PROCESSO ESPECIAL DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
DIREITO À INFORMAÇÃO
TRIBUNAL ARBITRAL
SOLICITAÇÃO DE OBTENÇÃO DE PROVAS
Sumário

1. A forma de processo corresponde ao conjunto de atos, formalidades e procedimentos que cada um dos intervenientes processuais deve praticar, na propositura e no desenvolvimento da ação, que melhor permitem ao tribunal avaliar e decidir a pretensão que lhe é apresentada, sendo em função desta que deve ser determinada.
2. Na determinação da forma de processo o que releva é a pretensão que é efetivamente formulada pelo A. e não a conclusão a que pode chegar-se de que seria outra a pretensão que devia ter sido requerida, em função da causa de pedir que a sustenta – é o ser e não o dever ser que importa nesta avaliação.
3. Se para a apresentação de coisa ou documento, prevista nos art.º 574.º e 575.º do C.Civil, o legislador veio estabelecer um processo especial para esse fim, já o direito à informação terá de ser exercido em ação declarativa comum, nos termos do art.º 546.º n.º 2 do CPC, na medida em que não foi contemplado qualquer processo especial para esse efeito, sendo que o processo especial dos art.º 1045.º ss. do CPC – apresentação de coisas ou documentos - não se destina a condenar o R. a prestar informações de que o A. diz ter necessidade para o exercício do seu direito.
4. A questão de saber se os pedidos das AA. excedem ou não a autorização dada pelo tribunal arbitral para a obtenção de prova juntos dos tribunais estaduais – no âmbito de ação arbitral que corre termos - não é questão que deva interferir com a avaliação da forma de processo adequado ao pedido que efetivamente é formulado, sem prejuízo de tal situação poder ter que ser avaliada noutra perspetiva.
5. Podendo justificar-se o recurso à ação especial prevista nos art.º 1045.º ss. de apresentação de coisa ou documento, no âmbito da autorização do tribunal arbitral, conferida ao abrigo do art.º 38.º da LAV, também pode acontecer que tal ação não seja a adequada em face da intervenção que a parte quer solicitar, não impondo este artigo qualquer forma de processo a seguir para aquela concretização.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
AA e BB vêm intentar a presente ação declarativa com a forma de processo comum, junto do Juízo Local Cível da Comarca de Lisboa, contra CC e CC, DD e ...Sociedade Agrícola, S.A. formulando a final os seguintes pedidos:
“a) Que, ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, sejam a 1.ª e a 2.ª ré condenadas a prestar às autoras as seguintes informações:
i. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do Contrato celebrado entre a 1.ª ré e a sociedade The Navigator Company, S.A., que permite a esta a exploração das árvores do eucaliptal da ...Herdade;
ii. Todos os esclarecimentos relativos do conteúdo integral e exato do livro de registo de ações representativo do capital social da 3.ª ré;
iii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do livro de atas da assembleia geral da 3.ª ré e respetivas listas de presenças, desde a data da sua constituição até à presente data;
iv. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do contrato de compra e venda do montando de sobro referente à tiragem da cortiça do ano de 2017 e, caso já exista, em relação ao ano de 2018;
v. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral da totalidade de recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça no ano de 2017;
vi. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias tituladas pela 1.ª ré, bem como dos respectivos extratos bancários;
vii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias tituladas em conjunto pela 1.ª ré e pela 2.ª ré, bem como dos respetivos extratos bancários;
viii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos referentes a produtos financeiros, titulados pela 1.ª ré, desde outubro de 2004 e até à presente data;
ix. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias cujo saldo respeite a rendimentos referentes a produtos financeiros, titulados pela 1.ª ré e pela 2.ª ré, e/ou rendimentos provenientes da ...Herdade, desde outubro de 2004 até à presente data, bem como dos respetivos extractos referentes ao mesmo período;
x. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos provenientes da ...Herdade, desde 2004 até à presente data;
xi. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos auferidos pela 2.ª ré, desde 2004 até à presente data;
xii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos auferidos pela 1.ª ré, desde 2004 até à presente data;
xiii. Todos os esclarecimentos referentes à abertura, regime, transferência, saldos e encerramento das contas bancárias, abertas em nome das autoras, da 1.ª ré e da 2.ª ré, sob o número ...20, junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., e sob o número ...78, junto do Banco Comercial Português, S.A. (“Millennium BCP”); e
xiv. Todos os demais esclarecimentos que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à concreta determinação dos benefícios que têm vindo a ser concedidos pela 1.ª ré à 2.ª ré, em detrimento do direito das autoras a uma partilha igualitária, com a 2.ª ré, do património dos seus pais.
b) Que, ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, seja a 3.ª ré condenada a prestar às autoras as seguintes informações:
i. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do livro de registo de ações representativo do seu capital social;
ii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do seu livro de registo de atas de assembleia geral e respetivas listas de presenças, desde a data da sua constituição até ao presente momento;
iii. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do contrato de compra e venda do montando de sobro referente à tiragem da cortiça do ano de 2017 e do ano de 2018;
iv. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral da totalidade de recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça no ano de 2017;
v. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato de todas as contas bancárias por si tituladas e dos respetivos extractos bancários, desde a data da sua constituição até ao presente momento; e
vi. Todos os demais esclarecimentos que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à concreta determinação dos benefícios que têm vindo a ser concedidos pela 1.ª ré à 2.ª ré, em detrimento do direito das autoras a uma partilha igualitária, com a 2.ª ré, do património dos seus pais.
c) Que, em consequência dos pedidos anteriormente formulados, e de modo a se comprovar as informações ora peticionadas, sejam as rés, também ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, condenadas a entregar às autoras as cópias dos seguintes documentos:
i. Documentos na posse da 1.ª ré e da 2.ª ré: todos aqueles que se encontram referidos no ponto (i) do artigo 116.º do presente articulado, bem como os demais que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à comprovação de todas as informações que deverão as rés prestar às autoras; e
ii. Documentos na posse da 3.ª ré: todos aqueles que se encontram referidos no ponto (ii) do artigo 116.º do presente articulado, bem como os demais que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à comprovação de todas as informações que deverão as rés prestar às autoras.”.
Alegam as AA., em síntese, que recorreram a um processo arbitral de forma a dirimir o litígio que as opõe às RR, no âmbito do qual o Tribunal Arbitral ordenou às RR. que procedessem à junção de diversa documentação suscetível de demonstrar o direito invocado pelas AA. de uma partilha igualitária do património dos seus pais, com a 2.ª Ré; as RR. não procederam à junção da maioria dos documentos, cuja apresentação foi ordenada, tendo o Tribunal Arbitral concedido às AA. uma autorização para solicitarem a intervenção do Tribunal Estadual competente, na obtenção das respetivas provas, com a sua posterior remessa para aquele Tribunal, nos termos do disposto no artigo 38.º n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária. Concluem as Autoras que pretendem que sejam prestadas todas informações referentes aos diversos benefícios que a 1.ª R. tem vindo a conceder à 2.ª R., em detrimento dos compromissos assumidos pelas partes no contrato-promessa de partilha, mais afirmando a idoneidade do processo comum para obter as suas pretensões.
Devidamente citadas, vieram as RR. CC e CC, DD apresentar contestação, concluindo pela sua absolvição da instância em razão da procedência das exceções dilatórias que suscitam ou se assim não se entender pela sua absolvição do pedido, com a eventual exceção do documento a cuja junção não se opõem.
Invocam a ineptidão da petição inicial com fundamento na incompatibilidade das duas causas de pedir em que as AA. fundamentam os seus pedidos de prestação de informações e apresentação de documentos, não podendo o Tribunal Estadual extravasar os estritos limites da autorização dada pelo Tribunal Arbitral; suscitam a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral, no entendimento de que só este é competente para resolver as questões relativas ao contrato promessa em questão, mais referindo que suscitaram junto daquele tribunal que fosse reconhecida a legitimidade da escusa para a apresentação de alguns documentos, questão que foi relegada para apreciação final, o que também invocam nestes autos.
A R. ...Sociedade Agrícola, S.A. veio igualmente contestar a ação, invocando a ineptidão da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido que é formulado contra si, mais invocando a inidoneidade do meio processual utilizado pelas AA. e o abuso de direito, concluindo pela sua absolvição da instância ou se assim não se considerar, do pedido.
Notificada para o efeito pelo tribunal, vieram as AA. responder às exceções invocadas pelas RR. solicitando o desentranhamento da contestação apresentada pela 1.ª e 2ª RR. por intempestiva e concluindo pela improcedência de todas as exceções suscitadas; afirmam a idoneidade da forma do processo utilizada em razão dos pedidos formulados, referindo que nem AA., nem o próprio Tribunal Arbitral conseguem determinar, concretamente, quais os documentos que as RR. devem juntar ao processo arbitral, pelo que, de forma a cumprir-se com aquilo que foi ordenado pelo Tribunal Arbitral, é necessária uma prévia concretização e determinação de todos os documentos mencionados, sendo pedida a sua entrega e não que estes sejam facultados para exame.
Foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre o valor da causa e eventual incompetência do tribunal em razão do valor, o que as mesmas fizeram.
Foi proferido despacho que fixou o valor da ação em €21.106.674,32 na sequência do que foi afirmada a incompetência do Juízo Local Cível em razão do valor e determinada a remessa do processo para distribuição ao Juízo Central Cível, após trânsito em julgado, por ser o competente para a sua tramitação.
O processo foi enviado para ser distribuído junto do Juízo Central Cível de Lisboa.
Foi proferido despacho a determinar a notificação das partes para se pronunciarem sobre um eventual erro na forma do processo.
As partes responderam nos termos que já constavam dos seus articulados.
Foi proferida decisão no sentido de que a presente ação deve seguir como processo especial, nos termos do art.º 1045.º do CPC, concluindo-se nos seguintes termos:
“Tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, decide-se:
a. a presente acção segue a forma de processo especial;
b) julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material deste Juízo Central Cível de Lisboa e, em consequência, absolvo todos os Réus da instância.”
É com esta decisão que as AA. não se conformam e dela vem interpor recurso, pugnando pela sua revogação e apresentando as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1.O presente recurso de apelação tem por objeto todos os segmentos decisórios contidos no Despacho proferido pelo Tribunal a quo, a 7 de outubro de 2024, referência n.º ..., isto é, (i) a decisão que determinou que a presente ação seguia a forma de processo especial e (ii) a decisão que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência material do Juízo Central Cível de Lisboa e, em consequência, absolveu as rés da instância (e, ainda, a decisão acessória a esta última que condenou as autoras, ora recorrentes, ao pagamento de custas processuais).
2. Com efeito, começando pelo primeiro segmento decisório aqui em apreço, é manifesto para as aqui recorrentes que, ao determinar que esta ação seguia a forma processo especial, o Tribunal recorrido violou o disposto no n.º 2, do artigo 546.º do Código de Processo Civil.
3. Isto porque, não obstante o Tribunal a quo ter entendido que as autoras, agora recorrentes, deveriam ter lançado mão do processo especial para a apresentação de coisas ou documentos, previsto nos artigos 1045.º e seguintes do Código de Processo Civil,
4. Certo é que a idoneidade da forma do processo indicada pelas autoras na Petição Inicial é aferida não com referência à pretensão que estas deviam ter deduzido, mas sim com base no pedido que foi concretamente apresentado em juízo (independentemente da apreciação do mérito do mesmo).
5. Ora, assim o ser, como o é, e a constatar-se do postulado da Petição Inicial que, em síntese, as autoras, agora recorrentes, apresentaram dois pedidos de natureza distinta, um primeiro no qual requereram a condenação das rés à prestação de informações (alíneas a) e b), do postulado da Petição Inicial), e um segundo no qual peticionaram a condenação destas à entrega de cópias de determinados documentos (alínea c), do postulado da Petição Inicial), conclui-se que tais pedidos não se inserem no objeto (ou, dito por outro modo, na providência abstrata) da ação especial para a apresentação de coisas ou documentos, nem (acrescente-se) no objeto de qualquer outro processo especial.
6. Pelo que, nos termos do disposto no referido n.º 2, do artigo 546.º do Código de Processo Civil, e tendo por base os pedidos deduzidos na causa pelas agora recorrentes, esta ação encontra-se sujeita ao processo comum, ou seja, o Tribunal recorrido violou a dita disposição legal ao determinar que a presente ação seguia a forma de processo especial.
7. Concomitantemente, e em face do exposto, impõe-se a este Douto Tribunal ad quem revogar o referido segmento decisório, o que aqui, em primeiro lugar, expressamente se requer.
8. Por outro lado, e no que respeita ao segundo segmento decisório contido no Despacho recorrido (e, por inerência, à decisão acessória a este, que condenou as autoras, ora recorrentes, ao pagamento de custas processuais), é patente para estas que o Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, ao aplicar à situação sub judice o disposto no n.º 1, do artigo 130.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, na sua redação atual (ao invés do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 117.º da referida Lei), e violou, ainda, o disposto nos artigos 105.º, n.º 2, e 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
9. De facto, no que ao primeiro vício tange (erro na determinação da norma aplicável), é claro para as autoras, agora recorrentes, que o Tribunal recorrido decidiu aplicar à situação dos autos o disposto no n.º 1, do artigo 130.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, pois partiu do pressuposto que esta causa seguia a forma de processo especial (matéria cuja competência para a sua apreciação não se encontra atribuída aos juízos centrais cíveis, nos termos do disposto no artigo 117.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, nem a quaisquer outros juízos ou, no presente caso, a Tribunal de competência territorial alargada).
10. Porém, como atrás se disse, a realidade é que esta ação não segue a forma de processo especial, mas sim de processo comum, pelo que, tendo sido atribuído à mesma um valor superior à quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), a Instância Central Cível de Lisboa tinha e tem competência para apreciar e conhecer da mesma, nos termos do disposto na mencionada alínea a), do n.º 1, do artigo 117.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, não havendo, assim, que recorrer à norma de competência residual, prevista no artigo 130.º, n.º 1, desta Lei.
11. Mas, mesmo que assim não o fosse e se entendesse que a ação proposta pela autoras, agora recorrentes, se encontrava sujeita à forma de processo especial – o que não se concebe, e apenas por mero dever de patrocínio se admite – certo é que, no caso específico dos autos, o Tribunal já tinha decidido ser incompetente para apreciar este litígio, em razão do valor, o Juízo Local Cível de Lisboa, e remeteu o processo à respetiva Instância Central por se afigurar esta competente para decidir da causa.
12. Ora, esta decisão, que já se encontrava transitada em julgado no momento em que o Tribunal recorrido proferiu o Despacho aqui em apreço, resolve definitivamente a questão da competência, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 105.º do Código de Processo Civil e produz efeito de caso julgado formal (artigo 620.º, n.º 1, do referido diploma legal), tendo, por isso, força obrigatória dentro deste processo.
13. Como tal, em circunstância alguma, poderia agora o Tribunal recorrido, contrariando uma decisão transitada em julgado, através da qual se atribuiu competência à Instância Central Cível de Lisboa para conhecer desta ação, julgar procedente a exceção dilatória de incompetência material dessa mesma Instância Central Cível de Lisboa e, em consequência, absolver as rés da instância (e, ainda, acessoriamente, condenar as autoras, aqui recorrentes, ao pagamento de custas processuais).
14. Impondo-se, igualmente, a revogação destas decisões, substituindo-se as mesmas por outra que determine o prosseguimento dos presentes autos,
15. O que, em segundo lugar, aqui expressamente se requer.
As RR. não vieram responder ao recurso.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelas Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine :
- do erro na forma de processo comum;
- da (in)competência do Juízo Central Cível de Lisboa para apreciar e decidir a presente ação.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que resultam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- do erro na forma de processo comum
Alegam as Recorrentes que em face dos pedidos que formulam, os autos devem seguir com a forma de processo comum e não como processo especial previsto nos art.º 1045.º ss. do CPC para apresentação de coisa ou documento.
O tribunal a quo decidiu que existe um erro na forma de processo, devendo a ação seguir com a forma de processo especial nos termos do art.º 1045.º ss. do CPC, afirmando que a apreciação e julgamento do litígio entre as partes compete ao tribunal arbitral, que já autorizou e delimitou o âmbito de intervenção deste tribunal, a quem cumpre apenas produzir a prova definida por aquele.
É pacífico que a forma de processo deve ser aferida, no essencial, em função do pedido que é formulado pelo A., sendo o pedido que identifica a tutela jurídica que a parte pretende do tribunal e que tem de ser por ele indicada na petição inicial, como decorre do art.º 552.º n.º 1 al. e) do CPC.
Diz-se com toda a propriedade no Acórdão do TRP de 26-09-2016 no proc. 449/11.3TBARC-R.P1 em que a relatora interveio como adjunta, disponível in www.dgsi.pt : “O elemento da acção fundamental para determinar a forma do processo é o pedido. O processo deve seguir a forma em cuja finalidade se integre o pedido formulado pelo autor. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.01.2004, relatado por Fernando Samões, in www.dgsi.pt, «é em face da pretensão deduzida que se deve apreciar a propriedade ou inadequação da forma da providência solicitada. É o pedido formulado pelo autor ou requerente e não a causa de pedir que determina a forma de processo a utilizar em cada caso, conforme jurisprudência dominante ou até uniforme (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 14/11/94, in http://www.dgsi.pt/jstj00025880)». No mesmo sentido pronunciou-se Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 288, afirmando que “E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial”. Admitimos, no entanto, que complementarmente, mas apenas para melhor compreender e situar o pedido formulado, nos casos em que tal se mostre necessário, pode atender-se à causa de pedir para apurar qual deve ser a forma do processo.”.
A forma de processo corresponde ao conjunto de atos, formalidades e procedimentos que cada um dos intervenientes processuais deve praticar, na propositura e no desenvolvimento da ação, que melhor permitem ao tribunal avaliar e decidir a pretensão que lhe é apresentada, sendo em função desta que deve ser determinada.
Na determinação da forma de processo o que releva é a pretensão que é efetivamente formulada pelo A., sendo irrelevante para este efeito a conclusão a que o tribunal pode chegar de que seria outra a pretensão que devia ter sido requerida, em função da causa de pedir que a sustenta – é o ser e não o dever ser que importa nesta avaliação.
No âmbito do processo declarativo encontramos a forma de processo comum ou especial, como estabelece o art.º 546.º do CPC, que no seu n.º 2 dispõe: “O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial.
O processo comum apresenta-se como o processo regra, aplicando-se a todos os casos a que não corresponda processo especial, sendo o processo especial a exceção, no sentido em que só se aplica aos casos expressamente previstos na lei, salientando-se que o processo especial não é um só, sendo regulados diversos processos especiais que se distinguem na sua tramitação, em função do tipo de providência requerida pelo A. - vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in Manual de Processo Civil, pág. 68.
Assim, para a correta determinação da forma de processo, em primeiro lugar há que avaliar se a pretensão do A. se integra em alguma das situações a que corresponda algum processo especial previsto pelo legislador, sendo que, só se assim não for, é que a forma de processo a seguir é a comum.
Na situação em presença, as AA. na petição inicial vêm indicar a forma de processo comum, optando até por justificar porque é que no seu entender é essa a forma que o processo deve seguir. Não tendo as partes a liberdade de optar pela forma de processo que querem, aquela afirmação, naturalmente, carece de relevância por si só, impondo-se avaliar se assim deve ser, tendo presente que o tribunal a quo entendeu que o processo adequado à ação proposta pelos AA. é o processo especial previsto nos art.º 1045.º ss. do CPC que se destina à “Apresentação de Coisas ou Documentos”.
Estabelece o art.º 1045.º do CPC: “Aquele que, nos termos e para os efeitos dos artigos 574.º e 575.º do Código Civil, pretenda a apresentação de coisas ou documentos que o possuidor ou detentor lhe não queira facultar justifica a necessidade da diligência e requer a citação do recusante para os apresentar no dia, hora e local que o juiz designar.”
Sobre a tramitação subsequente, rege o art.º 1046.º nos seguintes termos:
“1 - O citado pode contestar no prazo de 15 dias, a contar da citação; se detiver as coisas ou documentos em nome de outra pessoa, pode esta contestar dentro do mesmo prazo, ainda que o citado o não faça.
2 - Na falta de contestação, ou no caso de ela ser considerada improcedente, o juiz designa dia, hora e local para a apresentação na sua presença.
3 - A apresentação faz-se no tribunal, quando se trate de coisas ou de documentos transportáveis em mão; tratando-se de outros móveis ou de coisas imóveis, a apresentação é feita no lugar onde se encontrem.”
Finalmente, o art.º 1047.º, com a epígrafe “Apreensão Judicial, estabelece: “Se os requeridos, devidamente notificados, não cumprirem a decisão, pode o requerente solicitar a apreensão das coisas ou documentos para lhe serem facultados, aplicando-se o disposto quanto à efetivação da penhora, com as necessárias adaptações.”
Nesta norma o legislador contempla uma fase executiva integrada no próprio processo especial, facilitando desta forma o cumprimento coercivo da decisão do tribunal, no caso dos Requeridos não a cumprirem voluntariamente, dispensando o Requerente de intentar uma nova ação executiva com vista à concretização do seu direito.
Como decorre expressamente do art.º 1045.º do CPC, este processo especial de apresentação de coisas ou documentos, deve ser conjugado com os art.º 574.º e 575.º do C. Civil para os quais remete, e que regem sobre estes direitos.
O art.º 574.º com a epígrafe “Apresentação de coisas” dispõe:
1. Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor a diligência.
2.Quando aquele de quem se exige a apresentação da coisa a detiver em nome de outrem, deve avisar a pessoa em cujo nome a detém, logo que seja exigida a apresentação, a fim de ela, se quiser, usar os meios de defesa que no caso couberem.
Já o art.º 575.º do C.Civil, relativo à apresentação de documentos, remete para as disposições do artigo anterior, com as necessárias adaptações, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame dos documentos.
De salientar o art.º 576.º do C.Civil, que estabelece: “Feita a apresentação, o requerente tem a faculdade de tirar cópias ou fotografias, ou usar de outros meios destinados a obter a reprodução da coisa ou documento, desde que a reprodução se mostre necessária e se lhe não oponha motivo grave alegado pelo requerido.
Em face da questão que se impõe decidir, importa ainda ter em conta, o teor do art.º 573.º do C.Civil, norma que se reporta à obrigação de informação, de acordo com a qual: “A obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.”
No confronto destas normas é possível perceber que se distinguem aqui diferentes obrigações: (i) a obrigação de prestar informações – art.º 573.º do C.Civil; (ii) a obrigação de apresentar coisas – art.º 574.º; (iii) a obrigação de apresentar documentos – art.º 575.º.
O dever de informação tem aqui uma regra geral que apenas o condiciona à verificação de dois requisitos: a dúvida acerca da existência ou conteúdo de um direito pelo seu titular; e o interpelado estar em condições de prestar a informação, sendo que o dever de informação também pode resultar expressamente de situações previstas na lei ou da convenção das partes.
Tem vindo ainda a ser entendido que tem de haver um interesse legítimo ou justificado para a obtenção da informação, ponderando o direito à informação à luz da boa fé – vd. neste sentido Acórdão do STJ de 21-11-2006 no proc. 06A3572 in www.dgsi.pt onde se refere: “No plano da ponderação dos interesses que caracteriza a actuação do princípio da boa fé, deverá também exigir-se que o interesse legítimo do titular em obter a informação não possa ser satisfeito por outro processo e que a onerosidade da prestação para a obrigação não seja demasiada.”
Se para a apresentação de coisa ou documento, previstas no art.º 574.º e 575.º do C.Civil, o legislador veio estabelecer um processo especial para esse efeito, nos mencionados art.º 1045.º ss do CPC, já o direito à informação terá de ser exercido em ação declarativa comum intentada com esse objetivo, nos termos do art.º 546.º n.º 2 do CPC, na medida em que não foi contemplado qualquer processo especial para esse fim.
O processo especial previsto o art.º 1045.º do CPC, que visa a apresentação de coisas ou documentos, não se destina a condenar o R. a prestar as informações de que o A. diz ter necessidade para o exercício do seu direito, como bem evidencia o Acórdão do TRP de 31-01-2007 no proc. 0730232 in www.dgsi.pt
Aqui chegados, importa então verificar quais os pedidos formulados pelas AA. para se avaliar a forma de processo adequada à sua pretensão.
Relembra-se os pedidos apresentados pelas AA.:
“a)Que, ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, sejam a 1.ª e a 2.ª ré condenadas a prestar às autoras as seguintes informações:
i. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do Contrato celebrado entre a 1.ª ré e a sociedade The Navigator Company, S.A., que permite a esta a exploração das árvores do eucaliptal da ...Herdade;
ii. Todos os esclarecimentos relativos do conteúdo integral e exato do livro de registo de ações representativo do capital social da 3.ª ré;
iii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do livro de atas da assembleia geral da 3.ª ré e respetivas listas de presenças, desde a data da sua constituição até à presente data;
iv. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do contrato de compra e venda do montando de sobro referente à tiragem da cortiça do ano de 2017 e, caso já exista, em relação ao ano de 2018;
v. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral da totalidade de recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça no ano de 2017;
vi. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias tituladas pela 1.ª ré, bem como dos respetivos extratos bancários;
vii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias tituladas em conjunto pela 1.ª ré e pela 2.ª ré, bem como dos respetivos extratos bancários;
viii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos referentes a produtos financeiros, titulados pela 1.ª ré, desde outubro de 2004 e até à presente data;
ix. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todas as contas bancárias cujo saldo respeite a rendimentos referentes a produtos financeiros, titulados pela 1.ª ré e pela 2.ª ré, e/ou rendimentos provenientes da ...Herdade, desde outubro de 2004 até à presente data, bem como dos respetivos extratos referentes ao mesmo período;
x. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos provenientes da ...Herdade, desde 2004 até à presente data;
xi. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos auferidos pela 2.ª ré, desde 2004 até à presente data;
xii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral de todos os rendimentos auferidos pela 1.ª ré, desde 2004 até à presente data;
xiii. Todos os esclarecimentos referentes à abertura, regime, transferência, saldos e encerramento das contas bancárias, abertas em nome das autoras, da 1.ª ré e da 2.ª ré, sob o número ...20, junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., e sob o número ...78, junto do Banco Comercial Português, S.A. (“Millennium BCP”); e
xiv. Todos os demais esclarecimentos que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à concreta determinação dos benefícios que têm vindo a ser concedidos pela 1.ª ré à 2.ª ré, em detrimento do direito das autoras a uma partilha igualitária, com a 2.ª ré, do património dos seus pais.
b) Que, ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, seja a 3.ª ré condenada a prestar às autoras as seguintes informações:
i. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do livro de registo de ações representativo do seu capital social;
ii. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato do seu livro de registo de atas de assembleia geral e respetivas listas de presenças, desde a data da sua constituição até ao presente momento;
iii. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral do contrato de compra e venda do montando de sobro referente à tiragem da cortiça do ano de 2017 e do ano de 2018;
iv. Todos os esclarecimentos relativos ao teor exato e integral da totalidade de recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça no ano de 2017;
v. Todos os esclarecimentos relativos ao conteúdo integral e exato de todas as contas bancárias por si tituladas e dos respetivos extratos bancários, desde a data da sua constituição até ao presente momento; e
vi. Todos os demais esclarecimentos que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à concreta determinação dos benefícios que têm vindo a ser concedidos pela 1.ª ré à 2.ª ré, em detrimento do direito das autoras a uma partilha igualitária, com a 2.ª ré, do património dos seus pais.
c)Que, em consequência dos pedidos anteriormente formulados, e de modo a se comprovar as informações ora peticionadas, sejam as rés, também ao abrigo do disposto no artigo 573.º do Código Civil, condenadas a entregar às autoras as cópias dos seguintes documentos:
i. Documentos na posse da 1.ª ré e da 2.ª ré: todos aqueles que se encontram referidos no ponto (i) do artigo 116.º do presente articulado, bem como os demais que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à comprovação de todas as informações que deverão as rés prestar às autoras; e
ii. Documentos na posse da 3.ª ré: todos aqueles que se encontram referidos no ponto (ii) do artigo 116.º do presente articulado, bem como os demais que se afigurem ou se venham a afigurar como pertinentes e necessários à comprovação de todas as informações que deverão as rés prestar às autoras.
d) Devem, ainda, as rés serem condenadas no pagamento de custas, procuradoria e demais encargos legais.”
Relativamente aos pedidos elencados nas al. a) e b), não há dúvida que a pretensão das AA. se dirige à prestação de informações e esclarecimentos por parte das RR., fundamentando a sua obrigação no art.º 573.º do C.Civil, pelo que, atento o que já se expôs, é patente que a tutela judicial que pretendem para este direito à informação de que se arrogam titulares, apenas pode ser concretizada ou exercida através de uma ação comum, na medida em que nenhum processo especial está previsto para esse efeito, designadamente e em concreto o processo especial do art.º 1045.º do CPC relativo à apresentação de coisas e documentos, que pela sua especificidade, não permite dar acolhimento àquelas pretensões.
Já quanto ao pedido elencado sob a al. c) a questão oferece mais dúvidas.
O mesmo visa a condenação das RR. a entregar cópias de diversos documentos que as AA. agrupam de duas formas: (i) os documentos referidos no art.º 116.º da p.i.; (ii) os documentos que se afigurem ou venham a afigurar pertinentes e necessários à comprovação das informações que as RR. devem prestar, na sequência dos pedidos formulados nas al. a) e b).
Salienta-se que o que as AA. pedem é a condenação das RR. a entregar determinados documentos e não a apresentá-los para exame, o que constitui a finalidade do processo especial previsto nos art.º 1045.º ss. do CPC, ainda que possa considerar-se o disposto no art.º 576.º do C.Civil que autoriza a reprodução dos documentos apresentados quando tal se revele necessário e a isso não se oponha motivo grave.
O pedido de condenação das RR. a entregar determinados documentos, não significa que tal tenha de ocorrer no decurso do processo. A eventual procedência deste pedido, no âmbito de uma ação declarativa comum, não é suscetível de dispensar as AA. de intentar uma ação executiva no caso das RR. não cumprirem voluntariamente uma condenação do tribunal, ao contrário do que acontece na ação especial do art.º 1045.º do CPC na qual pode, desde logo, haver lugar à apreensão judicial dos documentos que o Requerido está obrigado a apresentar, nos termos do art.º 1047.º do CPC – no entanto, tal apreensão destina-se a possibilitar o exame das coisas ou documentos e não a sua entrega ao Requerente.
Sendo o pedido das AA. dirigido à condenação das RR. a entregar documentos e não a apresentá-los para exame, afigura-se que a sua pretensão é mais abrangente do que as possibilidades que lhes dá o processo especial previsto no art.º 1045.º do CPC, ainda que a concretização daqueles pedidos possa não ter lugar no âmbito da ação declarativa comum, pelo que a tutela jurídica que é por elas pretendida não ficaria assegurada se a ação fosse submetida a tal tramitação processual.
De considerar ainda que o pedido formulado sob a al. c) nunca podia integrar-se na sua totalidade no âmbito do processo especial de apresentação de documentos, atenta a sua amplitude.
O primeiro lote de documentos que as AA. pedem que as RR. sejam condenadas a entregar, são aqueles que vêm referidos no art.º 116.º da p.i. que representam os documentos que, no âmbito do processo de arbitragem que corre termos entre as partes, o Tribunal Arbitral, atenta a dificuldade na obtenção de prova, autorizou a intervenção dos tribunais comuns, aludindo a decisão arbitral aos seguintes documentos:
“(i) Documentos em posse da 1.ª ré e da 2.ª ré:
a. Contrato celebrado entre a 1.ª ré e a sociedade The Navigator Company, S.A., que permite a exploração das árvores de eucaliptal da ...Herdade;
b. Livro de registo de ações representativo do capital social da 3.ª ré;
c. Livro de atas da assembleia geral da 3.ª ré e respetivas listas de presença, desde a data da sua constituição até à presente data;
d. Contrato de compra e venda do montado de sobro referente à tiragem de cortiça do ano de 2017 e, caso já exista, em relação ao ano de 2018;
e. Recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça realizada no ano de 2017;
f. Documento identificativo de todas as contas bancárias tituladas pela 1.ª ré, desde outubro de 2004, e respetivos extratos bancários;
g. Documento identificativo de todas as contas bancárias tituladas em conjunto pela 1.ª ré e pela 2.ª ré, desde outubro de 2004, e respetivos extratos bancários;
h. Indicação discriminada e comprovada documentalmente, de todos os rendimentos referentes a produtos financeiros titulados pela 1.ª ré, desde outubro de 2004 até à presente data;
i. Identificação de todas as contas bancárias cujo saldo respeite a rendimentos referentes a produtos financeiros titulados pela 1.ª ré e/ou rendimentos provenientes da ...Herdade, desde outubro de 2004 até à presente data, e cópia integral dos respetivos extratos referentes ao mesmo período;
j. Indicação discriminada e comprovada documentalmente de todos os rendimentos provenientes da ...Herdade, desde 2004 até à presente data;
k. Declaração de rendimentos da 2.ª ré, desde 2004 até à presente data;
l. Declaração de rendimentos da 1.ª ré, desde 2004 até à presente data; e
m. Todos os documentos referentes à abertura, regime, transferência, saldos e encerramento das contas bancárias abertas em nome da 1.ª ré e da 2.ª ré, sob o número ...20, junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A., e sob o número ...78, junto do Banco Comercial Português, S.A. (“Millennium BCP”).
(ii) Documentos em posse da 3.ª ré:
a. Livro de registo de ações representativas do capital social da 3.ª ré;
b. Livro de atas da assembleia geral da 3.ª ré e respetivas listas de presenças, desde a data da sua constituição até ao presente momento;
c. Contrato de compra e venda do montado de sobro referente às tiragens dos anos de 2017 e 2018;
d. Recibos e faturas respeitantes à tiragem de cortiça realizada no ano de 2017; e
e. Documento identificativo de todas as contas bancárias tituladas pela 3.ª ré e respetivos extratos bancários, desde a data da sua respetiva constituição até ao presente momento.”
Avaliando a forma como estes documentos são identificados, constata-se que muitos deles são indicados de forma genérica e não se encontram concretizados, nem estão determinados, ainda que possam ser determináveis.
Mas a dificuldade está essencialmente no último lote de documentos abrangido pelo pedido formulado pelas AA. sob a al. c) já que estes estão totalmente por determinar, até na sua existência, dirigindo-se o pedido à condenação da entrega de documentos apontados apenas de forma genérica e condicionada às informações que possam vir a prestadas no âmbito da concretização dos pedidos formulados nas alíneas anteriores - quanto a eles, nunca seria adequado, ou até possível, o uso do processo especial de apresentação de coisas e documentos, já que, atenta a sua indeterminação, nem se sabe que documentos é que as RR. estariam obrigadas a apresentar, quando citadas para o efeito pelo tribunal, nos termos previstos no art.º 1045.º do CPC.
Atento o pedido concretamente formulado pelas AA. nesta al. c) de âmbito abrangente, o processo especial do art.º 1045.º do CPC também não se apresenta como o próprio, sob pena de se estar a restringir a sua pretensão à apresentação de documentos para exame, em lugar da entrega que é solicitada e de se estar a cindir o próprio pedido, já que, em parte não é passível de integrar aquela forma de processo.
Em razão do que fica exposto, já se vê que, atentos os concretos pedidos formulados pelas AA., o processo deve seguir a forma comum, nos termos previstos no art.º 546.º n.º 2 do CPC, por não corresponder ao caso processo especial.
Importa ainda salientar, em face do teor da decisão sob recurso que a determinação da forma de processo adequada aos pedidos que são submetidos pela parte à apreciação do tribunal, não interfere com a questão de saber se há ou não preterição do Tribunal Arbitral ou se os pedidos aqui formulados vão ou não além da autorização que foi concedida por aquele tribunal no âmbito do processo de arbitragem que corre termos.
Trata-se de questões diferentes que a decisão sobre recurso confunde, além de discorrer sobre a possibilidade da cumulação dos pedidos formulados, que no seu entender “parece não ser de autorizar” sem avaliar a possibilidade prevista no art.º 37.º n.º 2 e 3 do CPC e sem que dali retire a consequência própria desse entendimento, prevista no art.º 37.º n.º 4, não excluindo a apreciação de nenhum dos pedidos apresentados pelas AA. do processo especial do art.º 1045.º que teve como adequado.
É certo que corre termos um processo no Tribunal Arbitral, ao abrigo de convenção das partes para dirimir o litígio relacionado com o contrato promessa de partilhas que firmaram, sendo tal processo regulado pela Lei da Arbitragem Voluntária - Lei 63/2011 de 14 de dezembro, e a convenção arbitral admitida pelo art.º 1.º n.º 1 e 3 deste diploma, o que não é objeto de controvérsia.
O art.º 5.º da LAV com a epígrafe “efeito negativo da convenção de arbitragem” dispõe no seu n.º 1 : “1 - O tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.
O art.º 19.º da LAV dispõe que, nas matérias reguladas por tal lei, os tribunais estaduais só podem intervir nos casos em que esta o prevê.
O art.º 30.º da LAV que alude aos princípios e regras do processo ação arbitral estabelece expressamente no seu n.º 4 que: “os poderes conferidos ao Tribunal Arbitral compreendem o de determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir.
Já o art.º 38.º rege sobre a solicitação aos tribunais estaduais na obtenção de provas, dispondo:
“1-Quando a prova a produzir dependa da vontade de uma das partes ou de terceiros e estes recusem a sua colaboração, uma parte, com a prévia autorização do tribunal arbitral, pode solicitar ao tribunal estadual competente que a prova seja produzida perante ele, sendo os seus resultados remetidos ao tribunal arbitral.
2 - O disposto no número anterior é aplicável às solicitações de produção de prova que sejam dirigidas a um tribunal estadual português, no âmbito de arbitragens localizadas no estrangeiro.”
Atento este regime legal, não pode deixar de concordar-se com o teor do despacho recorrido quando diz:
“É certo que cabe ao tribunal arbitral “determinar a admissibilidade, pertinência e valor de qualquer prova produzida ou a produzir” (artigo 30.º n.º 4 da LAV). Porém, no caso de falta de cooperação das partes ou de terceiros na produção da prova, os árbitros veem-se confrontados com a falta de poderes de autoridade (ius imperii) para imporem condutas e executarem ordens manu militari ou cominarem sanções (MENEZES CORDEIRO, TRATADO DA ARBITRAGEM, página 350). Tal dificuldade poderá ser suprida mediante o recurso aos tribunais estaduais. A intervenção do tribunal estadual será requerida pela parte nela interessada, mediante prévia autorização do tribunal arbitral. A necessidade dessa autorização prévia justifica-se pela autonomia do tribunal arbitral e pelo carácter meramente instrumental da intervenção do tribunal estadual (MARIANA FRANÇA GOUVEIA, CURSO DE RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS, página 256). Na sua intervenção o tribunal estadual competente aplicará as respectivas normas processuais adjectivas. No entanto, na lei processual civil não se encontra tramitação específica e expressamente desenhada para acorrer a esta intervenção subsidiária e de apoio dos tribunais estaduais aos tribunais arbitrais. De todo o modo, certo é que a parte interessada terá de instaurar no tribunal estadual competente uma acção proposta com esse único fim (MARIANA FRANÇA GOUVEIA, obra citada, página 256). E é perfeitamente equacionável a aplicabilidade, em certos casos, da acção especial de apresentação de coisas ou documentos prevista no artigo 1045.º e seguintes do Código de Processo Civil. Sendo certo que o recurso a essa acção especial autónoma pode justificar-se, como ponderam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, “face a um quadro processual em que se tenham esgotado, sem sucesso, os meios coercitivos processuais normais para obtenção do documento ou exibição da coisa, subsistindo um interesse juridicamente atendível na apresentação do documento ou da coisa” (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, volume II, página 487).”
Não há nada a censurar a esta avaliação feita pelo tribunal a quo, só que saber se os pedidos das AA. excedem ou não a autorização dada pelo tribunal arbitral para a obtenção de prova juntos dos tribunais estaduais não é questão que deva interferir com a avaliação da forma de processo adequado ao pedido que efetivamente é formulado, já que, podendo justificar-se o recurso à ação especial prevista nos art.º 1045.º ss. no âmbito da autorização do tribunal arbitral, também pode acontecer que tal ação não seja a adequada em face da intervenção que a parte quer solicitar.
O art.º 38.º da LAV não impõe qualquer forma de processo a seguir para a sua concretização. Como se refere no Acórdão do TRL de 04-11-2021 no proc. 22927/20.3T8LSB-A.L1-6 in www.dgsi.pt : “O art.º 38º da LAV não determina nem impõe qual o meio processual a utilizar para a produção de prova. Intentada uma acção, não deixa se impor ao Tribunal estadual averiguar da adequação do meio processual que o requerente decidiu utilizar.”
A questão de saber se os pedidos formulados pelas AA. se integram no âmbito da autorização dada pelo Tribunal Arbitral sobre a prova a ser produzida junto Tribunal estadual ou se excede os seus limites, não interfere com a avaliação da adequação da forma de processo em razão dos pedidos que foram efetivamente formulados, sem prejuízo de tal situação poder ter que ser avaliada noutra perspetiva.
Por outro lado, não estabelecendo o art.º 38.º da LAV o meio que deve ser utilizado para a produção de prova, cabe ao tribunal avaliar a sua adequação em face do pedido que lhe venha a ser apresentado pela parte.
Resta concluir que em razão dos concretos pedidos formulados pelas AA. as suas pretensões não se enquadram no âmbito do processo especial previsto no art.º 1045.º do CPC, ao contrário do que entendeu a decisão recorrida que assim se revoga, determinando-se que a forma de processo adequada à presente ação é a comum.
- da (in)competência do Juízo Central Cível de Lisboa para apreciar e decidir a presente ação
O tribunal a quo decidiu não ser o competente para tramitar e decidir a presente ação com fundamento no facto da mesma dever seguir como processo especial, não estando cometida aos Juízos Centrais Cíveis a competência para preparar e julgar as ações sob a forma de processo especial
Como é sabido, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, conforme prevê o art.º 64.º do CPC ao dispor que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, o que é replicado no art.º 40.º da Lei 62/2013 de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
Este princípio é aliás, desde logo, expresso no art.º 211.º n.º 1 da CRP que dispõe: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
O art.º 66.º do CPC remete para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, pelo seu valor, são da competência da instância central e da instância local.
Sobre a competência dos Juízos Centrais Cíveis, regula o art.º 117.º da LOSJ, nos seguintes termos:
“1-Compete aos juízos centrais cíveis:
a. A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;
b. Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c. Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d. Exercer as demais competências conferidas por lei.
2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.
3 - São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência.”
É o art.º 130.º da LOSJ que rege sobre a competência dos juízos locais, atribuindo-lhes competência residual para todas as causa que não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunais, estabelecendo logo no seu n.º 1: “Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.”
A decisão recorrida que afirmou a incompetência do Juízo Central Cível para preparar e julgar a presente ação fundamentou-se no facto de ter considerado previamente que os autos deviam seguir a forma de processo especial, estando assim a ação excluída da sua competência.
Acontece que tal pressuposto da decisão sobre a competência do tribunal falha, quando se verifica que a forma de processo adequada à pretensão efetivamente formulada pelas AA. é a comum.
Como já se viu, a ação deve seguir a forma de processo comum, pelo que, atento o seu valor, superior a € 50.000,00 é ao Juízo Central Cível que compete a sua tramitação, impondo-se a revogação da decisão proferida que julgou incompetente o tribunal.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente procedente o presente recurso interposto pelas AA., revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que o processo comum é o adequado aos pedidos que formulam e que o Juízo Central Cível é o competente para julgar a ação.
Custas pelas Recorrentes – art.º 527.º n.º 1 in fine do CPC, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso no que excede a quantia de € 275.000,00, nos termos do art.º 6.º n.º 7 do RCP, por se ter como desproporcional o valor da taxa de justiça em razão do valor do recurso que é o da ação, nada havendo a apontar à conduta processual das Recorrentes e por as questões jurídicas suscitadas não se apresentarem como difíceis ou complexas, não exigindo um trabalho acima do normal.
Notifique.
*
Lisboa, 13 de março de 2025
Inês Moura (relatora)
João Paulo Raposo (1º adjunto)
Rute Sobral