação de nulidade ou de anulação não deve ter sido interposta e registada (ou o acordo anulatório registado) dentro do prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido (artigo 291.º, n.º 2). O artigo 291.º, n.º 2, funciona como um requisito negativo, que exclui a proteção do terceiro mesmo este esteja de boa-fé, tenha adquirido por negócio oneroso e o registo do negócio tenha precedido o registo da ação de nulidade ou de anulação. Ou seja, mesmo que verificados todos os requisitos descritos no nº 1 do artigo 291.º, o terceiro não será protegido, se o sujeito legitimado para invocar a nulidade ou a anulabilidade intentar e registar a respetiva ação antes de decorrido este prazo de três anos, que constitui um prazo de caducidade, ao qual não são aplicáveis as causas de suspensão e de interrupção da prescrição.”
No caso concreto, o bem sobre que incidiram a compra e venda anulada e a hipoteca é um bem imóvel (als. d), e) e q) da matéria de facto provada).
A constituição de hipoteca foi um negócio oneroso, associado à concessão de mútuo bancário – idem als. d), e) e q) da matéria de facto provada.
O banco desconhecia a existência da A., ao tempo da realização do negócio e, consequentemente, a necessidade de consentimento por parte desta – al. o) da matéria de facto provada. Trata-se de uma instituição bancária à qual não pode, por qualquer forma, ser imputada culpa no desconhecimento das circunstâncias da vida pessoal do 1º R.
A hipoteca está registada – al. q) da matéria de facto provada.
A hipoteca foi definitivamente registada em 09/12/2009 e a presente ação deu entrada em tribunal em 18/12/2019 (alínea q) da matéria de facto provada e termos dos autos).
Estão assim, reunidos os requisitos para que se não se possa considerar oponível ao banco recorrente a anulação do negócio de compra e venda celebrado entre os 1º, 2ª e 3ºs RR., cabendo a factualidade apurada na previsão do art. 291º do CC, cuja aplicação não carecia de pedido autónomo.
Assim, nesta parte procedem os argumentos a recurso, devendo ser revogado o segmento decisório que determinou cancelamento do registo da hipoteca a favor do 5.º R, sob a Ap. 3508, de 14-10-2009, convertida em definitivo sob a Ap. 2963, de 09-12-2009.
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A apelação interposta pela recorrente massa insolvente de SB e marido VB improcede integralmente e a apelação interposta pelo recorrente Banco B, SA procede parcialmente.
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A apelante massa insolvente decaiu integralmente nas respetivas pretensões pelo que deve suportar integralmente as custas do respetivo recurso, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário - arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil
No tocante ao recurso interposto pelo apelante Banco B as custas devidas a juízo serão suportadas por apelante e apelada na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 50%, respetivamente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à apelada e que, quanto ao apelante Banco se analisam apenas nas custas de parte que sejam devidas, porquanto pagou a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil.[94].
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6. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em:
a) Julgar integralmente improcedente a apelação interposta pela recorrente massa insolvente de SB e marido VB;
b) Julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo recorrente Banco B;
e, em consequência:
c) Manter a decisão de anulação do contrato de compra e venda celebrado em 03-12-2009, entre os 1.º e 2.º RR, na qualidade de vendedores e 3.ºs RR, na qualidade de compradores, referente ao prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o número …, da freguesia de …, inscrito na matriz rústica sob os artigos … e inscrito na matriz urbana sob o artigo …;
d) Manter a decisão de cancelamento do registo de aquisição do prédio referido em c) a favor dos 3.ºs RR sob a Ap. 3507, de 14-10-2009, convertida em definitivo sob a Ap. 2962, de 09/12/2009;
e) Revogar a decisão de cancelamento do registo da hipoteca constituída sobre o prédio referido em c) a favor do 5.º R, sob a Ap. 3508, de 14-10-2009, convertida em definitivo sob a Ap. 2963, de 09/12/2009.
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Custas na instância recursiva relativa ao recurso interposto pela massa insolvente de SB e marido VB, pela recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Custas na instância recursiva relativa ao recurso interposto por Banco B por apelante e apelada, na proporção de 50% por cada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário quanto à apelada e correspondendo apenas a custas de parte que sejam devidas quanto ao apelante Banco B.
Notifique.
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Lisboa, 11 de março de 2025
Fátima Reis Silva
Isabel Fonseca
Elisabete Assunção
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[1] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pg. 115.
[2] Parecer do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados nº 34/2010 de 30/06/2020, disponível em https://www.oa.pt/ci/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=67944&idc=31890&idsc=42945&ida=103671.
[3] Proc. nº 4260/15.4T8FNC-G.L1, disponível em www.dgsi.pt, como os demais citados sem referência.
[4] Diploma a que se referirão todas as indicações sem identificação de proveniência ao longo do texto.
[5] Cfr. Lebre de Freitas em Apreensão, separação, restituição e venda, em I Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, Almedina, 2013, pg. 229, Maria do Rosário, Epifânio em Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2012, pg. 13, Catarina Serra em A falência no quadro jurisdicional dos direitos de crédito – o problema da natureza jurídica do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português, Coimbra Editora, 2009, pg. 72, Gisela César em Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso, Almedina, 205, pg. 38, entre outros.
[6] Por exemplo, a remissão relativa ao limite de testemunhas constante do nº2 do art. 25º do CIRE, a remissão do nº5 do art. 35º do CIRE para o art. 596º do CPC ou a remissão para os termos do processo comum constantes do art. 148º, também do CIRE.
[7] Assim Ac. TRC de 27/07/2010 (255/10 – Carlos Gil). Ver também o Ac. do Tribunal Constitucional nº 339/2011 de 17/07/2011, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/content/reserved/ebook_html5/tc_acordaos_0081/302/.
[8] Em Recursos no processo de insolvência e no PER, V Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, 2019, pg. 319. No mesmo sentido Marco Carvalho Gonçalves em Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, pg. 218.
[9] No mesmo sentido Ac. TRL de 12/11/2024 (Ana Rute Costa Pereira – 2029/23).
[10] Pg. 21 das alegações, em numeração sequencial.
[11] Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pgs. 72 e 73.
[12] Todos disponíveis em www.dgsi.pt, como todos os demais arestos citados sem indicação de proveniência.
[13] Este último com exaustiva citação de doutrina e jurisprudência.
[14] Em Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, pg. 371.
[15] Em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pg. 738.
[16] Rui Pinto, local citado, pg. 26.
[17] Cfr. conclusão 38 das alegações de recurso do Banco BPI, SA.
[18] Os temas da prova constam da ata de 01/06/2023.
[19] O recorrente menciona “a reconstituição da situação patrimonial que existia antes da venda”.
[20] Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pgs. 169 e 170.
[21] Relatora Maria da Graça Trigo, disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[22] Abrantes Geraldes, local já citado, pgs. 168 e 169 e jurisprudência ali citada.
[23] Efetuada pelo Decreto Lei nº 329-A/95 de 12/12.
[24] Neste exato sentido Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto em Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, em anotação ao art. 490º do CPC, na versão dada pelo Decreto Lei nº 329-A/95.
[25] Neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 698.
[26] Como refere Rui Pinto em Código de Processo Civil Anotado, II Vol., Almedina, 2018, pgs. 71 e 72.
[27] RLJ nº 103, pgs. 508, 509.
[28] Referindo-se apenas ao ónus da prova e limitando as razões às dificuldades de prova Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, pg. 42 e António Menezes Cordeiro, argumentando que “a prova negativa de não ter havido consentimento não é realista”, em Código Civil Comentado III - Dos Contratos em Especial, Almedina, 2024, pg. 58, consideram tratarem-se de factos a provar pelo R.
[29] Em Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, pg. 171.
[30] Raúl Ventura em O Contrato de Compra e Venda no Código Civil, ROA, Ano 43, vol. II, 1983, pgs 273 e 274.
[31] Cfr. Acs. STJ de 29/07/69, em BMJ 189-255, TRP de 30/11/78, em CJ 1978, 5º, 1631 e TRP de 21/03/85, CJ, 1985, 2º, 225.
[32] Assim Acs. TRL de 26/06/08 (Fernanda Isabel Pereira – 6575/2008-6), TRL de 13/12/12 (Vítor Amaral – 689/10) e STJ de 29/05/2012 (Salazar Casanova – 4146/07).
[33] No sentido de que o consentimento pode ser tácito ver o Ac. TRP de 27/09/2011 (Rodrigues Pires – 1424/09), num caso em que o descendente que não consentiu na venda havia autorizado expressamente o contrato promessa.
[34] Declarou, primeiro não se lembrar de a ter outorgado, depois não se recordar de a ter lido e foi incapaz de explicar, após ter declarado várias vezes que era só para passar a casa para o nome da SB se lhe acontecesse alguma coisa, porquê apenas para o nome da SB e o que, na sua versão, seria passar sem vender, mas reconhecendo ter assinado a procuração.
[35] Foi, aliás, parece-nos, essa a convicção do tribunal recorrido para dar como provado que o R. VC soube da outorga da escritura de compra e venda na data desta.
[36] A expressão poder paternal, ainda usada no art. 124º do CC, foi substituída no livro de Direito da Família pela expressão responsabilidades parentais através do Decreto Lei nº 61/2008 de 31/10, como refere Maria Clara Sottomayor em Anotação ao preceito em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição, UCP Editora, 2023, pg. 313.
[37] Trata-se de um facto instrumental que podemos utilizar na formação, autónoma, de convicção por este tribunal. Ainda que assim se não entendesse nos termos do nº1 do art. 1912º do CC, quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores e estes não vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1904.º a 1908.º, o que implica que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho (conceito sobre o qual nos debruçaremos infra) são exercidas em comum por ambos os progenitores – nº1 do art. 1906º do CC.
[38] Onde se estabelece: «1 - Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, caberá esse exercício ao outro progenitor ou, no impedimento deste, por decisão judicial, à seguinte ordem preferencial de pessoas:
a) Ao cônjuge ou unido de facto de qualquer dos pais;
b) A alguém da família de qualquer dos pais.»
[39] Em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição, UCP Editora, 2023, pg. 261.
[40] Código Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1995, pg. 393.
[41] As palavras são de Pires de Lima e Antunes Varela, local citado.
[42] Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira em Curso de Direito da Família, Volume I – Introdução Direito Matrimonial”, 5.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pags. 796 a 798, disponível em http://www.centrodedireitodafamilia.org/sites/cdb-dru7-ph5.dd/files/eBook_-_Curso_de_Direito.pdf.
[43] Em Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Atual (De acordo com a Lei n.º 61/2008), Quid Juris, 3ª edição, 2011, pg.145.
[44] Em A Criança e a Família – Uma Questão de Direito(s): Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, 2ª edição, Coimbra Editora, 2014, pgs. 175 e 176.
[45] Ver para uma resenha bastante completa, Clara Emanuel Coelho Silva Fernandes, em O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância, dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2019, pgs. 28 a 33, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/86415/1/O%20exercício%20das%20Responsabilidades%20Parentais%20quanto%20às%20Questões%20de%20Particular%20Importância.pdf.
[46] Sobre a matéria ver Pires de Lima e Antunes Varela, local citado, pg. 394.
[47] Mais uma vez, como referido nas declarações do R. Vítor.
[48] A testemunha não soube precisar datas, mas referiu que o que declarou se referia a período em que o R. Vítor já tinha dois filhos, o que só veio a suceder no ano de 2010.
[49] Ver Remédio Marques em A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Julgar nº16, 2012, Coimbra Editora, disponível em ulgar.pt/wp-content/uploads/2012/01/07-DEBATER-A-aquisição-e-a-valoração-probatória-de-factos-desfavoráveis.pdf.
[50] Ver Luís Filipe Pires de Sousa em As declarações de parte. Uma síntese, abril de 2017, disponível em www.trl.mj.pt.
[51] As palavras são do Ac. TRE de 06/10/16 (Tomé Ramião – 1457/15).
[52] Local citado e bem assim no Ac. TRL de 26/04/17 (Luís Filipe Pires de Sousa – 18591/15).
[53] E é também nesse sentido que se pronuncia a doutrina, reclamando a unificação das duas figuras no “testemunho de parte”, como nos relata Luís Filipe Pires de Sousa, no local citado.
[54] Neste sentido Galvão Telles, em Venda a Descendentes e o Problema da Superação da Personalidade Jurídica das Sociedades, ROA, ano 39, Tomo III, 1979, pg. 517, Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, III vol., 10ª edição, Almedina, 2015, pg. 39, Pinto Monteiro em Venda de padrasto a enteado, CJ, Tomo IV, 1994, pg. 7, Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Coimbra Editora, 1986, pg. 171, Acs. STJ de 09/02/2012 (Silva Gonçalves – 2752/07), STJ de 28/09/1999 (Pinto Monteiro – 99A591), STJ de 25/03/1982 (Pereira Leitão – 069858), TRP de 27/09/2011 (Rodrigues Pires - 1424/09) e TRP de 25/10/2010 (Anabela Luna de Carvalho - 2905/05), entre outros.
[55] Maria da Graça Trigo no ponto 10 do voto de vencida proferido no Ac. STJ de 02/02/2023 (Catarina Serra – 1439/16).
[56] Pedindo emprestada a expressão ao direito penal, não se exige uma lesão no interesse protegido, mas sim apenas a sua colocação em risco real e concreto.
[57] Onde se estabelece: «1 - Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, caberá esse exercício ao outro progenitor ou, no impedimento deste, por decisão judicial, à seguinte ordem preferencial de pessoas:
a) Ao cônjuge ou unido de facto de qualquer dos pais;
b) A alguém da família de qualquer dos pais.»
[58] Em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição, UCP Editora, 2023, pg. 261.
[59] Ac. TRE de 13/10/2011 (Rosa Barroso – 2364/09).
[60] Citado na nota anterior.
[61] Susana Santos Silva em Critérios para a fixação da residência da criança na Regulação das Responsabilidades Parentais, Julgar Online, junho de 2024, pg. 4, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2024/06/Critériosfixaçãoresidência.pdf.
[62] Na doutrina ver Menezes Cordeiro em Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/.
[63] Ver entre outros os As. STJ de 11/12/2012 (Fernandes do Vale - 116/07), TRG de 04/10/2018 (Jorge Teixeira – 1047/14), TRC de 09/01/2017 (Luís Cravo – 102/11) e TRL de 04/10/2007 (António Valente - 5427/2007-8) e a jurisprudência citada por Menezes Cordeiro, no local citado na nota anterior.
[64] Em Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/.
[65] Não tendo sido, por qualquer dos recorrentes acusada a falta de matéria de facto que devesse ter sido dada como provada ou não provada.
[66] Seguimos de perto Menezes Cordeiro em Tratado de Direito Civil, V vol., Almedina, 2011, pgs. 278 e ss.
[67] Como refere Menezes Cordeiro, a figura desenvolveu-se para cobrir situações que não teriam uma saída perante o direito estrito.
[68] Menezes Cordeiro, local citado, pg. 292.
[69] Ainda Menezes Cordeiro, local citado, pg. 293.
[70] Cfr. o ponto 5.3. deste aresto.
[71] E mesmo neste caso, se após cessação da incapacidade não tivesse conhecimento da venda, refere Vaz Serra que seria de aplicar o primeiro prazo para protecção dos titulares do consentimento: “O sistema de cômputo do prazo fixado no n.º 2 do art. 877º, pode deixar, praticamente, os interessados sem protecção, pois, contando-se o prazo, no caso de incapacidade, do termo desta, pode acontecer que, durante o ano subsequente a esse termo, não tenha o interessado conhecimento da celebração do contrato. A lei pode ter o propósito de não deixar subsistir por longo tempo incerteza acerca da validade do contrato; mas, não será excessivo que o prazo finde sem que o interessado tenha tido conhecimento do contrato?” – VAZ SERRA, anot. ao Ac. STJ de 7-7-1977, RLJ, Ano 111, p.148.
[72] Onde se estabelece que «Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.» Neste sentido Ana Filipa Morais Antunes e Rodrigo Moreira, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, UCP Editora, 2023, pg. 43, António Menezes Cordeiro, em Código Civil Comentado III - Dos Contratos em Especial, Almedina, 2024, pg. 58, e Vaz Serra em Anotação ao Ac. STJ de 7/7/1977, RLJ, Ano 111, pg. 148.
[73] Como chama a atenção Menezes Cordeiro, em Código Civil Comentado III - Dos Contratos em Especial, Almedina, 2024, pg. 58, nota 14, está a prever-se em especial a incapacidade por menoridade, dado que no caso dos maiores acompanhados se correria o risco de prolongamento ad aeternum.
[74] Em A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3.ª edição, melhorada e actualizada, Livraria Petrony, 1984, pgs. 23 e 28.
[75] Não abordaremos, porque desnecessário, a questão da relevância do conhecimento posterior ao ano decorrido sobre o termo da incapacidade.
[76] Foi deduzido outro pedido, sob a alínea a), que não corresponde a qualquer pedido de condenação e não está em causa no presente recurso.
[77] O Banco recorrente terminou desta forma a sua contestação: “Deve ser apreciada e verificada a exceção peremptória da caducidade do prazo para requerer a anulabilidade do negócio jurídico, devendo em consequência ser o Banco Réu absolvido do pedido deduzido pela Autora.
Deve igualmente ser apreciada e verificada a exceção dilatória prevista na alínea h) do  artigo 577º do CPC, e em consequência ser o Banco absolvido da instância.
Para o caso de assim se não entender, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, e o Banco absolvido do pedido.”
A Massa insolvente de SB e VB terminou a sua contestação nos seguintes termos: “Nestes termos e de mais de direito aplicável, deve julgar-se procedente as invocadas excepções
Mais deve dar fundada a matéria da impugnação, julgando-se improcedente a ação e absolvendo-se igualmente a réu do pedido.”
[78] Ver neste sentido a vasta jurisprudência sobre a possibilidade de penhora ou de apreensão em processo de insolvência do direito à meação, de que se citam, como exemplos além do Ac. TRL de 21/05/2024, os Acs. TRL de 25/06/2024 (631/14 e 2520/21), bem como os Acs. Acs. TRL de 23/03/2021 (Amélia Sofia Rebelo – 8925/17), TRC de 09/05/2017 (Maria João Areias -  965/16), TRG de 08/06/2019 (Eugénia Cunha - 2699/17), TRG de 28/01/2016 (Anabela Tenreiro – 524/14), TRE de 15/04/2021 (Emília Ramos Costa – 1010/20) e TRP de 19/11/2020 (Paulo Dias da Silva – 96/20).
[79] Ver Menezes Cordeiro em Código Civil Comentado I – Parte Geral, Almedina, 2020, pg. 855.
[80] Em A parte geral do Código Civil Português, Almedina, 1992, pg. 590.
[81] Que passou a valer como uniformização de jurisprudência, sem o anterior carater vinculativo, nos termos do nº 2 do art.17° do DL 329-A/95 de 12/12.
[82] DR. Nº 114/95, série I-A.
[83] No Ac. STJ de 05/11/2009 (proc. 308/1999), que se reproduz pela clareza da exposição.
[84] Referindo-se ao Assento 4/95.
[85] No mesmo sentido, tirado igualmente num caso em que vem a ser decidida a anulação por falta de consentimento nos termos do art. 877º do CC, o Ac. STJ de 18/01/2018 (Abrantes Geraldes – 1005/12), no qual se sumariou:
“I. Sem embargo da oficiosidade relativamente à qualificação jurídica exposta pelas partes, o Tribunal não pode na sentença extravasar do objecto do processo que é integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir (art. 609º, nº 1, do CPC).
II. Esta limitação é especialmente imposta quando esteja em causa a declaração de anulação de um negócio jurídico, uma vez que a sua arguição, para além de depender da iniciativa do interessado, está sujeita a um prazo de caducidade que não é de conhecimento oficioso (art. 287º do CC).”
[86] Sendo que não impugnou a matéria de facto que não incluiu os documentos referidos, como os dois cheques mencionados.
[87] Em Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, 1993, pg. 617.
[88] AUJ 3/99 de 18 de maio, publicado no DR nº 159/1999, Série I-A.
[89] Maria Clara Sottomayor em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição, UCP Editora, 2023, pg. 877, citando Orlando de Carvalho.
[90] Heinrich Ewald Hörster, local citado, pg. 602.
[91] Ver, entre outros, os Acs. STJ de 19/04/2016 (Maria Clara Sottomayor – 5800/12) e de 14/01/2025 (Anabela Luna de Carvalho – 1301/20).
[92] Seguimos de perto (e citamos) Miguel Pestana de Vasconcelos em Direito das Garantias, 3ª edição, Almedina, 2020, pgs. 213 e 214.
[93] Como enumerados por Maria Clara Sottomayor em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2ª edição, UCP Editora, 2023, pg. 877
[94] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.