EXECUÇÃO
INJUNÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

I. Decorre do artº 1º do diploma preambular do DL nº 268/98, de 01/09 e artº 7º do anexo que o regime processual especial nele previsto apenas pode ter por objeto obrigações pecuniárias, em sentido estrito, diretamente emergentes de contratos, visando-se o cumprimento daquelas.
II. Tal não sucede quando o requerimento de injunção se destina ao exercício da responsabilidade civil contratual, onde se peticionam valores que não integram a categoria de obrigações pecuniárias em sentido estrito (cláusula penal, despesas com cobrança da dívida), pelo que se fez uso indevido deste meio processual.
III.Tendo sido aposta fórmula executória à injunção que padece do apontado vício, que se reconduz a uma exceção dilatória inominada, que se repercute no título, inquinando-o, impunha-se a rejeição oficiosa parcial da execução (apenas em relação aos montantes que não integram obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato).

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

NOS Comunicações, S.A. intentou contra MM execução, apresentando como título requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça.
No requerimento executivo o exequente alegou:
“A Exequente, NOS COMUNICAÇÕES, S.A.(…) é portadora de um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, requerimento esse que constitui título executivo, nos termos do art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC e art.º 21º do DL 269/98 de 1 de setembro.
Não obstante ter sido notificado no âmbito da injunção que serve de base à presente execução, o Executado não procedeu ao pagamento.
É, por isso, o Executado devedor da aludida quantia, acrescida (i) de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção até efectivo e integral pagamento, (ii) de juros à taxa de 5% ao ano, calculados sobre o título executivo desde a data de aposição da fórmula executória até efectivo e integral pagamento, nos termos dos art.º 21º e 13º alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, os quais revertem em partes iguais para a Exequente e para o Cofre Geral dos Tribunais, (iii) das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP.
Termos em que requer a penhora de bens do Executado para satisfação da quantia exequenda, custas, despesas e honorários.
(…)
Valor Líquido: 1 221,26 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 339,93 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €
Total: 1 561,19 €
Corresponde ao valor do título executivo, no montante de € 1 221,26, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33º, n.º 4 da Lei 32/2014, de 30.05 [art.º 5º, alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma] e art.º 26º, n.º 3 alínea c) do RCP”
No requerimento de injunção alegou:
“O(s) requerentes(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos, no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de € 1.221,26 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada:
Capital: € 931,18 Juros de mora: € 35,34 à taxa de: 0,00%, desde
até à presente data;
Outras quantias: € 178,24 Taxa de Justiça paga: € 76,50
Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços Contrato nº:
Data do contrato: 19-12-2017 Período a que se refere: 19-12-2017 a 12-02-2022
Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:
A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) dois contratos de prestação de bens e serviços, a que foram atribuídos os seguintes números de contrato:
_Contrato nº …68 de 19.12.2017;
_Contrato nº …67 de 10.08.2018.
No âmbito dos contrato, a Rte emitiu as correspondentes faturas.
Das faturas emitidas e vencidas, permanecem em dívida as que constam da relação abaixo.
Tais faturas foram enviadas ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento.
Relação das faturas e juros de mora em dívida:
_contrato n.º …68: capital em dívida de €89.36 e juros de mora de € 20.15, relativos à(s) fatura(s) abaixo indicada(s) em 1);
_contrato n.º …67: capital em dívida de €841.82 e juros de mora de € 15.19, relativos à(s) fatura(s) abaixo indicada(s) em 2).
Relação das faturas em dívida:
1)
_Fatura n.º FT 201883/580401, no valor de € 89,36, emitida em 23-07-2018 e vencida em 19-08-2018;
2)
_Fatura n.º FT 202182/374997, emitida em 17-06-2021 no valor de € 87,39, vencida em 12-07-2021 e de que permanecem em dívida € 71,88;
_Fatura n.º FT 202182/441166, no valor de € 84,4, emitida em 19-07-2021 e vencida em 12-08-2021;
_Fatura n.º FT 202192/2127581, no valor de € 58,29, emitida em 17-09-2021 e vencida em 12-10-2021;
_Fatura n.º FT 202192/2406254, no valor de € 59,88, emitida em 19-10-2021 e vencida em 12-11-2021;
_Fatura n.º FT 202182/692256, no valor de € 3, emitida em 17-11-2021 e vencida em 12-12-2021;
_Fatura n.º FT 202182/756307, no valor de € 489,38, emitida em 17-12-2021 e vencida em 12-01-2022;
_Fatura n.º FT 202282/29465, no valor de € 74,99, emitida em 18-01-2022 e vencida em 12-02-2022;
Mais, é o Rdo devedor à Rte do montante peticionado em "outras quantias", a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos.”
Por despacho proferido em 10/10/2024 foi determinada a notificação da exequente “para, em 10 dias e ao abrigo do artigo 3.º do CPC, a fim de evitar decisão surpresa – embora a exequente tenha conhecimento da posição deste Tribunal quanto a esta questão –, se pronunciar quanto à eventual rejeição da execução por força da ineficácia do/s documento/s junto/s como título executivo, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, bem como para, no mesmo prazo, juntar aos autos as faturas a que alude no/s requerimento/s de injunção”.
Consta do referido despacho o seguinte:
“Compulsados os autos constata-se que a exequente intentou a presente execução com base em requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, nos termos da qual vem peticionado, além do valor das prestações alegadamente em dívida (relativas ao cumprimento do/s contrato/s celebrado/s com o/a executado/a), o valor cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e da indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, o que constitui um uso indevido do procedimento injuntivo, suscetível de integrar exceção dilatória inominada e vício na formação do título executivo – que inquina todo o título executivo –, oficiosamente cognoscível e que conduz à rejeição total da execução (…)”.
Por requerimento de 18/10/2024 a exequente pronunciou-se, pugnando pela adequação do procedimento injuntivo para peticionar o pagamento da cláusula penal e dos custos decorrentes de diligências de cobrança.
Para o efeito, alegou, em síntese, que na injunção que serve de título executivo à execução, a exequente peticionou o pagamento de serviços de comunicações eletrónicas, assim como um montante relativo à cláusula penal devida pelo executado em resultado do incumprimento contratual a que deu origem ao não cumprir o período de fidelização contratualmente estipulado, conforme faturas cuja junção requereu (doc.s 1 a 8). Tal cláusula encontra-se contratualmente fixada; tem carácter determinável e foi expressamente estipulada pelas partes. A referida penalidade tem a sua razão de ser, apenas e só, no âmbito do contrato, como tal, não poderá deixar de se considerar como obrigação pecuniária emergente do contrato. Mais defendeu que não pode o Tribunal, ex officio, apreciar uma eventual exceção de utilização indevida de injunção, atendendo a que, enquanto vício que incide sobre o título executivo, apenas cabe ao tribunal pronunciar-se caso tal exceção seja invocada pelo executado em sede de embargos à execução. Acrescentou que no artigo 726.º n.º 2 al. b) do CPC não se incluem as exceções dilatórias respeitantes ao título executivo, nomeadamente a relativa ao uso indevido do procedimento de injunção. Caso o Tribunal venha a considerar que o valor em dívida relativo à cláusula penal, de € 489,38 e constante da fatura n.º FT 202182/75630, não poderia ser incluído no requerimento injuntivo que fundamenta a execução, a ocorrência de tal exceção do uso indevido de procedimento injuntivo não determina o indeferimento total do requerimento executivo, mas apenas a absolvição da instância relativamente aos valores que integram a injunção a tal título, pois os princípios da economia processual, de aproveitamento dos atos processuais, da proporcionalidade e o carácter tendencialmente definitivo da decisão administrativa não impugnada impõem a utilização do título obtido na parte não afetada pela exceção em apreço, não resultando daqui qualquer diminuição das garantias do apelado. Caso assim não se entenda, declara que pretende desistir da instância em relação ao montante em apreço, com a prossecução e aproveitamento dos presentes autos em relação aos restantes valores peticionados. Mais alegou que a título de “Outras Quantias”, peticionou o pagamento de € 178,24, valor correspondente aos custos administrativos decorrentes de diligências efetuadas em fase anterior à entrada do procedimento injuntivo, nomeadamente envio de mensagens escritas, contactos telefónicos, envio de cartas de aviso de vencimento das faturas, bem como ao tratamento do processo pelo departamento de contencioso, nomeadamente, despesas relativas a todas as diligências, originadas pelo atraso no pagamento da dívida, após o vencimento da fatura, para alertar para o pagamento da dívida, a análise de cada fatura em dívida, a preparação e envio de documentação. A injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida, conforme previsto no artigo 10.º n.º 2 al. e) do DL 269/98, de 01 de setembro e artºs 7º e 10.º n.º 1 do DL nº 62/2013, de 10 de maio.
Em 06/11/2024 foi proferida a seguinte decisão:
“(…) No caso em apreço, como supra se referiu, o exequente veio dar à execução requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva por secretário de justiça, do qual consta peticionado o pagamento de valores correspondentes, além do mais, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida.
O procedimento de injunção é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, sendo certo que tal prestação só pode ter por objeto imperativamente uma obrigação pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro em sentido restrito.
Este regime processual só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio.
Nesta medida, a jurisprudência tem concluído, de forma praticamente unânime, no sentido da inadmissibilidade do pedido de pagamento da cláusula penal por incumprimento contratual e/ou de indemnização nesta forma processual. (…)
Portanto, a cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e a indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida peticionadas no procedimento injuntivo de que emergiu o requerimento/documento dado à execução não consubstanciam “obrigações pecuniárias diretamente emergente de um contrato”. Assim, relativamente ao pedido de pagamento do montante correspondente à cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato e à indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida, foi lançado mão de uma forma processual que legalmente não é a prevista para tutela jurisdicional respetiva. (…)
A exequente não poderia ter recorrido ao requerimento de injunção e, tendo-o feito, deu causa à verificação de uma exceção dilatória inominada, prevista nos artigos 555.º, n.º 1, 37.º, n.º 1, primeira parte, e geradora de absolvição da instância ao abrigo do vertido nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil. Tal exceção atinge e contagia todo o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigíveis para a sua utilização, e não apenas o pedido referente ao valor da cláusula penal peticionada. (…)
Entende, assim, este Tribunal não dispor a exequente de título executivo eficaz, por a pretensão formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção, vício que inquinou a formação do título.
Decisão:
Em face de todo o exposto, por verificação da exceção dilatória inominada do uso indevido do procedimento de injunção e consequente falta de título executivo, decido rejeitar a presente execução – cf. artigos 734.º n.º 1 e 726.º n.º 2 al. a) do CPC).
Custas pela exequente.”
A exequente recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo o Apelado da instância;
2. Por a Recorrente ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e de despesas associadas à cobrança da dívida;
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei;
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC;
7. Não obstante, a injunção constitui um meio adequado para o pagamento das despesas associadas à cobrança das faturas relativas à prestação dos serviços contratados pelo Apelado;
8. Dado que, à semelhança do que sucede com os juros de mora, também as despesas de cobrança resultam diretamente da falta de pagamento da obrigação pecuniária principal e, por conseguinte, constituem uma obrigação pecuniária em sentido estrito, isto é, diretamente emergente do contrato;
9. Sem prescindir, o entendimento de que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo não determina que a extinção total da instância executiva, mas somente a recusa do título executivo relativamente à parte que integra tais custos administrativos.
10. A sentença proferida pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso;
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente:
- o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.;
- o artigo 1.º do diploma preambular associado ao DL 269/98, de 01 de setembro;
- o artigo 10.º n.º 2 al. e) do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 14.º-A n.º 2 do regime anexo ao DL 269/98;
- o artigo 193.º do CPC
Deverá, consequentemente, ser revogada e substituída por decisão que admita o requerimento executivo e mande prosseguir os autos nos termos acima expostos.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
A factualidade com relevo para a decisão é a constante do relatório que antecede.
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são:
1. Aferir se o procedimento de injunção é meio processual idóneo para peticionar montante referente a despesas de cobrança e, se o não for, qual a consequência
2. Do conhecimento oficioso da exceção de uso indevido do procedimento de injunção
3. Da consequência processual: rejeição parcial vs. rejeição total da execução
1. Aferir se o procedimento de injunção é meio processual idóneo para peticionar montante referente a despesas de cobrança.
Defende a apelante que a injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida. A apelante peticionou a quantia de € 178,24 a título de custos administrativos decorrentes de diligências efetuadas em fase anterior à entrada do procedimento injuntivo, nomeadamente envio de mensagens escritas, contactos telefónicos, envio de cartas de aviso de vencimento das faturas, bem como ao tratamento do processo pelo departamento de contencioso, nomeadamente, despesas relativas a todas as diligências originadas pelo atraso no pagamento da dívida, após o vencimento da fatura, para alertar para o pagamento da dívida, a análise de cada fatura em dívida, a preparação e envio de documentação.
Mais aduz que o DL 269/98, de 01 de setembro, prevê a cobrança de “outras quantias devidas”, no artº 10.º n.º 2 al. e), o qual abrange os custos de cobrança da dívida, entendimento que é reforçado pelo DL n.º 62/2013, de 10 de maio, diploma legal que embora relacionado com transações comerciais, prevê o recurso ao procedimento injuntivo – cfr. artigo 10.º n.º 1 – e, no artigo 7.º, dispõe sobre a indemnização pelos custos suportados com a cobrança da dívida.
Vejamos se lhe assiste razão.
O título define o fim e fixa os limites da ação executiva (cfr. art.º 10.º, n.º 5 do CPC).
Dispõe o artº 703º do CPC, sob a epígrafe “espécies de títulos executivos” que:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.”
Consagra-se o princípio da tipicidade dos títulos executivos.
Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 703º, nº 1, al. d) do CPC e 14 do DL nº 269/98 de 01/09 é título executivo o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória.
O artº 1º do diploma preambular do DL 268/98, de 01/09 dispõe que “é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.”
Preceitua o artº 7º do anexo ao referido diploma que “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”
Razões de celeridade e simplificação processual levaram o legislador a adotar este procedimento.
Decorre dos citados preceitos que o referido regime processual especial apenas pode ter por objeto obrigações pecuniárias, em sentido estrito, diretamente emergentes de contratos, visando-se o cumprimento daquelas.
“Chamam-se obrigações pecuniárias aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia de dinheiro (“pecunia”), que se toma pelo seu valor propriamente monetário. (…)
Convirá ainda distinguir as dívidas de dinheiro da categoria geralmente aceite das dívidas de valor. As primeiras representam as autênticas e próprias obrigações pecuniárias, enquanto as últimas são aquelas em que o objeto não consiste diretamente numa importância monetária, mas numa prestação diversa, intervindo o dinheiro apenas como meio de determinação do seu quantitativo ou da respetiva liquidação. (…)
As obrigações pecuniárias abrangem as modalidades seguintes: obrigações de quantidade ou de soma (artºs 550º e 551º), obrigações de moeda específica /artºs 552º a 557º) e obrigações em moeda estrangeira (artº 558º).” 1
No requerimento de injunção o exequente peticionou, além do mais, a título de “outras quantias”, o montante de € 178,24.
Pese embora a decisão recorrida fundamente o uso indevido do procedimento de injunção relativamente a este montante e à cláusula penal, no recurso não vem impugnada a decisão relativamente à clausula penal.
O artº 10º, nº 2, al, e) do anexo ao DL 268/98, de 01/09 dispõe que no requerimento, deve o requerente formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e “outras quantias devidas”.
Os alegados custos de cobrança não constituem obrigação pecuniária em sentido estrito, tendo como fundamento uma pretensão de natureza ressarcitória e não de cumprimento, pelo que não podem ser peticionados em requerimento de injunção, ao abrigo do DL 268/98, de 01/09, não se mostrando abrangidos nas “outras quantias devidas”, as quais, reafirma-se se reportam a obrigações pecuniárias diretamente decorrentes de contratos.
É entendimento largamente maioritário da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, não constituírem obrigações pecuniárias as despesas com a cobrança da dívida (assim como a cláusula penal) e, consequentemente, não poderem ser exigidas mediante procedimento de injunção.
Cita-se, a título de exemplo, o Ac. RL de 10/10/2024 2 : “VI – o processo de injunção não se configura como adequado para o ressarcimento indemnizatório por incumprimento contratual, o qual abrange não só as cláusulas penais, indemnizatórias ou compulsórias, como ainda a própria indemnização pelas despesas originadas pela cobrança da dívida, em virtude de, em ambas as situações, não estarmos perante a previsão de prestações principais de obrigações pecuniárias de quantidade, mas antes perante cláusulas com índole ou natureza acessória, determinantes do pagamento de obrigações de valor, ainda que estabelecidas em quantidade;
VII - pelo que, peticionando-se no âmbito do requerimento injuntivo, ao qual foi aposta fórmula executória, indemnização por despesas decorrentes da cobrança da dívida, estamos perante excepção dilatória inominada (uso indevido do procedimento injuntivo), afectadora do processo injuntivo, bem como do consequente título executivo que se formou, o que configura consequente omissão de um pressuposto processual da acção executiva, em que se traduz o próprio título, com necessária repercussão nos ulteriores termos processuais executivos, de acordo com o estatuído nos artigos 726º, nº. 2, alín. a) e 734º, ambos do Cód. de Processo Civil; (…)”.
O argumento de que o entendimento que defende se encontra reforçado pelo disposto no artº 7º do DL n.º 62/2013, de 10 de maio não convence.
Dispõe o preceito citado que “quando se vençam juros de mora em transações comerciais, nos termos dos artigos 4.º e 5.º, o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00 EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente.”
O DL 268/98 não contém norma idêntica. Este diploma foi alterado em data posterior ao DL n.º 62/2013, pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, não tendo o legislador introduzido norma semelhante, pelo que haverá que presumir que se trata de opção legislativa (artº 9º, nº 3 do CC).
Neste sentido, v. fundamentos expostos no Ac. RP de 12/07/2023 3, que sufragamos: “Este procedimento pode ser utilizado para exigir créditos decorrentes do próprio acordo contratual, mas “não tem a virtualidade de servir para obter indemnização no âmbito da responsabilidade civil contratual ou extracontratual ou com base no enriquecimento sem causa” (cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 8ª ed., 2021, pág. 13).
É, porém, questionado o sentido da expressão “outras quantias devidas”, constante do art. 10º, nº 2, al. e), do diploma anexo ao D.L. 269/98 (…). Discute-se se a referida expressão “abrange ou não os juros vincendos, as despesas administrativas do contrato, incluindo as de expediente concernentes às comunicações de advogados e os honorários a estes pagos pelo requerente”, justificando-se, “a propósito da interpretação do referido segmento normativo”, “a distinção entre o procedimento de injunção geral” “e o especial, previsto no Decreto-Lei no 62/2013” (cfr. ob e aut. cits., pág. 76). (…) Não existe norma semelhante no D.L. 269/98, de 01/09, não obstante este ter sido alterado em 2019 (pela Lei nº 117/2019, de 13/09), já muito depois do D.L. 62/2013. Caso o legislador entendesse que deveria contemplar solução semelhante nos casos do procedimento geral de injunção, poderia tê-lo feito nesta altura, pelo que, se não o fez, foi porque entendeu que uma tal norma não tinha cabimento neste procedimento. Note-se que, de acordo com o disposto no art. 9º, nº 3, do Código Civil, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E compreende-se que assim seja, pois, como se vê do preâmbulo do D.L. 62/2013, este diploma visou transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, resultando a norma em causa precisamente de uma imposição da Directiva, que regula todas as transacções comerciais (e só estas), não se aplicando nomeadamente às transacções com os consumidores (o que também sucede com o Decreto-Lei em causa, como decorre do seu art. 2º, nº 2, al. a), que exclui do âmbito de aplicação deste os contratos celebrados entre consumidores – que é o caso dos autos).
Assim, afigura-se-nos que a indemnização prevista no art. 7º do D.L. 62/2013 não se aplica ao procedimento geral de injunção (neste sentido, Salvador da Costa, ob. cit., pág. 76).
Ademais, há que ter em conta que estando em causa obrigações pecuniárias emergentes de contrato “as referidas quantias a que se reporta o normativo, hão-de resultar do que foi objecto do contrato em causa” (cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Revista Julgar, nº 18, pág. 116, citando Salvador da Costa).
Daí que se entenda que não cabe no âmbito das “outras quantias devidas”, no que respeita ao procedimento de injunção geral, o pedido de pagamento de encargos associados à cobrança da dívida, os quais constituem danos decorrentes do incumprimento contratual, não sendo obrigação directamente emergente do contrato (tanto assim que, como se viu, no caso das transacções comerciais foi necessário criar uma norma expressa a prever tal pagamento, o que não seria preciso se tais quantias se considerassem “obrigação emergente do contrato”).”
Conclui-se, pois, que o procedimento de injunção é um expediente processual impróprio para obter satisfação das despesas com a cobrança da dívida, já que não são subsumíveis ao conceito de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato.
Ao peticionar tais despesas a requerente/exequente/apelante fez uso indevido do procedimento de injunção, que se reconduz a uma exceção dilatória inominada.
2. Do conhecimento oficioso da exceção de uso indevido do procedimento de injunção
Defende a apelante que estava vedado ao tribunal conhecer oficiosamente da exceção de uso indevido do procedimento injuntivo, uma vez que do vício que incide sobre o título executivo, apenas cabe ao tribunal pronunciar-se caso tal exceção seja invocada pelo executado em sede de embargos à execução, o que considera ser imposto pelo artº 14.º-A do DL 269/98, de 01/09.
Dispõe o art.734.º do CPC:
“1- O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2- Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.
Quer se reconduza o uso indevido do procedimento injuntivo a uma exceção dilatória inominada, a falta de título ou a erro na forma do processo, trata-se de questão de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artº 726º, nº 2, al. a), ex vi do artº 734º do CPC.
Inexistindo despacho liminar na execução fundada em requerimento injuntivo a que foi aposta fórmula executória, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 550º, nº 2, al. b) e 855º, nº 3 do CPC, o juiz pode conhecer oficiosamente das referidas questões até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, como sucedeu in casu.
A este entendimento não obsta o disposto no artº 14º-A do DL 269/98, de 01/09, o qual apenas prevê efeitos preclusivos na dedução de embargos.
Como explanado no acórdão desta Relação de 10/10/2024, proc. nº 21181/22.7T8SNT.L1-2, já citado, “contrariamente ao defendido, tal controlo jurisdicional não é apenas possível em sede de processo de injunção ou na oposição à execução que venha a ser deduzida pelo executado, pois, reportando-se ao concreto controlo da falta ou insuficiência do título dado em execução, tem igualmente lugar, ex officio, nos próprios quadros da consequente execução.
Ou seja, e no rebate de um outro dos argumentos expostos, tal controlo não encontra fundamento ou base legal na alínea b), do nº. 2, do mesmo artº. 726º - ocorrência de excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso -, mas antes na aludida alínea a), por referência à concreta afectação do título apresentado, decorrente da sua inadequada e viciada formação, ao recorrer-se, de forma ilegal e injustificada, ao procedimento injuntivo.”
Em suma, tendo sido aposta fórmula executória à injunção que padece do apontado vício, que se reconduz a uma exceção dilatória inominada, que se repercute no título, inquinando-o (artº 726º, nº 2, al. a) do CPC, ex vi do artº 734º), impunha-se a rejeição oficiosa da execução.
3. Da consequência processual: rejeição parcial vs. rejeição total da execução
Pugna a apelante, no caso de se entender que as despesas de cobrança não podem integrar o procedimento injuntivo, pela extinção parcial da instância executiva, relativamente à parte que integra tais custos administrativos.
Prevê o artº 734º, nº 2, em conformidade com o artº 726º, nº 3, ambos do CPC, a possibilidade de a execução se extinguir parcialmente, o que deverá acontecer, em execução fundada em requerimento de injunção, no caso de o vício determinante da extinção se reportar apenas a pedidos indevidamente formulados no requerimento injuntivo, cindíveis da globalidade, isto é, que se apresentem devidamente autonomizados dos pedidos conformes.
O referido vício afeta, no caso dos autos, o montante de € 178, 24, peticionado a título de “outras quantias”, bem como o montante de € 489,38, respeitante à cláusula penal, também peticionada no requerimento injuntivo (como expressamente admitido pela apelante em requerimento apresentado em 18/10/2024), que foi contemplada na decisão recorrida no mesmo juízo de uso indevido do procedimento injuntivo, com o qual a apelante se conformou, dado que não é objeto do recurso sob apreciação. A rejeição da execução deve incidir apenas quanto a estas quantias e respetivos juros, já que relativamente à restante quantia a título de capital (deduzida a cláusula penal), referente às prestações devidas pelos serviços prestados no âmbito do contrato celebrado, respetivos juros e taxa de justiça a apelante detém título executivo válido, porquanto decorrentes diretamente do contrato e do uso do procedimento de injunção (este último em relação à taxa de justiça).
Acompanhamos, também nesta parte, o acórdão proferido no proc. nº nº 21181/22.7T8SNT.L1-2, acima citado: “somos sensíveis ao imperativo dos princípios ou regras de economia processual e da proporcionalidade, bem como à adopção de um princípio de aproveitabilidade dos actos processuais, a determinar a manutenção e reconhecimento da validade do título executivo na parte relativa ao pedido ou pedidos com legal cabimento no âmbito do procedimento injuntivo.”

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e altera-se a decisão recorrida, rejeitando-se a execução por falta de título executivo, no que respeita ao montante de € 667,62 (seiscentos e sessenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos) e respetivos juros, mais se determinando o prosseguimento da execução, no que respeita ao remanescente da quantia exequenda.
Custas da execução e do recurso a cargo da exequente e da executada na proporção de 60% e 40%, respetivamente.

Lisboa, 13 de março de 2025
Teresa Sandiães
Maria Teresa Lopes Catrola
Amélia Puna Loupo
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1. Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 5ª edição, págs. 607-608
2. proc. nº 21181/22.7T8SNT.L1-2. No mesmo sentido, v. entre outros, acórdãos RL de 10.10.2024, proc. 5765/24.1T8SNT.L1-2, de 10.10.2024, proc. 21181/22.7T8SNT.L1-2; acórdãos RP de 11/12/2024, proc. nº 1261/24.5T8VLG-A.P1, de 04.07.2024, proc. 3368/23.7T8VLG-A.P1, de 21.05.2024, proc. 3321/23.0T8VLG-A.P1, de 08.11.2022 [proc. 901/22.5T8VLG-A.P1 – todos disponíveis em www.dgsi.pt
3. proc. nº 3889/21.6T8VLG-A.P1, in www.dgsi.pt