RECURSO DE REVISÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
FUNDAMENTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOVOS FACTOS
CARTA DE CONDUÇÃO
CONTRAORDENAÇÃO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - O art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP estabelece a possibilidade de revisão de sentença transitada em julgado, como remédio excepcional, admissível apenas quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
II - O pedido de revisão assenta na alegação e demonstração de que o arguido, à data dos factos em apreciação nos presentes autos, era titular de uma licença de condução válida, de ciclomotores e motociclos de cilindrada, não superior a 50 cm3, obtida em 1999 e ainda presentemente em vigor.
III - Com base em tal factualidade, entende agora o recorrente que estamos perante um novo meio de prova e que, sendo válida aquela licença de condução titulada pelo arguido, à data em que cometeu o ilícito pelo qual foi condenado nestes autos, sendo a mesma equiparada a carta de condução da categoria AM, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas antes a prática de uma contraordenação.
IV - Daqui retira que sendo este facto novo (a titularidade e validade de tal licença), caberá discutir a natureza da infracção, como sendo não um crime, mas antes uma contraordenação, punível com coima.
V - Sucede, todavia, que embora tal factualidade (a existência válida de licença para tripular ciclomotores) constitua, na realidade, uma novidade para o tribunal de julgamento, uma vez que a sua existência não foi, no âmbito do decurso do seu processamento, invocada, a verdade é que não é de todo uma novidade para o próprio arguido. Esse facto, de conhecimento pessoal do arguido, era por si sabido e podia ter sido mencionado no decurso do processo que contra si correu seus termos.
VI - Factos novos são aqueles que o recorrente desconhece até ao trânsito em julgado da decisão condenatória. No caso, pese embora, formalmente, o requerente seja o MP, a sua petição, nestes autos, é feita em benefício e por causa do arguido, pois é este último quem fornece a “prova nova” e quem pede que seja formulado pedido de revisão de sentença.
VII - Assim, pese embora via requerimento formalmente apresentado pelo MP, o requerente, apresentante da nova prova e peticionante do pedido de revisão, reconduz-se à pessoa do próprio arguido.
VIII - Soçobrando um dos requisitos cumulativos previstos na al. d) do n.º 1 do art. 499.º do CPP, fica prejudicada a averiguação dos restantes pois, ainda que se verificassem, jamais poderia ser procedente a revisão pedida.

Texto Integral


Acordam em conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

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I – relatório

1. No processo 669/22.5... (Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de ... - Juiz ...) foi proferida sentença, transitada em julgado em 01.02.2023, que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº3º, n°s 1 e 2 do Decreto-lei n° 2/98, de 03/01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão a qual se reduziu, face ao disposto no artigo 80, n.° 1, do Código Penal, a 17 (dezassete) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão efectiva, em meio prisional.

2. O Ministério Público veio interpor recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artº 449.º, n.º 1 d) do C.P.Penal, por entender que, atentos os novos meios de prova juntos aos autos, designadamente resultantes da certidão extraída do proc. nº 461/22.7..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal do ... - Juiz ..., se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

3. O condenado não apresentou resposta ao pedido de revisão.

4. O Mº Juiz “a quo” não lavrou informação sobre o processo, proferindo o seguinte despacho:

Por ter legitimidade (artigo 450.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), admito o(s) recurso(s) de revisão interposto(s) pelo MP.

Instrua o recurso com a peças indicadas pelo recorrente (artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CP.P.).

Oportunamente, subam os autos ao STJ.- cfr. artigo 454.º, do C.P.P.

Notifique

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o ilustre PGA emitiu parecer no sentido de não dever ser autorizada a revisão.

6. Mostrando-se o recurso instruído com os pertinentes elementos, não se mostrando necessário solicitar, junto do Mº Juiz “a quo”, pela informação sobre o processo, por desnecessária, face aos elementos já constantes nos autos e nada obstando ao seu conhecimento, colhidos os vistos foi o processo remetido à Conferência (artigo 455º, nºs 2 e 3, do CPPenal).

II – questão a decidir.

Mostram-se preenchidos os requisitos legais consignados no artigo 449.º, n.º 1, al.d), do C.P.Penal, que tonam admissível a revisão de sentença transitada em julgado?

iii – fundamentação.

1. Alega o MºPº, em sede de conclusões, o seguinte:

1. Vem o presente recurso extraordinário de revisão, interposto pelo Ministério Público com fundamento na al. d), do n.° 1, do artigo 449.°, do Código de Processo Penal.

2. A sentença proferida nestes autos, condenou o arguido na pena de 17 (dezassete) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão efectiva, em meio prisional, dando-se como provado, em súmula e para além do mais, que o arguido AA, a 12.11.2022, conduziu um veículo automóvel sem que fosse titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

3. Porém, no processo comum singular n.º 461/22.7..., foi o arguido AA absolvido da prática do mesmo crime de condução sem habilitação legal, dando-se como provado que, a 07-11-2022, o arguido conduziu um veículo automóvel sendo possuidor da licença de condução n." ...01 que lhe permitia a condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos, válida até 12 de Novembro de 2044.

4. Tal licença de condução, conforme resulta agora documentalmente comprovado nestes autos, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., após requerimento de troca apresentado pelo arguido no dia 18-06-1999, nos termos do artigo 47.0, n." 2, do Decreto-Lei n." 209/98, de 15 de Julho.

5. Assim, à data da prática dos factos julgados nestes autos, parece que o arguido era titular de uma licença de condução de ciclomotor e motociclo não superior a 50cm3 válida e, por isso, equiparada a carta de condução da categoria AM.

6. Com efeito, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.", n." 3, al. a), do Código da Estrada que comina com uma contra-ordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respectiva carta de condução não confira habilitação.

7. Foram juntos aos autos novos meios de prova que inexistiarn no processo aquando da sentença proferida (certidão junta aos autos principais a fls. 115 a 138) e, perante o exposto, existem sérias dúvidas sobre a justiça da condenação - a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado.

8. Termos em que se requer seja autorizada a revisão da sentença proferida nestes autos, transitada em julgado, seguindo os autos os demais termos conforme previsto no artigo 547.°, n." 1, do Código de Processo Penal.

2. O Exº PGA apresentou o seguinte parecer:

O arguido AA foi condenado no processo sumário 669/22.5..., do Juízo Local Criminal de ..., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão efetiva, reduzida, face ao disposto no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, a 17 (dezassete) meses e 29 (vinte e nove) dias.

E isso porque, em apertada síntese da matéria de facto provada, no dia 12 de novembro de 2022, pelas 15 horas e 20 minutos, conduziu o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-HB na rua ..., em ..., sem ser titular de carta de condução que a tanto o habilitasse.

A sentença transitou em julgado em 1 de fevereiro de 2023

Em 3 de dezembro de 2024, o Ministério Público, com a legitimidade conferida pelo arti¬go 450.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpôs recurso extraordinário de revisão com fundamento no disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, concluindo que:

«(...)2. A sentença proferida nestes autos, condenou o arguido na pena de 17 (dezassete) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão efectiva, em meio prisional, dando-se como provado, em súmula e para além do mais, que o arguido AA, a 12.11.2022, conduziu um veículo automóvel sem que fosse titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir aquele veículo.

3. Porém, no processo comum singular n.º 461/22.7..., foi o arguido AA absolvido da prática do mesmo crime de condução sem habilitação legal, dando-se como provado que, a 07-11¬2022, o arguido conduziu um veículo automóvel sendo possuidor da licença de condução n.º ...01 que lhe permitia a condução de ciclomotor e motociclos de cilindrada não superior a 50 centímetros cúbicos, válida até 12 de Novembro de 2044.

4. Tal licença de condução, conforme resulta agora documentalmente comprovado nestes autos, foi emitida pela Câmara Municipal de ..., após requerimento de troca apresentado pelo arguido no dia 18-06¬1999, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de Julho.

5. Assim, à data da prática dos factos julgados nestes autos, parece que o arguido era titular de uma licença de condução de ciclomotor e motociclo não superior a 50cm3 válida e, por isso, equiparada a carta de condução da categoria AM.

6. Com efeito, a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas sim a prática da contra-ordenação, prevista pelo artigo 123.º, n.º 3, al. a), do Código da Estrada que comina com uma contra-ordenação aquele que conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respectiva carta de condução não confira habilitação.

7. Foram juntos aos autos novos meios de prova que inexistiam no processo aquando da sentença proferida (certidão junta aos autos principais a fls. 115 a 138) e, perante o exposto, existem sérias dúvidas sobre a justiça da condenação – a constatar-se que o condenado é titular daquela licença de condução válida tal justificará a sua absolvição, sendo a decisão proferida nos autos materialmente injusta, tanto mais, que implica a perda da liberdade do condenado.

8. Termos em que se requer seja autorizada a revisão da sentença proferida nestes autos, transitada em julgado, seguindo os autos os demais termos conforme previsto no artigo [457].º, n.º 1, do Código de Processo Penal».

O recurso está instruído com certidão da sentença proferida no processo comum 461/22.7... do Juízo Local Criminal do ... e da informação e documentos apresenta¬dos pela Câmara Municipal de ... nesses autos que comprovam que o arguido AA foi titular da licença de condução de ciclomotores n.º ...16, a qual, na sequência de requerimento apresentado em 18 de junho de 1999, foi trocada pela licença de condução de ciclomotores n.º ...01, que lhe permite conduzir ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50cm3, válida até 12 de novembro de 2044.

O Sr. juiz titular do processo, sem lavrar informação sobre o mérito do recurso (artigo 454.º, parte final, do Código de Processo Penal), proferiu o seguinte despacho:

«Por ter legitimidade (artigo 450.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), admito o(s) recurso(s) de revisão interposto(s) pelo MP.

Instrua o recurso com a peças indicadas pelo recorrente (artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CP.P.).

Oportunamente, subam os autos ao STJ.- cfr. artigo 454.º, do C.P.P.

Notifique.»

Vista (artigo 455.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Nos termos do artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pe¬los danos sofridos.

Concretizando esse princípio, o artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal estabelece que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os da¬dos como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obriga¬tória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de funda¬mento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internaci¬onal, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

No caso sub examine, à vista dos fundamentos do recurso, importa considerar apenas a hipótese contemplada na alínea d): descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça, "«Novos» factos ou meios de prova são, em regra, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdão de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Bor¬ges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Hen-riques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira)" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2022, processo 163/14.8PAALM-A.S1, relatado pelo conselheiro José Luís Lopes da Mota, www.dgsi.pt)

O Ministério Público assenta o pedido de revisão na alegação e demonstração de que o arguido, à data dos factos, era titular de uma licença de condução de ciclomotores e motoci¬clos de cilindrada não superior a 50cm3 válida.

No entanto, salvo o devido (e muito merecido) respeito, tal facto e meio de prova, embo¬ra desconhecidos do tribunal, podiam ter sido mencionados e/ou comprovados pelo arguido durante o julgamento e, como tal, não são inéditos.

O que se pretende agora é discutir a natureza da infração face à titularidade da referida licença de condução da categoria AM (v. o artigo 3.º, n.º 4, alínea a), do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho) e ao disposto no artigo 123.º, n.º 3, alínea b), do Código da Estrada, na redação introduzida pelo artigo 2.º Decreto-Lei n.º 102-B/2020 de 9 de dezembro, que sanciona com coima de (euro) 700 a (euro) 3500, quem, sendo titular de carta de condução da categoria AM ou A1, conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a mesma não confira habilitação.

Só que essa discussão podia (devia) ter ocorrido durante o julgamento e, eventualmente, servido de fundamento a um recurso ordinário da sentença condenatória mas não constitui fundamento de revisão, nomeadamente a coberto do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.

Com efeito, «sendo a revisão de sentença um recurso extraordinário, com pressupostos limitados, não pode servir para obter efeitos que apenas poderiam, eventualmente, ser alcançados por via do recurso ordinário» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de junho de 2022, processo 357/21.0PHLRS-A.S1, relatado pelo conselheiro Pedro Branquinho Dias, www.dgsi.pt).

São termos em que se emite parecer no sentido da negação da revisão.

3. Resulta do processo e da certidão junta (bem como da consulta do proc. nº 413/22.7PDPRT-A.S1 deste STJ, via Citius), a seguinte matéria de facto, relevante para a decisão:

a. Em 15 de Dezembro de 2022, nos presentes autos (669/22.5PAVNF-A.S1,) foi proferida a sentença que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º, n°s 1 e 2 do Decreto-lei n° 2/98, de 03/01, praticada em 12 de Novembro de 2022, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, a qual se reduziu, face ao disposto no artigo 80. n.° 1, do Código Penal, a 17 (dezassete) meses e 29 (vinte e nove) dias de prisão efectiva, em meio prisional.

b. A sentença transitou em julgado em 1 de Fevereiro de 2023.

c. Nessa sentença, foi dado como provado que, no dia 12/11/2022, pelas 15h20m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-HB, de marca Fiat, modelo Punto TD Van, na rua ..., em ..., sem ser titular de carta de condução que a tanto o habilitasse.

d. Por sentença proferida no proc. n.º 461/22.7..., do Juízo Local Criminal do ...-Juiz ..., o arguido AA foi absolvido, no dia 3 de Julho de 2024, da prática, no dia 7 de Novembro de 2022, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, tendo tal decisão transitado em julgado no dia 18 de Setembro de 2024.

e. Nessa decisão, com fundamento nas declarações prestadas pelo arguido, foi pedida informação à Câmara Municipal e constatou-se que o arguido requereu à Câmara Municipal de ... a troca de licença de velocípedes com o número ...16, no dia 18 de Junho de 1999, tendo sido deferida a emissão em 9 de Novembro de 1999; o arguido possui título que o habilita a conduzir ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50 c.c., emitida pela Câmara Municipal de ... com o número ...01, válida até 12 de Novembro de 2044.

f. O arguido encontra-se em cumprimento de pena de prisão.

g. No âmbito do proc. nº 413/22.7PDPRT-A.S1, da 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça (proc. nº nº 413/22.7... do Tribunal Judicial da Comarca de Porto - Juízo Local de Pequena Criminalidade do ...- Juiz ...), por acórdão de 29 de Janeiro de 2025, foi julgado improcedente o recurso e, em consequência, negada a revisão peticionada, relativamente ao mesmo arguido, sendo que o fundamento do recurso de revisão aí apresentado, igualmente pelo MºPº, se fundava em novos meios de prova juntos aos autos, designadamente resultantes da mesma certidão extraída do proc. nº 461/22.7..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal do ... - Juiz ....

4. Apreciando.

O artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do C.P.Penal estabelece a possibilidade de revisão de sentença transitada em julgado, como remédio excepcional, admissível apenas quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

É jurisprudência constante que o recurso de revisão não constitui uma terceira instância, nem uma via de correcção de eventuais erros judiciais.

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 482/91.0GBVRM-A.S1, 3ª SECÇÃO, de 10-03-2011 (consultável em www.dgsi.pt), Através do mecanismo processual da revisão de sentença, procura-se alcançar a justiça da decisão: “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e, através dela, a justiça, o legislador tem que escolher. O grau em que sobrepõe um ao outro é questão de política criminal. Variam as soluções nas diferentes legislações. Mas o que pode afirmar-se resolutamente é que em nenhuma se adoptou o dogma absoluto do caso julgado frente à injustiça patente, nem a revisão incondicional de qualquer decisão transitada. Se aceitamos pois, como postulado, que a possibilidade de rever as sentenças penais deve limitar-se, a questão que doutrinalmente se nos coloca é onde colocar o limite” – Emílio Gomez Orbaneja e Vicente Herce Quemada, Derecho Procesal Penal, 10.ª Edição, Madrid, 1984, pág. 317 (a autoria do capítulo respeitante aos recursos é do 1.º Autor).

Tais limites, em termos da legislação infraconstitucional, são colocados pelos requisitos cumulativos que se mostram exigíveis, constantes da mencionada al. d), designadamente, que ocorra novidade objectiva dos elementos de prova, potencialidade de alteração do iter decisório e gravidade da dúvida gerada.

5. No caso dos autos, e independentemente da verificação ou não dos restantes requisitos, a verdade é que, no que toca ao primeiro dos enunciados – novidade objectiva dos elementos de prova – o mesmo, patentemente, não se mostra presente.

Expliquemos porquê.

6. Como bem refere o Exº PGA no seu parecer, o pedido de revisão assenta na alegação e demonstração de que o arguido, à data dos factos em apreciação nos presentes autos, era titular de uma licença de condução válida, de ciclomotores e motociclos de cilindrada, não superior a 50cm3. Na verdade, tal licença foi obtida em 1999 e mostra-se ainda presentemente em vigor.

Com base em tal factualidade, entende agora o recorrente que estamos perante um novo meio de prova e que, sendo válida aquela licença de condução n.° ...01 titulada pelo arguido, à data em que cometeu o ilícito pelo qual foi condenado nestes autos, sendo a mesma equiparada a carta de condução da categoria AM (conforme estabelecido pelos artigos 3. n.° 2, al. a) e 62. n.° 2, do Decreto-Lei n.° 138/2012, de 5 de Julho), a conduta do arguido não preenche o ilícito criminal pelo qual foi condenado, mas antes a prática de uma contra-ordenação, designadamente a prevista pelo artigo 123, n.° 3, al. a), do Código da Estrada (pratica uma contraordenação quem conduzir veículos de qualquer categoria ou tipo de veículo para os quais a respectiva carta de condução não confira habilitação).

Daqui retira que sendo este facto novo (a titularidade e validade de tal licença), caberá discutir a natureza da infracção, como sendo não um crime, mas antes uma contra-ordenação, punível com coima.

7. Sucede, todavia, que embora tal factualidade (a existência válida de licença para tripular ciclomotores) constitua, na realidade, uma novidade para o tribunal de julgamento, uma vez que a sua existência não foi, no âmbito do decurso do seu processamento, invocada, a verdade é que não é de todo uma novidade para o próprio arguido.

Efectivamente, sabendo o arguido, à data em que praticou a acção de condução de viatura automóvel ligeira de mercadorias (em Novembro de 2022), apreciada nos presentes autos, que era titular de licença para ciclomotores (há mais de 20 anos), a verdade é que nunca invocou ou mencionou tal circunstância, nem apresentou qualquer justificação para tal omissão.

Ora, se esse facto, de conhecimento pessoal do arguido, era por si sabido e podia ter sido mencionado no decurso do processo que contra si correu seus termos, de tal circunstancialismo terá de se retirar que não estamos perante um facto novo, inédito.

8. Neste mesmo sentido, existe entendimento consolidado, a nível deste STJ, como atestam os acórdãos citados pelo Exº PGA no seu parecer, designadamente «Novos» factos ou meios de prova são, em regra, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdão de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt].

E, como aí igualmente se refere, admitindo-se, no entanto, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento, como decorre, entre outros, dos acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira)" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2022, processo 163/14.8PAALM-A.S1, relatado pelo conselheiro José Luís Lopes da Mota, www.dgsi.pt).

9. O que daqui decorre é simples – factos novos são aqueles que o recorrente desconhece até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.

No caso, pese embora, formalmente, o requerente seja o MºPº, a sua petição, nestes autos, é feita em benefício e por causa do arguido. Na verdade, é este último quem fornece a “prova nova”, no decurso do julgamento em que foi arguido, no Tribunal do Porto. É igualmente o arguido quem, por missivas que dirige ao processo, pede que seja formulado pedido de revisão de sentença.

Assim, pese embora via requerimento formalmente apresentado pelo MºPº, o requerente, apresentante da nova prova e peticionante do pedido de revisão, reconduz-se à pessoa do próprio arguido.

E, se para o MºPº, até às declarações prestadas pelo arguido, no decurso do ano de 2024, no processo nº 461/22.7..., o que ora invoca constitui uma novidade, o mesmo não se passa com o impulsionador e agente determinante do surgimento de tal inovadora factualidade, que é o arguido.

Assim, cremos não restarem dúvidas que, neste caso, atenta a origem da “prova nova” e o impulso processual que o MºPº recebeu, da insistência do arguido para que propusesse o presente pedido de revisão, se terá de entender que para a efectiva fonte desse elemento, à data em que foi julgado nestes autos, a existência de licença para condução de ciclomotores não era, para si, qualquer novidade.

E se assim é, caberá aqui considerar, atento tal circunstancialismo, que a ausência de novidade, por parte do requerente, se reporta e refere à fonte da nova informação – ao arguido – e, como tal, entender que não estamos perante facto novo.

10. Acresce que esta consolidada interpretação do que constituem factos novos foi já dada a conhecer ao recorrente, no anterior recurso de revisão que interpôs, em benefício do mesmo arguido, designadamente no processo nº 413/22.7PDPRT-A.S1 acima mencionado, com precisamente os mesmos fundamentos no que respeita a factos novos, se bem que no âmbito de uma condenação por condução sem carta ocorrida numa outra data e no âmbito de um processo autónomo do presente.

Aí se refere:

Assim é que o arguido em causa no julgamento destes autos confessou que não tem carta de condução que lhe permita conduzir veículos automóveis, o que é verdade.

O arguido já era titular da carta de condução emitida pela Camara Municipal que lhe permite conduzir o motociclos, pois que a requereu em 1999, e alega tal facto no proc. 461/22.7... onde consta que “Tal informação adveio das declarações prestadas pelo arguido que referiu ao longo das mesmas ser possuidor de licença da condução emitida pela câmara” e se aqui a invocou, o que não fez no processo cuja revisão é pedida, não pode ser invocada como razão o seu desconhecimento, o não saber da sua existência. Assim o facto não é novo (ter carta de condução de motociclos), como não é o documento que titula tal carta, para o arguido. É-o para o tribunal, mas não porque não existisse, mas porque o arguido sabendo da sua existência não o revelou ao tribunal como fez neste posterior processo 461/22, sendo que os factos ocorreram com a diferença de um mês.

(…)

Assim dado que o facto não é apresentado ao tribunal, e por isso é dele desconhecido (logo novo), a verdade é que é conhecido do arguido, e por isso não é novo, nem é apresentada qualquer justificação para a sua não invocação no processo ou na audiência de julgamento. Como tal falece o requisito da novidade1.

E, de facto, assim é.

11. Soçobrando um dos requisitos cumulativos previstos na al. d) do nº1 do artº 499 do C.P.Penal, fica prejudicada a averiguação dos restantes pois, ainda que se verificassem, jamais poderia ser procedente a revisão pedida, por uma singela razão:

Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 364/20.0PFAMD-A.S1, de 15 de Fevereiro de 2023 (consultável em www.dgsi.pt),

I - Apresenta-se infundado o pedido de revisão formulado ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP quando inexistem novos factos e/ou novas provas a ponderar. Se os factos e/ou as provas têm de ser novos - no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento - tal novidade não pode ocorrer relativamente a factos pessoais (da arguida), o que, a admitir-se, consubstanciaria uma contradição nos próprios fundamentos.

II - A prova oferecida para demonstração de factos que não assumem a qualidade de “novos”, no sentido que releva para a revisão, é prova imprestável e de nula utilidade, já que a prova é por sua natureza instrumental do(s) facto(s) probando(s).

Ora, se tal prova, porque não é nova, é imprestável para efeitos de revisão, de tal circunstância decorrerá que jamais se poderá considerar que a sua apreciação (que não é possível nem admissível), poderia suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

12. Assim sendo, como é, resta concluir pela sucumbência do presente pedido de revisão. Entende-se não haver lugar a manifesta rejeição, neste caso, uma vez que a decisão do anterior pedido de revisão, por factos novos, no âmbito do processo nº 413/22.7PDPRT-A.S1, foi proferida já após a interposição do presente recurso.

iv – decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negam a peticionada revisão.

Sem custas, uma vez que o recorrente é o Mº Pº, que das mesmas está isento.

Registe e notifique

Lisboa, 5 de Março de 2025

Maria Margarida Almeida (Relatora)

Horácio Correia Pinto

José Carreto

Nuno Gonçalves

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1. Sobre a relevância jurídica do facto, como fator de novidade cf. Ac STJ 1/2/2023, proc. 8/20.0GAFAG-A.S1 Cons. Sénio Alves, www.dgsi.pt;