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FIANÇA
NULIDADE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ESCRITURA PÚBLICA
DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário
I- Não se verifica nulidade (total) da fiança - por não se demonstrar que o negócio não seria realizado sem a parte afetada pelo vício - decorrente da eventual nulidade, por indeterminabilidade do objeto, da cláusula que estabelece “Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco”. II- A cláusula contratual que prevê que o fiador renuncia ao benefício de excussão prévia e ao beneficio do prazo, intervindo como principal pagador, sendo estabelecida sem que o destinatário (fiador) pudesse ter influenciado tal conteúdo está, nessa perspetiva, sujeita ao regime legal das cláusulas contratuais gerais; III- Estando a mesma cláusula inserida em escritura pública - documento autêntico exarado com as formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art.363.º n.º2 do C.C.), cuja força probatória se encontra estabelecida no art.371.º do C.C., e só pode ser ilidida com base na sua falsidade – e constando da escritura que “Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado aos outorgantes, em voz alta na presença simultânea de todos”, há que considerar cumprido o dever de informação previsto no art.6.º do RJCCG.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-Relatório
AA…deduziu embargos à execução que lhe instaurou o Banco BB S.A., invocando, em síntese, que o requerimento executivo é inepto porque não se alega qual o preço da venda do imóvel hipotecado no âmbito de outra execução nem qual o montante que, por força dessa venda, foi abatido ao montante supostamente em dívida; a quantia exequenda é superior ao capital mutuado; há contradição entre o teor do requerimento executivo e o que consta dos documentos juntos; a ininteligibilidade do pedido e do substrato factual que o sustenta, ou até a falta de causa de pedir, são geradoras de vício de ineptidão, nos termos e para os efeitos previstos no art.186.º, n.º 2, al. a) do CPC; a escritura não é título bastante para se concluir que o valor em dívida é o reclamado e não outro; as cartas de interpelação juntas com o requerimento executivo não foram recebidas pelo embargante nem pelos mutuários; há abuso de direito da exequente, porque o bem dado em garantia foi vendido por valor não inferior a 50 mil euros, os devedores pagaram parte das prestações do mútuo antes do incumprimento em montante não inferior a 70.000,00€ e o exequente propõe-se cobrar um montante de 89.165,86€; há erro na quantificação da quantia exequenda porque o capital em dívida não poderá ser de 65.119,85€, mas muito inferior; a fiança é nula porque são nulas as cláusulas do contrato de mútuo que preveêm que o fiador se assume como garante de responsabilidades resultantes de posteriores alterações que, sem a sua intervenção, porventura, viessem a ser convencionadas; há violação do dever de informação já que o embargante não foi informado que respondia como “principal pagador”, que renunciava ao benefício da “excussão prévia” ou que prescindia do “benefício do prazo” e teria de pagar uma cláusula penal em caso de incumprimento contratual, estando o contrato de mútuo submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais; a exequente aceitou e conformou-se com o facto do bem hipotecado ter valor real e de mercado suficiente para garantir o pagamento de uma quantia de €84 345,86.
2-Recebidos os embargos a exequente contestou, por impugnação, e dizendo que no proc. nº.…/13.5YYLSB, do 2.º Juízo de Execução de Lisboa, foi penhorada a fração hipotecada, tendo sido reclamados créditos no total de €123.274,98; o imóvel foi aí vendido pelo valor de €39.000,00; ao valor pedido na execução foi abatido o valor da venda e os valores pagos pelos executados; o contrato de mútuo foi explicado todo aos intervenientes, conforme o último parágrafo: “Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado aos outorgantes, em voz alta, na presença simultânea de todos” e o embargante assinou e rubricou as páginas do contrato, do qual constavam todas as cláusulas, pelo que, se mostra cumprido o dever de comunicação a que alude o artigo 5.º do citado Decreto-lei n.º446/85, de 25 de Outubro e o embargante teve oportunidade de ler e pedir os esclarecimentos que entendesse necessários.
3-No seguimento dos autos foi proferido, após auscultação das partes, em 18.11.2022, saneador-sentença que julgou os embargos improcedentes.
4-É desta sentença que vem interposto o presente recurso pelo embargante, que termina com as seguintes conclusões:
1. Vai o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 18-11-2024, que julgou totalmente improcedente, por não provada, a oposição à execução deduzida pelo Recorrente, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.
2. A ação executiva que deu origem aos autos principais foi instaurada com vista à cobrança de uma quantia exequenda de €89 165,86 (oitenta e nove mil cento e sessenta e euros e oitenta e seis cêntimos), e o único substrato factual contido no requerimento executivo é a celebração de um contrato de mútuo com hipoteca (título executivo) – parágrafo 1.º - e a alegação de que terá sido enviada aos Executados carta a comunicar que a quantia em dívida, no âmbito desse empréstimo, à data de 23/09/2022, era de €65 119,85 (sessenta e cinco mil cento e dezanove euros e oitenta e cinco cêntimos) - parágrafo terceiro.
3. No parágrafo segundo alega-se que foi vendida uma fração autónoma e independente, dada de hipoteca para garantia do preço, mas não se alega qual o preço dessa venda nem qual o montante que, por força dessa venda, foi abatido ao montante supostamente em dívida, no âmbito daquele contrato de mútuo.
4. A documentação junta com o requerimento executivo não dá pistas adicionais, pois cinge-se à escritura de mútuo com hipoteca (em que os aí Outorgantes se confessaram devedores do montante em dívida à data da contratação do crédito, e não à data actual ou sequer à data de incumprimento) e a uma certidão do registo predial que nada diz quanto ao preço de venda do imóvel aí indicado.
5. Nem o requerimento executivo nem a documentação a ele anexada permitem seguir a linha de raciocínio que leva a Recorrida a concluir que, no ano de 2023, a quantia exequenda permanece em dívida, muito menos no montante peticionado.
6. Tal situação mais ininteligível se torna se considerarmos que, apesar de o contrato de crédito ter sido parcialmente cumprido e de, no âmbito do mesmo, o bem dado de garantia já ter sido vendido, a quantia exequenda é superior ao capital mutuado.
7. Ou seja: o Recorrente e os restantes Executados pagaram parte das prestações acordadas, viram vendido o bem que deram de garantia e ainda devem mais do que pediram à Recorrida, e, em bom rigor, verifica-se até uma contradição entre o teor do requerimento executivo (concretamente, o montante aí referido como estando em dívida) e o que consta dos documentos juntos com esse requerimento.
8. O Recorrido, teria de ter alegado, pelo menos, o montante inicial do crédito, os pagamentos feitos pelos Executados, o valor dos juros moratórios e remuneratórios aplicados e o valor de venda do bem hipotecado, para se poder apreender se o valor em dívida nesse contrato seria efetivamente a quantia exequenda ou outro montante
9. É que a escritura de contratação do crédito, por si só, não permite obter essa informação, o que equivale a dizer que o título dado à execução, por si só e desacompanhado daqueles factos, para além de implicar uma ausência de causa de pedir geradora de ineptidão, é por si só insuficiente para permitir a quantificação da quantia exequenda, ou seja, não é título bastante para se concluir que o valor em dívida é o reclamado, e não outro.
10. E, a ausência de título sempre decorreria do facto de as cartas de interpelação juntas com o requerimento executivo não terem sido recebidas pelo Recorrente nem pelos mutuários, tal como evidencia a documentação junta com o requerimento executivo.
11. Daí que se imponha julgar procedente essa nulidade, anulando-se todo o processado, com a consequente absolvição do Recorrente da instância – o que se requer, nos termos do disposto no art.º 186.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil –, e bem assim, declarar-se a extinção da instância executiva, uma vez que se verifica a inexistência de título bastante para instaurar a ação executiva que deu origem aos autos principais.
12. Nesta conformidade, ao não declarar inepto o requerimento inicial que deu origem aos autos principais, e consequente nulo todo o processado, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto nos art.ºs 186.º, n.º 2, al. a) e 724.º, n.º 1, al. e), ambos do Cód. Proc. Civil.
13. Assim, deve ser revogada a Douta Sentença recorrida e, consequentemente, ser proferido Douto acórdão que declare inepto o requerimento executivo que deu origem aos autos principais, ao abrigo do disposto no art.º 186.º, n.º 2, al. a) do Cód. Proc. Civil, e, consequentemente, declare nulo todo o processado, e absolva da instância o Recorrente, ou caso assim não se entenda, que determine a extinção da instância executiva, por falta ou insuficiência do título executivo.
14. No que à nulidade da fiança prestada diz respeito, sempre se diga que a fiança, legalmente prevista no art.º 627.º do Cód. Civil, visa a proteção do credor, na medida em que o “fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.” (negrito e sublinhado nossos).
15. A determinabilidade da fiança postula a existência de critérios objetivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objetivos que lhe facultem tal conhecimento.
16. Quer isto dizer que a fiança apenas pode ser prestada quando há uma determinabilidade do seu objeto.
17. Nas escrituras públicas de mútuo com hipoteca e fiança juntas aos autos pela Recorrida constam duas cláusulas com o seguinte teor, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos: - na de fls. 89 do Livro 978-B – “Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco”; - na de fls. 92 do Livro 978-B – “Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco” – cfr. docs. juntos com o requerimento executivo.
18. Qualquer dessas cláusulas é nula, porquanto o fiador se assumiu aí como garante de responsabilidades resultantes de posteriores alterações que, sem a sua intervenção, porventura viessem a ser convencionadas entre os Mutuários e o Banco, ou seja, sem que haja uma determinabilidade do seu objeto.
19. O Recorrente arguiu já a nulidade dessas cláusulas dos contratos de mútuo bancário que outorgou, em sede de Embargos de Executado, e volta a invocar expressamente a sua nulidade, pelo que deve declarar-se que as mesmas são insuscetíveis de produzir quaisquer efeitos jurídicos.
20. Nesta conformidade, ao não declarar nula a fiança prestada pelo Recorrente e, bem assim, nulas as cláusulas acima mencionadas dos contratos de mútuo bancário outorgados pelo Recorrente, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto nos art.ºs 627.º e 280.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil.
21. Assim, deve ser revogada a Douta Sentença recorrida e, consequentemente, ser proferido Douto acórdão que declare nula a fiança prestada pelo Recorrente, com a consequente extinção da acção executiva, relativamente a este ou, caso assim não se entenda, declarar-se inexistentes, excluídas, não escritas e inoponíveis ao mesmo as cláusulas contratuais constantes dos dois contratos de mútuo com fiança juntos aos autos principais, através das quais aquele se obrigou como “principal pagador”, renunciou ao benefício da “excussão prévia” e ao “benefício do prazo” e acordou ser imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes dos mútuos em causa, sempre que a Exequente o pudesse exigir aos mutuários, bem como aquelas das quais resultou a aplicação de cláusula penal.
22. No que concerne à alegada violação do dever de informação da Recorrida, sempre se diga que nem a Recorrida nem ninguém entregou ao Recorrente fotocópia ou duplicado dos documentos (escrituras públicas) que ele assinou nem quaisquer outros documentos relacionados com a fiança por ele prestada, nem aquela nem ninguém leu ou explicou àquele o teor dos documentos que ele assinou nem o conteúdo de cada uma das cláusulas contratuais constantes desses documentos.
23. O Recorrente não foi informado que respondia como “principal pagador”, que renunciava ao benefício da “excussão prévia” ou que prescindia do “benefício do prazo”, nem tão-pouco foi informado, nem aquando da outorga das escrituras nem anteriormente, que teria de pagar uma cláusula penal em caso de incumprimento contratual – nomeadamente, a peticionada no requerimento executivo.
24. E muito menos lhe foi sequer lido nem explicado o significado dessas expressões.
25. No acto de outorga das escrituras a que acima se fez referência, o Recorrente não sabia que, ao responder como “principal pagador” e ao renunciar ao benefício da “excussão prévia”, estava a permitir que, em caso de incumprimento por parte dos mutuários, o Banco lhe exigisse imediata e diretamente o pagamento.
26. No acto de outorga dessas escrituras, o Recorrente não sabia que, ao renunciar ao “benefício do prazo”, lhe poderia ser exigido, imediata e diretamente, a totalidade da quantia mutuada, sem que lhe fosse sequer dado conhecimento de incumprimento por parte dos mutuários, e, por outro lado, as condições do mútuo bancário e fiança foram exclusivamente acordados e combinados entre a Recorrida e os Mutuários.
27. O Recorrente limitou-se, pois, a comparecer no Cartório Notarial que lhe foi indicado pelos Mutuários e a subscrever os documentos que lhe foram apresentados e, nada lhe foi lido pelo Senhor Oficial que presidiu à Escritura, o que foi feito com a justificação de que o texto correspondia ao que tinha sido combinado com os mutuários e que não valia a pena perder tempo.
28. Ora, os documentos subscritos pelo Recorrente correspondem a um modelo predefinido pela Recorrida, elaborado unilateralmente por ela e utilizado indefinida e indeterminadamente por ela, em todos os contratos de mútuo bancário com fiança celebrados com os seus clientes, sendo certo que a única coisa que varia de contrato para contrato é o nome dos Outorgantes, o valor do mútuo bancário e o spread aplicável, já que os demais dizeres e cláusulas contratuais são iguais em todos os contratos de mútuo bancário com fiança celebrados por aquela.
29. O Recorrente não teve qualquer poder de conformação quanto ao número, natureza e conteúdo das cláusulas constantes desse contrato, já que não lhe foi dada a possibilidade de negociar, incluir ou de retirar cláusulas.
30. Do exposto resulta que, pela sua natureza, os contratos de mútuo com fiança estão submetidos ao regime das cláusulas contratuais gerais, com a consequente aplicação das disposições do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
31. Por força do acima exposto e da violação do dever de informação que sobre ela impendia, a Recorrida não pode prevalecer-se das cláusulas do contrato de mútuo através das quais o Recorrente se obrigou como “principal pagador”, renunciou ao “benefício da excussão prévia” e ao “benefício do prazo” e assumiu responsabilidade pelo pagamento de cláusula penal - como resulta das disposições do art. 8.º, als. a) e b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
32. Por essa razão, não podia a Recorrida, como efetivamente não pode, demandar o Recorrente sem que, primeiramente e antes do mais, obtivesse a cobrança do seu crédito através do património dos mutuários – cfr. arts. 638.º e 639.º do Cód. Civil.
33. Pelos motivos expostos, deve a execução que deu origem aos autos principais ser extinta relativamente à pessoa do Recorrente, uma vez que a Recorrida não cumpriu com o seu dever de informação.
34. Nesta conformidade, ao não julgar extinta a presente execução movida contra o Recorrente pela Recorrida, por violação do dever de informação, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto no do art. 8.º, als. a) e b) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
35. Assim, deve ser revogada a Douta Sentença recorrida e, consequentemente, ser proferido Douto acórdão que julgue extinta a execução movida contra o Recorrente pela Recorrida, por violação do dever de informação
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5-A exequente/embargada alegou no recurso, concluindo da seguinte forma: A. Vem o Recorrente recorrer da sentença proferida, que julgou improcedente os Embargos de Executado deduzidos, para tanto apontando que o Tribunal dispunha de todos os elementos no processo para julgar verificada as exceções de ineptidão do Requerimento Executivo, da nulidade da fiança, e de violação do dever de informação por parte do Exequente. B. A Sentença em apreço não merece qualquer reparo. C. Ora, os factos expostos pelo Recorrido no requerimento executivo são claros e bastante explícitos, inexistindo qualquer ininteligibilidade do pedido ou falta de causa de pedir. D. O Recorrido procedeu à junção aos autos da escritura de mútuo que dá título à presente Execução e das cartas enviadas aos Executados, onde refere expressamente que o imóvel objecto da garantia bancária foi vendido, pelo que declarou o vencimento antecipado e imediato das obrigações garantidas, como é de direito, tendo ainda, discriminado o valor que permanecia em dívida. E. O Recorrido fez expressamente faz constar ainda dos factos no requerimento executivo que a fração hipotecada foi vendida em processo de Execução, em 11- 05-2017, juntando certidão permanente que confirma a data de aquisição do imóvel por terceiro. F. No requerimento executivo o Recorrido diz que o valor peticionado de €89.165,86 corresponde ao valor que ainda está em divida após ter recuperado parte do crédito na reclamação de créditos que deduziu na execução onde o bem dado de garantia foi penhorado, sendo €65.119,85 a título de capital e €24.046,01 a título de juros e imposto de selo G. O que também se retira da certidão predial junta que o bem foi vendido na outra Execução. H. Ora, conforme refere a Sentença recorrida, é legal a remissão na petição inicial para documentos a ela juntos, e não é obrigado a alegar os factos da obrigação exequenda que resultem expressamente do título, mesmo que o Recorrido assim o tenha feito. I. A Escritura dada à Execução é título executivo bastante, pelo que será praticamente impossível ocorrer, nestas situações, ineptidão do requerimento executivo. J. É por demais evidente que os factos descritos no Requerimento Executivo são suficientes, tal como a documentação junta com o mesmo. K. Em relação ao montante do crédito, não existem dúvidas, até porque o Recorrente não alegou qualquer alegado pagamento para apurar outro valor em dívida que não o indicado, sendo que este facto pessoal tem o Recorrente obrigação de saber se pagou ou não pagou, sendo ónus do mesmo alegar e provar que a dívida seria alegadamente inferior ao peticionado. L. Vem ainda o Recorrente alegar falta de determinabilidade do objeto da fiança, para tanto alegando a nulidade das cláusulas onde esta foi firmada. M. Conforme refere a Sentença recorrida, inexiste qualquer nulidade, já que o fiador declarou livremente dar o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que viessem a ser convencionadas entre os outorgantes e o Banco, nos termos das Escrituras que assinou. N. Pelo que, mesmo no caso de renovação/alteração, a fiança encontra-se determinada e delimitada. O. Vem o Recorrente ainda alegar que houve violação do dever de informação. P. Ora, da análise ao contrato em causa verifica-se que o mesmo contém, além da identificação dos intervenientes, todas as cláusulas que o integram, antes da assinatura dos outorgantes, os quais rubricaram as folhas do contrato, como dele consta expressamente, incluindo o Recorrido. Q. Como bem disse a Sentença, qualquer pessoa de nível de instrução media perceberá perfeitamente o significado da expressão “principal pagador”, para além de que rubricou e assinou todas as páginas do contrato, tendo declarado de boa fé, conforme clausula que consta do mesmo, que estava inteirado e tinha perfeito conhecimento do seu conteúdo, para além de que, sendo a Escritura lida em voz alta pelo Notária, teve oportunidade de pedir as explicações que tivesse por pertinentes. R. Pelo que estando cumprido o dever de informação, todas as cláusulas do contrato são válidas e a Sentença não merece qualquer reparo. S. Atento o exposto, requer-se a Vossas Exas. que seja mantida a douta decisão proferida do Tribunal a quo, sendo o Recurso apresentado julgado improcedente.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objecto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art.663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefiguram-se no presente caso as seguintes questões a decidir:
- ineptidão do requerimento executivo/falta de título executivo;
- nulidade da fiança por indeterminabilidade do seu objeto;
-violação dos deveres de informação pela exequente, por aplicação às cláusulas invocadas, do regime das cláusulas contratuais gerais, devendo ser excluídas do contrato e terem-se por inoponíveis ao embargante as cláusulas através das quais se obrigou como “principal pagador”, renunciou ao benefício da “excussão prévia” e ao “benefício do prazo” e a que prevê que teria de pagar uma cláusula penal em caso de incumprimento contratual.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
2.1.1- Na sentença objeto de recurso constam como provados os seguintes factos: 4.1. Por Escritura Pública de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança, celebrada em 04/05/2004, no Cartório Notarial de Lisboa - ..ª, a cargo de C…, lavrada de fls. ..., e Documento Complementar elaborado nos termos do artigo 64º/2 do Código do Notariado, que a integra, a exequente concedeu aos executados um empréstimo de €79.807,66, para aquisição da fração hipotecada e identificada no título executivo, e do qual foram fiadores os executados A… e AA …(MLS 690…./3,,,, ) – Vid. escritura junta ao requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 4.2. A fração hipoteca foi vendida ao abrigo de processo de execução, em 11/05/2017, conforme consta da certidão do registo predial junta ao requerimento executivo. 4.3. Ao abrigo da cláusula 9 do Documento Complementar anexo à escritura, foi o ora executado interpelado do vencimento antecipado e imediato do contrato, por carta registada com aviso de receção, em 23/09/2022, uma vez que se encontra em dívida o montante de €65.119,85, a título de capital, sendo que a exequente pode exigir a totalidade da dívida sempre que haja incumprimento do pagamento das prestações mensais. Assim, ao capital em dívida, acrescem os juros contabilizados à taxa contratual de 4%, acrescida de uma sobretaxa de 3%, por estar em mora, bem como o respetivo imposto de selo à taxa de 4% ao ano – doc. 3 junto ao requerimento executivo. 4.4. O executado assumiu-se como fiador perante a exequente das obrigações decorrentes do contrato, como principal pagador e declarando renunciar ao beneficio da excussão prévia. 4.5. Nos termos da cláusula 9ª do Documento Complementar da Escritura de Compra e Venda, Empréstimo com Hipoteca dada à Execução, “se o imóvel ora hipotecado vier a ser alienado, onerado ou arrendado, total ou parcialmente (…) , a presente hipoteca poderá ser executada”. 4.6. No âmbito do Proc. nº …./13.5YYLSB, que correu termos sob o 2º Juízo de Execução de Lisboa, ...ª Secção, foi penhorada a fracção hipotecada, tendo sido reclamados créditos no total de €123.274,98 (doc. 1 junto com a contestação) 4.7. Tendo sido vendido a terceiro o imóvel penhorado, pelo valor de €39.000,00, conforme Doc. nº 2 junto com a contestação. 4.8. Permaneceu em dívida o montante de €88.431,03, a título de capital, que não foi pago, e ao qual acresceriam juros de mora que se venceram às taxas contratuais de 3,59% e 3,82% mais a sobretaxa de 3%, naquela data (conforme doc. 2 que é a liquidação feita naquela execução ) 4.9. A carta de interpelação para pagamento datada de 23/09/2022 não foi reclamada pelo Executado, conforme avisos de recepção junto ao requerimento executivo.
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Não constam da sentença recorrida factos não provados.
2.2-Fundamentação de direito:
2.2.1- ineptidão do requerimento executivo/falta de título executivo
O recorrente, como se alcança da leitura das conclusões e da petição de embargos, transpôs, particamente ipsis verbis, para aquelas todos os fundamentos de embargos que invocou, e que não procederam em face da sentença recorrida. E o primeiro de tais fundamentos prende-se com a ineptidão do requerimento executivo, fundada, no essencial, em que do mesmo não constam os factos que permitem concluir que a quantia pedida permanece em dívida, nem que o seu valor é o peticionado, avançando o recorrente que o único substrato factual contido no requerimento executivo é a celebração de um contrato de mútuo com hipoteca (título executivo) e a alegação de que terá sido enviada aos Executados carta a comunicar que a quantia em dívida, no âmbito desse empréstimo, à data de 23/09/2022, era de €65 119,85 e não se alega qual o preço dessa venda nem qual o montante que, por força dessa venda, foi abatido ao montante supostamente em dívida, no âmbito daquele contrato de mútuo, concluindo que nem o requerimento executivo nem a documentação a ele anexada permitem seguir a linha de raciocínio que leva a Recorrida a concluir que, no ano de 2023, a quantia exequenda permanece em dívida, muito menos no montante peticionado, sendo a quantia exequenda superior ao capital mutuado.
A sentença recorrida entendeu que não se verifica ineptidão tendo sido alegados os factos necessários, sendo que as escrituras públicas invocadas são título executivo de acordo com o artigo 703º/1 b) do Código de Processo Civil, e acrescentando “Voltando ao caso dos autos, verifica-se que no requerimento executivo o exequente diz que o valor peticionado de €89.165,86 corresponde ao valor que ainda está em divida após o exequente ter recuperado parte do crédito na reclamação de créditos que deduziu na execução onde o bem dado de garantia foi penhorado, sendo €65.119,85 a título de capital e €24.046,01 a título de juros e imposto de selo. Por outro lado, retira-se da certidão predial junta com o requerimento executivo que o bem foi vendido na outra execução, pelo valor de €30.000,00, conforme liquidação feita pelo Sr. AE ( vid. doc. 2 junto com a contestação ), ficando o ora exequente ainda credor pelo valor de €88.431,03.”
Vejamos:
Sobre o conteúdo do requerimento executivo dispõe o art.724.º do CPC, enumerando o n.º1 as indicações que o exequente deve dele fazer constar, sendo, por isso, tal normativo, distinto e especial relativamente ao art.552.º que rege para a petição inicial de ação no processo de declaração. E, no que ora releva, o n.º1 e) do referido art.724.º determina que o exequente no requerimento executivo expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido quando não constem do título executivo. Sabido que, nos termos do art.10.º n.º5 do CPC, toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e limites da ação executiva, compreende-se que a lei não exija que o exequente tenha que alegar no requerimento executivo aquilo que se patenteia do título executivo em que se funda, pelo que, na ação executiva só se exigirá a alegação de qualquer factualidade quando o título executivo se não baste a ele próprio em termos de evidenciar a obrigação que se pretende fazer cumprir coercivamente. E uma das situações em que a lei impõe a alegação dessa factualidade é a prevista no art.703.º n.º1 c) do CPC relativa ao caso em que o título executivo dado à execução é um titulo de crédito quirógrafo (v.g. porque prescrito ou porque, por outra razão, não vale como título de crédito). Outra situação (embora com alguma especificidade) será aquela em que o exequente, por se tratar de obrigação ilíquida, não dependente de simples cálculo aritmético, haverá de alegar os factos atinentes a tornar a obrigação líquida, o que passará pela invocação de factualidade que permita a fixação do montante devido (art.716.º n.º4 do CPC), antevendo-se, ainda, outras situações especiais que poderão determinar alegação de factos além daqueles que o título executivo já contém. Note-se que o título executivo haverá de ser algum dos taxativamente previstos no art.703.º do CPC e, no caso de documentos autênticos ou autenticados, os mesmos só são exequíveis se deles resultar a constituição ou reconhecimento de uma obrigação pelo devedor contra quem a execução haverá de ser proposta (n.º1 b) do art.703.º). Queremos com isto significar que as particularidades da ação executiva que se suporta – ao invés da ação declarativa – num documento do qual tem que derivar a constituição/reconhecimento de uma obrigação a cargo do executado, o tipo de obrigação e os seus limites, conformam a medida da alegação de facto que o exequente tem que fazer no requerimento executivo, podendo, como na maioria dos casos sucede, nada ter que alegar por tudo o necessário resultar do título e, nesse caso, nenhuma ineptidão se verifica. Ademais, nesta configuração, que é a legal, as questões que se poderão suscitar serão reportadas à falta insuficiência do título e não tanto à ineptidão do requerimento executivo. Por isso se compreende que o executado no presente caso acabe por invocar também a falta de título embora a aglutine na exceção de ineptidão. Ora o que cumpre, então, avaliar é se o título executivo e o alegado pelo exequente - porquanto, o executado reconhece que o exequente não se limitou a remeter para as escrituras alegando outros factos - são suficientes para sustentar a execução contra o executado, em termos de patentear quer o pedido quer a causa de pedir. E como se concluiu na sentença, há que responder afirmativamente. As escrituras de mútuo são titulo executivo (art.703.º n.º1 b)) pois são documentos autênticos. Por elas o executado constituiu-se na obrigação de satisfazer as obrigações que derivavam para os executados mutuários já que as afiançou, como não põe em causa (agora sem atender à questão da nulidade da fiança que é autónoma), o montante do empréstimo resulta da escritura e, bem assim, as taxas de juro, pelo que, as obrigações assumidas ou constam do documento ou são determináveis em face dele (deixando de parte, por ora, a questão relativa à fiança de obrigações futuras que não inquina o que vimos de expor, posto que a fiança não se cinge a tais obrigações, mas incide sobre as obrigações presentes cujo conteúdo está determinado ou determinável). O exequente alegou no requerimento executivo a data em que as prestações deixaram de ser pagas, ou seja, a data do incumprimento e invocou a fiança, o que já resultava aliás dessas escrituras. Em consequência, o executado fica a saber qual a obrigação a si imputada que está a ser exigida e porquê. A questão subsequente que se colocaria, então, prende-se com o montante da dívida que o executado vem dizer que não resulta que exista e que o montante seja o peticionado. Ora, quanto à existência da divida, ao exequente basta invocá-la nos termos do título executivo, cabendo ao executado vir alegar e provar que a mesma não existe ou é noutro montante, por serem factos extintivos ou modificativos do direito daquele (art.342.º n.º2 do C.C.), pelo que, irreleva para a questão que nos ocupa a alegação do executado de que não se retira do alegado no requerimento executivo ou documentos juntos que a quantia permanece em dívida. E quanto ao montante, cabe ao exequente, sendo a obrigação ilíquida, ou seja, não resultando do título por si só o valor em certa quantia líquida (montante exato, em termos simplificados) – como em geral não resultará no caso de contratos de mútuo em que foram pagas algumas prestações mas se venceram juros – proceder à liquidação, concluindo por um pedido líquido, em conformidade com o art.716.º n.º1 do CPC. Ora o que vem dito pelo executado, na segunda asserção da sua alegação, em que defende que não resulta do r.e. e documentos com ele juntos que o montante é o pedido, haverá de ser analisado à luz da liquidação efetuada pelo exequente, na medida em que, como já se disse, a quantia devida em face do titulo é ilíquida. Contudo, tal liquidação depende de simples cálculo aritmético, já que o montante devido se apura através de simples operações matemáticas em face do estabelecido no título, contrariamente ao que sucede quando a liquidação não depende de simples cálculo aritmético e exige a alegação e prova de outros factos (v.g. prova dos danos e seu valor). Desta feita, cabe apenas ao exequente especificar os valores que considera compreendidos na prestação e concluir por um pedido líquido (art.716.º n.º1). E foi o que o exequente fez ao invocar o incumprimento e, na parte atinente à liquidação da obrigação, indicar os valores em conformidade com o pedido líquido que deduziu, como segue “capital em dívida, nos montantes de €65.119,85, acrescem os juros contratuais, à taxa de 7% (já incluída a sobretaxa de 3%), desde 19/12/2017 até à presente data que totalizam a quantia de €23.121,16, bem como o Imposto de Selo, à taxa de 4%, no montante global de €924,85, tudo perfazendo a quantia global de € 89.165,86.” e é quanto a lei exige. Cabe, então, ao executado, se discordar do valor assim liquidado, impugnar a liquidação em embargos, alegando e provando que a dívida não é no montante pedido mas em valor inferior; mais uma vez percebe-se que assim seja pois sendo o executado devedor e obrigado em face do título não pode deixar de saber ou estar em condições de, diligentemente apurar, se os cálculos que levam aquele valor estão ou não corretos, pois saberá quanto pagou, em que datas e quando deixou de pagar (e isso não muda de figura no caso dos fiadores). É certo que o exequente na liquidação a que procede pode ser mais ou menos explicativo, mas tendo alegado aquilo que a lei lhe impõe, no caso concreto os valores que estão compreendidos na prestação devida (valor de capital, juros, imposto de selo), concluindo por um valor líquido não se pode concluir por qualquer ineptidão do requerimento executivo, que só pode colher quando não são alegados os factos essenciais se não constarem do título e, na vertente da liquidação, se não se descortina o que está compreendido no pedido geral formulado. Mais uma vez se compreende esta exigência, decorrente do n.º1 do art.716.º do CPC; é que o executado haverá de saber se o que é pedido é capital, são juros ou prestações de outra natureza, justamente, para poder exercer o seu direito de defesa. Dir-se-á, ainda, que, no que concerne ao facto do exequente não ter indicado no r.e. o valor pelo qual o imóvel foi vendido na outra execução, e que tinha que ser abatido ao valor em dívida, resulta de quanto acima se disse que se não impunha que o exequente alegasse esse facto, ou melhor dito, a não alegação desse facto não acarreta a ineptidão do requerimento executivo. Evidentemente que por uma questão de clareza o exequente podia e, nessa perspetiva, era aconselhável que o tivesse feito, mas a relevância não estaria nem está na não alegação do facto mas sim na dedução (ou não dedução) ao valor em dívida do valor da venda que coube ao exequente na outra execução, e, por isso, já se vê que aquela falta de alegação não poderia importar ineptidão do requerimento executivo. Caberia ao executado, se fosse o caso, alegar e provar que o valor da venda não havia sido abatido, e podia sempre saber desse valor junto dos afiançados. Sucede que a tudo acresce que o valor veio depois a ser indicado nos autos e consta até dos factos provados. Também não pode colher o argumento do recorrente de que a ausência de título sempre decorreria do facto de as cartas de interpelação juntas com o requerimento executivo não terem sido recebidas pelo Recorrente, porquanto, eventual questão atinente ao não recebimento das cartas de interpelação, a ter relevância, não se reconduz à falta/insuficiência de título executivo, mas à questão da inexigibilidade da obrigação. De todo o modo, vindo provado que a carta de interpelação não foi recebida porque não foi reclamada (nos CTT como se subentende), e à mingua de qualquer elemento relevante, sempre havia de se considerar a mesma eficaz à luz do disposto no art.224.º n.º2 do C.C.
Em decorrência não se verifica ineptidão do requerimento executivo, nem razão para, nesse segmento, censurar a decisão recorrida.
2.2.2- nulidade da fiança:
Invoca o recorrente que a fiança é nula porque “A determinabilidade da fiança postula a existência de critérios objetivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objetivos que lhe facultem tal conhecimento.” e “a fiança apenas pode ser prestada quando há uma determinabilidade do seu objeto.”. Extrai a indeterminabilidade do facto de nas escrituras públicas de mútuo com hipoteca e fiança (…) constam duas cláusulas com o seguinte teor (…), “Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco” e “Que, desde já, dão, ainda, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco”, defendendo que as cláusulas são nulas porquanto o fiador se assumiu aí como garante de responsabilidades resultantes de posteriores alterações que, sem a sua intervenção, porventura viessem a ser convencionadas entre os Mutuários e o Banco, ou seja, sem que haja uma determinabilidade do seu objeto.
A lei, como é sabido, prevê garantias especiais das obrigações (por contraposição à garantia geral constituída pelo património do devedor - art. 601.º do CC), nos artigos 623.º e seguintes do Código Civil, aí se prevendo a prestação de caução, a fiança, a consignação de rendimentos, penhor, hipoteca e privilégios creditórios, traçando os respetivos regimes.
Interessa-nos a fiança.
Diz-nos o art.627.º do CC que “1.O fiador garante a satisfação do direito de credito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. 2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”. E o art.628.º esclarece que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (n.º1), podendo a fiança ser prestada sem conhecimento do devedor ou contra a vontade dele, e a sua prestação não obsta o facto da obrigação ser futura ou condicional.
Assim, pese embora possa ser prestada fiança sem intervenção do devedor e até à sua revelia, a vontade de prestá-la, ou seja, a declaração do fiador tem que ser expressa, pelo que, essa vontade não pode ser deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Exige-se, então, que a declaração negocial seja feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade (cfr. art.217.º do CC. a respeito da distinção entre declaração tácita e declaração expressa), sem prejuízo da forma que seja legalmente exigida para a obrigação afiançada. Por isso, a fiança pode ser prestada verbalmente, por escrito ou pode ser exigida forma solene (v.g. escritura publica). A declaração expressa para efeitos do art.628.º não equivale à expressa menção da palavra fiança, mas à vontade expressamente manifestada de assumir a responsabilidade de pagar uma dívida de outrem de forma acessória, ou seja, para o caso do devedor principal não pagar.
Donde, a fiança corresponde à obrigação assumida pessoalmente por um terceiro (fiador) que perante o credor expressamente declara garantir com o seu património a satisfação do direito de crédito que este credor tem sobre outrem/devedor (afiançado).
A obrigação afiançada é acessória da obrigação principal e tem o conteúdo desta e cobre as consequências legais ou contratuais da mora ou culpa do devedor (art.634.º). O fiador pode invocar perante o credor os meios de defesa que lhe são próprios e ainda opor-lhe os meios de defesa que competem ao devedor salvo se incompatíveis com a obrigação que assumiu. O fiador pode recusar o cumprimento da obrigação enquanto o credor não tiver excutido (esgotado) o património do devedor sem obter pagamento integral, ou quando lograr provar que o crédito não foi pago por culpa do credor. Mas a lei permite ao fiador que renuncie ao direito de ver primeiramente excutido o património do devedor, não beneficiando desse direito se tiver assumido a obrigação de principal pagador (art.640.º do C.C.).
E como já se viu a fiança pode garantir obrigações futuras, conquanto “dado que o objecto de toda a obrigação tem que ser determinado ou determinável (cfr.art.280.º) «no momento da fiança, deve ser determinado o título donde a obrigação futura poderá ou deverá resultar, ou ao menos, saber-se como há-de ele ser determinado» (Vaz Serra, est. cit.n.4). A fiança de obrigação futura constitui-se e vincula as partes no momento do negócio de que emerge.” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista, pag.646).
No caso concreto a nulidade que vem invocada prende-se justamente com a fiança de obrigações futuras, tendo em conta o teor das cláusulas invocadas em sustentação desse vício.
A respeito da nulidade da fiança, escreveu-se na sentença recorrida: “A AUJ n.º 4/2001, in DR, n.º 57, I-A, de 8 de Março de 2001, decidiu-se que “É nula por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”. Nele se referindo, citando Menezes Cordeiro que “a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba num momento anterior, qual o seu teor mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação. Pelo contrário, a prestação é indeterminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação”. Acrescentando-se que: “a determinação da prestação por alguma das partes ou por terceiro só pode ser pactuada se houver um critério a que essas entidades devam obedecer. Seria, assim, seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra o que esta quiser. Os critérios podem ser mais ou menos vagos: não podem é, ad nutum, deixar tudo ao arbítrio de uma parte ou de terceiro. O tribunal, quando chamado a intervir, vai actuar dentro desses critérios e, aí, usar da equidade. Quando não encontrar quaisquer critérios objectivos de determinação, deverá, ex officio, declarar a nulidade da obrigação, por força do artigo 280.º, n.º 1”. Concluindo-se que para aferir da determinabilidade da fiança devem existir critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento. Como escreveu Vaz Serra, in Fiança e figuras análogas, BMJ, n.º 71, pág. 60 e RLJ, ano 107.º, pág. 259, no caso de fiança para garantia de prestação futura, exige-se que no momento da assunção da fiança “seja determinado o título de que a obrigação futura poderá ou deverá resultar ou, ao menos, como há-de ele ser determinado, pois, de contrário, o objecto da fiança não seria determinado nem determinável e ela seria, portanto, nula”. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in Direito Das Garantias, Almedina, Março de 2011, a pág. 98 e seg.s, defende que, no caso de obrigações futuras, apenas se exige que as mesmas sejam determináveis, que significa “que terá de se fixar um critério que permita ao fiador estimar nesse momento a responsabilidade futura que corre o risco de incorrer, ou então que possa controlar a constituição das obrigações garantidas da devedora face àquele credor, o que vale dizer, a extensão da sua própria responsabilidade. (…). Se tal não for feito nestes termos, a fiança será (art.280.º) nula.”. Como critérios para aferir da determinabilidade da fiança adianta a existência de limites temporais; quantitativos (limite ou tecto máximo); a indicação das fontes das obrigações afiançadas; prazo de duração da fiança ou prazo de pré-aviso. Volvendo ao caso sub judice, é indubitável que relativamente ao momento em que a fiança foi prestada, o opoente sabia ou podia/devia saber qual o âmbito da fiança que prestou e que abrange a obrigação assumida pelos mutuários, que afiançou. Ora, conforme resulta do contrato que outorgou, o opoente declarou livremente “ dar o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro, prazo de empréstimo, ou outras alterações que venham a ser convencionadas entre os segundos outorgantes e o Banco”. Tendo em conta o clausulado, tem de se concluir que a fiança, mesmo no caso de renovação/alteração, se encontra determinada e delimitada. A mesma, não obstante estas modificações/alterações, não pode exceder as obrigações assumidas pelos mutuários, relativamente ao contrato inicialmente celebrado com a exequente, pelo que se conclui no sentido de que a fiança prestada é determinável porque se cinge apenas e tão só ao contrato de mútuo inicialmente afiançado ( vid. a este respeito o Ac. da RC de 14/01/2020, cujo relator foi o Dr. Arlindo Oliveira ).”
A indeterminação da fiança, seja relativamente ao momento em que é prestada, seja relativamente a obrigações futuras que nela estejam abrangidas, é coisa distinta da indeterminabilidade do objeto da fiança (art.280.º n.º1 do CPC, parte final). Indeterminável significa insuscetível de ser determinado. Assim, só há indeterminabilidade do objeto do negócio, e, no presente caso, da fiança, se em face dos termos e clausulado do negócio, não se lograr apreender, mesmo em relação às obrigações futuras, quais são as mesmas e as circunstâncias que as conformam ou, dito de outra forma, que critérios podem ser aportados para as delimitar. Tal como resulta do excerto da sentença recorrida acima transcrito, a fiança só será nula por indeterminabilidade do objeto, relativamente a obrigações futuras, se inexistir qualquer critério que a permita delimitar, o mesmo é dizer que permita no futuro determinar as obrigações assumidas pelo fiador, ainda que aquando dessa assunção tais obrigações não estejam determinadas. E quanto a saber que critérios poderão ser usados para permitir essa futura determinação, (sendo certo que a questão se coloca de forma mais acutilante relativamente a fianças que abranjam não um negócio certo e determinado, mas um conjunto de obrigações que podem provir de negócios futuros de diferente natureza), vêm sendo criticamente apontados critérios atinentes à previsão de um limite máximo da responsabilidade ou um limite temporal de vigência da garantia, porém, como se aflorou, essencialmente, referenciados aos casos de fiança “geral” suscetível de abranger um conjunto alargado de responsabilidades de um determinado devedor. A sentença recorrida considerou que, no caso, não havia indeterminabilidade da fiança porque a mesma, ainda que haja alterações ou renovações do contrato, está balizada pelas responsabilidades dos afiançados derivadas do concreto contrato de mútuo. Nesse sentido, vai o acórdão mencionado na mesma decisão, Ac. TRC de 14/01/2020, (rel. Arlindo Oliveira), de cujo sumário consta “1.- A determinabilidade da fiança postula a existência de critérios objectivos que permitam no futuro avaliar o objecto da fiança, em moldes que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento. 2.- Convencionando-se, num contrato de mútuo com fiança, que a executada/embargante se constitui fiadora, assumindo e garantindo solidariamente o bom e integral cumprimento de todas as obrigações dos executados mutuários, vinculando-se como fiadora e principal pagadora, pelo respectivo pagamento, por qualquer prazo, prorrogação ou renovação, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo da taxa de juro e prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações assumidas, verifica-se a determinabilidade da fiança, mesmo no caso de renovação/alteração do contrato de mútuo, pois cinge-se apenas e tão só ao contrato de mútuo inicialmente afiançado, sem que tenha havido um agravamento da posição da fiadora relativamente ao âmbito e/ou condições da garantia/fiança que inicialmente assumiu prestar.” (acessível em www.dgsi.pt). Segue-se o critério da fonte da obrigação, porquanto, a fiança está delimitada pelas obrigações que advenham para os afiançados daquele concreto contrato de mútuo, do qual decorre o montante mutuado, a cujo reembolso integral se vincularam os devedores. Tal como se escreve no citado acórdão “Volvendo ao caso sub judice, é indubitável que relativamente ao momento em que a fiança foi prestada, a recorrente sabia ou podia/devia saber qual o âmbito da fiança que prestou e que, como se refere no item 7.º dos factos provados, abrange a obrigação assumida pelos mutuários, que afiançou. A questão coloca-se no que concerne à cláusula descrita na 2.ª parte deste item e que se refere à prorrogação ou renovação de tal contrato, dando o seu acordo a quaisquer modificações, incluindo da taxa de juro e prazos, ou outras alterações, subsistindo a fiança até completa extinção das obrigações assumidas. Começando por esta última parte, face ao seu teor, tem de se concluir que a fiança, mesmo no caso de renovação/alteração, se encontra determinada e delimitada. A mesma, não obstante estas modificações/alterações, não pode exceder as obrigações assumidas pelos mutuários, relativamente ao contrato inicialmente celebrado com a exequente, pelo que se concorda com a conclusão, quanto tal, extraída na sentença recorrida, no sentido de que a fiança prestada é determinável porque se cinge apenas e tão só ao contrato de mútuo inicialmente afiançado.De resto, não obstante a renegociação referida no item 10.º dos factos provados, do respectivo teor não resulta sequer (nem a recorrente o alegou), que tenha havido um agravamento da posição da fiadora relativamente ao âmbito e/ou condições da garantia/fiança que inicialmente assumiu prestar. Mantém-se a mesma no objecto do contrato inicialmente celebrado/afiançado, pelo que tem de se concluir que não se trata de uma fiança com carácter geral, abstracto e indeterminável. Ao contrário, desde o início que a fiadora sabia que estava a assumir a totalidade das obrigações que, para os mutuários, decorriam da celebração do contrato de mútuo, celebrado entre a exequente e os mutuários.”
Contudo, tal questão não se apresenta pacífica na jurisprudência, em casos de cláusulas com teor idêntico às integrantes do contrato dos autos e invocadas pelo recorrente.
No Ac. STJ de 14.9.2023 (rel. Fernando Batista), decidiu-se, como do sumário se fez síntese, que “I. Na declaração de fiança em que os fiadores declaram: i) “Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado”; ii) “dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora..» (destaque nosso), na senda do estatuído no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001 de 23 de Janeiro de 2001, é nula a parte ii), por indeterminabilidade do seu objecto (artº 280º, nº1, fine do CC). II. Porém, se aquando da concretização daquelas “modificações da taxa de juro e, … alterações de prazo ou moratória”, as mesmas foram autorizadas e negociadas pelos fiadores, as obrigações decorrentes de tais alterações contratuais, porque determinadas (e, por isso, exequíveis), são válidas, vinculando os fiadores.”; Também no Ac. TRL de 19.11.2020 (rel. Tersa Pardal) se entendeu que “1. É nula, por indeterminabilidade de objecto, a fiança, na parte em que os fiadores dão o seu acordo a quaisquer modificações às taxas de juros e aos prazos da obrigação afiançada, bem como a qualquer alteração a ser convencionada pelo banco e pelos mutuários. 2. Não tendo sido demonstrado pelos fiadores que o negócio não se concretizaria sem esta cláusula, a fiança é reduzida à obrigação assumida pelos fiadores no contrato inicial, não abrangendo as modificações posteriormente convencionadas entre o banco e os mutuários, no caso o alargamento do prazo contrato.”, e em cujo texto se explica “Só que a obrigação futura deve ser determinável, o que não sucede com o acordo relativo a alterações futuras sobre prazo, taxa de juro ou quaisquer outras que venham a ser convencionadas entre o credor e os devedores, que constitui obrigação futura cujos contornos os embargantes desconhecem e não podem controlar. Não estamos perante a situação prevista no AUJ nº4/2001, pois a fonte da obrigação está identificada, bem como a qualidade em que os afiançados intervêm. Mas não deixam os fiadores de ficar completamente dependentes do que vier a ser acordado pelas outras partes, sem que haja critério delimitativo para as alterações às quais deram acordo, integrando assim a previsão do artigo 280º do CC (neste sentido, ac. STJ 6/12/2011, p. 669/07, RL 2172/2019, p. 4297/17 e 31/01/2012, p. 1979/09, em www.dgsi.pt).” (acessíveis em www.dgsi.pt).
Contudo, resulta também da citada jurisprudência que a nulidade das referidas cláusulas, na parte afetada, não determina a nulidade total da fiança, a menos que se demonstre que o negócio não seria realizado sem a parte afetada pelo vício.
Ora, no caso concreto, resulta da escritura que serve de título executivo, mencionada nos factos provados o seguinte, relativamente aos fiadores, entre os quais o ora executado:
Não é esta cláusula que vem aqui posta em crise; da mesma resulta que os fiadores afiançaram as obrigações que para os mutuários derivavam do contrato, as quais à data eram determináveis, estavam balizadas pelo montante emprestado, pelas taxas de juro convencionadas e pelo prazo de duração do empréstimo, como sobressai do demais clausulado nessa escritura. Por conseguinte, no que respeita a tais obrigações, que não são obrigações futuras mas presentes, assumidas com a celebração do contrato e com ele constituídas, ainda que se trate de obrigações cuja execução se prolongará no tempo, a fiança é perfeitamente válida, sem qualquer indeterminabilidade do seu objeto. Ora se assim é, e não tendo sido alegado sequer que houve alterações ao contrato, nada vindo provado a esse respeito, mormente alterações nas quais o executado não interveio e para as quais não foi ouvido, e, de igual forma não vindo provado, que a fiança não seria prestada sem as cláusulas cuja nulidade aqui vem invocada (o que também não foi alegado nos embargos), relativas às futuras modificações e alteração das taxas de juro por acordo entre exequente e mutuários, mesmo que se concedesse serem as mesmas cláusulas nulas, a fiança mantinha-se na parte não afetada, ou seja, como garantia das obrigações assumidas pelos mutuários, mormente do reembolso do mútuo nos termos consignados na escritura e documento complementar. De facto, resulta do art.292.º do C.C. que a nulidade ou anulação parcial do negócio não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada. Por conseguinte, impõe-se concluir que a fiança não é nula na sua totalidade, desde logo, não é nula quanto à obrigação cujo cumprimento vem pedido na execução, relativa ao reembolso do empréstimo às taxas de juros convencionadas, obrigação que não é afetada e em nada é alterada pela invocada nulidade parcial das ditas cláusulas relativas às renovações ou alterações posteriores ao contrato, questão esta, que, na sua maior apreciação, resulta assim prejudicada por não ter a virtualidade de modificar a responsabilidade do executado enquanto fiador, em face do que resulta provado, responsabilidade esta que se sustenta na fiança válida.
Improcede por conseguinte a arguida nulidade (total) da fiança a qual se mantém válida na parte relevante de garantia das obrigações exequendas peticionadas.
2.2.3-inexistência, exclusão ou inoponibilidade das cláusulas contratuais através das quais o fiador se obrigou como “principal pagador”, renunciou ao benefício da “excussão prévia” e ao “benefício do prazo”
Na conclusão 21.ª do recurso invoca o recorrente que, caso se entenda que a fiança não é nula, devem declarar-se inexistentes, excluídas, não escritas e inoponíveis ao mesmo as cláusulas contratuais constantes dos dois contratos de mútuo com fiança juntos aos autos principais, através das quais aquele se obrigou como “principal pagador”, renunciou ao benefício da “excussão prévia” e ao “benefício do prazo” e acordou ser imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes dos mútuos em causa, sempre que a Exequente o pudesse exigir aos mutuários, bem como aquelas das quais resultou a aplicação de cláusula penal. Não resulta dessa mesma conclusão do recurso a razão pela qual o recorrente entende que as cláusulas, nesses concretos aspetos, devam considerar-se inexistentes ou excluídas do contrato. E vistas as alegações de recurso, verifica-se que o recorrente as transpôs praticamente na íntegra para as conclusões, pelo que, o teor desta conclusão 21.ª é idêntico ao que consta das alegações, onde esta matéria foi incluída pelo recorrente na parte II das mesmas com a epígrafe da nulidade da fiança.
Contudo, tendo em conta o que vem alegado no que concerne à violação dos deveres de informação, impostos pelo regime geral das cláusulas contratuais gerais (DL n.º446/85 de 25.10 (alterado pelo DL 249/99 de 7.7), a questão, embora primeiramente colocada sem se estabelecer a ligação com tal violação, está relacionada com esse alegado incumprimento por banda da exequente e, nesse domínio cumpre apreciá-la.
A cláusula constante de cada uma das escrituras juntas com o requerimento executivo tem o seguinte teor integral:
Diz o recorrente que ninguém leu ou explicou o teor dos documentos que assinou e não foi informado que renunciava ao beneficio de excussão prévia, prescindia do benefício do prazo e que respondia como “principal pagador”, nem foi informado antes da escritura ou posteriormente que teria de pagar uma cláusula penal.
A sentença recorrida quanto à violação acima referida escreveu-se o seguinte: “Posto isto, não pode o fiador, razoavelmente, ignorar a cláusula na qual se constituiu “principal pagador”, seria ilógico vir agora dizer o que isso significava, pois, qualquer leigo, sabe o significado de tal expressão. Ora, no dia da outorga do contrato, certamente que foi facultado ao opoente o mesmo, para que o assinasse. O opoente ao rubricar e ao assinar o contrato, e de boa fé ter declarado “que tem perfeito conhecimento do conteúdo do documento complementar, que o aceita, pelo que é dispensada a sua leitura “, teve acesso a todas as folhas do contrato e, como tal, teve a oportunidade de ler o contrato e pedir as explicações que tivesse por pertinentes. O opoente poderia ter lido o contrato e poderia ter pedido uma cópia do mesmo, como qualquer outorgante medianamente diligente. É do senso comum que não se deve assinar um contrato sem o ler. E se não pediu esclarecimentos é porque leu o contrato e não teve dúvidas. Se contrariamente ao referido no contrato assinou sem o ler, só de si se poderá queixar. Porém, como é do conhecimento geral, antes de se assinar uma escritura, o notário costuma ler em voz alta as cláusulas do mesmo, que o opoente certamente ouviu. Para uma pessoa com um nível de instrução média percebe perfeitamente o significado da expressão de fiador e principal pagador, não tendo o opoente alegado ter um nível de instrução que não lhe permitisse entender o texto do contrato. Assim ao ler e entregar o contrato para assinar e rubricar ao executado, o exequente cumpriu o seu dever de comunicação. Conforme se refere no Ac. do STJ de 24.03.2011 proferido no proc. nº 1582/07, a presença dos contratos assinados pressupõe que o opoente os entendeu e, em conformidade com o disposto no artigo 6º do DL 446/85, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados, antes de assinar. Deste modo todas as cláusulas do contrato são válidas.”; concluiu, pois, o tribunal a quo que não há violação dos deveres de comunicação e informação quanto às cláusulas que o executado põe em crise, sendo as mesmas válidas.
Vejamos:
O regime das cláusulas contratuais gerais impõe ao contraente que a elas recorra o dever de as comunicar na íntegra à outra parte, de modo adequado e com a antecedência necessária para que seja possível o seu conhecimento (art.5.º) e, por outro lado, além de as comunicar deve informar de acordo com as circunstâncias os aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique e, bem assim, devem ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art.6.º).
No caso concreto estamos em presença de escritura pública e seu documento complementar, sendo que as cláusulas em questão estão inseridas na primeira, tratando-se, no rigor, de segmentos da cláusula contratual atinente à prestação de fiança e que já ficou acima transcrita.
O regime das cláusulas contratuais gerais, tal como traçado legalmente, pode aplicar-se a cláusulas que tenham sido insertas em contratos individualizados, ou seja, contratos que se não reconduzem aos chamados contratos de adesão, cujo conteúdo global não é negociado palas partes. Efetivamente, estabelece o art.1.º do DL n.º446/85 de 25.10: “1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar. 3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
Trata-se por isso não tanto de atentar no contrato em si, mas nas concretas cláusulas que o regem, tendo em vista saber se foram ou não objeto de negociação prévia ou antes elaboradas sem essa negociação. Donde, pode verificar-se a inserção de cláusula(s), que por não ter sido negociada ou cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, haverá de ser considerada uma cláusula contratual geral, em contratos com outro clausulado que resulta de negociação prévia. É o que expressamente consta do n.º2 do artigo referido, ao mencionar os contratos individualizados. Como esclarece, José Manuel de Araújo Barros, “Contratos de Adesão: O Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais”, Julgar on Line, outubro de 2023 “Originariamente, o seu âmbito circunscrevia-se às cláusulas dirigidas a uma generalidade de pessoas, que se limitavam a aceitá-las. Previsão que nos remetia tipicamente para a figura dos contratos de adesão. Entretanto, alegadamente para completar o ato de transposição da Diretiva nº 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, iniciado com o DL nº 220/95, de 31 de agosto, o DL nº 249/99, de 7 de julho, acrescentou àquele artigo 1º o seu atual nº 2, passando o diploma a aplicar-se «igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar». Como se refere no preâmbulo deste último, “a proteção conferida aos consumidores pela Diretiva nº 93/13/CEE abrange quer os contratos que incorporam cláusulas contratuais gerais, quer os contratos dirigidos a pessoa ou consumidor determinado, mas em cujo conteúdo, previamente elaborado, aquele não pode influir”. O que resulta do artigo 3º, nºs 1 e 2, parágrafo 1º, dessa diretiva. Em sintonia com esta ampliação do alcance do diploma, que deixou de ser apenas aplicável às cláusulas contratuais gerais, a epígrafe do artigo 1º foi também alterada, substituindo-se “cláusulas contratuais gerais” por “âmbito de aplicação”. O que desenvolve na seguinte passagem “Ainda no âmbito de uma perspetivação genérica do diploma, cumpre chamar a atenção para o facto de que ele visa em primeira linha o controle de cláusulas. Como visto, é por referência à tipologia destas que o âmbito do diploma é definido. É também à patologia das cláusulas que em primeira linha se reportam os mecanismos de correção nele consagrados, propugnando quer a exclusão das que não tenham subjacente uma declaração negocial válida (artigo 8º) quer a declaração de nulidade das contrárias à boa fé (artigos 12º e 15º). Só num segundo plano, meramente consequencial, se vindo a estabelecer, nos artigos 8º, 9º, 13º e 14º, regras para os contratos em que essas cláusulas figuram. Enfatizamos tal particularidade, face à incongruência com que por vezes se pretende estabelecer um desajustado nexo de pertinência, questionando se determinado contrato está ou não abrangido pela disciplina do DL nº 446/85.”.
Assim, não é de excluir a aplicação do citado regime geral a cláusulas que sejam inseridas em contratos, mesmo que formalizados solenemente, como a escritura pública. Questão diferente é saber em que termos se deve ter por cumpridos os deveres de comunicação e informação dessa(s) cláusula(s), por forma a deverem ter-se (ou não) por aceites, uma vez que, tratando-se de escritura pública, a mesma é exarada por oficial público e por via dessa formalização, não estamos exatamente na mesma situação em que o contrato é apresentado com o seu clausulado pré definido e enquanto tal predisposto, limitando-se a outra parte a aderir ao mesmo, via de regra assinando-o sem qualquer outra formalidade prévia.
A cláusula inserida no contrato se não foi concretamente negociada, e o conteúdo foi previamente elaborado sem que o destinatário o possa influenciar é uma cláusula contratual geral. Daqui não resulta, naturalmente, que não possa integrar o contrato e ser vinculativa. Para tanto necessário se mostra, numa primeira linha, que tenha sido comunicada (art.5.º) e que havendo tal comunicação, tenha sido assegurado o dever de informação (art.6.º). Cumpridos tais deveres, a cláusula integra-se no contrato (art.4.º), sabido que as que não foram comunicadas se têm, ao invés, dele excluídas (art.8.º a)). Integrando o contrato, só numa segunda linha, se poderá, se para tanto houver razão, aferir do conteúdo da cláusula tendo em vista saber se respeita, ou noutra melhor perspetiva, saber se fere algum princípio ou norma legal, que determine a sua nulidade (art.12.º). De facto, “O controlo de inclusão concretiza-se nas exigências de comunicação e de informação das cláusulas, sob pena de exclusão destas dos contratos, como preconizado nos artigos 5º, 6º e 8º do DL nº 446/85. Tais obrigações são complementares e interpenetram-se. Cumpre, no entanto, distingui-las. A de informação versa a dimensão mais semântica da mensagem que é transmitida ao aderente. Visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual, enquanto o dever de comunicação procura garantir o conhecimento efetivo desta, o dever de informação propõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente. Daí que, enquanto o dever de comunicação abrange o conspecto das cláusulas, o dever de informação se restringe aos “aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique”. (artigo 6º, n.º 1).” (José Manuel de Araújo Barros, ob. cit.)
No caso dos autos, face ao que se impõe decidir, admitindo que a cláusula em questão, no segmento em que o fiador se obrigou como “principal pagador” renunciando ao beneficio de excussão prévia, e ao beneficio do prazo, não foi concretamente negociada, tanto mais que a recorrida o não alegou nos autos e, por isso, se trata de uma cláusula contratual geral, há que saber se foi cumprido o dever de informação que impende sobre o banco predisponente. Diga-se, para que fiquemos esclarecidos, que a cláusula em que se inserem tais previsões contratuais, trata-se da cláusula relativa à fiança, em que o contraente fiador, declara assumir-se como fiador das obrigações decorrentes do contrato de empréstimo. Mas, na parte da estrita assunção da fiança, a mesma não pode deixar de resultar de negociação, ou seja, o ora recorrente para intervir no contrato enquanto fiador teve que aceitar prestar fiança aos devedores, o que é necessariamente prévio e, por isso, nessa parte, não estamos em face de uma cláusula contratual geral mas de uma cláusula negociada – foi negociado/acordado que o contrato tinha um fiador e que esse fiador seria o recorrente que, também, necessariamente, o aceitou; se assim não fosse ficava por explicar a sua intervenção contratual, a própria razão de ter intervindo naquela escritura como fiador. Aliás, o embargante/recorrente não nega a prestação de fiança, nega, ao invés, o âmbito da fiança que prestou em virtude de invocar que não lhe foi explicado que o fazia enquanto principal pagador renunciando ao beneficio de excussão prévia. De notar, também, que o recorrente não invoca que as cláusulas não lhe tenham sido comunicadas, o que invoca é que não lhe foi prestada a informação atinente ao significado de tais expressões “principal pagador” com renúncia ao beneficio de excussão prévia.
Assim, o incumprimento do regime legal atinente às clausulas contratuais gerais vem dirigido essencialmente ao incumprimento do dever de informação (art.6.º do RGCCG), sendo isso que resulta invocado nas conclusões de recurso, pelo que, cumpre apreciar se tal dever de informação se mostra assegurado no caso concreto.
O art.6.º do citado regime geral estabelece que “1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2- Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”
Quanto à violação do dever de informação, contido nesse art.6.º, o que a lei impõe não é o dever do predisponente esclarecer e explicar todas as cláusulas e seu conteúdo. Por isso o dever de esclarecimento impõe-se relativamente a situações em que, de acordo com as circunstâncias – ou seja tendo em conta o concreto cliente, a perceção que é feita da sua capacidade de compreensão do conteúdo etc. - o sentido de alguma ou algumas cláusulas pode ser mais difícil de perceber ou conter linguagem menos acessível, caso em que, aí sim, o predisponente deve clarificá-las e explicá-las; por outro lado, impõe-se que sejam prestados os esclarecimentos que sejam solicitados, o que não releva para o caso já que não vem dito, nem foi invocado nos autos pelo recorrente que foram pedidos esclarecimentos e não foram prestados. A questão da informação prende-se com o sentido e alcance das acima referidas expressões.
Sucede que no caso concreto o documento por via do qual o recorrente se vinculou como fiador é uma escritura pública e não um mero documento particular.
Consta da citada escritura, antes das assinaturas dos intervenientes, incluindo a do recorrente que “Esta escritura foi lida e o seu conteúdo explicado aos outorgantes, em voz alta na presença simultânea de todos.”. A escritura é um documento autêntico porque exarado com as formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública (art.363.º n.º2 do C.C.), cuja força probatória se encontra estabelecida no art.371.º do C.C.. Aí se diz que “1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”. Daqui decorre que está plenamente provado que a escritura foi lida e explicado o seu conteúdo. Por outro lado, nos termos do art.372.º do C.C. “1.A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.”, pelo que, quanto ao facto relativo à leitura e explicação do teor da escritura, que a mesma atesta, o recorrente teria que arguir a sua falsidade para demonstrar o que vem alegar nos embargos, ou seja, de que ninguém leu nem lhe explicou o conteúdo dos documentos que assinou. Em conformidade, no caso concreto, o cumprimento daquele dever de informação haverá de aferir-se em face da circunstância (demonstrada, já que não foi arguida a falsidade do documento autêntico), da escritura ter sido lida e explicado o seu conteúdo. A explicação do conteúdo não pode corresponder à sua mera leitura, é um mais relativamente a esse leitura. Cremos que, em tal situação, constando a cláusula, cujos segmentos vêm postos em crise, da escritura que foi lida e explicada, não se pode afirmar que foi violado o dever de informação, já que sendo lido o clausulado contratual e explicado o mesmo, e, se ainda assim, o recorrente não tivesse conseguido apreender o sentido de alguma cláusula, impunha-se-lhe, também, o dever de pedir esclarecimentos adicionais tendo em vista obter informação mais detalhada se fosse caso disso, questionando quem procedia à explicação por forma a ficar completamente esclarecido quanto às obrigações que estava a assumir. Estamos, então, num contexto específico atinente aos trâmites próprios da celebração da escritura e é nesse contexto que as exigências do dever de informação têm que ser integradas. Não se nos afigura que fazendo a escritura prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público, se possa agora atender à negação do recorrente de que nada lhe foi explicado. Tendo o conteúdo do documento sido explicado, o que engloba as cláusulas contratuais no segmento em questão, não se pode, do mesmo passo, afirmar que tais cláusulas não foram explicadas. Desconsiderar o facto que a escritura atesta como tendo sido praticado, contraria a força probatória do documento, e descaraterizá-lo-ia enquanto documento autêntico, quando as partes pretenderam sujeitar o negócio a uma forma solene. Em conformidade, acolhemos, pois, neste aspeto a posição seguida no Ac. TRP de 23.11.2017 (rel. José Manuel de Araújo de Barros), do qual consta “2.1. No que concerne à aplicabilidade in casu do regime das cláusulas contratuais gerais, importa chamar à colação o preceito do artigo 1º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro. Frisando que, com os nºs 2 e 3 desse artigo, acrescentados respectivamente pelo DL nº 249/99, de 7 de Julho, e pelo DL nº 220/95, de 31 de Agosto, para transposição da Directiva nº 93/13/CEE, de 7 de Julho, o âmbito de aplicação do diploma deixou de ser definido pelo critério da generalidade das cláusulas para passar a sê-lo pelo da sua não negociação. Nessa medida, o facto de determinado contrato constar de escritura pública não pode excluir a aplicabilidade do regime daquele diploma ao seu clausulado. Nomeadamente, que concerne ao eventual carácter abusivo de cláusulas não negociadas que dele possam constar. O que poderá suceder com a cláusula que predisponha a renúncia do fiador ao benefício de excussão prévia. Mais difícil será conceber a aplicabilidade dos preceitos desse diploma relativos ao cumprimento das obrigações de comunicação e de informação das cláusulas por parte do predisponente. Cujos ónus de prova impendem sobre este, nos termos dos seus artigos 5º e 6º. Na verdade, estipula o artigo 4º, nº 1, do Código do Notariado que «compete, em geral, ao notário redigir o instrumento público conforme a vontade das partes, a qual deve indagar, interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance». Dispondo o artigo 46º do mesmo código (requisitos dos instrumentos notariais) que «1 - o instrumento notarial deve conter: (…) L) a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo (…)». E mais explicitando o artigo 50º (leitura e explicação dos actos), que essa leitura «pode ser dispensada se todos os intervenientes declararem que a dispensam, por já o terem lido ou por conhecerem o seu conteúdo, e se o notário não vir inconveniente» (nº 2) e que «a explicação do conteúdo dos instrumentos e das suas consequências legais é feita pelo notário, antes da assinatura, em forma resumida, mas de modo que os outorgantes fiquem a conhecer, com precisão, o significado e os efeitos do acto» (nº 3). Disciplina que, por força dos nºs 3 e 4 do artigo 64º, é extensivo aos documentos complementares. Dispõe por sua vez o nº 1 do artigo 371º do Código Civil que «os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora». Sendo que, nos termos do artigo 372º do mesmo código, «a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade» (nº 1) e «o documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi» (nº 2). Face ao que se expõe, forçoso será concluir, com o sumário do acórdão do STJ de 10 de Maio de 2007 (João Bernardo), in dgsi.pt, “haver prova plena a afastar com a prova da falsidade, no que respeita à veracidade das atestações do funcionário documentador nos limites da sua competência e até onde o conteúdo verse sobre actos praticados por ele próprio”. Assim, se na escritura ora dada à execução se atesta que os quartos outorgantes, nomeadamente os embargantes, “afiançam solidariamente todas as obrigações que os mutuários assumam a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e principais pagadores se obrigam perante o banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia”, terá de se pressupor que o notário lhes explicou o significado e o efeito dessa sua declaração. Como, aliás, se confirma no penúltimo parágrafo da escritura – “esta escritura foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo”. Pelo que estes só podem pôr em causa tal facto demonstrando a sua falsidade. Neste particular, não acompanhamos a jurisprudência dos acórdãos do STJ de 13 de Setembro de 2016 (Alexandre Reis) e desta Relação do Porto de 14 de Junho de 2016 (Márcia Portela), in dgsi.pt, nos quais se excluiu do contrato a cláusula relativa à renúncia ao benefício da excussão prévia, por ausência de prova de que tivesse sido explicada aos outorgantes fiadores. Na verdade, por força dos supra referidos preceitos, terá de se pressupor que o notário explicou aos outorgantes o seu significado. Nomeadamente, não se aceitando o argumento de que nos termos do artigo 5º, nº 2, do DL nº 446/85 a comunicação da cláusula deve ocorrer com a necessária antecedência, de modo a que o seu destinatário tome bem noção do seu alcance. Na verdade, o cuidar esse aspecto é também abrangido pelas obrigações do notário. O qual, no cumprimento da lei, caso se aperceba de que o fiador é colhido de surpresa com a explicação do alcance da sua declaração de renúncia ao benefício da excussão prévia, deverá sustar o acto e conceder-lhe prazo para reflectir sobre o alcance da obrigação que vai assumir. E, sendo necessariamente pressuposta a vinculação do notário a tomar tal precaução, a arguição da falsidade do acto poderá versar apenas a omissão desse cuidado (aparentemente em sentido contrário, se bem que em referência meramente incidental, sob X, o supra aludido acórdão do STJ de 10.05.2007)” (acessível em www.dgsi.pt). Também no AC. STJ de 6.6.2019 (rel. António José Piçarra), se abordaram as questões que nos vêm ocupando, extraindo-se do mesmo com interesse o seguinte “(…). Contudo, tal posição não foi a que fez vencimento no aresto em causa, antes se nos afigurando que a melhor solução é que resulta do decidido no acórdão que, por maioria, entendeu, conforme resulta do respectivo sumário, que: “IV - Tendo a Recorrida (fiadora) prescindido da leitura do documento complementar de fiança que fazia parte integrante da escritura de compra e venda do imóvel, tal comportamento faz supor que se assim se manifestou perante aquele que teria a obrigação de informar (o mutuante, igualmente presente na escritura), é porque se encontrava devidamente esclarecida acerca do conteúdo e alcance do clausulado que posteriormente veio a subscrever, não se podendo onerar o predisponente com a obrigação de proceder a explicações, mesmo que o aderente delas prescinda.” Resulta, para tanto, da respectiva fundamentação - que pelo seu interesse e similitude com o caso dos autos transcrevemos - o seguinte: “Bem sabemos que o artigo 5º da LCCG onera o predisponente com exigências especiais de comunicação, promovendo o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais, mas para que este dever possa ser completamente cumprido por parte do predisponente, exige-se também o cumprimento do dever de diligência por banda do aderente o qual deverá pedir esclarecimentos àquele, cfr Pedro Caetano Nunes, Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, Estudos De Homenagem Ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, Almedina 2011, 507/534; Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 189/193; Ana Prata, Contratos De Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 206/251; Ac STJ de 20 de Janeiro de 2010. Daqui resulta que, se a Embargante, aqui Recorrida, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga da escritura, o não fez e até deles prescindiu no acto da escritura, ao declarar que conhecia perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação (…). Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa do aderente, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão, sob a égide de uma eventual ameaça de uma possível futura acção com vista à declaração da nulidade do contrato por violação do dever de informação e na esteira de Almeno e Sá podemos dizer que «a imposição ao utilizador deste ónus tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível (…) tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos conduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa». O dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias», no dizer do segmento normativo a que alude o nº1 do artigo 6º da LCCG e se nestas constatamos que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação, «o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas desenvolver para tanto uma actividade razoável», apud Almeida Costa e Menezes Cordeira, in Cláusulas Contratuais Gerais, 25.” Ora, no caso presente resulta, precisa e textualmente, da escritura pública que formalizou o contrato de mútuo com hipoteca e fiança referido no facto provado n.º 1 que: «DECLARAM AINDA OS PRIMEIROS OUTORGANTES, agora na qualidade de fiadores: Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações das taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitam que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança. (…) DECLARARAM TODOS OS OUTORGANTES. Que têm perfeito conhecimento do conteúdo do referido documento complementar, que inteiramente aceitam, dispensando a sua leitura.(…) Esta escritura foi lida e explicada aos outorgantes». (fls. 142 a 142 vs.) Nestas circunstâncias mostram-se válidas e aqui aplicáveis as considerações feitas no acórdão do Supremo que se tem vindo a citar, já que no caso presente, ficou consignado na própria escritura que esta foi lida e explicada aos outorgantes, incluindo, necessariamente, o teor da cláusula respeitante à constituição da garantia através de fiança solidária, tendo quanto ao teor do documento complementar declarado os outorgantes que conheciam o respectivo conteúdo e que prescindiam da respectiva leitura. A todo o supra transcrito argumentário acrescenta-se ainda que a circunstância do contrato ter sido formalizado num acto solene como é a realização de uma escritura pública, que tem a natureza de um documento autêntico nos termos dos arts. 369.º e ss. do CC e em que a respectiva força probatória plena abrange os factos que aí se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e, bem assim, os factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, nos termos do art. 371.º, n.º 1, do CC, impõe que a conduta do aderente correspectiva do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do predisponente, seja sujeita a um crivo mais exigente no que se refere à sua obrigação de diligência e aos deveres de “auto-responsabilização” quanto ao conhecimento e compreensão das cláusulas contratuais gerais por si subscritas. Com efeito, sabendo-se que, nos termos do art. 1.º, n.º 1, do Código do Notariado, “a função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais”, a circunstância de ter ocorrido uma intervenção notarial na celebração de actos e negócios jurídicos impõe um correspondente grau de segurança e certeza jurídicos que não é compatível com uma abordagem jurisprudencial que, de alguma forma, coloque em causa, de modo desequilibrado ou pouco exigente, o teor ou o conteúdo do que é atestado quanto à autenticidade e validade do acto praticado (que aqui não está em causa) mas igualmente quanto à representação e compreensão do que aí ocorreu e dos termos em que as partes se vincularam ao contratado. Entendimento contrário faria perigar a segurança e a certeza do comércio jurídico, não sendo compatível com o são desenvolvimento de uma sociedade justa nem com a autonomia privada ou os fins do Direito, entender que um acto formal e solene como uma escritura pública, seja posto em causa pelo próprio outorgante, quanto às declarações aí vertidas e atestadas por oficial dotado de poderes públicos, no que se refere a encontrar-se consciente e informado do respectivo conteúdo e alcance. Neste contexto, faz sentido que a protecção da parte mais fraca que decorre do regime das cláusulas contratuais gerais apenas mereça tutela nas situações em que a falta de conhecimento das cláusulas não resulte de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor, conforme decidiu o Acórdão do STJ de 24-03-2011 (Revista n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1[11]. No caso, os correspondentes “contra-deveres” de diligência própria - por contraponto às obrigações que recaem sobre o predisponente no que se refere à comunicação e informação –, aferidos à luz do cidadão médio ou comum e segundo um padrão de boa fé, levam, por isso, a que, no caso concreto, se conclua que, face à conduta e declarações prestadas aquando da celebração da escritura, não recaía sobre a Embargada qualquer ónus adicional de demonstração do cumprimento dos deveres de informar e esclarecer os Embargantes do teor da cláusula referente à fiança por estes subscrita. Conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 11-07-2017 (Revista n.º 9222/15.9T8LSB.S1[12]: “IV – (…) as exigências especiais na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de que se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.” Deste modo, tendo os Embargantes intervindo como outorgantes na escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança a que se refere o facto provado n.º 1, da qual consta que a mesma lhes foi lida e explicada, e tendo prescindido da leitura do respectivo documento complementar por terem perfeito conhecimento do seu conteúdo, não se pode concluir, como fez o acórdão recorrido, ter havido uma violação dos deveres de comunicação e de informação a que se referem os arts. 5.º e 6.º da LCCG por parte da Embargada, que justifique a exclusão da cláusula respeitante à fiança solidária aí prestada.” (acessível em www.dgsi.pt). E no Ac. STJ de 8.10.2020 (rel. Olindo Geraldes), entendeu-se que cláusula idêntica à que aqui está em causa, inserida na escritura, não se trata sequer de cláusula contratual geral, dizendo-se o seguinte “Admitindo que o regime jurídico das cláusulas contatuais gerais possa também ser aplicável a contratos individualizados, nos termos do n.º 2 do art. 1.º do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, interessa averiguar se, no caso, o proponente cumpriu os deveres de comunicação e informação, previstos nos arts. 5.º e 6.º, também daquele diploma. Na verdade, as cláusulas contratuais gerais devem ser previamente comunicadas na sua íntegra aos aderentes, com a aclaração e os esclarecimentos que se justifiquem, de modo a que aos aderentes se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo, no uso de comum diligência. Pretende-se, com efeito, que os aderentes disponham de uma vontade informada e esclarecida quanto ao conteúdo do contrato, designadamente das cláusulas que já se encontrem previamente fixadas sem o concurso do outro contraente, num uso comercial cada vez mais massificado. O ónus da prova do cumprimento, adequado e efetivo, dos deveres de comunicação e de informação compete ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (art. 5.º, n.º 3, do DL n.º 446/85). No caso vertente, o contrato de mútuo, com hipoteca e fiança, foi formalizado mediante escritura pública, da qual faz parte integrante um documento complementar, em que intervieram como outorgantes a Embargada, a mutuária e os fiadores, designadamente o Embargante, que interveio “também como sócio gerente e em representação da sociedade” Quadricor – Artes Gráficas, Lda. Na escritura pública, em conformidade com o art. 50.º do Código do Notariado, foi exarado pelo Notário que “fiz aos outorgantes a leitura desta escritura e a explicação do seu conteúdo, na presença simultânea de todos”. A escritura pública, porque elaborada por oficial público, como é o notário, corresponde a um documento autêntico, com força probatória plena, sendo esta apenas ilidida pela sua falsidade – arts. 369.º, n.º 1, 371.º, n.º 1, e 372.º, n.º 1, todos do Código Civil (CC). A escritura pública não foi arguida de falsa, nomeadamente pelo Recorrente, pelo que, atendendo à sua força probatória plena, é de considerar como provada a leitura e a explicação do ato do mútuo, com hipoteca e fiança, que da mesma constam. Esse ato, de fé pública, garante que os outorgantes conheceram o conteúdo do ato formalizado pela escritura, especificamente os termos do mútuo e da fiança. Por outro lado, os termos da vinculação enquanto fiadores estão inseridos na escritura pública sem recurso a cláusulas contratuais gerais, nomeadamente ao declararem que “se responsabilizam solidariamente como fiadores e principais pagadores de todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a devidas à Caixa pela Cliente no âmbito do presente contrato” e também que “os fiadores renunciam ao benefício do prazo estipulado no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil e ao exercício das exceções previstas no artigo seiscentos e quarenta e dois do mesmo Código”. Com a vinculação referida, os fiadores obrigaram-se solidariamente como principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão – art. 640.º, alínea a), do CC. A esta parte da escritura pública, porém, não inserindo cláusulas contratuais gerais, é inaplicável o respetivo regime jurídico e, como tal, apresenta-se como despropositada a invocação do incumprimento dos deveres de comunicação e informação previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85. Assim, tendo o Recorrente, enquanto fiador, contratado voluntária e esclarecidamente, com a leitura e a explicação da escritura, esta é válida quanto à sua vinculação, como fiador da mutuária, (…).” (também acessível em www.dgsi.pt)
Tendo em conta o que se deixa exposto, somos de entender que, ainda que se admita tratar-se a cláusula em questão, na parte que é se estabelece que o fiador renuncia ao benefício de excussão prévia e ao beneficio do prazo, intervindo como principal pagador, de cláusula que, nessa parte, foi estabelecida sem que o destinatário (fiador) pudesse ter influenciado tal conteúdo e, nessa perspetiva, sujeita ao regime legal das cláusulas contratuais gerais, como se viu, estando a mesma inserida em escritura pública lida e explicada aos outorgantes, há que considerar cumprido o dever de informação cujo incumprimento vinha invocado, e nessa medida a mesma cláusula validamente aceite e integrante do contrato, vinculando o fiador nos precisos termos. E a mesma conclusão se impõe relativamente à cláusula que o recorrente invoca ter estabelecido uma “clausula penal”, a qual, vista a escritura, se conclui tratar-se da cláusula que prevê a aplicação, em caso de mora, de uma sobretaxa a título de clausula penal ao mutuário, extensível à fiança porque garante as obrigações deste. Por conseguinte, não pode colher a pretensão de ver excluído ou ser-lhe inoponível tal clausulado contratual, o que determina a improcedência do recurso.
III- Decisão:
Pelo exposto, acordam as juízas da 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 13.3.2025
Fátima Viegas
Teresa Sandiães
Marília dos Reis Leal Fontes