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INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
VONTADE REAL
Sumário
I. A declaração negocial vale de acordo com a vontade real de declarante e declaratário; II. Num contrato de fornecimento de máscaras cirúrgicas concluído no contexto de pandemia Covid-19, sendo claro de comunicações mantidas pelas partes no contexto de negociação e execução do contrato que o prazo definido para a entrega dos bens era efetivo, é esse o sentido a atribuir à cláusula definidora do mesmo; III. Assim, mesmo que o sentido literal da cláusula contratual possa ser interpretado como condicionado a uma obrigação de terceiro, é de acordo com a vontade das partes que vigorará; IV. Não sendo cumprido um prazo de entrega num contexto de urgência reconhecido, justifica-se considerar definitivamente incumprida a obrigação do vendedor, por perda de interesse na prestação, justificando-se a resolução do contrato pelo comprador; V. Nesse contexto, deve ser restituído tudo o que tenha sido recebido.
Texto Integral
I. Caracterização do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Apelação – 1 (uma), nos autos;
- Tribunal recorrido – Juízo Central Cível de Sintra - J5;
- Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de processo comum;
- Decisão recorrida – Sentença.
--
I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrente (ré-reconvinte): - ---
- Recorrido (réu): - ---. --
--
I.III. Síntese dos autos:
- Pediu a autora condenação da ré:
- No pagamento do valor de USD 412.500.00 (quatrocentos e doze mil e quinhentos dólares norte-americanos), correspondente a €365,446,000, acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos desde 25/6/2020, bem como demais despesas judiciais e extrajudiciais até integral cumprimento, a liquidar a final, valor de capital correspondente a máscaras cirúrgicas compradas e não entregues;
- No pagamento do valor de USD 6.320.000,28 (seis milhões, trezentos e vinte mil dólares norte-americanos e vinte e oito centavos, equivalente a €5.530.110,00 (com referência a 25.06.2020), correspondente ao valor de reembolso pago por duas ordens de encomenda das máscaras, efetuadas em abril de 2020, pagamentos realizados em agosto e setembro de 2020;
- No pagamento do valor de USD 895.666.385 (oitocentos e noventa e cinco mil seiscentos e sessenta e seis mil trezentos e oitenta e cinco dólares norte-americanos, equivalente a € 783.723,00, a título de lucros cessantes, correspondente a faturação perdida entre julho de 2020 a dezembro de 2020 do --- Hospital;
- No pagamento de multa não inferior a 75 UC por litigância de má-fé, bem como a indemnização correspondente ao pagamento dos honorários do mandatário.
Sustenta estas pretensões dizendo:
- Que é uma empresa norte-americana que se dedica à distribuição de produtos --cêuticos, médicos e hospitalares, incluindo o fornecimento desses produtos a hospitais;
- Que a ré é uma empresa que tem como objetivo a importação, exportação, comercialização e distribuição de medicamentos e dispositivos médicos;
- No âmbito da sua atividade, em 25 de junho de 2020 contratou com a ré o fornecimento de 750.000 (setecentas e cinquenta mil) máscaras respiratórias marca --, modelo 1860, contra pagamento de preço acordado;
- Que tal fornecimento deveria ocorrer no prazo de 7 dias após pagamento, sendo o montante pago restituído, caso o fornecimento não se concretizasse;
- No referido dia de assinatura do contrato de fornecimento (25/6/2020) pagou o preço acordado;
- A ré comprometeu-se a entregar as máscaras em causa durante a semana de 6 de julho de 2020, promessa que reiterou para datas posteriores;
- Tais máscaras nunca foram entregues;
- Em 6 de agosto de 2020, não tendo a entrega sido concretizada, a autora solicitou imediato reembolso da quantia paga;
- A ré concretizou tal reembolso de forma parcial;
- A autora enviou à ré uma carta datada de 23 de agosto de 2020 comunicando a resolução do contrato e solicitando o reembolso do valor em dívida, acrescido de juros;
- A ré não fez tal restituição;
- A aquisição das máscaras em causa destinava-se a entregar ao --- Hospital, no Qatar, algo que a ré conhecia;
- Este hospital era um cliente muito relevante para a autora e, devido ao incumprimento da ré incumpriu também contrato de fornecimento que tinha com tal instituição, por razões que lhe não lhe são imputáveis;
- Foi forçada a reembolsar a tal hospital o valor que lhe tinha sido entregue;
- Acabou por perder como cliente esse --- Hospital, que nunca mais celebrou nenhum contrato consigo, que também cancelou todas as encomendas que tinha feito no ano de 2020;
- Tal fez soçobrar relações comerciais que se vinham mantendo há 17 anos.
- Citada, contestou a ré, deduzindo também reconvenção.
- Concluiu pela improcedência total dos pedidos.
- Em Reconvenção pediu:
- Condenação da reconvinda a pagar-lhe as seguintes quantias:
- $136.000,00 (cento e trinta e seis mil dólares americanos), correspondente a €123.092,25 (cento e vinte e três mil e noventa e dois euros e vinte e cinco cêntimos), por prejuízos diretos decorrentes da rescisão no total do contrato;
- $1.390.000,00 (um milhão trezentos e noventa mil dólares americanos) correspondente a € 1.235.270,00 (um milhão duzentos e trinta e cinco mil e duzentos e setenta euros), a título de lucros cessantes;
- €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais;
- No pagamento de honorários às mandatárias, não inferiores a €25.000 (vinte e cinco mil euros) e como litigante de má-fé.
- Sustenta a sua posição e as suas pretensões dizendo, em síntese:
- Aceitar a celebração com a autora e o pagamento realizado por esta;
- Não aceita o cômputo do prazo de entrega das máscaras -- , sendo que os 7 dias acordados apenas começariam a contar da entrega do cronograma vinculativo por parte da fabricante (--);
- O fabricante não entregou tal cronograma até à data da rescisão, pelo, à data da resolução, não se encontrava em incumprimento contratual;
- A autora resolveu o contrato de fornecimento das máscaras -- em 6 de agosto de 2020, o que a ré aceitou;
- Desconhece os motivos pelos quais teria a autora perdido o seu cliente --- Hospital, não aceitando qualquer responsabilidade por esse facto ou danos decorrentes;
- Como a autora sabia, a reconvinte encomendou as máscaras à empresa ---, a quem teve que efetuar um pagamento e cujo valor não pôde reclamar;
- Sofreu também prejuízos diretos em resultado de comissões que teve que pagar a intermediários para contactar a autora e a viagens para reunir com representantes da empresa ---;
- Suportou também os lucros cessantes do contrato celebrado com a reconvinda, assim como danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da rescisão contratual;
- Designadamente, de difamação que a reconvinda fez atentando contra o bom nome da reconvinte e do seu gerente --- , por meio de publicação na rede social Linkedin;
- A autora/reconvinda replicou, concluindo pela improcedência total da reconvenção e tomando posição no sentido da condenação da ré por abuso de direito e litigância de má -fé;
- Foi dispensada audiência prévia e proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi admitido o pedido reconvencional, fixado o litígio e identificados os temas da prova.
- Foram apresentados requerimentos, por autora e reconvinte, de alteração e modificação dos respetivos pedidos, que foram admitidos, estabelecendo-se nos termos acima enunciados;
Realizou-se audiência final, na sequência da qual foi proferida a sentença recorrida, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
- julgo a ação parcialmente procedente por provada e, a reconvenção improcedente e, em consequência:
a) condeno a R. --- a pagar à A. ---, o montante de USD 412,500.00 (quatrocentos e doze mil e quinhentos dólares), ou no seu valor em euros segundo o câmbio do dia do cumprimento, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos contabilizados desde 12 de agosto de 2020, às sucessivas taxas comerciais aplicáveis, até efetivo e integral cumprimento.
b) Absolvo a R. dos demais pedidos contra ela formulados pela A.
c) Absolvo a A./Reconvinda dos pedidos contra ela formulados a título reconvencional pela R./Reconvinte.
d) Absolvo A. e R. do pedido de condenação como litigante de má fé.
- Desta decisão, não se conformando, apelou a ré/reconvinte pelo presente recurso;
- Foi proferido despacho convidando ao aperfeiçoamento das alegações;
- Apresentou a recorrente novo requerimento, anexando alegações;
- Pronunciou-se a recorrida pela rejeição do recurso, por não cumprimento dos ónus de alegação e das orientações dadas no convite formulado. –
--
I.IV. Questão prévia – da admissibilidade do recurso e do cumprimento do convite formulado:
A despeito de serem qualificáveis como meramente marginais as alterações introduzidas no requerimento recursivo, na sequência do convite formulado, tratando-se da efetivação do direito a um duplo grau de jurisdição, conteúdo essencial do direito constitucional de acesso à justiça e a um processo equitativo, deve admitir-se o recurso.
A rejeição por incumprimento dos ónus legais-processuais só deve ocorrer ante situações em que sejam absolutamente imperscrutáveis as questões submetidas a reapreciação e/ou os respetivos fundamentos.
No caso, as conclusões permanecem algo desconexas e atrabiliárias, eivadas de elementos desnecessários e repetidos, com insuficiente apresentação de outros que poderiam ser melhor formulados, mas, analisadas no seu conjunto, não deixam de segmentar uma parte conclusiva (cujo teor nada tem de sintético), permitindo identificar as questões, de facto e direito, cuja reapreciação é solicitada.
Por essa razão, ainda que o desiderato de melhoria das alegações não tenha sido atingido de forma relevante, estão reunidos os requisitos mínimos à apreciação do recurso, o que se decide.
--
II. Objeto do recurso:
II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente nas suas alegações (sem atualização de grafia, suprimindo pequenos trechos e assinalando a negrito as questões suscitadas):
A (...)
1. O Tribunal “a quo” não aplicou o estipulado no Código do Processo Civil, a saber: o A A./Recorrida apresentou a sua PI, no dia 24.11.2021; o A R./Reconvinte apresentou a sua contestação e respetivo pedido reconvencional, 02.02.2022; o A R/Recorrida apresentou réplica, no dia 07.03.2022
2. O artigo 584.º do CPC diz o seguinte: (...)
3. A A/Recorrida responde à contestação o que não é admitido pelo CPC conforme artigo supra.
4. A A./Recorrida menciona que está a responder às excepções invocadas pela R/Recorrente o que não corresponde à realidade - vide contestação.
5. A A/Recorrente apenas se limitou a impugnar a matéria da petição inicial.
6. Ainda assim, mesmo que tivesse excecionado, não seria aplicável à luz do atual Código do Procedimento Civil replicar a esta matéria.
7. Acresce mencionar, que mesmo na resposta à Reconvenção a A/Recorrida aproveita a mesma para responder a matéria da contestação.
8. A R/Recorrente (...) alegando a inadmissibilidade da respetiva resposta à reconvenção na parte em que responde à matéria da contestação e na da reconvenção.
9. Em 7.7.2022 a A./Recorrida apresenta um novo requerimento - REF: 42807096 - que não é mais do que uma continuação da sua réplica, ora o CPC não admite este tipo de requerimento.
10. A este Requerimento vem A/Recorrente pugnar pela sua não admissibilidade – REF: 4318495
11. O Tribunal “a quo” no seu despacho saneador omite qualquer despacho quanto ao requerimento apresentado pela R/Recorrente - REF: 41705104.
12. Ora, o Tribunal “a quo” erra aplicação do CPC pois este não admite replica à contestação, mas apenas à Reconvenção.
13. Como erra quando admite a apresentação do requerimento apresentado em 7-7-2022, por parte da A/Recorrida que não tem cabimento no CPC.
14. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1406/14.3TBPTM-B.E1, datado de 11-06-2015: (...)
15. Ora, é da mais cristalina evidência que o Tribunal “a quo” não cumpriu a lei processual civil nos seus requisitos.
16. O Tribunal “a quo” na sua fundamentação e decisão ignora a realidade vertida nos mesmos, apenas extraindo partes dos contratos e não a sua integralidade.
17. Especialmente no que concerne à questão das regras de entrega das encomendas que é parte fulcral para a boa decisão da causa.
18. Também os documentos que podem ser admitidos em fase de petição inicial ou contestação por existirem devem ser apresentados nessa fase, não o sendo podem ser apresentados em fases posteriores, mas ficam sujeitos a aplicação de multas o que o Tribunal “a quo” não fez.
19. Fica assim evidente que o Tribunal “a quo” erra de forma contundentemente na interpretação e aplicação da norma jurídica pelo tribunal “a quo”.
B. DA MATÉRIA DE FACTO:
20. Os temas da prova eram os seguintes:
- A verificação de incumprimento contratual por parte da R.
- A resolução do contrato pela A.
- Os danos sofridos pela A. imputáveis à conduta da R.
- A rescisão unilateral e injustificada do contrato pela A.
- Os danos sofridos pela R. imputáveis à conduta da A.
21. O Tribunal “a quo” faz uma interpretação inadequada contratos em causa pois não o interpreta na sua integralidade, principalmente quanto às condições de entrega.
22. Os contratos celebrados entre as Partes são exatamente iguais apenas diferindo no número de máscaras encomendadas.
23. A cláusula do contrato quanto prazo de entrega diz o seguinte, passando-se a transcrever a mesma na integra: contrato a este respeito é o seguinte:
“3. CONDIÇÕES DE ENTREGA
O Vendedor entregará os Produtos em qualquer aeroporto definido pelo comprador, na modalidade “INCOTERMS CIP – Porte e seguro pagos até (local de destino designado)”.
Localização de acordo com o código aeroportuário ICAO, a ser fornecida pela -- --.
Após o recebimento do depósito, a -- apresentará ao Vendedor / Comprador um plano de entrega/s completo e detalhado, com um cronograma de entrega/s completo e vinculativo.
Primeiro envio dentro de sete dias úteis, sujeito a carregamento e fundos disponíveis antes do envio por consignação, de acordo com o cronograma de entrega/s vinculativo pela -- --.
A cópia dos documentos de verificação da SGS / Intertek deve ser aceite, de forma a acelerar a libertação de fundos e o envio.
O comprador é responsável pelas taxas, liquidação de valores e pelos encargos de sobredemora aplicáveis no porto de chegada.
A restante remessa será entregue dentro de 45 (quarenta e cinco dias) em parcelas, sujeito a carregamento [e] fundos disponíveis para consignação (se aplicável). Obrigação de entrega do Vendedor para todos os Envios – antes da entrega e/ou libertação dos Produtos ao Comprador, o Vendedor entregará ao Comprador os seguintes documentos:
1) Uma cópia do conhecimento de carga aérea.
2) Uma fatura comercial original.
3) Dois exemplares da fatura comercial.
4) Uma cópia da lista de volumes mostrando o [valor] bruto / [valor] líquido / número de caixas e peças.
5) Uma cópia do certificado de origem
6) Relatório de conformidade do produto certificado pela SGS, relatório do produto esse a ser estabelecido no acto de carregamento.
24. A cláusula referente ao prazo de entrega é, clara e inequívoca, no que concerne ao prazo de 7 dias o mesmo está dependente de certas circunstâncias (...)
25. Ora, o Tribunal “a quo” na sua fundamentação e motivação apenas menciona que o prazo de entrega eram 7 dias, quando o contrato refere que “Primeiro envio dentro de sete dias úteis, sujeito a carregamento e fundos disponíveis antes do envio por consignação, de acordo com o cronograma de entrega/s vinculativo pela -- --.”
26. Também os testemunhos quer do representante legal da R/Recorrente quer quanto da testemunha -- que colaborava com a --- foram claros e inequívocos quanto aos prazos de entrega, como funcionavam e o porquê de existir o mencionado cronograma de entrega vinculativo – conforme transcritos acima.
27. Este ponto é fulcral, pois é aqui que se poderá determinar se existiu ou não incumprimento do contrato por parte da R/Recorrente.
28. Ora, o Tribunal “a quo” deveria interpretar a mencionada clausula na sua integralidade e não parcialmente, e por aí apenas poderia concluir que a R/Recorrente não estava em incumprimento pois esta numa recebeu o cronograma de entrega vinculativo por parte da --, que era fundamental para que os 7 dias começassem a contar.
29. Também o Tribunal “a quo” faz uma incorreta interpretação do email remetido pela R/Recorrente à A/Recorrido relativamente ao reembolso dos montantes recebidos. E-mail que se passa a transcrever considerando a sua relevância:
“Em sex, 12 de junho de 2020 às 13h47 - A--- escreveu:
Caro AA,
Conforme escrito nas condições de entrega, todo o valor transferido para a nossa conta (seja o adiantamento ou o pagamento integral) será totalmente reembolsado se a expedição não se realizar ao abrigo do plano de entrega vinculativo fornecido pela -- --.
O plano será fornecido no prazo de 48 horas após a colocação da encomenda e a Due Diligence da -- à sua empresa, devendo a primeira entrega ter lugar no prazo de 7 dias úteis após este procedimento.
Isto foi explicado por telefone à Sra. ---, com quem tive o prazer de falar ontem.
Obrigada. Com os melhores cumprimentos,
De: --- Data: sexta-feira, 12 de junho de 2020, 18:03
Para: - A--- Cc: ---, ---
Assunto: Re: -- 1860
Caro -
Por favor confirmar Via e-mail se esse depósito será totalmente reembolsado se não tiver ocorrido nenhuma transação para o processo de envio da encomenda, conforme indicado nas condições de entrega do contrato “(Primeiro envio no prazo de 7 ( Sete ) dias úteis sujeito a Carregamento, fundos compensados antes do envio por remessa, conforme o calendário de entrega vinculativo da -- --)”.
Com os melhores cumprimentos,
Engr. -- Director Executivo.
30. Mais uma vez neste ponto o Tribunal “a quo” apenas transcreve parcialmente o e-mail (...).
31. Os R/Recorrentes sempre partilharam toda a informação com A/Recorrido num princípio de total transparência de todo o processo.
32. Aliás toda a informação e comunicações efetudas por e-mails e até mesmo reuniões eram efetuadas entre as Partes e a --- (fornecedora da R/Recorrente).
33. Ora, por vezes existiam expetativas de entrega, mas não passavam de expectativas, expetativas essas que eram partilhadas com A/Recorrida.
34. Mas a verdade é que as expetativas apenas poderiam passar a realidade quando a R/Recorrente recebessem o cronograma de entrega vinculativo por parte da --.
35. Aliás conforme depoimento das testemunhas e depoimento de representante legal da A., face aos tempos que se estavam a viver, mas enquanto não viesse o cronograma de entrega vinculativa nada podia ser dado por garantido.
36. Na época vivia-se uma situação complexa, todas as partes estavam cientes, a esse propósito o próprio representante legal --- da A/Recorrida disse o seguinte:
“Juíza [1:21:44 - 1:21:57]: Especificamente, se houve uma data específica até a qual o hospital --- estendeu o prazo? Uma data? Se há data? Ou se não há data?
Legal representante Autora (tradutora) [1:22:05 - 1:23:24]: Portanto, o Senhor AA diz que não, não se trata de uma data especifica, visto que estávamos numa situação especial de pandemia, não havia exatamente uma data específica, portanto, isto, esta comunicação era feita dia por dia, com uma relação de confiança e, portanto, à medida que as coisas iam sendo desenvolvidas, sabiam que estavam em comunicação com vários vendedores.”
37. Quem lê a matéria dada como provada pelo Tribunal “a quo” fica com a sensação de que não existem contratos celebrados entre as Partes que estabelecem o prazo e forma de entrega das máscaras. (...)
38. No ponto 18 da matéria de facto considerada por provada pelo Tribunal “a quo” menciona que a A/Recorrida resolveu formalmente o contrato em 23 de agosto de 2021, o que não corresponde à verdade dos factos, conforme diversos documentos juntos aos autos e que o Tribunal “a quo” não podia ignorar como por exemplo do doc. 9 junto à PI.
39. O doc. 9 datado de 6 agosto de 2020 diz o seguinte ... “considerem que, pelo nosso pedido, estas duas encomendas são consideradas canceladas.”
40. Em data posterior a R/Recorrente recebe uma carta de uma de uma sociedade de advogados a pedir a devolução do sinal pago pela A/Recorrida à R/Recorrente por força da rescisão operada em 6 de agosto e 2020 - doc. 7 junto à Contestação. A carta a R/Reconvinte respondeu com duas cartas – doc. 8 e 9 junto à contestação.
41. A verdade dos factos, e que se retira da prova produzida, é que para além da A/Recorrida não cumprir os formalismos legais para rescindir o contrato, fê-lo de forma unilateral, sem apresentar qualquer justificação e sem que a R/Recorrente estivesse em incumprimento.
42. No entanto no decurso do julgamento e com os testemunhos, principalmente das testemunhas arroladas pela própria A/Recorrida, se percebe o motivo pelo qual esta rescinde unilateralmente o contrato (...).
43. O Tribunal “a quo” menciona também nos factos dados como provados – ponto 19 – que não existiu qualquer pagamento, o que não corresponde à verdade.
44. Existiu uma devolução de 137.500 USD por parte da R/Recorrente para a A/Recorrida por conta do primeiro contrato, ou seja, da primeira encomenda.
45. Conforme foi explicado pelo representante legal da R/Recorrida, esta sempre esteve de boa fé, achou sempre que as relações comerciais se iriam manter e que o segundo down payment seria suficiente para acautelar os prejuízos diretos, o que não se veio a verificar.
46. Ou seja, a não devolução do remanescente foi devidamente justificado pela R/Recorrente na carta remetida à A/Recorrida.
47. Tal carta é remetida pela R/Recorrente à A/Recorrida, na sequência da recepção de uma carta remetida por uma sociedade de advogados em nome desta a interpelar a aquela para proceder à devolução do “down-payment” (...), tendo a R/Recorrente respondido a tal missiva.
48. Em tal missiva a R/Recorrente justifica os prejuízos que incorreu (...).
49. A R/Recorrente não consegue entender como o Tribunal “a quo” pode considerar como provado este ponto 23. (...)
50. Para além de não existir prova contabilística da sociedade que provasse tal.
51. Ao contrário do que o Tribunal “a quo” menciona, a A/Recorrida não devolveu os montantes na integra ao Hospital --- conforme notas de encomenda juntas por esta, no seu requerimento de 12.05.2023, referência citius 45543912 – Ref. 45494843.
52. Se analisarmos as notas de encomenda do hospital são encomendadas um milhão de máscaras, tendo o Hospital pago à A/Recorrida pago a mencionado encomenda a pronto pagamento, o valor total das duas encomendas (em 1 e 4 de abril de 2020) foi de 7,900,000.00 USD e sendo que o montante que a A/Recorrida pagou ao Hospital foi no total de 6,320,000.28 USD (existe assim uma diferença de 1,579,999.72 USD).
53. A A/Reconvinte perdeu o Cliente por dois motivos: primeiro porque a encomenda era para entrega imediata, e dada a escassez de máscaras o CEO do hospital deu a esta um prazo suplementar para obter as máscaras, que era até ao final de julho de 2020 conforme transcrição do depoimento transcrito em cima.
54. De salientar que as notas de encomenda são de abril de 2020 e a A/Recorrida só celebrou contrato com a R/Recorrente em junho, nunca tendo mencionado que tinha uma data limite para a entrega das máscaras.
55. Ainda assim podia ter-se salvaguardado nos contratos que assinou com a R/Recorrente.
56. Por ser imprescindível para a boa decisão da causa transcrevemos de novo o depoimento da testemunha apresentada pela A/Recorrida - o Diretor executivo do hospital -- – --:
Advogado Autora [0:06:42 – 0:06:48]: Recorta-se em 2020 de 2 encomendas de máscaras feitas a esta empresa, a --?
Testemunha [0:06:56 – 0:07:07]: Sim, foram feitas, realizadas 2 ou 3 encomendas para máscaras.
Advogado Autora [0:07:08 – 0:07:10]: Recorda-se da data e do valor das mesmas?
Testemunha [0:07:16 – 0:07:06]: Portanto, foram duas notas encomenda, uma no dia um e outro dia 7 e ambas de três milhões, novecentos e cinquenta mil dólares.
Advogado Autora [0:07:08 – 0:07:14]: Que os senhores do hospital deram alguns prazos específicos para adquirir as máscaras?
Testemunha [0:08:26 – 0:08:54]: Portanto, a primeira a seis de maio e segunda a três de Maio.
Advogada Ré [0:08:54 – 0:08:55]: Três ou treze?
Testemunha [0:09:02 – 0:09:20]: Portanto, seis e três de Maio.
Advogada Ré [0:09:20 – 0:09:23]: Segunda em três de Maio?
Testemunha [0:09:24 – 0:09:24]: Três de Maio
Advogado Autora [0:09:28 – 0:09:33]: Pagou de antemão esses valores das encomendas à --?
Testemunha [0:09:39 – 0:09:40]: Sim.
Advogado Autora [0:09:41 – 0:09:43]: Isso era normal? Uma prática normal? ...
Testemunha [0:09:53 – 0:10:40]: Não, não é uma prática normal, mas por causa da situação da pandemia covid, sobretudo relativamente a empresas que se encontravam no estrangeiro, quase todas exigiam pagamentos em antecipado.
Advogada Ré [0:23:52 - 0:24:05]: Ok. Também referiu aqui que nas duas encomendas que fizeram que a primeira ter se entregue no dia seis de Maio e a segunda no dia três de Maio, não entregaram. Qual foi o procedimento que a seguir adotaram?
Testemunha [0:24:16 - 0:24:28]: Relativamente à --? Aquilo que me perguntou era relativamente à --? O que é que eles fizeram relativamente à --?
Advogada Ré [0:24:29 - 0:24:29]: Sim, sim, sim.
Testemunha [0:24:33 - 0:24:10]: Portanto, deram-lhe a oportunidade de, portanto, estender o prazo, portanto, porque precisavam mesmo dos artigos e por causa do período de pandemia que se vivia na altura.
Advogada Ré [0:25:11 - 0:25:19]: como é que eles fizeram essa extensão? Se foi por telefone? Se foi por escrito? Se fizeram uma nova encomenda?
Testemunha [0:25:26 - 0:26:01]: Portanto por Wattsapp e por e-mail. Portanto, o Wattsapp era o formato preferido, uma vez que as pessoas estavam em casa e trabalhavam de casa e era o mais rápido.
Advogada Ré [0:26:18 - 0:26:20]: Se me puder aqui ajudar....
Juíza [0:26:25 - 0:26:26]: Oito de agosto senhora Dra., e a outra data era de setembro.
Advogada Ré [0:26:26 - 0:26:30]: Ok. Era isso que eu achava.... porque aqui no... a minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:30 - 0:26:32]: Três de setembro. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:33 - 0:26:44]: A minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:45 - 0:26:50]: Não foi isso que a testemunha disse, salvo melhor entendimento. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:53 - 0:27:00]: Formalizou, então vou perguntar, quando é que ele efetivamente rescindiu a formalização foi a um de Setembro, mas quando é que ele efetivamente disse à --que já não queria as máscaras?
Testemunha [0:27:13 - 0:27:27]: Teria sido em Julho, mas que tem de, para ter a certeza, tem que ver as mensagens.
Advogada Ré [0:27:32 - 0:27:43]: Ok. Eles tinham uma relação, suponho eu que desde dois mil e dezessete acho que foi isso.
Testemunha [0:27:51 - 0:27:56]: Portanto, diz que receberam em 18 de Agosto a primeira devolução....
Advogada Ré [0:28:02 - 0:28:44]: Eles já tinham uma relação conforme foi dito, já dá muitos anos de trabalho e de confiança. Entre as 2 partes e tinham bons preços. Foi que disse o que ele disse, eles não conseguiram entregar as máscaras e a --devolveu o dinheiro, portanto, isso é um ato de boa-fé. Porque é que eles deixaram então de trabalhar com a --, se a --lhes devolveu o dinheiro? Foi-lhes sempre explicado porque é que não conseguiam entregar as máscaras, era uma relação de tantos anos, porque é que isso, se não tivessem devolvido o dinheiro, eu consigo entender.... porque é que isso fez com que eles deixassem de ter qualquer relação com o --?
Testemunha [0:29:08 - 0:29:58]: Durante o período da pandemia do Covid19, eles tiveram uma auditoria interna e que foram eles que que os forçaram a congelar as contas com a --, que não permitiram que continuassem relação com eles.
Advogada Ré [0:30:00 - 0:30:04]: Portanto, não teve a ver com uma quebra de confiança? É uma pergunta.
Testemunha [0:30:13 - 0:30:37]: Sim foi uma das razões foi essa. Uma das razões foi essa que levou depois a auditoria a decidir que tinham de congelar a relação que tinham com eles, portanto, a falta de confiança.
Advogada Ré [0:30:37 - 0:30:40]: Uma das uma das razões foi essa, as outras quais foram? Testemunha [0:30:46 - 0:31:25]: A outra razão foi facto, a necessidade de ter as máscaras era realmente muito premente e por isso, eles não queriam deixar de poder ter as máscaras de outro fornecedor. Portanto, a partir era visto que a quantia era muito elevada, a partir do momento em que cancelavam com a --poderiam ir procurar máscaras com outro vendedor, e foi por isso que decidiram cancelar também.
Advogada Ré [0:31:27 - 0:31:51]: E como ele urgência era tão grande e o pedido foi feito em um de Abril, o primeiro, porque é que demoraram tanto tempo a cancelar? Porque de facto, a urgência era grande, todos nos lembramos dessa época, porque é que no dia em Maio, quando
menos grave ou não, cancelaram logo e procuraram outro fornecedor? Porque é que tiveram este tempo todo para rescindir?
Testemunha [0:32:15 - 0:32:27]: Porque eles estavam a contar resolver o problema com esta terceira parte, esta terceira entidade.
Advogada Ré [0:32:29 - 0:32:30]: Quem era essa terceira entidade?
Testemunha [0:32:33 - 0:32:37]: A --.
Advogada Ré [0:32:38 - 0:32:39]: O que é que eles tinham a ver com a --?
Testemunha [0:32:40 - 0:32:40]: Eles quem?
Advogada Ré [0:32:41 - 0:32:52]: O Hospital, no fundo ele está a dizer que tinham de resolver, não cancelaram logo porque tinham de resolver isto com esta terceira entidade.
Testemunha [0:32:52 - 0:32:57]: Não eles, a -- tinha, disseram-lhes que estavam a resolver isto com uma terceira entidade.
Advogada Ré [0:32:58 - 0:33:15]: Mas em maio ainda não existia essa terceira entidade, quando eles não cumprem em maio dia 1 e 3, salvo erro, ainda não existia a --. Porque é que nessa altura não cancelaram logo? Dada a urgência, porque havia urgência em ter o produto.
Advogado Autora [0:33:17 - 0:33:18]: A testemunha já respondeu.
Advogada Ré [0:33:18 - 0:33:19]: Se poder responder de novo...
Testemunha [0:33:41 - 0:34:06]: Portanto, era a Esperança de que a situação se resolvesse, portanto, foi o top management da empresa que decidiu dar uma oportunidade à --.
Advogada Ré [0:34:07 - 0:34:43]: Mas considerando, volto aqui à questão que é, estamos numa fase complicadíssima, dar uma chance numa situação normal e okay agora, perante a situação que nós todos vivemos nessa altura, dar uma oportunidade e sendo eles um hospital ou eles tinham, falta-me a expressão, tinham Stock que lhes permitisse ou estarem à espera eram risco. Portanto, a pergunta é, porque é que decidiram dar essa oportunidade se eles tinham Stock de máscaras? Porque, de facto, a necessidade era premente para o mundo inteiro.
Juíza [0:34:44 - 0:34:50]: Dra., decidiram porque decidiram, é o que a testemunha diz... decidiram dar uma oportunidade Dra.
Advogada Ré [0:34:51 - 0:34:58]: Eles tinham stock de máscaras para fazer face a essa... Testemunha [0:35:19 - 0:36:50]: O facto de eles terem insistido na -- era porque a Organização Mundial de Saúde tinha recomendado que era a melhor qualidade de máscaras, mas era difícil mesmo com outras marcas e eles acabaram depois, mesmo departamento de qualidade acabou por aceitar outras máscaras porque todo mundo estava a precisar de máscaras e acabaram por aceitar as outras máscaras para formar um bocadinho aquele período em que....
Advogada Ré [0:36:51 - 0:36:55]: E eles não tinham outros fornecedores para além da --que fornecessem --?
Testemunha [0:37:05 - 0:37:59]: As quantidades que tinham eram de outra da -- de outros fornecedores eram quase irrelevantes, eram realmente quantidades muito baixas e foi por isso, e muito raramente, chegavam --, foi por isso que decidiram eventualmente começar a utilizar outras marcas.
Advogada Ré [0:38:00 - 0:38:02]: Porque não tinham outro fornecedor?
Testemunha [0:38:02 - 0:38:08]: Porque a quantidade que vinha dos de outros fornecedores da marca -- era muito pouco, era muito era irrelevante.
Advogada Ré [0:38:10 - 0:38:22]: Então eu vou questionar outra vez.... Então eles decidiram dar esta oportunidade à --porque era a empresa que lhes dava mais garantias de conseguirem receber um milhão de máscaras --?
Testemunha [0:38:36 - 0:39:35]: A razão principal, na verdade, era porque era uma relação muito boa que tinham com a --, eles eram muito, a conseguiam sempre entregar-lhes artigos que eram difíceis de conseguir relativamente a outros fornecedores e trabalhavam muito bem com eles, eram rápidos e facilitavam-lhes a vida.
Advogada Ré [0:39:35 - 0:39:38]: Ok, não tenho mais nada a questionar. ...
Juíza [0:40:28 - 0:40:37]: E se, apesar disso, o facto de eles não terem conseguido fornecer estas máscaras quebraram a relação de confiança que tinham?
Testemunha [0:40:58 - 0:42:24]: Foi uma questão dentro do departamento do senhor --, da cadeia de fornecimento, eles quiseram continuar com a relação, mas tiveram sofreram influência da tal auditoria interna que disse que não, que não podia ser, na altura, havia muitos problemas de confiança em todo o mundo, não queriam que se pensasse que havia algum favoritismo relativamente à --, e foi por isso que decidiram que tinham de cortar a relação com a empresa. Juíza [0:42:25 - 0:42:31]: Pergunto só, porque não estou esclarecida, se a auditoria, é uma auditoria interna ou externa?
Testemunha [0:42:41 - 0:43:50]: O que iniciou foi a auditoria interna.
Juíza [0:43:54 - 0:44:22]: Sim, em auditoria externa? Pergunte se foi uma decisão do Governo, portanto, do estado do Qatar terminar com esta relação?
Testemunha [0:44:37 - 0:44:41]: Foi a auditoria interna.
57. Não entende a R/recorrente como pode o Tribunal “a quo” dar como provado que “A A. acabou por perder o cliente Hospital ---, que nunca mais celebrou nenhum contrato com a A..” tendo sido a própria Juíza a questionar a razão pela qual deixaram de ser Clientes da A/Recorrida tendo o diretor executivo respondido que devido a uma auditoria interna.
58. O Tribunal “a quo”, na matéria de facto dada como provada, é contraditório, ora por um lado considera que que a rescisão ocorreu em 11 de agosto de 2020, mas no ponto 18) entende que a rescisão ocorreu em 23 de agosto de 2021.
59. O próprio tribunal “a quo” entra em contradição nos factos que considera provados.
60. Cumpre esclarecer que carta remetida pela R/Recorrente em 16 de setembro de 2021, é a resposta à carta remetida pela A/Recorrida em 21 de agosto de 2021, sendo que a R/Recorrente já havia sido remetido cartas anteriores em resposta à carta remetida pela sociedade de advogados em nome da A/Recorrida para a R/Recorrente.
61. Acresce salientar ainda, que só nesta carta de 21 de agosto a A/Recorrida aplica a lei portuguesa nos que respeita aos formalismos da rescisão definidos na lei civil portuguesa.
62. (...).
63. (...).
64. A legal representante da A. efetuou na rede Linkedin publicações com o teor constante dos print screen cujas cópias estão juntas como docs. 23 e 24 com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
65. O Tribunal “a quo” deu por reproduzido o teor das publicações, mas não lhe deu qualquer relevância.
66. As mensagens continham teor difamatório do bom nome do representante legal e da própria R/Reconvinte, e tais mensagens tiveram repercussões sérias para o bom nome do próprio, da própria sociedade.
67. Mas a A/Recorrida não se limitou a escrever no Linkedin da R/Recorrente, fê-lo também no Linkedin da ---.
68. Obviamente tal teve repercussões na relação entre a --- e a R/Recorrente, conforme decorre de declarações de parte de --- que foram já transcritas.
69. A este propósito também a testemunha da R/ Recorrente -- disse o seguinte:
Advogada Ré [0:08:22 - 0:08:48]: Olhe diga-me uma coisa, depois, enfim, também deve saber que que que a --rescindiu o contrato com --... E se teve conhecimento da existência da difamação no LinkedIn....
Testemunha [0:08:49 - 0:08:56]: Peço desculpa, agora não a consigo ouvir, peço desculpa.
Advogada Ré [0:08:56 - 0:09:08]: Se teve conhecimento da existência de uma difamação no Linkedin contra o -, que era na altura a pessoa com quem vocês negociavam e que estava à frente deste negócio e contra a própria --- no Linkedin?
Testemunha [0:09:11 - 0:09:16]: Sim, nas redes sociais houve alguma difamação vinda das partes.
Advogada Ré [0:09:19 - 0:09:40]: E acha que isso teve impacto na relação, neste caso, entre a -- e a --- para futuros negócios? Pensa que isso pode ter sido o motivo pelo qual... se esse poderá ter sido o motivo pelo qual a --- também não quis mais continuar a fazer negócios com a --?
Testemunha [0:09:43 - 0:10:53]: Bom, nos setores em que a --- trabalha o risco reputacional é obviamente alto e por isto tem importância. Eu creio que sim, que criou alguma, não diria inimizade, mas criou algum afastamento entre as duas partes e as comunicações passaram a ser muito mais formais daí em diante e eu penso que depois até houve um, não é rebentar, mas alguma, acho que a palavra vem do inglês, mas houve algum cessar de comunicações entre as três partes. A --- fez algumas diligências junto do cliente -- na altura para tentar reatar a situação e o negócio, que também não foi possível, enfim, creio que na altura foram mesmo extintas quaisquer comunicações entre as três partes por essa via.
Advogada Ré [0:10:54 - 0:11:02]: Ok. E só para esclarecer, a --- trabalhava para o Estado Americano? Era isso?
Testemunha [0:11:06 - 0:11:17]: --- é uma empresa privada que tem contratos com o Estado Americano. Na altura regulavam alguns setores de atividade no geral.
Advogada Ré [0:11:18 - 0:11:24]: Portanto, isso ainda se tornava mais grave a difamação no Linkedin, não é? Porque estamos a falar de uma empresa que trabalhava...
Testemunha [0:11:24 - 0:11:57]: Sim, até porque seria algumas das pessoas relacionadas com a ---, são pessoas que tinham muita presença na unidade comercial do país e, portanto, o ambiente é muito sensível, a questão do risco reputacional. Não só do setor da atividade, mas pessoalmente para alguns elementos, ou para todos, mas alguns mais pela exposição mediática que tiveram durante toda a vida, o dia-a-dia americano.
70. Não ficou provado o prazo em que a R/ Recorrente conseguiria entregar as máscaras, por esse motivo, e pelas circunstâncias especiais que o mundo atravessava, o contrato mencionava como condição para começar a decorrer o prazo de 7 dias, e entrega de um cronograma de entrega vinculativo da -- o que nunca veio a acontecer até à data da rescisão em Agosto de 2020 por parte da A/Recorrida.
71. A A/Recorrida poderia ter-se salvaguardo, em momento nenhum informou que tinha um prazo de entrega, para além de só ter celebrado contrato com R/Recorrente em julho e as notas de encomenda do hospital com aquela foram efetuadas em abril, ou seja, cerca de 3 meses antes.
72. Para além de as notas de encomenda efetuadas pelo hospital à A/Recorrente referirem expressamente que as máscaras deveriam vir da China e entrega imediata.
73. Essa encomenda do Hospital --- efetuada à A/Recorrida foi no montante total de 7,900,000.00 USD, conforme notas de encomenda, juntas pela A/Recorrida no seu requerimento de 12.05.2023 – ref.ª 45543912 – Ref.ª 45494843.
74. O Tribunal “a quo” deu como não se provado que A. e R. acordaram que o prazo de 7 dias indicado no contrato referido em 5) dos factos provados apenas começaria a contar a partir da entrega do cronograma vinculativo por parte da --.
75. Como pode o Tribunal “a quo” considerar este facto como não provado? Se ele esta contratualizado nos 2 contratos? Contratos que foram assinados por ambas as Partes.
76. Apesar do Tribunal “a quo” entender que ficou provado que a R/Recorrente nunca recebeu as máscaras, não corresponde à realidade.
77. Ficou provado que a R/Recorrente conseguiu as máscaras, mas já após a rescisão unilateral da A/recorrida conforme e-mail junto aos pela R/Recorrente junto em 08.05.2023, ref.ª citius 45506131.
78. E conforme depoimento da testemunha da A/reconvinte -- que se transcreveu.
79. O Tribunal “a quo” entendeu que não se provou que o prazo de entrega para os contratos referidos em 3) a 5) era de 7 dias uteis, após receção de cronograma de entrega vinculativo por parte da -- --.
80. (...)
81. Existiam dois contratos formalizados, assinados por ambas as partes com essa indicação, (...).
82. O Tribunal “a quo” entende que não se provou que a R. teve que pagar ao intermediário identificado em 49) comissões no montante global de USD 600.000 (seiscentos mil dólares americanos).
83. Efetivamente à data ainda não tinha pago, mas foi celebrado com o intermediário um reconhecimento de dívida, conforme documento 15 junto com a contestação.
84. E não foi liquidado porque para além da R/Recorrente não ter esse valor para pagar, mantém com aquela negócios.
85. E o facto de já terem celebrado outros negócios e terem outros negócios em curso, aceitaram celebrar um acordo de pagamento de divida que à data dos autos já se encontra incumprimento.
86. O Tribunal “a quo” considerou que não ficou provado que R/Recorrente teve prejuízos diretos decorrentes da rescisão a R. teve desde logo um prejuízo total de USD 752.308,29.
87. Provou através da carta remetida, junto como doc. 9, pela R/Reconvinte junta com a contestação, e que faz um mero cálculo aritmético em conjunto com o documento de reconhecimento de dívida junto com a contestação como doc. 15.
88. Daquele montante só não se fez prova das deslocações, de resto todos os prejuízos estão documentados, e que resultam da encomenda feita à --- e do pagamento que têm de fazer à comissionista.
89. Todos os e-mails, conforme demonstrado, eram trocados entre as Partes e --, logo obviamente, que fica provado que a -- tinha uma encomenda de 1.000.000 de máscaras.
90. O Tribunal “a quo” considerou que não se provou que a R. já tinha mais um negócio para fornecimento de 3.600.00 unidades de máscaras da -- com uma carta de intenções assinada, sendo o valor total do contrato no montante de $8.820.00, e valor de aquisição à --- no montante de $4.104.000.
91. A R/Recorrente deste facto também fez prova através da junção aos autos de várias cartas de intenção e de encomenda juntas como doc. 22 da contestação.
92. Ficou também provado que para além deste contrato que se veio a finalizar, apesar do enorme esforço que foi feito para que as máscaras chegassem (o que veio a acontecer em setembro) já deixou a relação fragilizada.
93. Mas depois das difamações que a A/Recorrida fez no LinkedIn da proporia --- que trabalha para o Estado Americano, deixaram de existir condições para continuarem a trabalhar a R/Recorrente, conforme resulta das declarações de Parte do representante legal -, da testemunha -- e da testemunha BB, já transcritas.
94. Ora, o Tribunal “a quo” lamentavelmente não deu qual relevância a esta circunstância estando em causa um negócio de elevado montante e não apreciando o direito à boa imagem que se encontra consagrado na lei portuguesa.
95. Ficou provado por todos os documentos juntos à contestação, no que concerne ao valor da encomenda à --, o que deixou de auferir, a dívida à -- e as encomendas que não procederam por a R/Recorrente e -- terem cortado relações devido às difamações do Linkdin, para além do valor pago a título de sinal à -- nunca ter sido devolvido.
96. Mais pagamento efetuado pela R/Recorrida à --- para encomenda das máscaras nunca foi devolvido àquela por esta, conforme resulta das declarações de parte de - e do depoimento das testemunhas --e --.
97. Cumpre relembrar que as notas de encomenda do --- Hospital foram feitas em abril com indicação expressa, do tipo de máscaras, que as mesmas deveriam vir da China e com entrega imediata, a este proposito disse a testemunha da A/Recorrida - -- – dia 04.07.2023, disse o seguinte:
Advogada Ré [0:38:21 - 0:39:02]: Ok. A nota de encomenda menciona, a testemunha disse que as notas da encomenda mencionavam sempre as datas de entrega, estas notas de encomenda mencionam entrega imediata, como é que ele consegue justificar que o --- Hospital tivesse esperado até início de agosto, ou final de Julho, pelas máscaras, uma vez que a entrega era imediata?
Juíza [0:39:04 - 0:39:17]: Dra., se me permite, eu não vou deixar reformular a pergunta assim porque a testemunha não falou em datas, nem em julho, nem agosto, não falou em datas nenhumas, a única data que a testemunha tinha presente que existia uma data, era uma data de entrega na nota de encomenda.
Advogada Ré [0:39:17 - 0:39:19]: Ele diz que há sempre...
Juíza [0:39:20 - 0:39:44]: Portanto, o primeiro esclarecimento, não se se a Senhora Dra. concorda com o Tribunal, é o que é a testemunha queria dizer, uma vez que foi ele que fez a nota de encomenda, o que é que a testemunha quando apôs esta menção na nota de encomenda. Portanto, se faz favor pergunte à Testemunha, na nota de encomenda está aposta a menção delivery to regard, o que é que ele queria dizer com essa menção?
Testemunha [0:40:06 - 0:40:24]: Portanto, quer dizer que era urgente e que partiam do princípio que já existia em stock, portanto, no inventário e que estava pronta para depois ser enviada.
Advogada Ré [0:40:25 - 0:40:25]: Não consigo entender.
Testemunha [0:40:27 - 0:40:36]: Portanto, do ponto de vista deles ao escreverem entrega imediata, queria dizer que partiam do princípio que já existia no inventário do fornecedor.
Advogada Ré [0:40:37 - 0:40:49]: Então a pergunta é, a --informou aqui este senhor, que eu me lembro, não sei nome, que que tinha estas máscaras em Stock?
Testemunha [0:40:57 - 0:41:49]: Sim, é exatamente isso que acontece. Portanto, a --informou-os de que tinham, que estava disponível, porque normalmente este senhor só imite a ordem, baseando-se naquela na informação da cotação, a cotação tinha especificamente dito que estavam prontas para serem enviadas.
98. Quem incumpriu o contrato foi a A/Recorrida com o seu Cliente --- Hospital, pois afirmou ter máscaras disponíveis para entrega imediata, o que não tinha. Tendo o diretor executivo dando-lhes um prazo suplementar até final de julho.
99. Mas deste prazo nunca a A/Recorrida informou a R/Recorrente, mas também não tinha de o fazer, mas poderia ter-se salvaguardo no contrato relativamente a tal prazo.
100. Resulta do depoimento da testemunha -- – 20.06.2023, diretor executivo do hospital A---, que devido ao facto de ter feito a encomenda em abril e ter pago a mesma na íntegra, o que não era usual.
101. Dada a dificuldade de obtenção de máscaras naquela época, que o Hospital decidiu dar um prazo suplementar para fornecimento de máscaras até ao final de julho de 2020.
102. E este é o real motivo pelo qual a A/Recorrida rescinde de forma unilateral o contrato com a R/Recorrente porque o seu Cliente rescindiu com aquela.
103. Dada relevância deste depoimento vai o mesmo de novo transcrito:
Testemunha -- – 20.06.2023:
Juíza [0:02:22 – 0:02:24]: Se conhece a sociedade --?
Testemunha [0:02:31 – 0:02:34]: Sim.
Juíza [0:02:35 – 0:02:37]: Qual a relação?
Testemunha [0:02:43 – 0:02:49]: São fornecedores deles. ~
Juíza [0:02:50 – 0:02:51]: E onde é que a Testemunha trabalha?
Testemunha [0:02:54 – 0:0:]: --- Hospital.
Juíza [0:02:59 – 0:03:02]: Se ouviu falar na sociedade -- --?
Testemunha [0:03:08 – 0:03:17]: Ok, sim, ouviu falar.
Juíza [0:03:19 – 0:03:21]: Se jura por honra dizer a verdade?
Testemunha [0:03:26 – 0:03:27]: Sim.
Advogado Autora [0:03:31 – 0:03:36]: Senhor -- importa-se de começar por dizer ao Tribunal quais são as suas funções no Hospital?
Testemunha [0:03:41 – 0:04:20]: Diretor executivo.
Juíza [0:04:29 – 0:04:30]: De fornecimento, sim?
Testemunha [0:04:34 – 0:04:35]: Da cadeia de fornecimento, sim.
Advogado Autora [0:04:39 – 0:04:41]: E há quantos anos é que tem essas funções?
Testemunha [0:04:48 – 0:04:56]: Desde 2008.
Advogado Autora [0:05:03 – 0:05:18]: Olhe e com que é que o senhor falava da --, da --, com quem é que o Senhor negociou nessas fases as ordens de encomenda, quer explicar?
Testemunha [0:05:27 – 0:05:36]: A senhora ---.
Advogado Autora [0:05:39 – 0:05:43]: Sabe quanto tempo durou a relação comercial com a empresa?
Testemunha [0:05:54 – 0:06:05]: Da primeira ordem, nota de encomenda foi feita em 2007.
Advogado Autora [0:06:06 – 0:06:13]: Importa-se de descrever essa relação? É uma relação profissional boa?
Testemunha [0:06:21 – 0:06:39]: Portanto, era uma boa relação, eles conseguiam fornecer rapidamente os artigos eram bons, tinham bons preços.
Advogado Autora [0:06:42 – 0:06:48]: Recorda-se em 2020 de 2 encomendas de máscaras feitas a esta empresa, a --?
Testemunha [0:06:56 – 0:07:07]: Sim, foram feitas, realizadas 2 ou 3 encomendas para máscaras.
Advogado Autora [0:07:08 – 0:07:10]: Recorda-se da data e do valor das mesmas?
Testemunha [0:07:16 – 0:07:06]: Portanto, foram duas notas encomenda, uma no dia um e outro dia 7 abril e ambas de três milhões, novecentos e cinquenta mil dólares.
Advogado Autora [0:07:08 – 0:07:14]: Que os senhores do hospital deram alguns prazos específicos para adquirir as máscaras?
Testemunha [0:08:26 – 0:08:54]: Portanto, a primeira a seis de maio e segunda a três de Maio.
Advogada Ré [0:08:54 – 0:08:55]: Três ou treze?
Testemunha [0:09:02 – 0:09:20]: Portanto, seis e três de maio.
Advogada Ré [0:09:20 – 0:09:23]: Segunda em três de Maio?
Testemunha [0:09:24 – 0:09:24]: Três de Maio
Advogado Autora [0:09:28 – 0:09:33]: Pagou de antemão esses valores das encomendas à --?
Testemunha [0:09:39 – 0:09:40]: Sim.
Advogado Autora [0:09:41 – 0:09:43]: Isso era normal? Uma prática normal?
Testemunha [0:09:53 – 0:10:40]: Não, não é uma prática normal, mas por causa da situação da pandemia covid, sobretudo relativamente a empresas que se encontravam no estrangeiro, quase todas exigiam pagamentos em antecipado.
Advogado Autora [0:10:41 – 0:10:46]: E esse preço pago pelo hospital à --foi pago de que modo? Por uma transferência bancária?
Testemunha [0:10:56 – 0:10:59]: Transferência bancária.
Advogado Autora [0:11:00 – 0:11:01]: Recorda-se das datas?
Testemunha [0:11:07 – 0:11:29]: Portanto, a primeira foi paga no dia 2 de Abril e a segunda no dia 12 de Abril.
Advogado Autora [0:11:33 – 0:11:43]: Então importa-se de descrever um pouco do que aconteceu? Neste cenário de encomenda de máscaras, não receberam as máscaras, o que é se passou em relação à --?
Testemunha [0:11:58 – 0:12:48]: Portanto, quando eles, quando chegou a altura em que a promessa que tinham recebido da entrega não foi cumprida, decidiram dar-lhes mais tempo, mas dado que o valor era bastante elevado, acabaram por depois mais tarde, decidir cancelar a encomenda.
Advogado Autora [0:12:50 – 0:12:56]: A Senhora -- explicou-lhe as razões por que não conseguiram entregar as máscaras?
Testemunha [0:13:03 – 0:13:04]: Sim, explicou.
Advogado Autora [0:13:06 – 0:13:07]: E qual era a razão?
Testemunha [0:13:12 – 0:13:44]: A senhora -- explicou que havia outras partes envolvidas e que estas, portanto, estes terceiros, não tinham conseguido cumprir as suas obrigações, e foi esta a razão que deu.
Advogada Ré [0:13:45 – 0:13:47]: Peço desculpa, não ouvi.
Testemunha [0:13:47 – 0:14:01]: A Senhora -- disse-lhe que havia outras partes envolvidas e que esses terceiros não tinham sido capazes de cumprir as obrigações que tinham sido assumidas, e, portanto, foi essa a justificação que lhe deu.
Advogado Autora [0:14:03 – 0:14:06]: Mas a Senhora -- referiu em concreto, a empresa -- --?
Testemunha [0:14:14 – 0:14:17]: Sim, mencionou esse nome.
Advogado Autora [0:14:22 – 0:14:29]: Muito bem. E, então, quando esta situação se verificou a --reembolsou os valores, isto é correto?
Testemunha [0:14:37 – 0:14:41]: Sim, reembolsou.
Advogado Autora [0:14:42 – 0:14:43]: E recorda-se do valor?
Testemunha [0:14:47 – 0:15:59]: Portanto, a --devolveu-lhes no dia dezoito de Agosto três milhões, setecentos e sessenta e um mil, seiscentos e cinquenta e três vírgula dezanove dólares e no dia três de setembro dois milhões, trezentos e setenta mil dólares.
Advogado Autora [0:16:01 – 0:16:12]: Mas ainda assim, apesar do reembolso, o hospital cancelou a conta com a --, portanto, não continuaram a boa relação, relação comercial que vinham a desenvolver há mais de quinze anos, porquê?
Testemunha [0:16:30 – 0:17:52]: A razão foi porque as quantias eram realmente muito elevadas, refere que o senhor -- refere que nos 27 anos que trabalhou naquele hospital, esta talvez tinha sido a em a quantia mais elevada que alguma vez pagaram, ainda por cima era como um avanço, portanto, não, não era costume fazerem pagamentos antecipados e este realmente era mais elevado.
Advogado Autora [0:17:54 – 0:17:59]: E devido a esta situação, o hospital nunca mais assinou qualquer contrato com a --?
Testemunha [0:18:06 – 0:18:08]: Não.
Advogado Autora [0:18:11 – 0:18:14]: Se isto não tivesse ocorrido continuariam a trabalhar com eles?
Testemunha [0:18:20 – 0:18:23]: Sim, claro.
Advogado Autora [0:18:26 – 0:18:29]: O hospital cancelou todas as encomendas que tinha com a --nessa altura?
Testemunha [0:18:37 – 0:19:16]: Sim, havia realmente diversas encomendas relativamente a outros artigos também, mas quando isto aconteceu eles cancelaram estas encomendas, congelaram a conta que tinham com a --, e eles não puderam entregar mais nada.
Advogado Autora [0:19:19 – 0:19:40]: Gostaria, se fosse possível, que a testemunha fosse confrontada com o Doc. 14 e 5, não é possível, não é? O que a testemunha já falou está a basear-se nesses documentos... Recorda-se qual é que era a meta anual de encomendas, portanto em termos de medicamentos e materiais médicos que o Hospital costumava adquirir?
Testemunha [0:19:53 – 0:20:06]: Entre três milhões e meio e quatro milhões por ano.
Advogado Autora [0:20:07 – 0:20:12]: E recorda-se em 2020 qual é que é era esse montante de faturação?
Testemunha [0:20:21 – 0:20:45]: Portanto, em 2020 foi de nove milhões, quinhentos e setenta mil novecentos e cinquenta e quatro vírgulas oitenta e seis cêntimos.
Advogado Autora [0:20:50 – 0:20:52]: É só isso Dra., não tenho mais nada.
Advogada Ré [0:20:55 – 0:21:30]: Bom, portanto, a encomenda que foi feita, foi feita no dia um de abril, de abril sim e disse dia cinco de abril, e eles pediam máscaras de fábricas de -- Estados Unidos, na China, o que é que isto significa?
Juíza [0:21:31 – 0:21:35]: Senhora Dra., esclarecimentos, a testemunha não foi interrogada nessa matéria.
Advogada Ré [0:21:50 – 0:22:05]: Como é que funcionam as encomendas? Vocês fazem as encomendas por escrito? E como é que fazem as rescisões, são por escrito? Como é que funciona? Normalmente o hospital... Interprete [0:22:05 – 0:22:08]: As rescisões de contrato ou de ordem? Advogada Ré [0:22:08 – 0:22:14]: Não, como é que funciona como é que fazem as encomendas? É por escrito? Quando rescindem, se é por escrito?
Juíza [0:22:15 – 0:22:25]: Dra., essa matéria não foi feita no genérico à testemunha. Posso perguntar à testemunha, se a Senhora Dra. quiser um esclarecimento, como é que neste caso concreto pôs termo ao contrato, rescindiu o Contrato...
Advogada Ré [0:22:27 – 0:22:28]: Pronto, pode ser...
Testemunha [0:22:38 – 0:30:14]: Portanto, a primeira comunicação foi feita através do Wattsapp, depois enviaram e-mails e depois fizeram uma alteração da ordem, portanto, aquilo que eles utilizam para cancelar a ordem.
Advogada Ré [0:23:14 – 0:23:15]: Em que data?
Testemunha [0:23:21 - 0:23:49]: Portanto, esta cancelamento da ordem oficial, só teve lugar no dia um de setembro de dois mil e vinte por causa dos trâmites em intermediários que houve pelo meio.
Advogada Ré [0:23:52 - 0:24:05]: Ok. Também referiu aqui que nas duas encomendas que fizeram que a primeira ter se entregue no dia seis de maio e a segunda no dia três de Maio, não entregaram. Qual foi o procedimento que a seguir adotaram?
Testemunha [0:24:16 - 0:24:28]: Relativamente à --? Aquilo que me perguntou era relativamente à --? O que é que eles fizeram relativamente à --?
Advogada Ré [0:24:29 - 0:24:29]: Sim, sim, sim.
Testemunha [0:24:33 - 0:24:10]: Portanto, deram-lhe a oportunidade de, portanto, estender o prazo, portanto, porque precisavam mesmo dos artigos e por causa do período de pandemia que se vivia na altura. Advogada Ré [0:25:11 - 0:25:19]: como é que eles fizeram essa extensão? Se foi por telefone? Se foi por escrito? Se fizeram uma nova encomenda?
Testemunha [0:25:26 - 0:26:01]: Portanto por WattsApp e por e-mail. Portanto, o Wattsapp era o formato preferido, uma vez que as pessoas estavam em casa e trabalhavam de casa e era o mais rápido.
Advogada Ré [0:26:18 - 0:26:20]: Se me puder aqui ajudar...
Juíza [0:26:25 - 0:26:26]: Oito de agosto senhora Dra., e a outra data era de setembro.
Advogada Ré [0:26:26 - 0:26:30]: Ok. Era isso que eu achava.... porque aqui no... a minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:30 - 0:26:32]: Três de setembro. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:33 - 0:26:44]: A minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:45 - 0:26:50]: Não foi isso que a testemunha disse, salvo melhor entendimento. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:53 - 0:27:00]: Formalizou, então vou perguntar, quando é que ele efetivamente rescindiu a formalização foi a um de Setembro, mas quando é que ele efetivamente disse à --que já não queria as máscaras?
Testemunha [0:27:13 - 0:27:27]: Teria sido em Julho, mas que tem de, para ter a certeza, tem que ver as mensagens.
Advogada Ré [0:27:32 - 0:27:43]: Ok. Eles tinham uma relação, suponho eu que desde dois mil e dezassete acho que foi isso.
Testemunha [0:27:51 - 0:27:56]: Portanto, diz que receberam em 18 de Agosto a primeira devolução....
Advogada Ré [0:28:02 - 0:28:44]: Eles já tinham uma relação conforme foi dito, já dá muitos anos de trabalho e de confiança. Entre as 2 partes e tinham bons preços. Foi que disse o que ele disse, eles não conseguiram entregar as máscaras e a --devolveu o dinheiro, portanto, isso é um ato de boa-fé. Porque é que eles deixaram então de trabalhar com a --, se a --lhes devolveu o dinheiro? Foi-lhes sempre explicado porque é que não conseguiam entregar as máscaras, era uma relação de tantos anos, porque é que isso, se não tivessem ouvido o dinheiro, eu consigo entender.... porque é que isso fez com que eles deixassem de ter qualquer relação com o --?
Testemunha [0:29:08 - 0:29:58]: Durante o período da pandemia do Covid19, eles tiveram uma auditoria interna e que foram eles que que os forçaram a congelar as contas com a --, que não permitiram que continuassem relação com eles.
Advogada Ré [0:30:00 - 0:30:04]: Portanto, não teve a ver com uma quebra de confiança? É uma pergunta.
Testemunha [0:30:13 - 0:30:37]: Sim foi uma das razões foi essa. Uma das razões foi essa que levou depois a auditoria a decidir que tinham de congelar a relação que tinham com eles, portanto, a falta de confiança.
Advogada Ré [0:30:37 - 0:30:40]: Uma das uma das razões foi essa, as outras quais foram?
Testemunha [0:30:46 - 0:31:25]: A outra razão foi facto, a necessidade de ter as máscaras era realmente muito premente e por isso, eles não queriam deixar de poder ter as máscaras de outro fornecedor. Portanto, a partir era visto que a quantia era muito elevada, a partir do momento em que cancelavam com a --poderiam ir procurar máscaras com outro vendedor, e foi por isso que decidiram cancelar também.
Advogada Ré [0:31:27 - 0:31:51]: E como ele urgência era tão grande e o pedido foi feito em um de abril, o primeiro, porque é que demoraram tanto tempo a cancelar? Porque de facto, a urgência era grande, todos nos lembramos dessa época, porque é que no dia 1 de maio, quando menos grave ou não, cancelaram logo e procuraram outro fornecedor? Porque é que tiveram este tempo todo para rescindir?
Testemunha [0:32:15 - 0:32:27]: Porque eles estavam a contar resolver o problema com esta terceira parte, esta terceira entidade.
Advogada Ré [0:32:29 - 0:32:30]: Quem era essa terceira entidade? Testemunha [0:32:33 - 0:32:37]: A --.
Advogada Ré [0:32:38 - 0:32:39]: O que é que eles tinham a ver com a --?
Testemunha [0:32:40 - 0:32:40]: Eles quem?
Advogada Ré [0:32:41 - 0:32:52]: O Hospital, no fundo ele está a dizer que tinham de resolver, não cancelaram logo porque tinham de resolver isto com esta terceira entidade.
Testemunha [0:32:52 - 0:32:57]: Não eles, a -- tinha, disseram-lhes que estavam a resolver isto com uma terceira entidade.
Advogada Ré [0:32:58 - 0:33:15]: Mas em maio ainda não existia essa terceira entidade, quando eles não cumprem em maio dia 1 e 3, salvo erro, ainda não existia a --. Porque é que nessa altura não cancelaram logo? Dada a urgência, porque havia urgência em ter o produto.
Advogado Autora [0:33:17 - 0:33:18]: A testemunha já respondeu.
Advogada Ré [0:33:18 - 0:33:19]: Se poder responder de novo...
Testemunha [0:33:41 - 0:34:06]: Portanto, era na Esperança de que a situação se resolvesse, portanto, foi o top management da empresa que decidiu dar uma oportunidade à --. Advogada Ré [0:34:07 - 0:34:43]: Mas considerando, volto aqui à questão que é, estamos numa fase complicadíssima, dar uma chance numa situação normal e okay agora, perante a situação que nós todos vivemos nessa altura, dar uma oportunidade e sendo eles um hospital ou eles tinham, falta-me a expressão, tinham Stock que lhes permitisse ou estarem à espera eram risco. Portanto, a pergunta é, porque é que decidiram dar essa oportunidade se eles tinham Stock de máscaras? Porque, de facto, a necessidade era premente para o mundo inteiro.
Juíza [0:34:44 - 0:34:50]: Dra., decidiram porque decidiram, é o que a testemunha diz... decidiram dar uma oportunidade Dra.
Advogada Ré [0:34:51 - 0:34:58]: Eles tinham stock de máscaras para fazer face a essa...
Testemunha [0:35:19 - 0:36:50]: O facto de eles terem insistido na -- era porque a Organização Mundial de Saúde tinha recomendado que era a melhor qualidade de máscaras, mas era difícil mesmo com outras marcas e eles acabaram depois, mesmo departamento de qualidade acabou por aceitar outras máscaras porque todo mundo estava a precisar de máscaras e acabaram por aceitar as outras máscaras para formar um bocadinho aquele período em que....
Advogada Ré [0:36:51 - 0:36:55]: E eles não tinham outros fornecedores para além da --que fornecessem --?
Testemunha [0:37:05 - 0:37:59]: As quantidades que tinham eram de outra da -- de outros fornecedores eram quase irrelevantes, eram realmente quantidades muito baixas e foi por isso, e muito raramente, chegavam --, foi por isso que decidiram eventualmente começar a utilizar outras marcas.
Advogada Ré [0:38:00 - 0:38:02]: Porque não tinham outro fornecedor?
Testemunha [0:38:02 - 0:38:08]: Porque a quantidade que vinha dos de outros fornecedores da marca -- era muito pouco, era muito era irrelevante.
Advogada Ré [0:38:10 - 0:38:22]: Então eu vou questionar outra vez.... Então eles decidiram dar esta oportunidade à --porque era a empresa que lhes dava mais garantias de conseguirem receber um milhão de máscaras --?
Testemunha [0:38:36 - 0:39:35]: A razão principal, na verdade, era porque era uma relação muito boa que tinham com a --, eles eram muito, a conseguiam sempre entregar-lhes artigos que eram difíceis de conseguir relativamente a outros fornecedores e trabalhavam muito bem com eles, eram rápidos e facilitavam-lhes a vida.
Advogada Ré [0:39:35 - 0:39:38]: Ok, não tenho mais nada a questionar.
Juíza [0:39:38 - 0:39:49]: Mais alguma questão senhor Dr.? Pergunte só, se faz favor, se a --fornecia outro material para além de máscaras?
Testemunha [0:40:01 - 0:40:27]: Sim, era uma variedade de artigos, incluindo partes para equipamento que eles tinham no hospital, que eram fornecidos pela --.
Juíza [0:40:28 - 0:40:37]: E se, apesar disso, o facto de eles não terem conseguido fornecer estas máscaras quebraram a relação de confiança que tinham?
Testemunha [0:40:58 - 0:42:24]: Foi uma questão dentro do departamento do senhor --, da cadeia de fornecimento, eles quiseram continuar com a relação, mas tiveram sofreram influência da tal auditoria interna que disse que não, que não podia ser, na altura, havia muitos problemas de confiança em todo o mundo, não queriam que se pensasse que havia algum favoritismo relativamente à --, e foi por isso que decidiram que tinham de cortar a relação com a empresa.
Juíza [0:42:25 - 0:42:31]: Pergunte só, porque não estou esclarecida, se a auditoria, é uma auditoria interna ou externa?
Testemunha [0:42:41 - 0:43:50]: O que iniciou foi a auditoria interna.
Juíza [0:43:54 - 0:44:22]: Sim, em auditoria externa? Pergunte se foi uma decisão do Governo, portanto, do estado do Qatar terminar com esta relação?
Testemunha [0:44:37 - 0:44:41]: Foi a auditoria interna.
104. Toda a fatualidade invocada pela R/Recorrente ficou provada, sendo que a mais relevante para a boa decisão da causa:
- Condições de entrega: 7 dias após recebimento do cronograma de entrega vinculativo da --.
- Este cronograma era uma imposição da -- para controlar as encomendas.
- O Hospital -- fez as encomendas das máscaras em abril de 2020 para entrega imediata provenientes da China.
- Como a A/Recorrida não conseguiu entregar e eles tinham efetuado o pagamento na totalidade dera, um prazo suplementar até ao final de julho.
- A A/ Recorrida celebra com a R/Recorrente 2 contratos de fornecimento de máscaras em junho de 2020, ou seja, já depois de estar em incumprimento com o seu Cliente;
- A A/Recorrida faz dois down payment à R/Recorrente;
- A A/Recorrente faz a encomenda à --- e paga essa encomenda no montante de 136.000 usd; - A R/Recorrida chegou a esta cliente, ora A/Recorrida através de um intermediário de negócios --, a quem tem de pagar uma comissão de 600.000 usd
- O valor que pagaram pela encomenda à --- nunca lhes foi devolvido;
- Considerando o contrato a R/Recorrente nunca esteve em incumprimento com a A/ReCorrida;
- A A/Recorrida rescindiu os contratos unilateralmente sem dar qualquer justificação para tal.
- A R/Recorrente devolveu o valor do primeiro down payement;
- Nunca se negou a pagar qualquer valor à A/ Recorrente apenas disse que teria de apurar os seus prejuízos diretos;
- Por causa da difamação e esta rescisão a --- deixou de fornecer a R/Recorrente;
- A R/Recorrente tinha mais encomendas até anteriores, mas deu preferência a esta pois a A/Recorrida fornecia outro tipo de material hospitalar e poderia ser uma oportunidade de negócio para aquela.
- A A/Recorrida não rescindiu o contrato de acordo com a le--lação portuguesa, só o fez depois de receber uma carta da R/Recorrente a invocar esse facto é que o fez em agosto de 2021.
- A R/Recorrente teve prejuízos diretos com esta rescisão, lucros cessantes, perdeu a possibilidade de fazer negócio com outras entidades pois deixou de trabalhar com a -- essencialmente por causa das difamações.
- As difamações dirigidas à R/Recorrente e --- tiveram um impacto muito grande no negocio daquela conforme se pode aferir só pelo facto de deixarem de trabalhar com a --.
Nestes termos, Deverão V/ Ex.as considerar o presente Recurso julgado procedente por provado e por via disso:
a) Considerar nulo o julgamento nos termos do n.º 1, artigo 195.º do CPC pois foram admitidos atos que a lei não admite, caso assim não entendam deverão os Venerandos Juízes decidir:
b) Anular a decisão do Tribunal “a quo” que decidiu julgar a presente ação procedente, devendo V/ Ex.as considerar o pedido reconvencional procedente por provado, e por via disso ser o A./ Recorrido condenado a indemnizar os RR./Recorrentes nos montantes peticionados
c) Caso o Tribunal, considere indispensável para o melhor apuramento da verdade, deverá esse Venerando Tribunal fazer uso das faculdades previstas no art.º 662.º do C.P.C.
--
A autora, notificada, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
--
II.II. Questões a apreciar:
– Da alteração da decisão de facto quanto ao prazo contratual para a entrega das máscaras cirúrgicas objeto do contrato, para o contexto da cessação do mesmo e para a invocada afetação do bom nome comercial da reconvinte;
- Da sustentação da decisão recorrida quanto a resolução e condenação em restituição de valores pagos, em consequência do que for decidido;
- Da eventual alteração da decisão da reconvenção, no que concerne ao pedido indemnizatório por afetação do bom nome. –
--
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. –
--- II.III. Apreciação do recurso:
-- II.III.I. Matéria de facto dada por provada na sentença:
Factos provados:
1) A A. é uma empresa norte-americana que se dedica à distribuição de produtos farmacêuticos, médicos e hospitalares, incluindo o fornecimento desses produtos a hospitais, operando há mais de 15 anos no mercado internacional.
2) A R. é uma empresa que tem como objetivo a importação, exportação, comercialização e distribuição de medicamentos, cosmética, perfumaria, dietética, medicina natural, dispositivos médicos, acessórios para farmácia, matérias-primas relacionadas e outros.
3) No âmbito das respetivas atividades, A. e R. celebraram dois contratos de compra e venda de máscaras de --, modelo 1860.
4) O primeiro contrato de compra e venda foi celebrado em 12 de junho de 2020 para o fornecimento de 250.000 máscaras, conforme doc. 11 junto à contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5) Posteriormente, a A. celebrou com a R., em 25 de junho de 2020, um contrato de compra e venda e de fornecimento de máscaras respiratórias --, modelo 1860 (máscaras cirúrgicas), no âmbito do qual a R. se obrigou a fornecer à A., e esta a adquirir, o volume de 750 mil máscaras do modelo referido, mediante o pagamento, pela A., do preço acordado, tudo nos termos do contrato junto à PI como doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
6) As partes acordaram, que a R. forneceria as máscaras respiratórias em questão à A., em qualquer aeroporto escolhido por esta, no prazo de 7 dias, assim que fosse efetuado o pagamento pela A. do depósito acordado (USD 412,500.00), conforme cláusula terceira do contrato sub Júdice.
7) A A., antes de assinar o contrato referido em 5) e por uma questão de precaução, solicitou expressamente à R., representada pelo seu gerente - A---, com quem negociou o referido contrato, que respondesse por escrito que, no caso de nenhuma transação se realizar, não entrega das máscaras pela R. à A., a A. seria totalmente reembolsada do montante pago, pergunta à qual a R. respondeu cristalinamente que, nesse caso, o reembolso teria lugar imediatamente dentro do prazo contratual de 7 dias úteis, tal como já tinha sido transmitido verbalmente por telefone por ele a ---, diretora do A., tudo conforme correio eletrónico trocado em 12 de Junho de 2020, junto à PI como doc. 3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
8) Por e-mail de 23 de junho de 2020, a R., novamente através do seu gerente ---, escreveu à A. que a R. tinha um plano para entrega na semana a começar em 6 de julho de 2020, mas com expectativas sobre uma possível entrega antecipada das máscaras para o dia 2 de julho de 2020, tudo conforme correio eletrónico trocado em 23 de junho de 2020, junto à PI como doc. 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
9) Mediante as garantias da R. acima descritas, determinantes para a celebração do contrato sub Júdice, em 25 de junho de 2020, ou seja, no próprio dia da sua assinatura, a A. procedeu ao pagamento, à R., do valor de USD 412,500.00, por transferência bancária.
10) A R. confirmou a receção do pagamento e, por correio eletrónico datado de 6 de julho de 2020 junto à PI como doc. 6, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, prometeu a entrega das máscaras em causa à A..
11) Na troca de correio eletrónico, mantida entre A. e R.., em 6 de julho de 2020, a A. insistiu para que a R. enviasse as máscaras para o seu cliente final, e a R. prometeu, através da sua intermediária --, que as máscaras chegariam ainda durante a semana de 6 de julho de 2020, ao cliente final da A..
12) CC, da empresa ---, em representação da R., enviou uma carta datada de 7 de julho de 2020 à A., com o seguinte teor: “Att: -- RE: 250.000 -- N95 1860 Máscaras Respiratórias Data de entrega Exmos. Senhores da --, 7 de Julho de 2020 Em referência à encomenda feita através do nosso parceiro -- -- II para 250.000 -- N95 1860 Máscaras Respiratórias, continuamos confiantes e confiantes de que manteremos o calendário previamente comprometido. O produto que lhe foi atribuído faz parte de uma encomenda previamente autorizada e já foi colocada há algum tempo. A --- permanece diligente e confiante nesta encomenda. A equipa logística da --- está pronta a fornecer transporte aéreo após a receção do produto e fará todo o possível para assegurar que os prazos sejam cumpridos. Obrigado pela oportunidade e confiança na --- e na equipa da -- --. Atenciosamente DD” conforme doc. 7 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
13) Em 15 de julho de 2020, a A. insistiu através de um novo conjunto de correio eletrónico trocado com a R. e o seu representante ---, para saber o que se estava a passar e quando seriam entregues as máscaras, conforme doc. 8 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
14) Não obstante a promessa de entrega pela R. da forma mais eficiente possível e das interpelações da A. para o efeito, a R. não entregou as máscaras à A. nem ao cliente desta, nem nos sete dias subsequentes à assinatura do contrato referido em 5), nem na semana indicada em 11), nem posteriormente.
15) Em 6 de agosto de 2020, decorrido já o prazo de 7 dias contratualmente estabelecido para receber as máscaras, e não as tendo recebido, a A. interpelou a R. por carta, na pessoa do seu gerente ---, para proceder ao imediato reembolso da quantia paga, conforme doc. 9 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16) A A. havia transferido para a R. ao abrigo do contrato referido em 4) a quantia de 137,500.00 USD, transferência bancária realizada em 12 de Junho de 2020 e ao abrigo do contrato referido em 5) a quantia de 412,500.00 USD, transferência bancária realizada em 25 de junho de 2020.
17) A A. foi reembolsada pela R. apenas da primeira quantia de 137,500.00 USD.
18) A A. enviou à R. uma carta datada de 23 de Agosto de 2021 a resolver formalmente o contrato referido em 5) por incumprimento definitivo daquela, mais solicitando o reembolso do valor em dívida pela R. acrescido de juros vencidos e vincendos, até 31 de Agosto de 2021, conforme doc. 12 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
19) Carta de resolução essa que foi efetivamente recebida pela R., não tendo a A. até à presente data reembolsado o valor em causa.
20) O INFARMED emitiu em 10 de dezembro de 2019 a Circular Informativa N.º 194/CD/100.20.200 referente à suspensão de autorizações de distribuição por grosso de medicamentos de uso humano, da qual consta o nome da R..
21) Através da Circular N.º 039/CD/100.20.200, datada de 04 de fevereiro de 2020, o INFARMED comunicou a revogação da suspensão da autorização de distribuição por grosso de medicamentos de uso humano relativamente à R..
22) A aquisição de determinado tipo e volume de máscaras ao abrigo do contrato referido em 5) tinha como propósito o fornecimento, pela A. ao Hospital ---, no Qatar.
23) O referido Hospital era um cliente da maior relevância da A.
24) A R. e o seu representante -- sabiam qual era o propósito e finalidade das máscaras a que respeita o contrato referido em 5) e que o seu destino final era a entrega das mesmas ao Hospital ---.
25) A R. sabia da urgência, importância e responsabilidades da encomenda respeitante ao contrato referido em 5) para a A., motivo pelo qual o pagamento pela A. foi feito no próprio dia da assinatura do contrato, e sendo essa a razão pela qual havia sido contratualmente estabelecido o prazo de 7 dias para a entrega das máscaras por parte da R..
26) Em virtude do não fornecimento das máscaras pela R. à A., esta não forneceu igualmente as máscaras ao Hospital ---.
27) A A. reembolsou o Hospital --- dos montantes antecipadamente pagos por esta entidade com vista à aquisição das máscaras a que se reportam os contratos referidos em 4) e 5), nos montantes de USD 3.950.000,28 e USD 2.370.000,00, através de transferências bancárias datadas respetivamente de 11 de agosto de 2020 e 8 de setembro de 2020.
28) A A. acabou por perder o cliente Hospital ---, que nunca mais celebrou nenhum contrato com a A..
29) Em 2020, o Hospital --- Hospital cancelou todas as encomendas que tinha com a A.
30) A A. forneceu material hospitalar ao seu cliente Hospital --- durante cerca de 17 anos, desde 2004, com o qual desenvolveu uma importante relação comercial e de confiança durante esse período.
31) Em 2016, o --- Hospital efetuou transferências bancárias para a A. no montante total de USD 1.764.845,68 referentes a fornecimentos feitos pela A..
32) Em 2017, o --- Hospital efetuou transferências bancárias para a A. no montante total de USD 1.793.245,81 referentes a fornecimentos feitos pela A..
33) Em 2018, o --- Hospital efetuou transferências bancárias para a A. no montante total de USD 2.054.944,92 referentes a fornecimentos feitos pela A..
34) Em 2019, o --- Hospital efetuou transferências bancárias para a A. no montante total de USD 1.527.440,66 referentes a fornecimentos feitos pela A..
35) Em 2020, o --- Hospital efetuou transferências bancárias para a A. até ao mês de setembro, no montante total de USD 8.662.269,33.
36) Das transferências referidas em 35), a A. reembolsou ao --- Hospital o montante de USD 6.320.000,28, nos termos e em consequência do referido em 27).
37) Após julho de 2020, a A. nunca mais teve uma encomenda do --- Hospital.
38) Antes de A. e R. assinarem os contratos referidos em 4) e 5) a A. sabia que a --- era parceira de negócios da R..
39) À época da assinatura do contrato referido em 5) havia escassez de máscaras no mercado.
40) A R., por intermédio do seu gerente ---, respondeu, via e-mail, à carta referida em 15) aceitando a rescisão, conforme e-mail de 11 de agosto de 2020, junto aos autos como doc. 6 da Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
41) A --- sempre apareceu em todas as comunicações entre a A. e a R., para que a A. estivesse sempre a par do que se estava a passar com a encomenda das máscaras a que se reportam os contratos referidos em 4) e 5).
42) Com data de 10 de fevereiro de 2021 a R. recebeu a missiva com o teor do doc. 7 junto com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
43) Com data de 21 de abril de 2021 a R. enviou à A. a missiva com o teor do doc. 8 junto com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
44) Com data de 21 de julho de 2021 a R. enviou à A. a missiva com o teor do doc. 9 junto com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
45) Às cartas referidas em 43) e 44) remetidas pela R. não existiu qualquer resposta por parte da A.
46) Com data de 16 de setembro de 2021 a R. enviou à A. a missiva com o teor do doc. 10 junto com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
47) Com a assinatura dos contratos referidos em 3) a 5) havia necessidade de proceder a um pagamento de 20% sobre o valor da encomenda, nessa medida a R. emitiu duas faturas proforma após a assinatura e cada contrato tendo a A. procedido ao respetivo pagamento.
48) Após a R. efetuou as respetivas encomendas à ---, efetuando em 19 de junho de 2020 e 30 de junho de 2020, transferências bancárias para a conta da mesma no total USD 136.000,00.
49) A R. chegou à A. através dos intermediários -- INTERNATIONAL, LTD.
50) A legal representante da A. efetuou na rede Linkedin publicações com o teor constante dos prints screen cujas cópias estão juntas como docs. 23 e 24 com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
51) A A. procedeu ao pagamento do preço nos termos referidos em 5) tendo por pressuposto a confirmação que a primeira encomenda das máscaras a que se reporta o contrato referido em 3) se encontrava na doca de carga com destino ao aeroporto, para partir para o cliente da A., o --- Hospital, o que não se veio a verificar
52) O pressuposto de celebração do contrato referido em 5) e a razão pela qual a A., por recomendação de terceiros, contactou o gerente - da R., que lhe prometeu que conseguiria obter facilmente as máscaras contratualizadas, foi a escassez de máscaras referida em 39).
53) Foi devido à decisão da administração do Presidente Donald Trump - “Defense Production Act” - que visava a afetação da produção mundial das máscaras -- aos EUA, que a A. contactou a R. em primeiro lugar e que lhe explicou essa situação/contexto ainda antes de assinar o contrato referido em 5) ou de avançar com qualquer ordem de encomenda de máscaras através da R., tendo perguntado expressamente ao gerente da R., se ainda assim conseguiria obter as máscaras 1860 3, tendo o mesmo assegurado que sim, que as conseguia entregar no prazo de 7 dias.
54) ... (vazio)
55) Em 5 de agosto de 2020, a R. remeteu à A. o correio eletrónico com o conteúdo do doc. 1 junto à Réplica cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 56) Em 15 de julho de 2020, a R. remeteu à A. o correio eletrónico com o conteúdo do doc. 2 junto à Réplica cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais
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- Factos não provados:
- Não se provou que à data da outorga dos contratos referidos em 4) e 5) a R. tivesse a autorização de distribuição por grosso de medicamentos de uso humano suspensa.
- Não se provou que o Hospital ---, no Qatar, era o maior cliente da A..
- Não se provou que o volume de faturação envolvido na relação entre A. e o Hospital ---, no Qatar, eram imprescindíveis para a A.
- Não se provou que foi exclusivamente pelo não cumprimento da obrigação de entrega das máscaras pela A. ao Hospital ---, que este cancelou todas as encomendas que tinha com a A..
- Não se provou que as encomendas feitas pelo Hospital --- à A. em 2020 tinham o valor total de 8.450,00 USD.
- Não se provou que o Hospital --- exclusivamente fruto da impossibilidade da A. de cumprir o acordado quanto ao fornecimento das máscaras, perdeu completamente a confiança na A. e não lhe pagou os bens e equipamentos que lhe haviam sido fornecidos pela A. em 2020, no montante de USD 1.464.782.
- Não se provou que A. e R. acordaram que o prazo de 7 dias indicado no contrato referido em 5) dos factos provados apenas começaria a contar a partir da entrega do cronograma vinculativo por parte da --.
- Não se provou que a --- era a representante oficial das máscaras --.
- Não se provou que a assinatura do contrato referido em 5) dos factos provados fosse concomitante com a decisão da administração do Presidente Donald Trump.
- Não se provou que da decisão da administração do Presidente Donald Trump - “Defense Production Act” – resultou que a distribuição mundial de máscaras fosse realizada por entidades reconhecidas por esta mesma administração, a fim de garantir que não se verificasse especulação de valor de venda sobre as mesmas.
- Não se provou que a R. e a sua parceira --- conseguiram que as máscaras a que respeitam o contrato referido em 5) dos factos provados fossem disponibilizadas para serem entregues à A..
- Não se provou que a R. após rescisão contratual remeteu outras missivas à A., para além das referidas em 43) e 44) dos factos provados.
- Não se provou que nunca foi entregue à R. o plano de programação da -- Logistics.
- Não se provou que o prazo de entrega para os contratos referidos em 3) a 5) era de 7 dias uteis, após receção de cronograma de entrega vinculativo por parte da -- --.
- Não se provou que a R. veio a conseguir ter para entrega as máscaras.
- Não se provou que a R. teve que pagar ao intermediário identificado em 49) comissões no montante global de USD 600.000 (seiscentos mil dólares americanos).
- Não se provou que para negociar os contratos, os valores e a forma de entrega das máscaras --, modelo 1860, a R. precisou de realizar 3 viagens para reunir com a --- e seus representantes sul africanos, tendo esta tido um custo de 13.800 € (USD 16.308,29), reportado ao valor das passagens aéreas e respetivas estadias.
- Não se provou que em prejuízos diretos decorrentes da rescisão a R. teve desde logo um prejuízo total de USD 752.308,29.
- Não se provou que o número de máscaras adjudicadas pela R. e encomendadas efetivamente à --- corresponderam a 1.000.000 unidades.
- Não se provou que o valor total de aquisição das máscaras pela R. à --- era de USD 1.360.000.
- Não se provou a situação dos autos colocou a R. numa posição desvantajosa com o seu parceiro de negócio ---, nem que descredibilizou a R. junto desta sua parceira.
- Não se provou que a R. já tinha mais um negócio para fornecimento de 3.600.00 unidades de máscaras da -- com uma carta de intenções assinada, sendo o valor total do contrato no montante de $8.820.00, e valor de aquisição à --- no montante de $4.104.000.
- Não se provou que foi devido à situação dos autos e perante todo o esforço desenvolvido pela ---, que esta não teve confiança na sua parceira, ora R., decidindo não prosseguir com o negócio supra mencionado com a R.
- Não se provou que a R. teve um prejuízo efetivo derivado da rescisão por parte da A. no montante de $ 4.716.000.
- Não se provou que as publicações referidas em 50) foram também um dos motivos pelos quais a --- não pretendeu continuar a sua parceria com a R., nem a que o negócio entre ambas não viesse a avançar
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II.III.II. Do objeto recursório:
II.III.II.I. Da invocada nulidade processual:
Invoca a recorrente nulidade processual, e da sentença, por ter sido admitida pelo tribunal recorrido réplica excedente de simples contestação à reconvenção (que sustenta ser inadmissível, nessa medida excedente), bem assim pela admissão do requerimento da autora, apresentado em 7/7/2022, que traduziria o que qualifica de não mais do que uma continuação da sua réplica, algo que seria também inadmissível.
Porque o tribunal não se pronunciou sobre estas questões e, pelo contrário, admitiu a parte que qualifica de inadmissível da réplica, assim como tal requerimento (referência citius 41705104) teria cometido uma nulidade processual, refletida na própria sentença.
Apreciando.
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A primeira asserção a fazer é a de que esta questão deve ser tratada como relativa a admissão de articulado, sendo essa a avaliação feita pela própria recorrente, seja no que concerne à admissão parcial da réplica, seja quanto ao citado requerimento, que qualifica como continuação desse articulado.
Sendo esse o contexto de análise, emerge imediatamente como circunstância impeditiva da razão da recorrente a de ser apresentada num contexto de recurso da decisão final.
Na medida em que, como indica a recorrente, a questão não foi saneada no momento próprio, no caso, no despacho saneador autonomamente elaborado (i.e., fora do contexto de audiência prévia), terá que se concluir que a admissão de tais articulados se mostrará compreendida no mesmo e, consequentemente, teria que ser impugnada autonomamente nesse momento – art.º 644.º n.º 2 al. d) do Código de Processo Civil.
Formou-se, assim, caso julgado formal quanto a esta questão (cf., a propósito, ac. STJ de 5/12/2017, Lima Gonçalves e 8/3/2018, Fonseca Ramos, ambos em dgsi.pt).
Trata-se, assim, de uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida (no momento processualmente devido) , traduzindo uma preclusão dos meios de impugnação da decisão, isto é, uma insuscetibilidade de impugnação decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619.º, n.º 1, e 628.º, ambos do CPC.
Devem, assim, considerar-se definitivamente admitidos tais articulados de réplica, (assim qualificados) estando precludindo o conhecimento da sua admissibilidade e, por consequência, assentes os termos do processo e ficando prejudicado o conhecimento de qualquer nulidade processual ou da decisão.
Diga-se, em todo o caso e a latere, que a matéria em causa não seria qualificável como alteração da causa de pedir, mantendo-se inalterados os fundamentos factuais do pedido e, por consequência, todas as questões relativas ao conteúdo da contratação e pagamentos sempre seria matéria atendível na sentença (cf. art.º 611.º do CPC), levando inexoravelmente à irrelevância para a decisão de qualquer irregularidade que pudesse existir (e que não se apurou) – cf. art.º 195.º do CPC.
Não de verificam, assim, os apontados vícios, o que se decide. –
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II.III.II.II. Recurso da decisão de facto:
De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 640.º do Código de Processo Civil (CPC), para admissão da impugnação de facto o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de re--to ou gravação nele realizada, que impunham decisão de facto diversa (al. b) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto em causa (al. c).
A interpretação destas exigências legais tem merecido amplo labor jurisprudencial, atestando que uma leitura meramente literal não deve ser acolhida.
O sentido material e a teleologia desta norma, e dos específicos requisitos que estabelece, pode considerar-se sintetizado pelo acórdão desta Relação de 11/10/2018 (Eduardo Petersen – ecli.pt) ao dizer que os ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto revelam uma específica combinação entre a procura da verdade material e a gestão pública dos recursos da justiça: o primado daquela só é concedido mediante uma solicitação que não onere demasiadamente estes.
Este é o primeiro quadro interpretativo – a lei processual confere duplo grau de jurisdição de facto, mas não estabelece um qualquer direito a um segundo julgamento de facto, antes modelando as faculdades que concede à parte vencida em primeira instância à capacidade de resposta do sistema de justiça, decorrente dos meios disponíveis.
Sendo este o quadro básico de análise, não pode deixar de ser perspetivado por relação com os princípios que pretende tutelar, que serão, de um lado, o que se pode qualificar como prevalência da verdade material sobre a formal e, genericamente, direito ao processo equitativo e, de outro lado, razões de proporcionalidade, adequação e razoabilidade.
Sobrelevando estes vetores, a jurisprudência tem preenchido os conceitos legais de forma a tornar operativas as garantias e as exigências legalmente estabelecidas.
Olhando especificamente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), conclui-se que tem procurado estabilizar entendimentos nesta matéria, o que fez inclusivamente em acórdão uniformizador.
Pode dizer-se que a base da doutrina do STJ fica resumida pelo acórdão de 3/10/2019 – Rosa Tching, ecli.pt), ao estabelecer dois grandes vetores de análise.
De um lado, o que pode qualificar-se como afastamento do formalismo excessivo.
Assim, diz-se que na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
A proporcionalidade/razoabilidade serão, assim critérios de limitação da tal leitura excessivamente restritiva ou literal dos requisitos legais.
Por outro lado, com a criação de uma doutrina qualificável de segmentação dos ónus impugnatórios.
De acordo com esta doutrina, há dois ónus que a parte deve cumprir, um primário, traduzido no cumprimento das exigências do art.º 640.º n.º 1, e um secundário, traduzido na indicação das passagens relevantes da prova gravada.
Diz-se neste acórdão que os ónus primários têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e o ónus secundário terá um cariz mais operativo, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Conclui esta doutrina que, sendo diferentes as naturezas e funções de cada um dos ónus, o seu desrespeito terá diferentes consequências - enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
É uma doutrina que se estabeleceu e que vem sendo sucessivamente repetida.
Assim, por acórdão de 2/2/22 (Fernando Samões) foi expresso claramente que os ónus primários previstos nas alíneas a), b) e c) do art.º 640.º do CPC são indispensáveis à reapreciação pela Relação da impugnação da decisão da matéria de facto e o incumprimento de qualquer um desses ónus implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto.
De forma muito clara, o acórdão STJ de 16/12/2020 (Bernardo Domingos – ecli.pt) diz-se que no âmbito do recurso de apelação visando a impugnação da decisão de facto podem distinguir-se dois ónus que incidem sobre o recorrente:
Um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do re--to ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – Art.º 640º nº 1 do CPC e um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art.º 640º nº 2 al. a) do CPC.
De acordo com este aresto fica também clara a função de cada ónus e as consequências pelo seu desrespeito, nos termos acima indicados – o ónus secundário não fundamenta nem delimita o recurso, destinando-se a facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes e é também por isso que a avaliação à luz da proporcionalidade e da razoabilidade assenta neste.
Quer isto dizer, portanto, que o desrespeito dos ónus primários, ou principais, deve ser muito mais direta e dará lugar a rejeição do recurso.
Nesta esteira deste entendimento, tem também sido desenvolvida jurisprudência sobre a forma como devem ser apresentados os fundamentos de recurso - se, necessariamente, nas conclusões do recurso, ou se, eventualmente, também no corpo das alegações.
Assim, designadamente, por acórdão de 9/6/2021 (Ricardo Costa, ecli.pt) foi desenvolvida doutrina no sentido de, entre todos os requisitos, a indicação dos concretos pontos de facto a impugnar dever ser feita nas conclusões, podendo os demais requisitos ser cumpridos no corpo das alegações.
Assim, dizendo-se neste aresto que os ónus processuais de alegação recursiva previstos no art. 640º, 1 e 2, do CPC, relativos à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conjugam-se com o ónus de formulação de conclusões, cominado, em caso de incumprimento, com o indeferimento do recurso, desenvolve-se que a rejeição (...) do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se quando (i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635º, 2 e 4, 639º, 1, 641º, 2, b), CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640º, 1, a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640º, 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.
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É acolhendo o sentido desta doutrina que, entendendo que o limiar de admissibilidade foi transposto, que deve apreciar-se o recurso.
Ainda que, como foi supra referido, a recorrente as apresente de modo algo confuso e desdobrado em diversos pontos de análise, as questões de facto que pretende apreciar são muito concretas e limitadas, podendo ser sintetizadas nas seguintes:
a. O teor do acordo de fornecimento de máscaras, no que diz respeito ao prazo de sete dias estabelecido.
b. As causas de resolução de tal contrato de fornecimento pela autora e o contexto em que esta se processou;
c. As consequências das publicações feitas pela reconvinda na rede social Linkedin.
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a) O prazo contratual de sete dias:
Quanto à primeira destas questões, aquela em que se centra o essencial da divergência, o prazo de sete dias para fornecimento, o que a recorrente pretende que seja dado por provado é que o mesmo seria computado a partir da emissão de um documento pelo fabricante do objeto contratual, e não, como decidido, da data da encomenda.
Diga-se, antes de mais, que o quadro geral está estabelecido e é indisputado.
Assim, estava-se em meados de 2020, e plena fase de pandemia de Covid-19, com uma grande pressão pela procura de máscaras respiratórias, que foi o objeto deste contrato.
É indisputado que autora e ré mantinham uma relação contratual de longa duração, que estabelecera um quadro de confiança, e que o fornecimento solicitado, de grande volume (de máscaras e financeiro), era destinado a uma instituição hospitalar no Qatar.
Perante este quadro, decidiu o tribunal a quo acerca deste prazo de sete dias fundando-se num conjunto de provas e argumentos.
Começa por indicar na sua motivação um conjunto de factos de enquadramento. Diz-se na decisão recorrida, o seguinte:
Relativamente a esta questão, provaram-se os seguintes factos:
- A A. é uma empresa norte-americana que se dedica à distribuição de produtos --cêuticos, médicos e hospitalares, incluindo o fornecimento desses produtos a hospitais, operando há mais de 15 anos no mercado internacional.
- A R. é uma empresa que tem como objetivo a importação, exportação, comercialização e distribuição de medicamentos, cosmética, perfumaria, dietética, medicina natural, dispositivos médicos, acessórios para farmácia, matérias-primas relacionadas e outros.
- No âmbito das respetivas atividades, A. e R. celebraram dois contratos de compra e venda de máscaras de --, modelo 1860.
- O primeiro contrato de compra e venda foi celebrado em 12 de junho de 2020 para o fornecimento de 250.000 máscaras, conforme doc. 11 junto à contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- Posteriormente, a A. celebrou com a R., em 25 de junho de 2020, um contrato de compra e venda e de fornecimento de máscaras respiratórias --, modelo 1860 (máscaras cirúrgicas), no âmbito do qual a R. se obrigou a fornecer à A., e esta a adquirir, o volume de 750 mil máscaras do modelo referido, mediante o pagamento, pela A., do preço acordado, tudo nos termos do contrato junto à PI como doc. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- As partes acordaram, que a R. forneceria as máscaras respiratórias em questão à A., em qualquer aeroporto escolhido por esta, no prazo de 7 dias, assim que fosse efetuado o pagamento pela A. do depósito acordado (USD 412,500.00), conforme cláusula terceira do contrato sub Júdice.
- A A., antes de assinar o contrato referido em 5) e por uma questão de precaução, solicitou expressamente à R., representada pelo seu gerente - A---, com quem negociou o referido contrato, que respondesse por escrito que, no caso de nenhuma transação se realizar, não entrega das máscaras pela R. à A., a A. seria totalmente reembolsada do montante pago, pergunta à qual a R. respondeu cristalinamente que, nesse caso, o reembolso teria lugar imediatamente dentro do prazo contratual de 7 dias úteis, tal como já tinha sido transmitido verbalmente por telefone por ele a ---, diretora do A., tudo conforme correio eletrónico trocado em 12 de Junho de 2020, junto à PI como doc. 3, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- Por e-mail de 23 de junho de 2020, a R., novamente através do seu gerente ---, escreveu à A. que a R. tinha um plano para entrega na semana a começar em 6 de julho de 2020, mas com expectativas sobre uma possível entrega antecipada das máscaras para o dia 2 de julho de 2020, tudo conforme correio eletrónico trocado em 23 de junho de 2020, junto à PI como doc. 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- Mediante as garantias da R. acima descritas, determinantes para a celebração do contrato sub Júdice, em 25 de junho de 2020, ou seja, no próprio dia da sua assinatura, a A. procedeu ao pagamento, à R., do valor de USD 412,500.00, por transferência bancária.
- Na troca de correio eletrónico, mantida entre A. e R.., em 6 de julho de 2020, a A. insistiu para que a R. enviasse as máscaras para o seu cliente final, e a R. prometeu, através da sua intermediária ---, que as máscaras chegariam ainda durante a semana de 6 de julho de 2020, ao cliente final da A.
- Em 15 de julho de 2020, a A. insistiu através de um novo conjunto de correio eletrónico trocado com a R. e o seu representante ---, para saber o que se estava a passar e quando seriam entregues as máscaras, conforme doc. 8 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- Não obstante a promessa de entrega pela R. da forma mais eficiente possível e das interpelações da A. para o efeito, a R. não entregou as máscaras à A. nem ao cliente desta, nem nos sete dias subsequentes à assintaura do contrato referido em 5), nem na semana indicada em 11), nem posteriormente.
- Em 6 de agosto de 2020, decorrido já o prazo de 7 dias contratualmente estabelecido para receber as máscaras, e não as tendo recebido, a A. interpelou a R. por carta, na pessoa do seu gerente ---, para proceder ao imediato reembolso da quantia paga, conforme doc. 9 junto à PI cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- A A. havia transferido para a R. ao abrigo do contrato referido em 4) a quantia de 137,500.00 USD, transferência bancária realizada em 12 de Junho de 2020 e ao abrigo do contrato referido em 5) a quantia de 412,500.00 USD, transferência bancária realizada em 25 de junho de 2020.
- A A. foi reembolsada pela R. apenas da primeira quantia de 137,500.00 USD.
- A R. e o seu representante -- sabiam qual era o propósito e finalidade das máscaras a que respeita o contrato e que o seu destino final era a entrega das mesmas ao Hospital ---.
- A R. sabia da urgência, importância e responsabilidades da encomenda respeitante ao contrato para a A., motivo pelo qual o pagamento pela A. foi feito no próprio dia da assinatura do contrato, e sendo essa a razão pela qual havia sido contratualmente estabelecido o prazo de 7 dias para a entrega das máscaras por parte da R.
- Antes de A. e R. assinarem os contratos supra referidos a A. sabia que a --- era parceira de negócios da R..
- À época da assinatura do contrato referido havia escassez de máscaras no mercado.
- A R., por intermédio do seu gerente ---, respondeu, via e-mail, à carta remetida pela A. em 6 de agosto de 2020, aceitando a rescisão, conforme e-mail de 11 de agosto de 2020, junto aos autos como doc. 6 da Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- A A. procedeu ao pagamento do preço referente ao contrato sub Júdice tendo por pressuposto a confirmação que a primeira encomenda das máscaras se encontrava na doca de carga com destino ao aeroporto, para partir para o cliente da A., o --- Hospital, o que não se veio a verificar.
- O pressuposto de celebração do contrato sub Júdice e a razão pela qual a A., por recomendação de terceiros, contactou o gerente - da R., que lhe prometeu que conseguiria obter facilmente as máscaras contratualizadas, foi a escassez de máscaras.
- Foi devido à decisão da administração do Presidente Donald Trump - “Defense Production Act”
- que visava a afetação da produção mundial das máscaras -- aos EUA, que a A. contactou a R. em primeiro lugar e que lhe explicou essa situação/contexto ainda antes de assinar o contrato ou de avançar com qualquer ordem de encomenda de máscaras através da R., tendo perguntado expressamente ao gerente da R., se ainda assim conseguiria obter as máscaras 1860 3, tendo o mesmo assegurado que sim, que as conseguia entregar no prazo de 7 dias.
Quer isto dizer, numa primeira ordem de razões, que o tribunal valorou o conjunto da matéria assente, incluindo o acervo de prova que o suportou (que é o referido supra), sendo esse complexo factual necessariamente objeto de uma análise conjunta que, portanto, fica descontextualizada com uma restrita análise da questão do prazo de cumprimento.
O quadro factual global está estabelecido nos autos, incluindo os documentos expressamente referidos e que, como se assinalará adiante, são também convocados pela recorrente.
O grande fundamento impugnatório apresentado é retirado pela recorrente do próprio teor dos contratos e de cláusulas nele insertas.
Quanto ao prazo de sete dias para entrega das máscaras respiratórias, assinala a recorrente que a cláusula relevante, na sua literalidade, não tem o sentido de afirmar uma obrigação de entrega nessa dilação, como provado, antes estabelecendo uma condicionante, que pretende que seja dada por provada.
Consta dos contratos a seguinte cláusula:
Após o recebimento do depósito, a -- apresentará ao Vendedor / Comprador um plano de entrega/s completo e detalhado, com um cronograma de entrega/s completo e vinculativo.
Primeiro envio dentro de sete dias úteis, sujeito a carregamento e fundos disponíveis antes do envio por consignação, de acordo com o cronograma de entrega/s vinculativo pela -- --.
O argumento em causa encontra, assim, sustentação no teor do contrato.
Importa, todavia, aprofundar a análise, como fez o tribunal a quo.
Assim, diz-se na motivação da sentença quanto ao contrato que, não obstante as partes o terem reduzido a escrito e a sua interpretação está sujeita às regras decorrentes do artigo 236º do Código Civil. (...) na interpretação do contrato importa atender, para além dos seus elementos objetivados e positivados, aqui traduzidos nas cláusulas contratuais escritas, aos elementos subjetivos, correspondentes à vontade das partes e às circunstâncias determinantes das partes para contratar.
Quer isto dizer, portanto, que a decisão do tribunal não se ateve à estrita literalidade do clausulado, procurando o seu sentido, por referência à efetiva vontade dos contratantes.
Neste contexto, assinala a decisão recorrida, de forma pertinente, aquilo a que se poderia chamar de posição negocial das partes, por um lado, e o contexto de urgência em que o negócio se concretizou, por outro.
Assim, em primeiro lugar, nenhum dos contratantes compreendidos neste litígio é produtor ou utilizador final dos produtos comercializados, podendo ambos ser qualificados como intermediários - a ré adquiriria as máscaras respiratórias a um produtor e a autora revendê-las-ia a uma unidade hospitalar, utilizadora final.
Esse era o quadro do relacionamento geral das partes, neste caso, como em toda a relação comercial anterior, de muitos anos.
Sucede, porém, a particularidade que há que assinalar em segundo lugar – a pressão decorrente da pandemia.
Essa pressão originou, facto que é até público e notório, grande constrangimento do lado da oferta deste tipo de material médico, mas também, o que é igualmente público, grandes possibilidades de negócio a quem o tivesse disponível.
Mais importante que essa urgência decorrente do mercado e das cadeias de abastecimento, emerge a urgência sanitária em si mesma considerada.
É essa urgência que justifica a disponibilidade para realizar negócios do valor do que está em causa (um milhão de máscaras, correspondendo a um negócio global aproximado de oito milhões de dólares), algo que permite explicar as palavras (inquestionadas, diga-se) da testemunha que exercia funções de responsável logístico pela unidade hospitalar destinatária, ao afirmar que o valor deste negócio será equivalente ao total das aquisições anuais do hospital ---.
Mais importante, essa urgência na entrega das máscaras não se compagina, em termos de avaliação à luz da experiência comum, com um processo de fornecimento tabelar, seguindo os trâmites e os requisitos habitualmente seguidos.
Como decorre diretamente das comunicações eletrónicas concomitantes da contratação, o que a autora pretendia era alguém que lhe entregasse as máscaras com a máxima urgência e sem condicionalismos.
Mas, neste contexto, como explicar o teor literal das cláusulas relativas ao prazo de entrega e os condicionalismos ali expressos?
Várias explicações se apresentavam a priori como plausíveis (além, obviamente, da correspondência da literalidade da declaração com a intenção das partes).
A dissonância entre a letra e o sentido pode explicar-se de uma de duas formas: - pela disponibilidade parcial da informação referida na cláusula ou pelo circunstancialismo específico do negócio.
Se uma cláusula contratual alude a um fornecimento em sete dias após entrega de um cronograma vinculativo (de um produtor) e, no contexto negocial, o vendedor afirma que consegue assegurar o fornecimento em sete dias, sem qualquer condicionamento, o comprador assumirá, em termos de normalidade, que o vendedor se assegurou previamente da estar na posse desse cronograma ou, pelo menos, da viabilidade desse cronograma ser elaborado de imediato, dando lugar à entrega.
Neste contexto, a informação relevante, real ou putativa, está apenas no lado do fornecedor intermediário, a aqui ré, que, ao nada dizer, induz o comprador em verdadeiro erro quanto ao momento da entrega.
O segundo quadro explicativo refere-se à aludida situação de urgência.
Esta poderá implicar menor atenção que o comprador poderia ter tido com a formalização do negócio.
Outra explicação, que poderá relevar isolada ou conjugadamente, poderá ser a simples utilização de modelos ou minutas contratuais anteriormente usadas pelas partes e que seriam usados acriticamente/pró-forma em todos os processos negociais entre que mantivessem.
Como quer que tenha sido, como se releva, e bem, na decisão recorrida, o sentido a dar à declaração é o que corresponda à vontade das partes, deste que tenha um mínimo de correspondência no texto do contrato (situação que, diga-se, é manifesta, decorrendo da simples referência a um prazo de entrega de 7 dias).
Seguindo um processo decisório de procura da vontade real dos contratantes, diz-se na fundamentação da decisão recorrida que a autora procurava satisfazer uma encomenda que lhe fora realizada no início de abril de 2020, pelo --- Hospital e em face das medidas protecionistas da administração americana decorrentes do período pandémico que se vivia, procurou adquirir as máscaras necessárias à satisfação desta encomenda no mercado internacional, isto é, fora dos EUA.
Em termos simples, a compradora, aqui autora, estava pressionada pelo comprador final à entrega de máscaras.
Neste quadro, a decisão releva os supra referidos elementos complementares do contrato e relativos ao processo negocial estabelecido.
Diz-se na decisão que, em troca de contactos via telefónica e por correio eletrónico entre a A. e a R., a mesma garantiu a entrega das máscaras para a semana de 6 de julho 2020, ou mesmo a partir de 2 de julho de 2020.
Acrescentando-se à frente que aliás, diga-se que se provou que o contrato (...) apenas foi outorgado em face das garantias dadas pela R. quanto ao cumprimento do prazo de entrega relativamente ao contrato de 12 de junho. Do acervo de comunicações trocadas entre A. e R. e que permitem interpretar a vontade das partes, resulta à saciedade que o elemento “prazo” era essencial para a A. na economia do contrato e que a R. conhecia esse elemento e que se obrigou a efetuar a entrega das máscaras de imediato, após o pagamento pela A., sendo a este respeito particularmente elucidativa a troca de correio eletrónico entre as partes e a parceira da R., de 16 de julho de 2020, em que uma vez mais são dadas garantias de entrega efetiva das máscaras durante essa semana.
A razão e fundamentos da decisão recorrida são claros e consistentes.
Em todo o caso, não deixou a mesma de elaborar expressamente acerca do teor da cláusula, ainda que o fazendo de forma um tanto diversa da que acima se fez.
Diz-se que mesmo da leitura (...) literal desta cláusula não resulta o elemento condicional invocado pela R. na sua defesa. O que se lê e interpreta é um conjunto de procedimentos contínuos que se iniciariam “após o recebimento do depósito” do preço, na sequência do que a -- apresentaria ao Vendedor / Comprador um plano de entrega/s completo e detalhado, com um cronograma de entrega/s completo e vinculativo.
Quer isto dizer, em todo o caso, que tribunal não descurou, pelo contrário, o teor da cláusula, dando-lhe um sentido diverso do pretendido pela recorrente.
Acresce, quanto à contratação sucessiva de dois contratos e a comunicações com referência ao envio. que o tribunal recorrido considerou tais circunstâncias dizendo que o seu conteúdo é aplicável ao contrato sub judice, dada a ligação existente entre os contratos, sendo a própria R. a alegar que os contratos são iguais.
Destas considerações foi retirada a conclusão que a R. se obrigou a entregar as máscaras encomendadas pela A. no prazo de 7 dias úteis após a outorga do contrato sub Júdice, prazo esse que terminaria em 6 de julho de 2020. Provou-se que mesmo após o decurso do prazo contratado, as partes mantiveram a intenção que o contrato fosse cumprido, manifestando a R. diretamente por si, ou através da sua intermediária a intenção de proceder à entrega das máscaras ao cliente final da A., o que não logrou efetuar.
--
Sendo este o juízo do tribunal, além de se pretender estribar no teor das próprias cláusulas, a recorrente aduz outros meios de prova do sentido que pretende estabelecer.
O primeiro refere-se às declarações da testemunha --, que colaborava com a empresa ---, responsável por fazer a ligação ao produtor das máscaras.
O depoimento desta testemunha, devidamente analisado, não permite, todavia, estabelecer nenhuma conclusão quanto ao sentido do prazo estabelecido para as partes neste contrato.
É certo que manifesta ter conhecimento do tipo de contratação em causa. Percebe-se, porém, que se refere ao quadro contratual típico e às características objetivas deste contrato, nada dizendo de concreto quanto à vontade dada por provada.
Assim, assinalando os trechos relevantes:
- Advogada Ré [0:06:54 - 0:07:33]: E diga-me outra coisa, há aqui nos contratos, se calhar não tem conhecimento do contrato, mas no contrato existe uma menção que é que a -- tinha que entregar as máscaras à --em 7 dias após a entrega de um cronograma de entrega vinculativo. Isto era um procedimento da -- para convosco? Sabe o que é que era isso? O que é que era o cronograma de entrega vinculativo?
Testemunha [0:07:34 - 0:08:22]: Do que eu tenho conhecimento, o cronograma vinculativo temporal foi criado durante a pandemia Covid para que houvesse um determinado controle sobre o material médico que saía destes fornecedores, nomeadamente a -- e a ---. Portanto, sim era comumente usado na altura este cronograma para se ter uma noção temporal de quando é que podiam receber as máscaras a partir do momento em que os parâmetros lá estivessem todos. Haveria mais ou menos uma noção, menos exata do que numa situação normal, mas havia uma noção do cumprimento do contrato com esse cronograma.
Esta declaração é, assim, de contexto.
Outro meio de prova referido é relativo ao depoimento da testemunha --A---:
Advogada Ré [0:11:40 - 0:12:05]: E diga alguma coisa, tem alguma ideia relativamente ao contrato? Não sei, sabia como é que era feito o prazo, de qual era o prazo de entrega, como é que era feita a entrega e se em algum momento a --... Eu não sei qual.… participava nestas reuniões? Só para percebermos qual é a sua intervenção e até que medida é que sabe o que é que estamos a tratar.
Testemunha [0:12:05 - 0:12:37]: Tudo o que era a parte mais estratégica estava envolvido, obviamente que nos trâmites mais de detalhe, o número da conta, o IBAN, não era este o meu objetivo, agora sei exatamente o que é que estava dentro do Contrato. Porquê? Porque isso faz parte da parte estratégica da negociação comercial que tínhamos. A fábrica --, estou a lembrar que isto foi em junho, convém relembrar que em abril o presidente à altura dos Estados Unidos, Donald Trump.
Advogada Ré [0:12:41 - 0:12:43]: No contrato, está bem? Vamos manter, vamo-nos focar no contrato.
Testemunha [0:12:44 - 0:12:48]: É só para justificar que a fábrica -- tinha procedimentos.
Advogada Ré [0:12:50 - 0:13:13]: Se puder só responder àquilo que eu lhe pergunto, até já eu perdi no meu raciocínio que é... O que eu queria perceber era se o senhor costumava estar presente nas reuniões, se acompanhava quando estava no Dubai, eventualmente se estaria também, em termos faziam tudo ao mesmo tempo a -- e a Interway....
Testemunha [0:13:14 - 0:13:14]: Sim, como é obvio.
Advogada Ré [0:13:14 - 0:13:20]: E se calhar acompanhava. Era só nesse sentido que eu queria perceber para perceber qual era o seu real conhecimento daquilo que está aqui a dizer.
Testemunha [0:13:21 - 0:13:21]: Confirmo Dra.
Advogada Ré [0:13:22 - 0:13:24]: Então, tem conhecimento deste contrato?
Testemunha [0:13:24 - 0:13:24]: Tenho.
Advogada Ré [0:13:25 - 0:13:37]: Pronto... o que eu lhe queria perguntar é, se sabe e queria que fosse concreto nas suas respostas àquilo que eu lhe pergunto, se sabe qual era o prazo de entrega, o que é que estava estipulado no contrato? Se não souber, pode dizer que não se lembra.
Testemunha [0:13:38 - 0:13:51]: Basicamente eram, havia um down payment, e depois o contrato, portanto, a empresa entrava em pipeline porque havia aqui um agente certificado que era a ---.
Advogada Ré [0:13:51 - 0:14:09]: Vou voltar a fazer pergunta. Vou voltar a fazer pergunta. A pergunta que eu lhe estou a fazer é, se sabia como é que era feita a entrega das máscaras? Não lhe estou a perguntar sobre down payment, é se sabe se havia algum prazo e como é que funcionava esse prazo?
Testemunha [0:14:09 - 0:14:23]: É, o prazo era único era o prazo idêntico para todos. É isso que eu queria dizer, doutora, que é, existia um cronograma assim que a -- é uma fábrica --, apresentasse um cronograma seriam sete dias de prazo de entrega, eu não sei se é isto que a Dra. estava a perguntar.
Advogada Ré [0:14:23 - 0:14:24]: Era só isso.
Este depoimento contextualiza mais concretamente a situação de fornecimento de material médico no contexto da pandemia, mas também nada aduz sobre a vontade efetiva naquele concreto negócio.
Permite, credivelmente, compreender a lógica que subjaz à emissão do tal cronograma vinculativo pelo produtor, mas nada permite estabelecer sobre aquilo que a fornecedora assumiu, efetivamente, satisfazer em termos de prazo neste contrato, ou a intenção do comprador.
Além destes depoimentos, a referência feita ao e-mail remetido pela recorrente à A/Recorrido relativamente ao reembolso dos montantes recebidos também não permite afastar a conclusão a conclusão estabelecida.
O mesmo se dirá quanto às declarações da representante legal da autora, ---, que se reporta ao fornecimento desta à unidade hospitalar e não ao fornecimento da ré à autora.
Assim, declarou esta representante:
- “Juíza [1:21:44 - 1:21:57]: Especificamente, se houve uma data específica até a qual o hospital --- estendeu o prazo? Uma data? Se há data? Ou se não há data?
Legal representante Autora (tradutora) [1:22:05 - 1:23:24]: Portanto, o Senhor AA diz que não, não se trata de uma data especifica, visto que estávamos numa situação especial de pandemia, não havia exatamente uma data específica, portanto, isto, esta comunicação era feita dia por dia, com uma relação de confiança e, portanto, à medida que as coisas iam sendo desenvolvidas, sabiam que estavam em comunicação com vários vendedores.
O mesmo se diga do depoimento da testemunha --, indicado como Diretor executivo do hospital --.
Depôs diretamente sobre o negócio prévio do que se discute nos autos – a encomenda do hospital à autora.
Disse:
Testemunha [0:07:16 – 0:07:06]: Portanto, foram duas notas encomenda, uma no dia um e outro dia 7 e ambas de três milhões, novecentos e cinquenta mil dólares.
Advogado Autora [0:07:08 – 0:07:14]: Que os senhores do hospital deram alguns prazos específicos para adquirir as máscaras?
Testemunha [0:08:26 – 0:08:54]: Portanto, a primeira a seis de maio e segunda a três de Maio.
Advogado Autora [0:09:28 – 0:09:33]: Pagou de antemão esses valores das encomendas à --?
Testemunha [0:09:39 – 0:09:40]: Sim.
Advogado Autora [0:09:41 – 0:09:43]: Isso era normal? Uma prática normal?
Testemunha [0:09:53 – 0:10:40]: Não, não é uma prática normal, mas por causa da situação da pandemia covid, sobretudo relativamente a empresas que se encontravam no estrangeiro, quase todas exigiam pagamentos em antecipado.
Advogada Ré [0:23:52 - 0:24:05]: Ok. Também referiu aqui que nas duas encomendas que fizeram que a primeira ter se entregue no dia seis de Maio e a segunda no dia três de Maio, não entregaram. Qual foi o procedimento que a seguir adotaram?
Testemunha [0:24:33 - 0:24:10]: Portanto, deram-lhe a oportunidade de, portanto, estender o prazo, portanto, porque precisavam mesmo dos artigos e por causa do período de pandemia que se vivia na altura.
Advogada Ré [0:25:11 - 0:25:19]: como é que eles fizeram essa extensão? Se foi por telefone? Se foi por escrito? Se fizeram uma nova encomenda?
Testemunha [0:25:26 - 0:26:01]: Portanto por Wattsapp e por e-mail. Portanto, o Wattsapp era o formato preferido, uma vez que as pessoas estavam em casa e trabalhavam de casa e era o mais rápido.
Advogada Ré [0:26:18 - 0:26:20]: Se me puder aqui ajudar....
Juíza [0:26:25 - 0:26:26]: Oito de agosto senhora Dra., e a outra data era de setembro.
Advogada Ré [0:26:26 - 0:26:30]: Ok. Era isso que eu achava.... porque aqui no... a minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:30 - 0:26:32]: Três de setembro. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:33 - 0:26:44]: A minha questão é, se eles deram prazo até um de setembro por causa dos tramites legais à --...
Juíza [0:26:45 - 0:26:50]: Não foi isso que a testemunha disse, salvo melhor entendimento. O que a testemunha disse é que formalizou a um de setembro.
Advogada Ré [0:26:53 - 0:27:00]: Formalizou, então vou perguntar, quando é que ele efetivamente rescindiu a formalização foi a um de Setembro, mas quando é que ele efetivamente disse à --que já não queria as máscaras?
Testemunha [0:27:13 - 0:27:27]: Teria sido em Julho, mas que tem de, para ter a certeza, tem que ver as mensagens.
Advogada Ré [0:27:32 - 0:27:43]: Ok. Eles tinham uma relação, suponho eu que desde dois mil e dezassete acho que foi isso.
Testemunha [0:27:51 - 0:27:56]: Portanto, diz que receberam em 18 de Agosto a primeira devolução....
Advogada Ré [0:28:02 - 0:28:44]: Eles já tinham uma relação conforme foi dito, já dá muitos anos de trabalho e de confiança. Entre as 2 partes e tinham bons preços. Foi que disse o que ele disse, eles não conseguiram entregar as máscaras e a --devolveu o dinheiro, portanto, isso é um ato de boa-fé. Porque é que eles deixaram então de trabalhar com a --, se a --lhes devolveu o dinheiro? Foi-lhes sempre explicado porque é que não conseguiam entregar as máscaras, era uma relação de tantos anos, porque é que isso, se não tivessem devolvido o dinheiro, eu consigo entender.... porque é que isso fez com que eles deixassem de ter qualquer relação com o --?
Testemunha [0:29:08 - 0:29:58]: Durante o período da pandemia do Covid19, eles tiveram uma auditoria interna e que foram eles que que os forçaram a congelar as contas com a --, que não permitiram que continuassem relação com eles.
Advogada Ré [0:30:00 - 0:30:04]: Portanto, não teve a ver com uma quebra de confiança? É uma pergunta.
Testemunha [0:30:13 - 0:30:37]: Sim foi uma das razões foi essa. Uma das razões foi essa que levou depois a auditoria a decidir que tinham de congelar a relação que tinham com eles, portanto, a falta de confiança.
Advogada Ré [0:30:37 - 0:30:40]: Uma das razões foi essa, as outras quais foram?
Testemunha [0:30:46 - 0:31:25]: A outra razão foi facto, a necessidade de ter as máscaras era realmente muito premente e por isso, eles não queriam deixar de poder ter as máscaras de outro fornecedor. Portanto, a partir era visto que a quantia era muito elevada, a partir do momento em que cancelavam com a --poderiam ir procurar máscaras com outro vendedor, e foi por isso que decidiram cancelar também.
Este depoimento, devidamente interpretado, aponta claramente no sentido provado, que a autora, sendo pressionada pelo hospital à entrega das máscaras ao hospital, não o conseguindo fazer, desfez o contrato que a ligava à ré e procurou satisfazer a necessidade que lhe era apresentada por outras vias.
Além desta questão, também permite concluir sobre o contexto que conduziu à cessação das relações contratuais entre autora e hospital – a tal conjugação de insatisfação pelo incumprimento com uma auditoria interna realizada.
--
A conclusão a tirar quanto a esta questão do prazo, ponderado o juízo feito a quo, e respetivos fundamentos, com os argumentos e meios de prova indicados pela recorrente, é a de que a avaliação do tribunal a quo se mostra devidamente sustentada, não merecendo censura.
O vendedor assumiu, como decorre das comunicações referidas nos factos provados, um prazo efetivo de entrega, que não cumpriu.
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b) A comunicação de cessação contratual – contexto e razões:
Quanto à segunda das questões de facto, as circunstâncias da resolução ou, para se usar um termo não jurídico, da comunicação de cessação contratual, a sua análise é bastante mais direta e linear, face à conclusão anterior.
Assente que o prazo de sete dias para entrega das máscaras foi incondicionalmente estabelecido, no contexto de pressão e urgência em que o negócio se estabelecera, associada ao indisputado valor elevado do contrato (e, portanto, à necessidade de recuperar rapidamente valores entregues a título de down payment, traduzível aproximadamente por sinal, reserva ou princípio de pagamento), o sentido das comunicações de cessação contratual são absolutamente claros e não merecem qualquer dúvida ou censura.
Pretende a recorrente sustentar um quadro motivacional diverso, procurando enquadrá-lo também no depoimento de --, Diretor Executivo do hospital --.
Diga-se que, em boa medida, o sentido e propósito desta fundamentação é dificilmente alcançável, inferindo-se que a recorrente pretende sobrevalorizar a relação do comprador no seu negócio (a autora) com o cliente final (o referido hospital --), daí pretendendo extrair dependências jurídicas entre os dois negócios que, em nenhum momento, parecem existir (e, diga-se, nem sequer as invoca).
Nada há que permita afirmar, ou sequer a recorrente afirma, que os negócios fossem interligados ou juridicamente dependentes.
São negócios de venda e revenda absolutamente autónomos, assim apresentados pelas partes em todo o processo, incluindo neste nível recursório.
Admitindo, porém, a avaliação desta questão factual, a conclusão a estabelecer só pode ser a que a decisão do tribunal também não merece qualquer reparo a este nível.
A autora recorrida, face ao incumprimento do prazo de entrega, comunicou a cessação do contrato e solicitou a devolução de montantes entregues.
A ré recorrente aceitou a cessação (tanto que não alega sequer ter alguma vez dito o contrário, apresentando-se a cumprir o fornecimento e, ao invés, expressamente admite que devolveu parte dos valores entregues como down payment).
O que esta testemunha disse a este propósito refere-se apenas a confirmar o tal contrato de fornecimento primitivo, entre o hospital de que é Diretor e a autora, os prazos estabelecidos (e prorrogados) para seu cumprimento, nada afetando a conclusão estabelecida.
Diga-se, aliás, que esta testemunha também declarou que o contrato celebrado pela autora foi cessado, tendo solicitado restituição, e sido restituídos, todos os montantes entregues para satisfazer a encomenda.
Pretende também a recorrente estabelecer que a cessação das relações contratuais entre autora e hospital não decorreu deste incumprimento, mas de outras razões.
Diga-se que esta questão se tornou irrelevante, na medida em que a recorrente não foi condenada na indemnização peticionada pela autora-recorrida devida a prejuízos sofridos pela sua cessação da relação com a referida unidade hospitalar.
A condenação ateve-se à restituição de valores entregues, a autora não a questionou e, portanto, esta questão perdeu total relevo nos autos.
Diga-se, em todo o caso, que o depoimento desta testemunha não estabelecer a conclusão pretendida (de que o relacionamento autora-hospital cessou por causa diversa do incumprimento de fornecimento de máscaras cirúrgicas), dado que esta testemunha alude a uma cumulação de causas para a quebra desse outro relacionamento comercial, entre a tal perda de confiança e o facto de ter existido uma auditoria interna. Assim:
Advogada Ré [0:30:00 - 0:30:04]: Portanto, não teve a ver com uma quebra de confiança? É uma pergunta.
Testemunha [0:30:13 - 0:30:37]: Sim foi uma das razões foi essa. Uma das razões foi essa que levou depois a auditoria a decidir que tinham de congelar a relação que tinham com eles, portanto, a falta de confiança.
Advogada Ré [0:30:37 - 0:30:40]: Uma das razões foi essa, as outras quais foram?
Testemunha [0:30:46 - 0:31:25]: A outra razão foi facto, a necessidade de ter as máscaras era realmente muito premente e por isso, eles não queriam deixar de poder ter as máscaras de outro fornecedor. Portanto, a partir era visto que a quantia era muito elevada, a partir do momento em que cancelavam com a --poderiam ir procurar máscaras com outro vendedor, e foi por isso que decidiram cancelar também.
Advogada Ré [0:31:27 - 0:31:51]: E como ele urgência era tão grande e o pedido foi feito em um de Abril, o primeiro, porque é que demoraram tanto tempo a cancelar? Porque de facto, a urgência era grande, todos nos lembramos dessa época, porque é que no dia em Maio, quando menos grave ou não, cancelaram logo e procuraram outro fornecedor? Porque é que tiveram este tempo todo para rescindir?
Testemunha [0:32:15 - 0:32:27]: Porque eles estavam a contar resolver o problema com esta terceira parte, esta terceira entidade.
Advogada Ré [0:32:29 - 0:32:30]: Quem era essa terceira entidade?
Testemunha [0:32:33 - 0:32:37]: A --.
Advogada Ré [0:32:38 - 0:32:39]: O que é que eles tinham a ver com a --?
Testemunha [0:32:40 - 0:32:40]: Eles quem?
Advogada Ré [0:32:41 - 0:32:52]: O Hospital, no fundo ele está a dizer que tinham de resolver, não cancelaram logo porque tinham de resolver isto com esta terceira entidade.
Testemunha [0:32:52 - 0:32:57]: Não eles, a -- tinha, disseram-lhes que estavam a resolver isto com uma terceira entidade.
(...)
Advogada Ré [0:38:10 - 0:38:22]: Então eu vou questionar outra vez.... Então eles decidiram dar esta oportunidade à --porque era a empresa que lhes dava mais garantias de conseguirem receber um milhão de máscaras --?
Testemunha [0:38:36 - 0:39:35]: A razão principal, na verdade, era porque era uma relação muito boa que tinham com a --, eles eram muito, a conseguiam sempre entregar-lhes artigos que eram difíceis de conseguir relativamente a outros fornecedores e trabalhavam muito bem com eles, eram rápidos e facilitavam-lhes a vida.
Advogada Ré [0:39:35 - 0:39:38]: Ok, não tenho mais nada a questionar. ...
Juíza [0:40:28 - 0:40:37]: E se, apesar disso, o facto de eles não terem conseguido fornecer estas máscaras quebraram a relação de confiança que tinham?
Testemunha [0:40:58 - 0:42:24]: Foi uma questão dentro do departamento do senhor --, da cadeia de fornecimento, eles quiseram continuar com a relação, mas tiveram sofreram influência da tal auditoria interna que disse que não, que não podia ser, na altura, havia muitos problemas de confiança em todo o mundo, não queriam que se pensasse que havia algum favoritismo relativamente à --, e foi por isso que decidiram que tinham de cortar a relação com a empresa.
Juíza [0:42:25 - 0:42:31]: Pergunto só, porque não estou esclarecida, se a auditoria, é uma auditoria interna ou externa?
Testemunha [0:42:41 - 0:43:50]: O que iniciou foi a auditoria interna.
Juíza [0:43:54 - 0:44:22]: Sim, em auditoria externa? Pergunte se foi uma decisão do Governo, portanto, do estado do Qatar terminar com esta relação?
Testemunha [0:44:37 - 0:44:41]: Foi a auditoria interna.
A conclusão a tirar nesta parte, mesmo relativamente a estes elementos laterais, ou acessórios, é, portanto, a de que nada há a alterar na decisão de facto. –
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c) A questão da afetação do bom nome devida a publicações em redes sociais:
A terceira e última questão refere-se aos danos na imagem invocados pela reconvinte-recorrente, decorrentes de publicações realizadas pela recorrida na rede social Linkedin e que teria prejudicado a sua imagem comercial.
Quanto a esta questão, não se impõe mais que uma apreciação meramente telegráfica.
A decisão de facto deu por provadas as aludidas publicações, no facto 50 - a legal representante da A. efetuou na rede Linkedin publicações com o teor constante dos prints screen cujas cópias estão juntas como docs. 23 e 24 com a Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não dando por provado que das mesmas tenha resultado algum dano.
A recorrente limita-se a tecer algumas considerações genéricas sobre a sua imagem comercial, conjugando-as com o depoimento de uma testemunha (--) que, de forma também genérica, elabora sobre a importância reputacional que pode existir.
É claro e evidente que nada foi de concreto indicado, como dano a estabelecer, não havendo também nenhuma prova que suporte uma conclusão factual diversa da decidida pelo tribunal a quo.
A conclusão, neste caso, só pode ser a manutenção da decisão. –
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Identificados os pontos de facto em apreciação e decididos os mesmos no sentido da sua falta de sustentação, a conclusão a tirar é a da manutenção integral da decisão de facto, o que se decide. –
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II.IV. Recurso de direito:
Estabelecida a matéria de facto nos autos, verificando-se que a decisão de primeira instância se ateve à declaração de licitude da resolução contratual (assente em incumprimento de elemento essencial, o prazo, e consequente verificação de perda de interesse do credor), constituindo uma mera condenação da recorrente na restituição de valores pagos (e indevidamente retidos), improcedendo o demais peticionado no processo, seja por autora ou reconvinte, nada há que subsista em apreciação.
O sentido da decisão não merece dúvida ou sequer alguma menção particular, devendo acolher-se integralmente o decidido, incluindo, portanto, os fundamentos jurídicos apresentados na sentença.
É o que se decide, negando-se a apelação. --
--
A recorrente, face ao teor das suas alegações e à incapacidade que demonstrou de sintetizar as suas alegações na forma a que foi convidada, será condenada nas custas da apelação, sem qualquer redução de taxa remanescente que seja devida.
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III. Decisão:
Face ao exposto, nega-se a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem dispensa de taxa remanescente.
Notifique-se e registe-se. –
---
Lisboa, 13-03-2025
João Paulo Vasconcelos Raposo
Inês Moura
António Moreira