CONTRATO DE AGÊNCIA
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
QUALIFICAÇÃO
PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
Sumário

1 - São elementos essenciais do contrato de agência a obrigação de promover a celebração de contratos; a atuação por conta da outra parte; a autonomia; a estabilidade; e a onerosidade.
2 - A subordinação jurídica é o elemento caracterizador do contrato de trabalho que o distingue dos contratos afins.
3 - Havendo desconformidade entre o formalmente acordado e o realmente executado, prevalece, para a qualificação jurídica, a execução efetiva.
4 - Afastada, na execução do acordo, a obrigação de promover a celebração de contratos, afastada fica a qualificação da relação das partes como contrato de agência.
5 - Uma vez que não foi estipulada compensação pela limitação da atividade do R., o pacto de não concorrência é nulo, por força do art. 136º nº 1 e nº 2 al. c) do Código do Trabalho.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que Decisões e Soluções - Mediação Imobiliária, Lda move contra B, o R. interpôs recurso da sentença pela qual foi a ação julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 45.000,00, acrescida de juros de mora desde a citação.
Na alegação de recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I. O Réu B não se conforma com a douta Sentença recorrida quer no que toca à decisão sobre a matéria de facto, quer no que respeita à decisão das questões de direito.
II. Malgrado o esforço intelectual subjacente à douta Sentença recorrida e a eloquência da argumentação técnico-jurídica oferecida pelo Mmº Juiz “a quo”, a douta Sentença recorrida atenta contra a ideia de Direito e o sentido da Justiça, postergando o equilíbrio das pretensões, dos compromissos e das obrigações recíprocas entre as Partes, desrespeitando a própria ideia de sinalagma que é o “cuore” de qualquer contrato;
III. Apesar da douta Sentença recorrida ter assinalado e registado o comportamento censurável por parte da A. Decisões e Soluções (A. DS) por não ter colocado à disposição do Réu B a compensação que lhe era devida como contrapartida da obrigação de não- -concorrência, o Mmº. Juiz “a quo” condena o Réu a pagar à Autora a título de cláusula penal, uma quantia equivalente ao montante auferido pelo Réu durante os 2 (dois) últimos anos de vigência do contrato, sem tomar em conta o valor da compensação que a este lhe era devida.
IV. A douta Sentença recorrida é redutora nas questões que seleciona como relevantes para a decisão da presente causa, pelo que importa ampliá-las no presente recurso.
Em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
V. O ponto 20. dos Factos provados deve ser expurgado da expressão “nomeadamente”, uma vez que a remuneração auferida pelo Réu B durante a vigência do contrato dependia “exclusivamente” dos montantes recebidos pela A. DS dos Agentes sob a coordenação do Réu B.
VI. O Ponto 20 dos Factos provados deve ser também expurgado da expressão “tendo em conta um critério de proximidade da área de residência do Réu”, porque o que efetivamente se provou foi que “(…) o número de agências concretamente coordenadas pelo Réu foi sendo modificado, nomeadamente, devido à reorganização da coordenação regional”. (Factos provados 51. e 52.), pelo que aquela menção ao “critério de proximidade da área de residência do Réu”, deve ser eliminada.
VII. Os Pontos 58. e 64. dos Factos provados devem ser expurgados da menção à “mediação imobiliária”, uma vez que o Réu B não detém, nem exerce a atividade (regulada) de mediador imobiliário, mas tão só de consultor/ angariador imobiliário.
VIII. O ponto G. dos Factos não provados deve ser dado como provado.
O Réu B executou efetivamente as funções de coordenador e de supervisor da atividade de agências, agentes e subagentes, sob as ordens e comandos de outros, como resulta provado explicitamente dos Factos provados 43. e 48.; e implicitamente dos Factos provados 28., 29., 35., 36., 37., 40., 41. e 42..
Sob pena de contradição insanável na decisão da matéria de facto dos Factos G., 43. e 48., “Orientação”, “ordens”. “diretrizes” e “comando”, espelham a mesma realidade fáctica.
Relativamente às questões De Direito:
IX. O Contrato de Agência Coordenação celebrado entre a Autora Decisões e Soluções e o Réu B, na sua substância e materialidade, deve ser qualificado como um contrato de trabalho.
X. No caso vertente verificam-se, de forma bem explicita, pelo menos 3 (três) das presunções da laboralidade previstas no art.º 12º do Código do Trabalho.
XI. A determinação do local onde o Réu B exercia a sua atividade de coordenação das agências da rede da A. DS, era feita pela A. DS através da sua Diretora Coordenadora Nacional C. (Factos provados nº 51. e 52., por referência aos Factos provados nºs 6., 8., 9.), o que preenche a parte final da alínea a) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho.
XII. Os principais instrumentos de trabalho, as denominadas “ferramentas de trabalho”, através das quais o Réu B desenvolvia a sua prestação de trabalho e interagia com os Agentes que coordenava, por um lado, e, por outro, com a sua hierarquia (coordenadora nacional), a quem prestava contas, foram-lhe disponibilizadas pela A. DS (“as bases de dados”, “a plataforma informática da Rede”, “a CRM” – “Customer Relationship Management” –, “o programa contas” – Factos provados nºs 17., 28., 29., 30. e 31.
O que preenche a alínea b) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho.
XIII. O Réu B desempenhava funções de direção, coordenação e fiscalização (como diretor regional) inserido na estrutura hierárquica e orgânica da A. DS, concebida de forma piramidal, reportando diretamente à Diretora Coordenadora Nacional C e maioritariamente ao Presidente da DS, D, de quem recebia orientações e diretrizes, que repercutia nos Agentes e subagentes da A. DS. (factos provados nºs 6, 8, 9, 17, 40, 41, 42 e 43).
O que preenche a alínea e) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho.
XIV. O Réu B encontrava-se, na vigência do Contrato sub judice, na subordinação jurídica e económica da A. DS, entidade que sobre ele emitia orientações, diretrizes e comandos; que o fiscalizava; que lhe pedia contas, informações e resultados; e que lhe pagava mensalmente a sua remuneração.
XV. O Réu B obrigou-se, mediante retribuição, a prestar a sua atividade à A. DS, no âmbito da organização desta e sob a autoridade desta.
XVI. Encontrando-se preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho.
XVII. O foro materialmente competente para dirimir as questões que entre o Réu B e a A. DS resultam do Contrato sub judice é o do Juízo do Trabalho, sendo materialmente incompetente o Juízo Central Cível de Coimbra.
Sem prescindir e caso assim se não entenda – o que não se concede –, ainda assim, devia a presente ação ter sido julgada improcedente.
XVIII. A douta sentença recorrida concluiu – e bem – que o contrato em referência (Contrato de Agência Coordenação), em face das suas características de generalidade, pré- -elaboração e rigidez inseridas neste contrato individualizado, o subsumem ao disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, que instituiu o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG).
XIX. O Mm.º Juiz “a quo” limitou-se, no entanto, a apreciar o Contrato sub judice em geral, e a cláusula de exclusividade e não concorrência (Cláusula Décima), em particular, no tocante ao cumprimento ou não cumprimento da obrigação de comunicação e informação previstas nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (LCCG), não curando de conhecer se tais cláusulas seriam ou não proibidas e nulas ao abrigo do disposto nos artigos 12.º, 15.º, 16.º, 18.º e 19.º da LCCG.
Ora,
XX. Da conjugação da alínea c) do nº 2, com os nºs 3 e 4 da Cláusula resulta que após, a cessação do contrato, o Réu B não poderia, direta ou indiretamente, e em todo o território nacional, participar em qualquer outro projeto dentro dos vastíssimos sectores de atividades da Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda. (área financeira, de crédito e dos seguros) e da Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda. (área imobiliária, mediação imobiliária, obras, crédito imobiliário, etc.).
XXI. No entanto, conforme resulta dos Factos provados n.ºs 50., 51., e 52., as funções de coordenação do Réu B incidiam sobre agentes e agências certos e determinados, por seleção da A. DS, bem circunscritos territorialmente e especificamente indicados dentro desse território.
XXII. Fazendo o paralelismo com o que se passa nos contratos de agência convencional, pode dizer-se que ao Réu B foi-lhe convencionada e cometida “uma zona ou circunscrição e foi-lhe confiado um círculo de clientes”.
XXIII. Constitui, assim, uma desproporção sem limites, impor ao Réu B uma inatividade completa, uma paralização total, em todo o território nacional, para todas aquelas funções que foram nos últimos 21 (vinte e um) anos o seu único “ganha-pão”.
XXIV. Pelo que, a alínea c) do nº 2 e os nºs 3 e 4 da Cláusula Décima do Contrato sub judice excedem manifestamente os fins para que, porventura, poderiam ter sido concebidas ou adotadas, pelo que constituem condições contratuais nulas, porque violadoras do princípio da boa fé, nos termos conjugados dos artigos 12º e 15º do citado DL. nº 444/85.
Efetivamente,
XXV. O alcance do princípio da Boa fé como critério de ponderação do conteúdo do contrato, convoca, nos termos do disposto no art.º 16º da LCCG os valores de justiça e de equivalência contratual que devem presidir a modelação das cláusulas contratuais gerais e a sua eficácia.
Só por via deste princípio se consegue repor minimamente a igualdade das Partes neste tipo de relação contratual, sem a qual é impossível falar-se em liberdade na conformação da vontade negocial.
Tendo a A. DS, valendo-se da sua vantajosa posição contratual, criado em seu favor e em prejuízo do Réu B um marcante desequilíbrio das prestações, dúvidas não podem subsistir de que o fez em violação do princípio da Boa fé.
Acresce que,
XXVI. A Cláusula Décima do Contrato sub judice é igualmente nula, porque estabelece uma obrigação de não concorrência sem que a A. DS tenha colocado à disposição do Réu qualquer contrapartida pela limitação que impõe à sua liberdade de trabalho, iniciativa e estabelecimento.
XXVII. A omissão da atribuição de uma compensação ao R. B, no clausulado do contrato, como contrapartida da sua obrigação de inatividade, desequilibrou definitivamente a Cláusula Décima do Contrato, que se tornou desproporcionada, desequilibrada e desadequada.
XXVIII. Muito embora o Mmº Juiz “a quo” se tenha limitado a qualificar tal situação como um “comportamento censurável” por parte da A. DS, socorrendo-se de jurisprudência que entende que a cláusula de não concorrência não é inválida por o montante da compensação devida não ter sido fixado logo no momento da celebração do Contrato, a verdade é que nenhum dos acórdãos citados na sentença recorrida analisa a falta de fixação da compensação “ex ante” em contratos de adesão, submetidos ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.
XXIX. Nestes casos, a fixação da compensação é pressuposto essencial do equilíbrio e proporcionalidade na relação contratual.
XXX. Como doutamente se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional (Ac. 129/2020) só com a conjugação dos termos constantes do nº 2 do art.º 9º do DL. nº 178/86, completados pelo disposto na alínea g) do respetivo artigo 13º, o estabelecimento de um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, respeitará os limites traçados na Diretiva nº 86/553/CEE; e se atém nos limites do nº 1 do art.º 47º da CRP; e só assim tal pacto de não concorrência é consentido pelo princípio da proibição do excesso.
XXXI. Pelo que, à luz do espírito e da letra do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, tal situação traduz uma violação da boa fé, que é proibida pelo art.º 15º do DL. nº 446/85 e geradora da nulidade prevista no art.º 12º do mesmo diploma.
Para além disso,
XXXII. A A. DS peticiona a condenação do Réu B no pagamento da cláusula penal de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), com base na alínea b) do nº 5 da Cláusula Décima do Contrato de Agência Coordenação sub judice.
XXXIII. Nos termos do disposto na alínea c) do art.º 19º da LCCG, sempre se imporia ao Mmº Juiz a quo a realização de um controlo jurisdicional oficioso com vista a aferir se a cláusula penal contratual e unilateralmente fixada seria ou não desproporcionada face aos danos a ressarcir - controlo jurisdicional esse que representaria um juízo objetivo e abstrato, em face do quadro negocial padronizado – que não foi feito.
XXXIV. Assim, importa ter presente que o Réu B foi contratado, em 03 de maio de 2017, para exercer funções de Coordenador Regional e não funções de operações produtivas diretas.
XXXV. No momento da celebração do Contrato, nunca seria razoável assumir que os potenciais danos resultantes de um possível e futuro incumprimento da obrigação de não concorrência por um novo trabalhador/prestador de serviços, como o Réu B, pudessem ascender a €150.000,00.
XXXVI. Tanto mais que a cláusula penal em referência, conforme supra se referiu, excede, efetiva e manifestamente, os rendimentos pagos pela A. DS ao Réu B durante cerca de quatro anos de atividade.
XXXVII. A A. DS (a predisponente) limitou-se a elaborar, em seu benefício próprio, uma cláusula manifestamente desproporcional que lhe proporcionava vantagens superiores àquelas que decorreriam da execução do contrato, recolhendo rendimentos manifestamente mais elevados do que os que receberia no caso de o contrato continuar vigente ou da obrigação de não concorrência ser cumprida.
XXXVIII. De modo que, deve a Cláusula em apreço, ao abrigo da alínea c) do art.º 19º da LCCG, ser considerada nula e eliminada do texto contratual, porque desproporcionada aos danos a ressarcir.
Sem prescindir da invocada nulidade,
XXXIX. A verdade é que a cláusula de não concorrência em referência também ao abrigo da Lei do Contrato de Agência padece de uma invalidade intrínseca, porquanto não respeita os requisitos essenciais previstos no artigo 9.º da referida LCA.
XL. Desde logo, para que seja legalmente permitida a contratualização de uma obrigação de não concorrência teria de existir um especial risco de dano dos interesses do empregador/ principal, isto é, teria de existir um risco de “concorrência diferencial”.
XLI. Teria de se tratar de um risco de prejuízo especial, um prejuízo causado por um concorrente, diferente dos demais, que pelo especial contacto teve acesso a informações confidenciais.
XLII. Teria de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, que se traduz na possibilidade de alguns trabalhadores/ agentes/ franchisados, pelas funções que exercem, poderem arrastar consigo uma parte substancial da clientela ou divulgar segredos de fabrico ou informações confidenciais que podem ser prejudiciais para os interesses da sua anterior empresa, e que são igualmente dignos de tutela jurídica.
XLIII. Ora, a A. DS não alegou, nem dos autos resulta demonstrado qual o risco de dano específico que gerasse a necessidade da estipulação de uma obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato e pré-fixação de uma cláusula penal que correspondesse aos danos a ressarcir.
XLIV. Só essa necessidade justificaria o interesse legítimo em impor uma obrigação de não concorrência, que é contrária aos direitos fundamentais.
XLV. Em conformidade com o disposto na al. j) do n.º 1 do art. 1.º do Regulamento (UE) 2022/720 da Comissão de 10 de maio de 2022 e al. g) do n.º 1 do art. 1.º do Regulamento (UE) n.º 330/2010 da Comissão, de 20 de abril de 2010, que regulam a imposição de obrigações de não concorrência ao nível comunitário, entende-se por “saber-fazer” ou “know-how” um conjunto de informações práticas não patenteadas, de cariz secreto, substancial e identificado.
XLVI. No caso vertente, a A. DS não alega, nem demonstra ter transmitido ao Réu B informações “secretas”, tanto mais que o acesso à base de dados da A. DS e à plataforma CRM são comuns e extensíveis a mais de 4.500 colaboradores da A. DS (cfr. Factos provados 6. e 30. da sentença recorrida).
XLVII. Os métodos e modelos organizacionais do Grupo Decisões e Soluções são do conhecimento de todos os operadores das áreas de intermediação de crédito e de mediação imobiliárias.
XLVIII. Para além de que são transmitidos a todos os colaboradores do Grupo Decisões e Soluções, através, designada, mas não exclusivamente, das ações de formação organizadas.
XLIX. Ademais, o Réu B não adquiriu no seio do Grupo Decisões e Soluções ou da A. DS quaisquer informações “substanciais” de que já não fosse detentor, fruto da sua anterior experiência profissional (cfr. Factos provados 10., 11., 12., 13., 14. E 15.), nem que se revelassem essenciais para a prossecução da sua atividade de consultor/ angariador imobiliário, após a cessação do contrato com a DS. (nem sequer a A. DS o alega).
L. A A. DS também não identifica, nem especifica que informações confidenciais e/ ou substanciais alegadamente teria transmitido ao Réu B, que pudessem carecer de especial proteção.
LI. Pelo que, forçoso será concluir que não foi transmitido ao Réu B um qualquer know-how relevante (secreto, substancial e/ou identificado) que pudesse justificar a obrigação de não concorrência e, por consequência, também não se pode, sequer, conjeturar a possibilidade de ser exercida uma concorrência diferencial.
LII. Assim, a cláusula de não concorrência, ínsita na Cláusula Décima do Contrato sub judice, é ilícita.
Ainda que assim não fosse (o que não se concede),
LIII. Sempre estaria a validade da Cláusula Décima do Contrato sub judice inquinada por falta de verificação de um dos requisitos essenciais previstos no n.º 2 do art. 9.º da Lei do Contrato de Agência: a circunscrição da obrigação “à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente”.
LIV. Conforme suprarreferido, em desrespeito pela Lei, a cláusula de não concorrência sub judice impunha ao Réu B o dever de não concorrer com a A. DS., direta ou indiretamente, em todo o território nacional.
LV. Não existindo circunscrição, nem zonamento, nem identificação do círculo de clientes que lhe havia sido confiado.
LVI. Nesta sede, não se pode perder de vista que estamos perante uma restrição de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos pelo art.º 47º da CRP.
LVII. Assim, os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 9.º da Lei do Contrato de Agência são imperativos e devem ser conjugados com o rigoroso crivo do regime constitucional de restrição de direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
LVIII. Pelo que, também por violação do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03 de julho, tal cláusula é ilícita e, pois, inválida, não podendo produzir quaisquer efeitos.
Acresce que,
LIX. Não poderia jamais a A. DS prevalecer-se do alegado incumprimento da obrigação da não concorrência sem que provesse à necessária compensação, tutelada por Lei (alínea g) do art.º 13º da Lei do Contrato de Agência).
LX. A obrigação de não-concorrência tem um carácter sinalagmático e oneroso (cfr. Acórdão do TC n.º 129/20 de 3 de Março, Proc. n.º 502/2019, Joana Fernandes Costa, Ac. TRP, proc. n.º 2521/16.4T8STS.P1, Anabela Tenreiro, 07-12-2018, Ac. STJ, proc. n.º 13603/16.2T8SNT.L1,S2, Paulo Ferreira da Cunha, 05-05-2020, Ac. STJ, Proc. n.º 3066/18.3T8LRA.C1.S1, Fátima Gomes, 07-09-2021 – citados na sentença recorrida).
LXI. Ao mesmo tempo que se impõe ao trabalhador/ agente/ franchisado um dever de non-facere; impõe-se ao empregador/ principal um dever de lhe pagar uma compensação pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.
LXII. No caso concreto, a A. DS não procedeu, até ao termo do contrato ou posteriormente, ao pagamento de qualquer valor a título de compensação ao Réu B, nem se disponibilizou a fazê-lo.
LXIII. O que significa que, enquanto o ora Réu B não fosse compensado pela inatividade resultante da obrigação de não-concorrência, não podia ser obrigado a cumpri-la.
LXIV. A tanto obsta a exceção de não cumprimento do contrato.
LXV. A exceção de não cumprimento do contrato – e das obrigações correlativas – funciona como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral (cfr. Cód. Civil Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. I. pág. 284, 1ª edição 1967).
Sem prescindir, acresce que,
LXVI. A A. DS atua com má-fé e em manifesto abuso do Direito.
A A. DS redigiu, a seu bel-prazer, uma cláusula de não concorrência que abrangia todas as atividades desenvolvidas pelo Réu B;
Estendeu essa obrigação a todo o território nacional;
Inseriu uma cláusula penal indemnizatória exorbitante e desproporcionada para a eventualidade de este não cumprir a obrigação de não concorrência;
Aquando do termo do Contrato, não pagou ao Réu B a compensação que lhe era devida pela não concorrência (muito embora tivesse perfeito conhecimento de que essa obrigação lhe é legalmente imposta) tanto mais que a A. DS erigiu a Lei do Contrato de Agência como a Lei do Contrato (Cláusula Décima Quarta nº 1 do Contrato).
LXVII. Com isto, deixou o Réu numa posição exasperante. Por um lado, ficaria impedido de exercer em todo o país todas as atividades que conhece, sob ameaça do pagamento à A. DS de uma indemnização incomportável; por outro lado, ficaria sem qualquer fonte de rendimento que lhe permitisse fazer face às despesas do quotidiano;
LXVIII. A instauração da presente Ação consubstancia uma situação típica de abuso de direito, na modalidade “tu quoque” (cfr. artigo 334.º do CC), com o que é ilegítimo o direito que a A. DS pretende exercer, devendo, por conseguinte, o direito à cláusula penal ser considerado inexigível, também por esta razão.
Ainda sem prescindir,
LXIX. Caso se entenda que a cláusula penal não era nula sob o prisma da LCCG e que a cláusula de não concorrência não era inválida à luz da Lei do Contrato de Agência (o que não se concede), sempre impendia sobre o Tribunal o dever de controlar tal cláusula penal quanto ao seu eventual manifesto excesso (art.º 812º do Código Civil).
LXX. Sem prejuízo de a sentença recorrida ter exercido esse controlo e ter procedido à redução equitativa da cláusula penal exigida pela A. DS, a verdade é que não o fez, salvo o devido respeito, de forma justa e fundada.
LXXI. Atendendo aos critérios jurisprudenciais fixados para avaliação da manifesta excessividade da cláusula penal, sempre deveria a sentença recorrida ter considerado:
- A natureza e condições de formação do contrato, que, como vimos, foi celebrado sem prévia negociação individual; as cláusulas que o compõem foram unilateralmente redigidas pela A. DS e no seu exclusivo interesse; o Réu B, não pôde influenciar o seu conteúdo, tendo-lhe este sido imposto pela A. DS;
- A circunstância de se tratar de um contrato de adesão;
- A situação económica e social das partes, onde, de um lado, temos a A. DS, uma sociedade comercial “de peso” no nosso país, com centenas de agências dispersas pelo território nacional e com rendimentos elevados; e, de outro lado, temos o Réu B, uma pessoa singular que presta serviços enquanto consultor imobiliário e cujos rendimentos anuais rondam os €40.000,00;
O prejuízo efetivo sofrido pela A. DS, que foi inexistente, uma vez que o Réu não prestou serviços nos mesmos “territórios” em que se inseriam as Agências da A. DS que ele coordenava; aquando da cessação do seu contrato de trabalho com a A. DS, o Réu não levou consigo informações e contactos de clientes e potenciais clientes da A. DS; não trabalha, nem trabalhou com qualquer cliente ou parceiro com os quais as Agências sob a sua coordenação trabalhavam; o Réu já trabalhava no ramo da mediação imobiliária antes de ser admitido ao da A. DS; o R. B exerce funções completamente distintas daquelas que realizava ao serviço da A. DS; agora como Consultor Imobiliário desenvolve os seus serviços com um conteúdo funcional bem diferente do de coordenador ou supervisor dos Agentes da A. DS;
Finalmente:
LXXII. A douta Sentença recorrida decidiu – e bem – que uma cláusula penal do montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) era manifestamente excessiva.
LXXIII. A douta Sentença recorrida exerceu o controlo jurisdicional desta cláusula penal, reduzindo-a, ao abrigo do disposto no art.º 812º do Código Civil, mas fê-lo não de forma equitativa, e pois, injusta.
LXXIV. Para além da redução efetiva dos montantes de eventuais danos a ressarcir, que a douta Sentença fixou em €56.164,56 (cinquenta e seis mil, cento e sessenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), impunha-se que o Mmº Juiz “a quo” calculasse o montante necessário a compensar o Réu B pelo período de inatividade de 2 (dois) anos, o que representaria, face às declarações de IRS e IRC juntos aos autos, cerca de €40.000,00 (quarenta mil euros) por ano.
LXXV. O que conduziria à fixação de uma compensação (a que alude a alínea g) do art.º 13º da LCA) de montante não inferior a €80.000,00 (oitenta mil euros), claramente superior ao valor dos potenciais danos de que a A. DS poderia ter padecido (cifrados na douta Sentença como sendo no montante de € 56.164,56).»
A A. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
Nas conclusões recursivas, o recorrente afirmou que “o foro materialmente competente para dirimir as questões que entre o Réu B e a A. DS resultam do Contrato sub judice é o do Juízo do Trabalho”.
Contudo, no despacho saneador, o tribunal recorrido consignou que, “a arguição pelo réu na contestação da competência dos tribunais do trabalho, atendendo à forma como a autora configurou a presente acção como emergente da celebração de um contrato de agência não obsta à competência destes Juízos Cíveis”.
O despacho saneador não é objeto do presente recurso.
Assim, as questões a decidir são apenas as seguintes:
- da impugnação da matéria de facto provada;
- da qualificação do contrato;
- da validade do pacto de não concorrência;
- da exceção de não cumprimento;
- do abuso do direito; e
- da redução da cláusula penal.
*
Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. A autora “Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda.” é uma sociedade comercial constituída em 26-09-2011, que se dedica à mediação imobiliária, à compra, transformação e venda de bens imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim, à gestão e administração de bens imóveis, à mediação de obras de construção, alteração, ampliação, demolição e reconstrução de imóveis, incluindo a sua decoração, à mediação de veículos, sejam eles automóveis, motociclos ou outros e à prestação de serviços de consultoria financeira.
2. A autora é titular da licença “AMI”, referente à actividade de mediação imobiliária, n.º 9300, desde 17-11-2011.
3. A autora tem como sócios-gerentes D e E, respectivamente titulares de uma quota de € 13.500,00 e de € 1.500,00 no capital social da autora de € 15.000,00.
4. O sócio gerente da autora, que usa o nome D, é conhecido como titular do grupo económico conhecido pela denominação “Decisões e Soluções” ou “DS”, com sede em Vila Nova de Gaia, que se dedica, essencialmente, a diversas áreas conexas com o mercado imobiliário.
5. Do grupo em causa, para além da autora, fazem parte outras sociedades que actuam sob diferentes marcas “DS”, incluindo, a então denominada “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda”, actual “Decisões e Soluções – Intermediários de Crédito, Lda.”, que se dedicava à actividade de consultoria financeira e mediação de seguros.
6. O referido grupo dispõe de uma “rede” de mais de 530 lojas em Portugal e opera através de mais de 4.500 colaboradores, tendo a sociedade autora associadas a si cerca de 120 lojas abertas ao público e mais de 1.500 colaboradores.
7. A autora, através dos seus colaboradores, visa a prestação aos seus clientes de um serviço de aconselhamento com soluções que denomina “soluções 360º” nas áreas da mediação imobiliária, intermediação de crédito, mediação de seguros e mediação de obras e construção de imóveis.
8. A autora actua no mercado através de colaboradores que denomina de “agentes” ou “subagentes”, que ostentam a sua imagem e marca, com quem celebra contratos, sob essa designação, que apresenta aos destinatários segundo um modelo pré-elaborado sem que estes tenham a possibilidade de os negociar nos seus aspectos essenciais.
9. Em 2017, a autora operava através de uma coordenação nacional, constituída, nomeadamente, por uma coordenadora nacional C, responsável pela área imobiliária e de seguros, que respondia perante a gerência, à qual se seguia uma coordenação regional composta por cerca de 6 coordenadores regionais.
10. No âmbito do propósito de expansão da rede e tendo em vista o recrutamento de coordenadores regionais, no início de 2017, a mencionada C contactou o réu B, que usa o nome profissional B, através das redes sociais.
11. Na altura, o réu tinha uma experiência profissional de cerca de 17 anos, fruto do trabalho exercido em instituições bancárias, empresas de telecomunicações e em diversas empresas de mediação imobiliária, que incluíram a consultoria imobiliária, formação de colaboradores e a gestão de equipas.
12. O réu nasceu em …-…-1975 e é licenciado em ciências da comunicação desde 1999.
13. O réu, antes de se relacionar profissionalmente com a autora, trabalhou, designadamente, na F, como gestor de clientes e atendendo o público, no G, ACE e na H, S.A., como gestor de sistemas informáticos, e, a partir de 2010, exerceu diversas funções em sociedades de mediação imobiliária, nomeadamente, associadas às marcas “Remax” e “Century XXI”, como consultor imobiliário, formador e director comercial.
14. O perfil profissional, competências e conhecimentos do réu, nomeadamente, a sua experiência no mercado imobiliário e ter trabalhado no sector bancário, fez com que a autora se interessasse neste para o exercício das funções de coordenador regional.
15. A autora pretendia que o réu, com a sua experiência, a ajudasse a desenvolver e fazer crescer o seu negócio, designadamente, na gestão e expansão da sua rede de mediação imobiliária, então ainda pouco desenvolvida.
16. A autora e o réu, no seguimento dos contactos mantidos através da coordenadora nacional, subscreveram o escrito denominado “Contrato de Agência Coordenação”, junto como doc. n.º 3 com a p.i., datado de 03-05-2017, no qual constam, respectivamente, como 1.º contraente a “Decisões e Soluções – Consultores Financeiros, Lda.”, como 2.º contraente a autora e como 3.º contraente o réu, aí identificado como “Agente”.
17. Consta, nomeadamente, do referido documento o seguinte:
«Entre os contraentes atrás identificados é celebrado do presente Contrato de Agência, o qual se regerá pelas seguintes considerandos e cláusulas:
Considerando que:
A) A Primeira Contraente tem no seu objeto social o exercício das atividades de consultadoria financeira e mediação de seguros, encontrando-se devidamente habilitada para o efeito:
B) A Segunda Contraente tem no seu objeto social o exercício das atividades de consultadoria financeira, mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis, encontrando-se devidamente habilitada para o efeito;
C) A Primeira e Segunda Contraentes usam, em conjunto, a marca “Decisões e Soluções”
D) O “Agente” conhece a atividade e modelo de negócio das Primeira e Segunda Contraentes e pretende integrar a rede de agentes coordenadores das Primeira e Segunda Contraentes;
(…)
Cláusula Segunda
(Agente)
1 – Pelo presente contrato, a Primeira Contraente nomeia e reconhece o Terceiro Contraente como seu “Agente” com a função de Coordenação em Território Nacional, para as áreas de consultadoria financeira.
2 - Pelo presente contrato, a Segunda Contraente nomeia e reconhece o Terceiro Contraente como seu “Agente” com a função de Coordenação em Território Nacional, para as áreas de mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis.
3 – O “Agente” é detentor de conhecimentos técnicos, experiência e capacidade de iniciativa que a habilitam a dar cumprimento ao objecto do presente contrato e prosseguir os fins pretendidos pela Primeira e Segunda Contraentes, facto que constitui condição essencial para a celebração do presente Contrato.
4 – O “Agente” deve respeitar as instruções e linhas gerais de conduta definidas pelas Primeira e Segunda Contraentes relacionadas com o objeto do presente contrato que não ponham em causa a sua autonomia. (…)
Cláusula Terceira
(Objeto)
1 – No exercício da sua atividade, o “Agente” ficará encarregado de promover, de modo autónomo e estável, a celebração de Contratos de Agência e Subagência, entre quaisquer pessoas singulares ou coletivas e a Primeira e Segunda Contraentes, os quais se incluem no âmbito das atividades levadas a cabo por estas e identificadas na Cláusula Primeira do presente contrato.
2 – Constitui, de modo especial, obrigação do “Agente” dirigir e coordenar a atividade da rede de Agentes e Subagentes das Primeira e Segunda Contraentes sob a sua orientação, designadamente fazendo-os cumprir os deveres e obrigações contratualmente assumidos perante as Primeira e Segunda Contraentes.
Cláusula Quarta
(Obrigações Gerais da Agente)
Constituem obrigações do “Agente”, no âmbito do presente contrato:
a) Angariar ativamente pessoas individuais ou colectivas para celebrarem contratos de Agência e Subagência com as Primeira e Segunda Contraentes;
b) Apoiar de forma proactiva os Agentes a recrutarem pessoas individuais para celebrarem contratos de Subagência com as Primeira e Segunda Contraentes;
c) Ajudar os Agentes por si recrutados, ou sob a sua orientação, a encontrarem espaço físico que reúna as condições necessárias para a implementação do “layout” definido pelas Primeira e Segunda Contraentes;
d) Acompanhar a implementação do projecto de arquitectura, “layout”, bem como de todo o mobiliário previamente definido pelas Primeira e Segunda Contraentes;
e) Ministrar formação aos Agentes e Subagentes de acordo com a metodologia de trabalho definida pelas Primeira e Segunda Contraentes;
f) Fazer os Agentes e Subagentes cumprir todos os deveres e obrigações estabelecidos no contrato de Agência e Subagência celebrado entre estes e as Primeira e Segunda Contraentes;
g) Seguir e cumprir fielmente as normas, metodologias e orientações estratégicas definidas pelas Primeira e Segunda Contraentes, quer referentes ao modelo de funcionamento do negócio, quer as referentes ao relacionamento com os clientes;
h) Dar todo o apoio necessário aos Agentes, por forma a que cada um deles consiga atingir o objectivo mínimo de Euro 10.000,00 (dez mil euros) de facturação mensal;
i) Visitar, mensalmente, todas as agências sob a sua orientação e sempre que se afigure necessário;
j) Reunir-se pelo menos uma vez por mês com todos os Agentes sob a sua orientação e/ou sempre que se afigure necessário;
k) No caso de algum Agente ou Subagente cessar o seu contrato com as Primeira e Segunda Contraentes., alocar os processos de clientes que lhes estavam confiados a outros Agentes ou Subagentes, assegurando, sempre, a regular continuidade do processo e o melhor serviço ao cliente;
l) Actualizar, diariamente, com informação completa e verdadeira, o Programa de Gestão, preenchendo todos os campos relativos à actividade dos coordenadores, nomeadamente: visitas, reuniões efectuadas, acções de formação ministradas, dificuldades identificadas, soluções apresentadas e ponto de situação de cada agência;
m) Apresentar mensalmente às Primeira e Segunda Contraentes, até ao último dia de cada mês, uma relação de todos os contratos de Agencia e Subagência angariados e assinados, bem como entregar os respectivos originais dos contratos e de todos os documentos relevantes e ainda prestar contas dos respectivos montantes de direitos de ingresso pagos às Primeira e Segunda Contraentes;
n) Enviar o planeamento semanal com uma semana de antecedência, bem como os relatórios das Visitas no dia seguinte à realização das mesmas;
o) Não contratar Subagentes seus, sem o expresso consentimento das Primeira e Segunda Contraentes.
Cláusula Quinta
(Suporte Documental)
1 – As Primeira e Segunda Contraentes garantirão ao “Agente” suporte documental institucional necessário ao bom desempenho da atividade desta, designadamente, guiões, manuais, propostas, contratos, cartões, envelopes, papel timbrado e impressos com o logótipo das Primeira e Segunda Contraentes.
2 – O “Agente” não poderá utilizar quaisquer documentos ou meios promocionais que não sejam previamente indicados ou autorizados pelas Primeira e Segunda Contraentes.
3 – Todos os documentos ou especificações técnicas referentes à atividade e organização da “Decisões e Soluções” são da exclusiva propriedade das Primeira e Segunda Contraentes e devem ser devolvidos às suas legítimas proprietárias no prazo de oito dias a contar da data da cessação do presente contrato. (…).
Cláusula Sexta
(Acesso à Base de Dados)
O “Agente” terá acesso à base de dados das Primeira e Segunda Contraentes através de um login e password que por aquelas lhe serão atribuídos, tendo acesso a toda a informação constante na respetiva aplicação informática, e ficando responsável pela respetiva utilização e zelando pela máxima confidencialidade de todos os dados existentes, obrigação que se manterá mesmo após eventual cessação de qualquer relação contratual.
Cláusula Sétima
(Comissões)
1 – Sobre os contratos celebrados entre as Primeira e Segunda Contraentes e quaisquer pessoas singulares ou coletivas angariadas, ou sob orientação do “Agente”, terá este direito à remuneração (comissão), conforme Anexo I, que ficará a fazer parte integrante do presente contrato.
(…)
3 – Fica expressamente convencionado que as comissões são calculadas com base na atividade dos agentes que estejam sob a coordenação da Terceira Contraente.
Semestralmente, as Primeira e Segunda Contraentes atualizarão a listagem dos agentes que serão coordenados pelo Terceiro Contraente e sobre os quais este terá direito às comissões fixadas.
4 – O pagamento pela Primeira e Segunda Contraentes das comissões devidas ao “Agente” deverá ocorrer no dia 26 de cada mês, relativamente às importâncias que, até ao último dia útil do mês anterior, hajam sido escriturados nas Instituições de Crédito ou Financeiras protocoladas ou hajam sido recebidas dos clientes ou entidades protocoladas, conforme o disposto no Anexos I.
(…)
Cláusula Nona
(Duração do Contrato)
1 – O presente contrato entrará em vigor em 2 (dois) de Maio de 2017 e terá uma duração de 2 (dois) anos, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos, caso não seja denunciado por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 60 dias em relação ao termo do prazo em curso.
(…)
Cláusula Décima
(Exclusividade e Não Concorrência)
1 – O “Agente” obriga-se a exercer as atividades abrangidas pelo objeto do presente contrato, ou que resultem de eventuais aditamentos, em exclusiva para as Primeira e Segunda Contraentes.
2 – A obrigação de exclusividade compreende, nomeadamente:
a) estar vedado ao “Agente” a possibilidade de celebrar directamente com clientes contratos para a prestação de serviços no âmbito da actividade de consultadoria financeira, contratos de mediação de seguros, mediação imobiliária, mediação de obras e de construção de imóveis, salvo autorização expressa dada por escrito pelas Primeira e Segunda Contraentes;
b) estar vedado ao “Agente” a possibilidade de assinar, em nome próprio ou em representação das Primeira e Segunda Contraentes, qualquer contrato, acordo ou protocolo com instituições de Crédito ou Financeiras, Empresas de Seguros ou de Mediação de Seguros e Empresas que se dediquem às actividade de Mediação Imobiliária, realização de obras e construção de imóveis, para o exercício das atividades objecto do presente contrato, independentemente destas terem, ou não, protocolos ou outros tipos de acordos celebrados com as Primeira ou Segunda Contraentes, não podendo ainda o “Agente” negociar com elas qualquer tipo de contrato a celebrar pelos clientes, devendo, se e quando contactado por estas entidades, encaminhar imediatamente o assunto para as Primeira e Segunda Contraentes;
c) estar vedada ao “Agente” a participação, directa ou indirectamente, em qualquer outro projecto dentro do sector de actividade das Primeira e Segunda Contraentes, durante o período de vigência do presente contrato. A obrigação prevista nesta alínea abrange, nomeadamente, a não realização, directa ou indirectamente, de qualquer das seguintes actividades: deter, gerir, operar, controlar, participar na qualidade de investidor, administrar, trabalhar, prestar serviços de consultoria ou outros, em quaisquer sociedades com actividades directamente concorrentes com as actualmente exercidas pela Primeira e Segunda Contraentes.
3 - O “Agente” obriga-se a não concorrer, directa ou indirectamente, e em todo o território nacional, com as Primeira e Segunda Contraentes, até um máximo de dois anos após a cessação do presente contrato, por qualquer meio.
4 - A obrigação de não concorrência abrange todas as situações identificadas no n.º 2 da presente cláusula, que se verifiquem após a cessação do contrato, e inclui ainda a proibição de empregar ou contratar qualquer pessoa que haja sido, no ano anterior à cessação do presente contrato, trabalhador, agente, subagente, consultor ou representante das Primeira e Segunda Contraentes.
5 - Em caso de violação do compromisso de exclusividade e não concorrência, previstos nesta cláusula, o “Agente” fica obrigado a indemnizar a Primeira ou a Segunda Contraente, consoante o caso, a título de cláusula penal livremente aceite e irrevogável, pelas seguintes quantias:
a) A Primeira Contraente, em montante não inferior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ou pela quantia correspondente a 80% (oitenta por cento) das comissões recebidas nos doze meses anteriores à data em que for constituída a obrigação, conforme o que for maior, sem prejuízo do dano excedente que se venha a provar;
b) a Segunda Contraente, em montante não inferior a € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) ou pela quantia correspondente a 80% (oitenta por cento) das comissões recebidas nos doze meses anteriores à data em que for constituída a obrigação, conforme o que for maior, sem prejuízo do dano excedente que se venha a provar.
6 - Indemnizações de igual valor são conferidas à Primeira e Segunda Contraentes no caso de o “Agente” ter praticado factos que constituíssem direito de aquelas resolverem o contrato com justa causa.
Cláusula Décima Primeira
(Obrigação de Sigilo)
1 - Todos os documentos ou especificações técnicas referentes à atividade e organização da “Decisões e Soluções” são da exclusiva propriedade das Primeira e Segunda Contraentes e não poderão ser utilizados, copiados, reproduzidos ou dados a conhecer a terceiros sem o seu conhecimento expresso.
2 - O “Agente”, na vigência ou após a cessação do presente contrato, não revelarão a terceiros, nem utilizarão em nome próprio, os segredos que as Primeira e Segunda Contraentes lhe hajam confiado ou de que tenham tomado conhecimento no exercício da sua atividade, nem os conteúdos ou informação constantes das suas bases de dados, reconhecendo o “Agente” o caráter essencial que esta obrigação reveste para a celebração do contrato por parte das Primeira e Segunda Contraentes.
3 - Nos termos e para os efeitos do disposto nesta cláusula, presume-se que ocorrerá violação da obrigação de sigilo sempre que nos dois anos posteriores à cessação do contrato:
a) o “Agente” se dedique a atividade similar à das Primeira e Segunda Contraentes;
b) o “Agente” detenha participações sociais em sociedade que se dedique a atividade simular à das Primeira e Segunda Contraentes;
c) o “Agente” trabalhe ou colabore de qualquer forma, independentemente da natureza do contrato, com qualquer entidade que se dedique a atividade similar à das Primeira e Segunda Contraentes.
(…)
Cláusula Décima Quarta
(Legislação Aplicável)
1 – Em tudo o que não estiver especificamente previsto no presente contrato, observar--se-á o disposto na legislação portuguesa aplicável, nomeadamente no D.L. nº 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo D.L nº 118/93, de 13 de Abril.
2 – Caso alguma cláusula do presente contrato venha a ser considerada, total ou parcialmente, inválida, as Contraentes desenvolverão esforços para alterar o seu teor em conformidade com a lei e a vontade das partes, mantendo-se válidas e vigor as restantes disposições.
Declaração
O Terceiro Contraente declara que o presente contrato foi-lhe comunicado com a devida antecedência e depois de lido e por estar conforme com a vontade de todos os Contraentes, vai o mesmo ser assinado em triplicado, ficando um exemplar para cada um dos Contraentes.»
18. Nos termos do Anexo I ao contrato, a remuneração devida ao réu correspondia a “uma comissão mensal calculada por referência ao montante efectivamente recebido pela Primeira e Segunda Outorgante decorrente da execução dos contratos de consultoria financeira, mediação imobiliária, mediação de obras e construção de imóveis pelos Agentes que estejam sob a sua coordenação”.
19. De acordo com o aí estipulado, a comissão devida ao réu incluía uma parte variável relacionada com a angariação pelo réu de contratos de agência, valor do direito de entrada recebido pela Primeira Outorgantes e respectivo número de contratos assinados mensalmente com a Primeira e Segunda Outorgantes.
20. A remuneração do réu encontrava-se, nomeadamente, dependente da actividade e rentabilidade dos agentes ou lojas que se encontrassem sob a sua coordenação, os quais eram definidos e revistos pela autora periodicamente, tendo em conta um critério de proximidade da área de residência do réu e atendendo ao nível de resultados de cada agência/loja.
21. Após uma primeira entrevista pela autora ao réu, numa segunda reunião, o referido escrito foi apresentado pela autora ao réu, já elaborado, sob forma de uma minuta.
22. O réu, previamente à sua assinatura, recebeu a referida minuta desse escrito que levou para casa, tendo afirmado que a iria mostrar a um amigo advogado.
23. O réu questionou a autora sobre a possibilidade do contrato ser alterado, nomeadamente, no que se refere à cláusula de exclusividade e não concorrência, tendo a coordenadora nacional da autora declarado que esta era inegociável.
24. O réu veio a assinar o referido escrito, aceitando o conteúdo dos deveres e obrigações a que o mesmo se referia.
25. Entre a autora e o réu foram discutidas as funções a exercer e as obrigações que emergiam do contrato para o réu, incluindo as relativas à angariação activa de pessoas singulares ou colectivas para celebrarem os denominados contratos de agência ou subagência com a autora, por referência a gestores de lojas ou consultores da área de mediação imobiliária.
26. O escrito apresentado ao réu pela autora é semelhante a outros que esta apresenta a pessoas com quem contrata, sob a denominação de “agentes” ou “subagentes”, não havendo, também nesses casos, e apesar dos valores da cláusula penal serem inferiores aos do contrato celebrado com o réu, disponibilidade para modificar essa cláusula.
27. O negócio da autora, nomeadamente, no que se refere à actividade de mediação imobiliária, assenta num modelo contratual baseado na celebração de denominados contratos de agência e subagência com as pessoas singulares ou colectivas que integram a sua rede, estando esta organizada numa estrutura em pirâmide que tem no topo a gerência da autora, sem que tal coincida com o modo de funcionamento de entidades concorrentes.
28. No seguimento da celebração do contrato, a autora transmitiu ao réu a metodologia, procedimentos e objectivos da sua actividade, bem como a sua forma de actuação no mercado e estratégia comercial por si seguida.
29. Tal incluiu a transmissão de informação e do desempenho das funções específicas de coordenador regional, por forma a que o réu pudesse prestar apoio e dar formação aos agentes e subagentes que se encontravam sob a sua alçada.
30. Foi facultado pela autora ao réu o acesso às suas bases de dados informáticas, através de um login e uma password pessoais.
31. Foi-lhe criado e concedido um email institucional, identificativo da sua integração na denominada rede “Decisões e Soluções”.
32. O réu era quem suportava, a suas expensas, os custos com as deslocações que realizava no exercício da sua actividade, recorrendo, nomeadamente, a automóvel próprio, sem que a autora contribuísse com qualquer montante.
33. O réu utilizava para o exercício da sua actividade um computador e um telemóvel pessoal, sem que a autora tivesse tido qualquer intervenção a este respeito.
34. A autora partilhou ou deu acesso ao réu ao conteúdo dos protocolos por si celebrados com parceiros no ramo do imobiliário, construção e obras.
35. Ao longo do período de duração do contrato, o réu participou em acções de formação e sessões de esclarecimento, promovidas e suportadas pela autora.
36. Nessas formações participavam, muitas vezes, igualmente agentes e subagentes, tendo estas tido por objecto, nomeadamente, alterações e actualizações legislativas, procedimentos decorrentes da pandemia e outras que serviam, inclusive, para o réu poder exercer as suas funções de coordenador e dar formação aos agentes e subagentes que estavam sob a sua coordenação.
37. O réu, enquanto coordenador regional e em favor da autora:
- apoiou os agentes a recrutarem pessoas individuais para celebrarem contratos de subagência;
- ajudou os agentes a encontrar espaços físicos para desenvolvimento da actividade com implementação de layout próprio da autora;
- ministrou formação aos agentes e subagentes;
- promoveu a apresentação dos agentes às instituições bancárias e parabancárias com quem a autora tinha protocolo;
- visitou agências;
- promoveu reuniões com agentes sempre que se afigurou necessário;
- dirimiu problemas entre agentes e parceiros.
38. O réu, apesar do clausulado no contrato, não veio a recrutar qualquer agente ou subagente para celebrar contratos de agência ou subagência com a autora ou para prestar serviços em qualquer uma das agências, sendo tal recrutamento feito pelos agentes e directores de agência e pelos responsáveis de expansão da autora.
39. O réu colaborou, no entanto, no processo de recrutamento e em entrevistas de candidatos a agentes para a rede da autora.
40. O réu participava, pelo menos mensalmente, em reuniões de trabalho com a coordenadora nacional, dando o seu contributo para a definição das actividades das agências da rede sob a sua coordenação, à semelhança do que sucedia com os demais coordenadores regionais.
41. O réu apresentava à autora, na pessoa da sua coordenadora, o planeamento das suas actividades com uma periodicidade quinzenal, incluindo as agências que iria visitar.
42. O réu elaborava relatórios periódicos da produção da sua actividade como coordenador regional que apresentava à autora.
43. O réu executou as funções de coordenação e de supervisão da actividade das agências, dos agentes e subagentes que se encontravam sob a sua coordenação, sob as orientações e directrizes da autora.
44. O réu, pelas funções de coordenador regional que exercia, tinha acesso a informações que não se encontravam disponíveis aos agentes e subagentes da rede, nem a terceiros.
45. O réu tinha acesso aos negócios realizados pela autora, identificação e informação dos seus clientes e respectivos contactos, bem como dos seus parceiros de negócios, em particular, no que se refere aos negócios levados a cabo pelas agências sob a sua coordenação.
46. O réu, por virtude das funções de coordenador regional, tinha contacto próximo com o gerente da autora e com a coordenadora nacional, dispondo de informação sobre a gestão da rede Decisões e Soluções, suas politicas e perspectivas e planos de expansão, negociação de protocolos, objectivos e resultados financeiros.
47. O réu, em virtude das funções de coordenador que exerceu e atento o período de tempo em que as exerceu, tinha um conhecimento profundo e abrangente das áreas de negócio exercidas pela autora.
48. A autora definia as políticas comerciais e de gestão a que a actividade de coordenação do réu estava sujeita, transmitindo ao réu, directamente ou através da coordenadora nacional, as directrizes e orientações que, em cada momento, entendia emitir.
49. A autora, no período de duração do contrato, não detinha ou exerceu sobre o réu qualquer acção ou poder disciplinar.
50. Ao réu foi atribuída pela autora a coordenação de diversas agências, num número aproximado entre 10 a 15 agências, situadas em diversas cidades da zona de Lisboa e do centro do território nacional, agências estas que o réu efectivamente coordenou.
51. Ao longo do período de duração do contrato, o número e agências concretamente coordenadas pelo réu foi sendo modificado, nomeadamente, devido à reorganização das coordenações regionais.
52. Foi a autora quem, no início do contrato e ao longo do tempo de duração destes, determinou as agências que o réu coordenou, tendo tal merecido a anuência deste.
53. Ao longo desse período, o réu apoio e ajudou os agentes e subagentes sob a sua alçada, orientando a sua actividade, acompanhando e intervindo na abertura de agências, ministrando-lhes formação, transmitindo-lhes as normas, metodologias e orientações estratégicas definidas pela autora, quer referentes ao modelo de funcionamento do negócio, quer as referentes ao relacionamento com os clientes.
54. O réu, no âmbito da sua activdade, incentivava os agentes e subagentes sob a sua coordenação a superarem os objectivos de facturação instituídos e informava regularmente a autora do estado de cada agência e o resultado da sua coordenação.
55. Em Janeiro de 2021, o réu manifestou à autora a sua intenção de se desvincular da rede “Decisões e Soluções”.
56. Atenta esta intenção de desvinculação manifestada pelo réu, as partes chegaram a acordo quanto à cessação do contrato, com efeitos reportados a 15-03-2021.
57. No seguimento desse acordo, a autora por carta registada com aviso de recepção dirigida ao réu, datada de 09-03-2021, remetida para a morada convencionada no contrato, e igualmente enviada ao réu por email da mesma data, sob o assunto “Denúncia do contrato de coordenação regional celebrado com a Decisões e Soluções”, escreveu o seguinte:
«(…)
Ora, atendendo à intenção de desvinculação manifestada por V. Exa. e considerando o acordo alcançado entre todas as partes, informamos que o contrato que foi celebrado em 03 de Maio de 2017, será rescindido no próximo dia 15 de Março de 2021.
Em virtude do exposto, nessa data serão cortados os acessos ao programa de gestão, à caixa de correio eletrónica e demais mecanismos postos ao dispor de V. Exa. Relembramos que todos os elementos formais (nome da empresa, marca, logótipo, sinalética, mercanhdising, cartões, etc.) que representam visualmente a imagem da “Decisões e Soluções”, deverão ser destruídos. (…)
Relembramos que, em virtude do contrato de exclusividade celebrado com a “Decisões e Soluções”, V. Exa está proibida de prestar serviços a outras pessoas, singulares ou coletivas, que desempenhem atividade concorrente com a da “Decisões e Soluções”, pelo que não poderá, legalmente, ter qualquer vinculo semelhante com qualquer outra entidade empregadora, nos vinte e quatro meses seguintes à presente cessação. Se V. Exa. violar esta obrigação de não concorrência, de forma direta ou indireta, terá de pagar à Decisões e Soluções uma indemnização que poderá ascender a 300.000,00€ (trezentos mil euros), por força da aplicação das cláusulas penais contratualmente previstas no n.º 5 da Cláusula Décima.»
58. O réu, pelo menos desde a segunda quinzena de Março de 2021, passou a prestar serviços de consultoria e mediação imobiliária, a título profissional, integrado na rede “Remax”, através da empresa “FCGM – sociedade de mediação imobiliária, S.A.” que tem por escopo lucrativo, entre o demais, a realização de actividades de mediação, exploração, angariação, avaliação e promoção imobiliária e que se encontra licenciada junto do IMPIC para o exercício da actividade de mediação imobiliária, sendo titular da Licença AMI n.º 5086.
59. Desenvolve a sua actividade, girando no mercado sob a designação “Remax Siimgroup Capital” e, entre o mais, através de um estabelecimento aberto ao público sito na ....
60. A “Remax Siimgroup Capital” faz parte do “Siimgroup”, que é um conjunto de empresas que atuam no mercado imobiliário desde 2001, inseridas na rede “Remax”, com competências específicas na mediação imobiliária, gestão de arrendamento, consultoria financeira, intervenção urbana, obras e apoio a investidores estrangeiros.
61. Em finais de Março de 2021, no exercício das suas funções profissionais ao serviço da “FCGM – Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.”, o réu, na rede social “Facebook” e bem assim na sua página pessoal do “Linkedin”, alterou a suas imagens de capa para uma imagem com publicidade alusiva à “Remax Siimgroup Real Estate” e respectivo logotipo, onde se indicam os seus contactos enquanto agente “Remax” integrado na equipa de I e J, em concreto, o seu contacto telefónico e o e-mail ...
62. Tais contactos constam ainda da página de internet institucional na “Remax Siimgroup Real Estate” onde o réu surge como integrado na equipa de consultores imobiliários daquela empresa.
63. O réu, fazendo igualmente uso das referidas páginas públicas do Facebook e do Linkedin, desde os finais de Março de 2021, que anuncia, publicita e difunde nas redes sociais, imóveis para venda/ arrendamento e com o objectivo de angariar clientes e negócios no segmento da mediação imobiliária para a “Remax” e anuncia os negócios que vai concretizando.
64. O réu, logo após o termo do contrato celebrado com a autora, vem-se dedicando, pelo menos, à prospecção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes, gestão de equipas e celebração de contratos de mediação imobiliária.
65. O réu, durante o período de duração do contrato em causa nos autos, auferiu, a título de remuneração, a quantia total de € 144.945,31, dos quais € 112.329,03 foram liquidados pela autora.
66. Tal remuneração era facturada pela sociedade “Chama Imensa. Lda.”, criada para esse efeito pelo réu por razões fiscais, da qual era igualmente sócia a sua mãe, sendo o valor das comissões liquidado pela autora e outras sociedades com a denominação “Decisões e Soluções”.»
*
Na sentença, foram dados como não provados os seguintes factos:
«A. O contacto do réu foi incluído no site da autora www.decisoesesolucoes.com e em diversas acções publicitárias.
B. O réu, enquanto coordenador regional, realizou para a autora serviços de angariação de pessoas colectivas ou singulares para a celebração de contratos de agência.
C. O réu, faz angariação e/ ou mediação de obras, procurando negócios nessa área para a “FCGM – Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A.” na área da construção civil, remodelação e reconstrução de imóveis.
D. O réu levou consigo informações e contactos de clientes e potenciais clientes (“leads”) da autora, assim sonegando negócio à autora e aos seus agentes e subagentes, que o réu coordenava.
E. O réu chamou a atenção da autora do documento contratual que lhe era proposto não se adaptava àquilo que ambas as partes pretendiam uma da outra.
F. O réu conformou-se com a completa dislexia daquele documento e assinou-o.
G. O réu executou as funções de coordenação e de supervisão da actividade das agências, dos agentes e subagentes sob as ordens e o comando da autora.
H. A autora determinava os locais onde o réu prestava o seu trabalho, cujo planeamento semanal estava sujeito a prévia aprovação da autora.
I. Na data em que o réu celebrou o contrato com a autora, a rede de agências de que ficou coordenador encontrava-se consolidada e sedimentada no mercado, fruto do trabalho desenvolvido pelos agentes e subagentes recrutados pela autora.
J. Ao longo da relação contratual celebrada entre o autor e o réu, sempre foi a autora a determinar, de modo unilateral, as funções a exercer pelo réu e a área geográfica onde o mesmo devia prestar a actividade profissional acordada com a autora.
K. A escolha dos locais onde funcionavam as agências, a arquitectura e o layout dos respectivos espaços comerciais competia aos directores de agência, sem qualquer interferência com o réu.»
*
Nas conclusões recursivas, o recorrente especificou os pontos 20, 58 e 64 da matéria de facto provada e a alínea G da matéria de facto não provada como incorretamente julgados.
É de salientar que, na alegação, o recorrente afirmou que “a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não implica a reapreciação da prova gravada”.
O ponto 20 da matéria de facto provada é do seguinte teor:
“A remuneração do réu encontrava-se, nomeadamente, dependente da actividade e rentabilidade dos agentes ou lojas que se encontrassem sob a sua coordenação, os quais eram definidos e revistos pela autora periodicamente, tendo em conta um critério de proximidade da área de residência do réu e atendendo ao nível de resultados de cada agência/loja.”
No entender do recorrente, atentos os pontos 38, 51 e 52 da matéria de facto provada e a alínea B da matéria de facto não provada, devem ser eliminadas do ponto 20 da matéria de facto provada as expressões “nomeadamente” e “tendo em conta um critério de proximidade da área de residência do réu”.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
“foi incluído na matéria de facto provada a parte do clausulado do contrato que se entendeu poder ter relevância para a decisão da causa, e bem assim, uma descrição geral da forma de remuneração acordada no respectivo anexo I (cfr. factos provados n.º 16, 17, 18, 19 e 20)”.
Do anexo I resulta que o ponto 20 da matéria de facto provada diz respeito à remuneração a que alude o ponto 18 da matéria de facto provada e, nesse anexo, não há alusão ao “critério de proximidade da área de residência do réu”.
Assim, o ponto 20 da matéria de facto provada passará a ter a seguinte redação:
A remuneração do réu a que alude o ponto 18 encontrava-se dependente da atividade e rentabilidade dos agentes ou lojas que se encontrassem sob a sua coordenação - os quais eram definidos e revistos pela autora periodicamente -, atendendo ao nível de resultados de cada agência/ loja.
Os pontos 58 e 64 da matéria de facto provada são, respetivamente, do seguinte teor:
- «O réu, pelo menos desde a segunda quinzena de Março de 2021, passou a prestar serviços de consultoria e mediação imobiliária, a título profissional, integrado na rede “Remax”, através da empresa “FCGM – sociedade de mediação imobiliária, S.A.” que tem por escopo lucrativo, entre o demais, a realização de actividades de mediação, exploração, angariação, avaliação e promoção imobiliária e que se encontra licenciada junto do IMPIC para o exercício da actividade de mediação imobiliária, sendo titular da Licença AMI n.º 5086.»
- “O réu, logo após o termo do contrato celebrado com a autora, vem-se dedicando, pelo menos, à prospecção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes, gestão de equipas e celebração de contratos de mediação imobiliária.”
No entender do recorrente, por falta de rigor quanto às funções do R., deve ser eliminada daqueles pontos a expressão “mediação imobiliária”.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
«ainda que formalmente impugnado na contestação, resultou demonstrado, desde logo, por tal ter sido assumido pelo réu nas suas declarações de parte, ter este ido trabalhar na área de mediação imobiliária por conta de uma outra sociedade, pelo menos, imediatamente a seguir à cessação dos efeitos do contrato celebrado com a autora (cfr. factos provados n.º 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64), …
Assim, e para além das declarações do réu que esclareceu os termos e o vínculo que passou a ter com uma sociedade que se dedica à mediação imobiliária, a qual opera sob a denominação “Remax” e que tem como funções a consultoria imobiliária num segmento de prestígio, resultou dos diversos documentos juntos com a p.i., ter o réu passado a apresentar--se comercialmente, nomeadamente, nas redes sociais, como colaborador da “Siimgroup” e a promover a venda de casas. Por conseguinte, sem prejuízo das especificidades contratuais e da forma de actuação do réu a que se referiu o próprio e que foram, nomeadamente, contextualizadas pelas testemunhas L e M, ficou provado que o réu se passou a dedicar, pelo menos, à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, …»
Da fundamentação transcrita resulta que é a sociedade FCGM e não o R. quem presta os serviços de mediação imobiliária.
Os pontos 58 e 64 da matéria de facto provada devem, pois, passar a ter a seguinte redação, respetivamente:
- O R., pelo menos desde a segunda quinzena de Março de 2021, passou a prestar serviços de consultoria imobiliária, a título profissional, integrado na rede “Remax”, através da empresa “FCGM - sociedade de mediação imobiliária, S.A.” que tem por escopo lucrativo, entre o demais, a realização de atividades de mediação, exploração, angariação, avaliação e promoção imobiliária e que se encontra licenciada junto do IMPIC para o exercício da atividade de mediação imobiliária, sendo titular da Licença AMI nº 5086.
- O R., logo após o termo do contrato celebrado com a A., vem-se dedicando, pelo menos, à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e gestão de equipas.
A alínea G da matéria de facto não provada é do seguinte teor:
“O réu executou as funções de coordenação e de supervisão da actividade das agências, dos agentes e subagentes sob as ordens e o comando da autora.”
No entender do recorrente, deve ser eliminada essa alínea, porque «considerar como não provado o Facto G. não é compatível com a decisão de considerar como provados os factos 8.; 9.; 14.; 15.; 17. (em especial o nº 2 da Cláusula Terceira e a Cláusula Quarta e Cláusula Décima, Cláusula Décima Primeira do Contrato); 27.; (“rede organizada numa estrutura em pirâmide que tem no topo a gerência da autora (Paulo Abrantes)”; 28., 29., 35., 36., 37., 40., 41., 42., e 43. dos factos provados».
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, pode ler-se:
«Ficou, pois, o tribunal convencido, atenta a prova testemunhal produzida e à forma como foi descrita pelos agentes a actuação do réu que com estes contactava, que este não se encontrava, efectivamente, sujeito a ordens da autora, tendo liberdade e autonomia na definição concreta do exercício dessas funções, nomeadamente, por forma a exercer as suas funções de coordenação, sem prejuízo do dever de seguir as instruções, orientações e directrizes dadas pela autora (cfr. factos provados n.º 43, 48, 49), e que se inseriam e compreendiam no objecto do contrato celebrado (cfr. cláusulas 3.º, n.º 2, e 4.ª, al, g) do contrato), e que serviam para a melhor execução do desempenho de toda a rede, sem que se tenha concluído existir um concreto dever de obediência.
A este respeito resultou, aliás, das próprias declarações do réu não entender este, ou qualquer das testemunhas ouvidas a este respeito, que houvesse um poder de direcção da autora, pelo menos, em termos equivalentes a uma relação laboral, porquanto, conforme ficou demonstrado, inexistia qualquer poder disciplinar ou sanção prevista para o caso de não ser seguida uma instrução, nem decorreu da prova produzida ter sido emitida uma ordem a que o réu, por via de qualquer relação de subordinação, tivesse de seguir.
Também resultou, em termos complementares, da prova produzida inexistir qualquer horário de trabalho, regime de faltas ou férias, que comprovasse essa forma de organização, nem o modo como a remuneração foi acordada o indicia pelo que, sem prejuízo de se tratar de matéria a analisar em sede de subsunção jurídica, entendeu o tribunal não ter o réu logrado provar que actuasse sob as ordens e comando da autora no sentido que visou sustentar na contestação (cfr. facto não provado G).»
“A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso o facto conclusivo deve ser havido como não escrito, ... No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 9 de setembro de 2014, no processo 5146/10.4TBCSC.L1.S1).
«… os factos meramente conclusivos, quando constituam "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis" podem ainda integrar o acervo factual, "apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum"» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 19 de janeiro de 2023, no processo 15229/18.7T8PRT.P1.S1).
Da própria fundamentação do tribunal recorrido se extrai a natureza conclusiva do facto vertido na alínea G da matéria de facto não provada que traduz a resposta antecipada à questão da existência ou não de subordinação jurídica.
É, pois, de eliminar a alínea G da matéria de facto não provada.
Pelo exposto, procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, passando a matéria de facto provada a ter a seguinte redação:

20. A remuneração do réu a que alude o ponto 18 encontrava-se dependente da atividade e rentabilidade dos agentes ou lojas que se encontrassem sob a sua coordenação - os quais eram definidos e revistos pela autora periodicamente -, atendendo ao nível de resultados de cada agência/ loja.

58. O R., pelo menos desde a segunda quinzena de Março de 2021, passou a prestar serviços de consultoria imobiliária, a título profissional, integrado na rede “Remax”, através da empresa “FCGM - sociedade de mediação imobiliária, S.A.” que tem por escopo lucrativo, entre o demais, a realização de atividades de mediação, exploração, angariação, avaliação e promoção imobiliária e que se encontra licenciada junto do IMPIC para o exercício da atividade de mediação imobiliária, sendo titular da Licença AMI nº 5086.

64. - O R., logo após o termo do contrato celebrado com a A., vem-se dedicando, pelo menos, à prospeção e angariação de clientes com vista à celebração de contratos de mediação imobiliária, gestão da carteira de clientes e gestão de equipas.

A matéria de facto não provada passa a ter a seguinte redação:

G. (eliminado)

*
Resulta da matéria de facto provada que «a autora e o réu, …, subscreveram o escrito denominado “Contrato de Agência Coordenação”».
No entanto, na alegação recursiva, o recorrente defendeu terem as partes celebrado um contrato de trabalho.
Conforme decorre do disposto no art. 1º nº 1 do DL 178/86, de 3 de julho, com as alterações introduzidas pelo DL 118/93, de 13 de abril, “agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”.
São, pois, elementos essenciais do contrato de agência a obrigação de promover a celebração de contratos; a atuação por conta da outra parte; a autonomia; a estabilidade; e a onerosidade.
Nos termos do art. 7º do DL 178/86, “o agente é obrigado, designadamente:
a) A respeitar as instruções da outra parte que não ponham em causa a sua autonomia;
b) A fornecer as informações que lhe forem pedidas ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão, mormente as respeitantes à solvabilidade dos clientes;
c) A esclarecer a outra parte sobre a situação do mercado e perspetivas de evolução;
d) A prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique”.
A autonomia do agente não é, pois, absoluta.
Nos termos do art. 1152º do C.C., “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”.
A subordinação jurídica é o elemento caracterizador do contrato de trabalho que o distingue de contratos afins, como é o caso do contrato de agência.
“A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 23 de fevereiro de 2005, no processo 04S2268).
Para apurar da existência de subordinação jurídica, a doutrina e a jurisprudência socorreram-se de diversos indícios, sendo que alguns deles foram acolhidos pelo legislador no art. 12º nº 1 do Código do Trabalho, segundo o qual “presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
«Havendo contrato escrito, a vontade das partes expressa no documento, sendo, naturalmente, muito relevante para o juízo qualificativo a formular perante a situação concreta, pode não ser decisiva para a qualificação do contrato, pois que, como se observa no referido Acórdão de 23 de Fevereiro de 2005, citando Heinrich Horster, “[para] a qualificação jurídica de um negócio é decisiva, não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva”.
E, assim, o “nomen juris” de acordos escritos… pode nada querer dizer, se os factos respeitantes ao cumprimento dos contratos vertidos nesses documentos desmentirem o que neles foi declarado, prevalecendo nestas hipóteses a qualificação jurídica dos factos efectivamente sucedidos» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 16 de janeiro de 2008, no processo 07S2713).
Da cláusula terceira do acordo escrito consta o seguinte:
«1 – No exercício da sua atividade, o “Agente” ficará encarregado de promover, de modo autónomo e estável, a celebração de Contratos de Agência e Subagência, entre quaisquer pessoas singulares ou coletivas e a Primeira e Segunda Contraentes, os quais se incluem no âmbito das atividades levadas a cabo por estas e identificadas na Cláusula Primeira do presente contrato.
2 – Constitui, de modo especial, obrigação do “Agente” dirigir e coordenar a atividade da rede de Agentes e Subagentes das Primeira e Segunda Contraentes sob a sua orientação, designadamente fazendo-os cumprir os deveres e obrigações contratualmente assumidos perante as Primeira e Segunda Contraentes.»
Por força da cláusula quarta alínea a), constituía obrigação do R. “angariar ativamente pessoas individuais ou colectivas para celebrarem contratos de Agência e Subagência com as Primeira e Segunda Contraentes”.
Contudo, resulta do ponto 38 da matéria de facto provada que “o réu, apesar do clausulado no contrato, não veio a recrutar qualquer agente ou subagente para celebrar contratos de agência ou subagência com a autora ou para prestar serviços em qualquer uma das agências, sendo tal recrutamento feito pelos agentes e directores de agência e pelos responsáveis de expansão da autora”.
Há, pois, desconformidade entre o formalmente acordado e o realmente executado.
Apesar de estipulada a obrigação de promover a celebração de contratos, o cumprimento do acordo restringiu-se à coordenação de agentes.
É de salientar que o contrato renovou-se automaticamente no dia 2 de maio de 2019, o que é revelador da irrelevância da obrigação de promover a celebração de contratos prevista no acordo escrito.
Afastada, na execução do acordo, a obrigação de promover a celebração de contratos, afastada fica a qualificação da relação das partes como contrato de agência.
Centrando-nos na coordenação de agentes, importa saber se se verifica alguma das características a que alude o art. 12º nº 1 do Código do Trabalho.
A característica prevista na alínea a) desse artigo é a seguinte:
“A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado”.
Conforme estipulado, constituía obrigação do R. “visitar, mensalmente, todas as agências sob a sua orientação e sempre que se afigure necessário”.
Resulta da matéria de facto provada que “ao réu foi atribuída pela autora a coordenação de diversas agências, num número aproximado entre 10 a 15 agências, situadas em diversas cidades da zona de Lisboa e do centro do território nacional”; que, “ao longo do período de duração do contrato, o número e agências concretamente coordenadas pelo réu foi sendo modificado, nomeadamente, devido à reorganização das coordenações regionais”; e que “foi a autora quem, no início do contrato e ao longo do tempo de duração destes, determinou as agências que o réu coordenou, tendo tal merecido a anuência deste”.
Contudo, o R. não logrou provar que “a autora determinava os locais onde o réu prestava o seu trabalho, cujo planeamento semanal estava sujeito a prévia aprovação da autora”.
A característica prevista na alínea b) do art. 12º nº 1 do Código do Trabalho é a seguinte:
“Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade”.
Conforme resulta da matéria de facto provada, “foi facultado pela autora ao réu o acesso às suas bases de dados informáticas, através de um login e uma password pessoais”; e «foi-lhe criado e concedido um email institucional, identificativo da sua integração na denominada rede “Decisões e Soluções”».
No entanto, resulta também da matéria de facto provada que “o réu era quem suportava, a suas expensas, os custos com as deslocações que realizava no exercício da sua actividade, recorrendo, nomeadamente, a automóvel próprio, sem que a autora contribuísse com qualquer montante”; e que “o réu utilizava para o exercício da sua actividade um computador e um telemóvel pessoal, sem que a autora tivesse tido qualquer intervenção a este respeito”.
A característica prevista na alínea c) do art. 12º nº 1 do Código do Trabalho é a seguinte:
“O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma”.
Sobre isto nada consta na matéria de facto provada.
A característica prevista na alínea d) do art. 12º nº 1 do Código do Trabalho é a seguinte:
“Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma”.
Conforme estipulado, «o pagamento pela Primeira e Segunda Contraentes das comissões devidas ao “Agente” deverá ocorrer no dia 26 de cada mês».
Resulta da matéria de facto provada que a comissão mensal devida ao R. “encontrava--se, dependente da atividade e rentabilidade dos agentes ou lojas que se encontrassem sob a sua coordenação”.
É certo que, no contrato de trabalho, por força do art. 261º nº 1 do Código do Trabalho, “a retribuição pode ser certa, variável ou mista”.
No entanto, a retribuição variável, ainda que paga mensalmente, não permite presumir a existência de contrato de trabalho.
A característica prevista na alínea e) do art. 12º nº 1 do Código do Trabalho é a seguinte:
“O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
Resulta da matéria de facto provada que, “em 2017, a autora operava através de uma coordenação nacional, constituída, nomeadamente, por uma coordenadora nacional C, responsável pela área imobiliária e de seguros, que respondia perante a gerência, à qual se seguia uma coordenação regional composta por cerca de 6 coordenadores regionais”; que, “no âmbito do propósito de expansão da rede e tendo em vista o recrutamento de coordenadores regionais, no início de 2017, a mencionada C contactou o réu”; que “a autora e o réu, no seguimento dos contactos mantidos através da coordenadora nacional, subscreveram o escrito”; que “o réu participava, pelo menos mensalmente, em reuniões de trabalho com a coordenadora nacional, dando o seu contributo para a definição das actividades das agências da rede sob a sua coordenação, à semelhança do que sucedia com os demais coordenadores regionais”; e que “o réu, por virtude das funções de coordenador regional, tinha contacto próximo com o gerente da autora e com a coordenadora nacional, dispondo de informação sobre a gestão da rede Decisões e Soluções, suas politicas e perspectivas e planos de expansão, negociação de protocolos, objectivos e resultados financeiros”.
Apesar de estes factos apontarem para a inserção do R. na estrutura empresarial da A., as funções de coordenação por aquele desempenhadas não podem ser consideradas funções de direção ou chefia.
Assim, não beneficia o R. da presunção da existência de contrato de trabalho.
Restará concluir que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços?
Nos termos do art. 1154º do C.C., “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
«Temos entendido que existem três diferenças essenciais entre estes dois tipos de contrato:
1ª Quanto ao objeto do contrato
No contrato de trabalho, uma das partes obriga-se a prestar à outra «a sua atividade», enquanto no contrato de prestação de serviço obriga-se a prestar «certo resultado do seu trabalho», isto é, no primeiro estamos perante uma obrigação de meios, sendo a prestação devida uma atividade, intelectual ou manual, no segundo estamos perante uma obrigação de resultado, ou seja, é devido o resultado da referida atividade.
Não obstante, a realidade demonstra que, não poucas vezes, no contrato de trabalho está igualmente em causa a obtenção de um resultado e no contrato de prestação de serviço se tem em vista frequentemente uma prestação de meios.
2ª Quanto à remuneração
O contrato de trabalho é necessariamente oneroso, o contrato de prestação de serviço pode ser gratuito.
Contudo, também quanto a esta potencial diferença, a frequência com que o contrato de prestação de serviço é remunerado, resulta numa maior confusão entre as duas tipologias.
3ª Quanto ao modo de exercício da atividade
No contrato de trabalho a atividade tem de ser prestada sob a autoridade e direção do empregador, ou seja, mediante subordinação jurídica, o que não acontece no contrato de prestação de serviço. Neste último, o prestador de serviços exerce a sua atividade com autonomia.
Face à frequência com que o substrato factual de ambos os contratos se aproximam em termos de objeto e de remuneração, a doutrina e a jurisprudência vêm identificando o critério da subordinação jurídica como sendo o decisivo para a distinção entre as duas figuras contratuais em apreço.
No contrato de prestação de serviço, ao contrário do contrato de trabalho, o prestador não fica sujeito à autoridade e direção da pessoa ou entidade servida, exercendo a atividade conducente ao resultado pretendido como melhor entender, de harmonia com o seu querer e saber e a sua inteligência.
A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho traduz-se numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direção, o dever de prestar em que está incurso.
No contrato de trabalho emerge uma relação de dependência necessária que condiciona a conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem. Saliente-se que detetar a presença de subordinação jurídica numa determinada relação não é tarefa fácil, pois esta não existe em estado puro» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 17 de março de 2022, no processo 251/18.1T8CSC.L2.S1).
Conforme estipulado, constituíam obrigações do R., entre outras, “ministrar formação aos Agentes e Subagentes de acordo com a metodologia de trabalho definida pelas Primeira e Segunda Contraentes”; “seguir e cumprir fielmente as normas, metodologias e orientações estratégicas definidas pelas Primeira e Segunda Contraentes, quer referentes ao modelo de funcionamento do negócio, quer as referentes ao relacionamento com os clientes”; “actualizar, diariamente, com informação completa e verdadeira, o Programa de Gestão, preenchendo todos os campos relativos à actividade dos coordenadores, nomeadamente: visitas, reuniões efectuadas, acções de formação ministradas, dificuldades identificadas, soluções apresentadas e ponto de situação de cada agência”; e “enviar o planeamento semanal com uma semana de antecedência, bem como os relatórios das Visitas no dia seguinte à realização das mesmas”.
Resulta da matéria de facto provada que, “no seguimento da celebração do contrato, a autora transmitiu ao réu a metodologia, procedimentos e objectivos da sua actividade, bem como a sua forma de actuação no mercado e estratégia comercial por si seguida”; que “o réu apresentava à autora, na pessoa da sua coordenadora, o planeamento das suas actividades com uma periodicidade quinzenal, incluindo as agências que iria visitar”; que “o réu elaborava relatórios periódicos da produção da sua actividade como coordenador regional que apresentava à autora”; e que “o réu executou as funções de coordenação e de supervisão da actividade das agências, dos agentes e subagentes que se encontravam sob a sua coordenação, sob as orientações e directrizes da autora”.
Conforme estipulado, o R. “obriga-se a exercer as atividades abrangidas pelo objeto do presente contrato, ou que resultem de eventuais aditamentos, em exclusiva para as Primeira e Segunda Contraentes”, estando «vedada ao “Agente” a participação, directa ou indirectamente, em qualquer outro projecto dentro do sector de actividade das Primeira e Segunda Contraentes, durante o período de vigência do presente contrato”, o que abrangia “a não realização, directa ou indirectamente, de qualquer das seguintes actividades: deter, gerir, operar, controlar, participar na qualidade de investidor, administrar, trabalhar, prestar serviços de consultoria ou outros, em quaisquer sociedades com actividades directamente concorrentes com as actualmente exercidas pela Primeira e Segunda Contraentes”.
A conjugação de todos estes elementos permite concluir que existia subordinação jurídica e, portanto, que a relação entre A. e R. era uma relação laboral.
Ter a A. apresentado ao R. escrito semelhante a outros que ela apresentava a agentes e subagentes e ter o R. criado a sociedade Chama Imensa. Lda para efeito de faturação da remuneração encobriu o verdadeiro contrato celebrado: o contrato de trabalho.
É, pois, aplicável o art. 136º do Código do Trabalho, artigo este que dispõe o seguinte:
“1 - É nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato.
2 - É lícita a limitação da atividade do trabalhador durante o período máximo de dois anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, nas seguintes condições:
a) Constar de acordo escrito, nomeadamente de contrato de trabalho ou de revogação deste;
b) Tratar-se de atividade cujo exercício possa causar prejuízo ao empregador;
c) Atribuir ao trabalhador, durante o período de limitação da atividade, uma compensação que pode ser reduzida equitativamente quando o empregador tiver realizado despesas avultadas com a sua formação profissional.
…”
Uma vez que não foi estipulada compensação pela limitação da atividade do R., o pacto de não concorrência é nulo.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo o R. do pedido.
Custas da ação e da apelação pela recorrida.

Lisboa, 13 de março de 2025
Maria do Céu Silva
Amélia Ameixoeira
Ana Paula Olivença