RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA SUSPENSA
CUMPRIMENTO DE PENA
EXTINÇÃO DA PENA
DESCONTO
NON BIS IDEM
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ROUBO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - A pena de prisão que foi substituída por pena suspensa, deve ser incluída no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente, pois estando em concurso deveria o autor do ilícito ter sido julgado juntamente com os demais ilícitos praticados, de modo a ser condenado numa única pena, se anteriormente o tribunal tivesse conhecimento da sua existência,
II - Só assim não será se a pena suspensa já estiver cumprida ou extinta pelo decurso do prazo e neste último caso, na ausência de declaração deve ser previamente comprovada a extinção
III - Em face da existência de concurso superveniente, deve a pena de prisão substituída por pena suspensa ser incluída na efetivação de novo cúmulo jurídico única forma de o tribunal apreender a globalidade dos factos e a personalidade do arguido neles expressa em ordem ao cumprimento do disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP em vista a determinar a pena única.
IV - No cumprimento da pena única, nos termos do art. 81.º do CP sendo as penas da mesma natureza (de prisão ou de multa) é descontada a pena ou parte da pena já cumprida, e tratando-se de qualquer outra pena (penas de diversa natureza) o desconto far-se-á no que parecer equitativo.
V - O STJ admite que em relação à pena suspensa é admissível fazer operar o desconto quando a nova pena do cúmulo jurídico não é suspensa.
VI - É incompatível o arguido encontrar-se em prisão preventiva e simultaneamente em cumprimento de uma pena suspensa com regime de prova estando preso, pois aquela não apenas pressupõe, como exige a liberdade (por isso é pena de prisão suspensa), situação em que o arguido não se encontra, nem se encontrava quando foi homologado o plano de reinserção social.
VII - Não é possível cumprir simultaneamente uma pena de prisão ou encontrar-se em prisão preventiva e iniciar o cumprimento de uma pena suspensa.
VIII - Estando o arguido em prisão preventiva à ordem de um processo, e nessa situação condenado noutro processo em pena suspensa, mantendo-se em prisão preventiva, não pode iniciar-se o cumprimento da pena suspensa.
IX - A fundamentação da decisão judicial existe para cumprir as seguintes finalidades: de conhecer e convencer os destinatários (as partes) da bondade da decisão e a sociedade em geral sobre a correção e a justiça do caso; permitir ao tribunal de recurso conhecer do processo logico-racional subjacente à decisão e aos destinatários da mesma exercer o direito ao recurso de modo consciente e de posse de todos os dados necessários para o efeito, e de permitir o auto controlo e a ponderação por parte do tribunal que decide, sobre a apreciação das provas, e por estas vias assegurar o respeito pelo principio da legalidade da e na sentença (e do decidido) e assegurar e demonstrar a independência e imparcialidade dos juízes e das suas decisões, como fatores que são de credibilidade e de legitimidade
X - Na determinação da pena única não há que usar um qualquer critério aritmético porquanto não constitui critério legal, - pois os parâmetros legais para a determinação da pena única estão expressos no art. 77.º, n.os 1 e 2, do CP, conjugados com as circunstancias do art. 71º CP e tendo em conta as finalidades da pena expressas no art. 40.º do CP -, embora se admita que possa servir de auxiliar em algumas circunstâncias a encontrar a pena justa.
XI - A pena única deve ser encontrada dentro da moldura do concurso, tendo em conta as penas parcelares aplicadas a cada crime e para esse fim não relevam as penas únicas em que foi condenado anteriormente (cujos cúmulos são desfeitos) sob pena de violação do principio da legalidade expresso no art. 77.º, n.º 2, do CP, e impondo-se como critério especifico a apreciação do conjunto dos factos e da personalidade do arguido há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção” a coberto do art. 40.º do CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada.

Texto Integral


Acordam em conferencia os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Proc. nº 11/19.2... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... em que é arguido AA,

Por acórdão de 13/11/2024 foi proferida seguinte decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem Tribunal Coletivo:

a) determinar que os pedidos de indemnização civil decididos nos processos nºs 409/20.3... e 446/21.0... se manterão autónomos a este acórdão cumulatório, permanecendo assim nos exatos termos decididos naqueles processos,

- e bem assim, e na mesma medida, se manterá autónoma a este acórdão a perda a favor do Estado decidida no processo nº 11/19.2...;

b) desfazer os cúmulos jurídicos de penas de prisão efetuados nos processos nºs 409/20.3... e 446/21.0...;

*

c) operando o cúmulo jurídico das treze penas parcelares de prisão aplicadas nos processos

c1) Processo nº 409/20.3...;

c2) Processo nº 446/21.0..., e

c3) Processo nº 11/19.2...,

condenar o arguido AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

d) determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda ao desconto de 1 (um) mês no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 409/20.3...;

*

e) determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção, prisão preventiva ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas (e cujos períodos não tenham sido já descontados).

*

Em obediência ao disposto nos art.s 1º, n.º 1, e 8º, n.º 2, 9º e 10º da Lei n.º 05/2008, de 12-02, na redação mais recente que lhe foi dada pela Lei 90/2017 de 22/8, determina-se a recolha ao arguido AA, após trânsito, do perfil de ADN (ácido desoxirribonucleico), para fins de investigação criminal, devendo a recolha de vestígios biológicos ao arguido AA ser realizada por método não invasivo.

Antes da recolha deverá ser cumprido o direito à informação do arguido, nos termos previstos no art. 9º, al.s a) a e), da referida Lei.

O perfil deverá ser incluído nas bases de dados de perfis de ADN (arts. 15º e 18º, n.º 3, da mesma lei).”

Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:

“I. O Recorrente vem interpor recurso do douto Acórdão Cumulatório proferido em primeira instância pelo Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... -, quanto a condená-lo na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

II. O Tribunal a quo entendeu que a pena de prisão suspensa na execução em que o Recorrente foi condenado no âmbito do processo n.º 409/20.3... devia ser incluída no cúmulo jurídico a realizar.

III. O Recorrente entende que aquela pena, por ser uma pena de espécie diferente, não devia ter sido englobada no cúmulo, logo, não devia ser cumulada, salvo revogadas nos termos do artigo 56.º do Código Penal, pelo que, salvo o devido respeito por diferente entendimento, o Tribunal a quo, ao englobar a pena de prisão suspensa na execução no cúmulo jurídico, violou os requisitos previstos nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal.

Por outro lado.

IV. Decidiu o Tribunal a quo, aplicar um desconto equitativo de 1 (um) mês na pena única de prisão aplicada, por conta do período de suspensão da execução da pena de prisão.

V. Tal decisão decorre do facto de o Recorrente já se encontrar preso â ordem do processo n.º 446/21.0..., onde, aliás, ainda se encontra, quando transitou em julgado o acórdão do processo n.º 409/20.3...

VI. O Tribunal a quo entendeu e bem que a suspensão da execução de uma pena de prisão só adquire verdadeira relevância em termos de ressocialização quando o decurso do tempo da suspensão ocorre com o arguido em liberdade.

VII. Discorda, porém, o Recorrente, do desconto de 1 (um) mês no cumprimento da pena única de prisão agora aplicada, por conta do período de suspensão da execução da pena de prisão.

VIII. Ora, se atentarmos às penas parcelares aplicadas no Processo n.º 409/20.3..., é manifesto que, pelo menos, uma das penas parcelares já se encontra extinta pelo cumprimento.

IX. A lei define, no caso da realização de cúmulo jurídico entre penas de igual natureza, a forma como a liquidação da pena única deve ser realizada, bem como os descontos temporais que devem ser realizados pela circunstância de o condenado ter já parcialmente cumprido uma pena ou ter estado sujeito a detenção ou a prisão preventiva.

X. De igual modo, no que se refere a uma série de outras penas substitutivas da pena de prisão, a lei expressamente prevê que, caso venha a haver lugar à sua revogação, o Tribunal terá de proceder a um desconto proporcional ao tempo de cumprimento parcial da pena, fixando a forma como este será calculado.

XI. Por outro lado, compulsado o relatório social periódico da Direção Geral de Reinserção Social e dos Serviços Prisionais (DGRSP), datado de 15 de maio de 2024, de fls. dos autos, resulta que o Recorrente cumpriu com o plano de reinserção social de acordo com os deveres e regras de conduta que lhe foram determinadas, designadamente, de proibição de contactar ou de se aproximar das ofendidas e sujeição a tratamento médico psicológico e/ou psiquiátrico adequado a debelar os seus problemas de toxicodependência.

XII. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, ao não aplicar o desconto da pena parcelar já cumprida, bem como o desconto proporcional ao restante período já cumprido, o douto Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2, do art.º 81º, do Código Penal.

E ainda, por outro lado,

XIII. O Tribunal a quo, na determinação da medida da pena única, agravou a pena parcelar mais grave em 6 (seis) anos e 3 (três) meses, aplicando um fator aritmético, no qual se desconhece qual o critério e qual a sua fundamentação.

Isto é,

XIV. Tendo em conta que as referidas penas parcelares determinam uma moldura penal abstrata de entre 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão - pena mínima - e 23 (vinte e três) anos e 9 (nove) meses de prisão - pena máxima -, salvo o devido respeito, nada impedia o Tribunal a quo que, neste caso concreto, a pena a aplicar fosse, por exemplo, correspondente ao somatório da pena única aplicada no processo n.º 446/21.0... com a pena aplicada no processo n.º 11/19.2..., ou seja, no equivalente a 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, uma vez cumpridos os pressupostos de execução, no que alude o artigo 43.º do Código Penal.

XV. E ainda, por outro lado, postula o art.º 77.º, nº 1 do Código Penal que, na medida da pena deverá o Tribunal ter em consideração em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

XVI. Sucede que, o Acórdão recorrido não contém uma enumeração suficiente dos factos que conduziram à aplicação da pena única aplicada ao aqui Recorrente, e mais importante do que isso, o processo lógico que conduziu a essa pena e não outra.

XVII. O Tribunal a quo também não valorou favoravelmente o facto dos factos praticados pelo Recorrente (factos foram praticados ente 2020 e 2021), terem coincidido com o início da deterioração do seu relacionamento com a ex-companheira, com o desligamento da vida familiar, e com o consumo excessivo de estupefacientes, os quais potenciaram o resvalar para o mundo do crime.

XVIII. Em termos de personalidade, o Recorrente demonstra agora uma evolução crítica sobre o comportamento criminal, reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos e de danos provocados nas vítimas, cumpriu e continua a cumprir com as determinações do plano de reinserção social que foi homologado, e desde que está em reclusão, tem feito um esforço sério de ressocialização.

XIX. Factos que, globalmente, o Tribunal a quo entendeu serem suficientes para aplicar como pena única, a pena de 9 (nove) anos prisão, não obstante agravar a pena parcelar mais grave em 6 (seis) anos e 3 (três) meses com a aplicação de um fator aritmético no qual se desconhece qual o critério e qual a sua fundamentação.

XX. Pelo que, sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo violou os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 77º do Código Penal.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADOO ACÓRDÃO RECORRIDO, E SER PROFERIDA NOVA DECISÃO DE REFORMULAÇÃO DO CUMÚLO JURÍDICO EFETUADO”

Respondeu o Mº Pº, defendendo a improcedência do recurso

Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso devendo ser aumentado o desconto equitativo;

Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Não houve resposta

Procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal

Cumpre conhecer

Consta do acórdão recorrido (transcrição):

II. Fundamentação de facto

a) Factos provados

A) Por acórdão, datado de 18/11/2021, transitado em julgado em 20/12/2021, proferido no âmbito do processo nº 409/20.3..., pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...,

o arguido AA foi condenado pela prática,

- de Maio de 2020 a 01/08/2020, de um crime de violência doméstica agravado (sobre BB), p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 al. a) do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;

- de Julho de 2020 a 05/10/2020, de um crime de violência doméstica simples (sobre CC), p.p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

Tendo o arguido sido condenado nos seguintes termos:

“c) condena o arguido, AA como autor material em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. a) e b) supra, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 4 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita:

- à proibição de contactar ou se aproximar ofendidas;

- a regime de prova assente em plano de reinserção social, a elaborar e executar sob vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, tendente a promover a sua inserção profissional; e

- à sujeição a tratamento médico psicológico e ou psiquiátrico adequado a debelar os seus problemas de toxicodependência, a definir pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 1 al. c), 2 al. d) e n.º 3 e 53.º e 54.º, todos do CP).

(…)

e) condena o arguido, AA no pagamento da quantia de € 1.000,00 à ofendida BB, a título da reparação prevista no art. 82.º-A do CPP;

f) condena o arguido, AA no pagamento da quantia de € 700,00 à ofendida CC, a título da reparação prevista no art. 82.º-A do CPP”;

B) No processo referido em –A)- foram considerados provados os seguintes factos:

“i) Factos provados

Quanto à Ofendida BB (NUIPC 409/20.3...):

1.º O arguido e a ofendida BB iniciaram uma relação de namoro no início do ano de 2009, passando a viver, a partir de 2016, em comunhão de leito, mesa e habitação na residência sita na Rua ..., na freguesia de ..., município de ....

2.º Dessa união nasceu, em .../.../2010, DD.

3.º No ano de 2010, à ofendida BB foi diagnosticada esclerose múltipla, doença degenerativa de evolução progressiva que fez com que, ao longo dos anos, fosse perdendo capacidades de movimentação dos membros superiores e inferiores, até que a partir de 2017, se tornou totalmente dependente de terceiros para a maioria das atividades da sua vida diária, movimentando-se em cadeira de rodas.

4.º A partir de maio de 2020, o arguido passou a adotar uma postura de indiferença para com a ofendida, não a auxiliando nas tarefas domésticas e não lhe prestando qualquer ajuda na satisfação das suas necessidades básicas, tais como alimentar-se ou fazer a sua higiene pessoal.

5.º E passou, de forma praticamente diária, a chegar à residência comum embriagado, gerando discussões com a ofendida, no decurso das quais a apelidava de “puta”, “filha da puta” e “vaca” e desferia murros nas paredes e partia objetos, assim a intimidando.

6.º Sempre que a ofendida confrontava o arguido com essa sua atitude, o arguido dirigia-lhe expressões como “Não quero saber, vai para a puta que te pariu”, assim a humilhando.

7.º Neste contexto, no dia 25/07/2020, pelas 16h30m, no interior da residência comum, no decurso de uma discussão, o arguido apelidou a ofendida de “vaca” e “puta” e, ao mesmo tempo que exigia que a mesma se calasse, com força, desferiu-lhe três chapadas de mão aberta na face esquerda.

8.º De seguida, a ofendida dirigiu-se para a porta da residência, na cadeira de rodas onde se locomove, com o fito de pedir auxílio aos vizinhos.

9.º Perante isso, o arguido agarrou a cadeira de rodas, impedindo que a ofendida chegasse à porta.

10.º Empurrou a cadeira de rodas para trás e trancou a fechadura da porta de saída, guardando as chaves no bolso, assim obrigando a que, contra a sua vontade, a ofendida permanecesse naquele local.

11.º Posteriormente, porque a ofendida gritou por socorro e os vizinhos acorreram àquele local, o arguido acabou por entregar as chaves da porta à ofendida, assim permitindo que a mesma a abrisse.

12.º Na sequência da agressão de que foi vítima, a ofendida BB sofreu vermelhidão na face e dores na zona atingida.

13.º No dia 01/08/2020, no interior da residência comum, o arguido agarrou a cadeira de rodas onde a ofendida se encontrava sentada e, em tom firme e sério, disse “Antes de ir para a cadeia eu meto-te no cemitério”.

14.º O arguido praticou parte dos factos acima descritos na presença da menor DD, sua filha.

15.º No dia 30/09/2020, a ofendida foi internada nos Unidade de Cuidados Continuados do Hospital..., onde se encontrou acolhida, pelo menos, até maio de 2021.

*

Quanto à Ofendida CC (NUIPC 568/20.5...):

16.º O arguido AA e a ofendida CC conheceram-se em maio de 2020, tendo iniciado uma relação de namoro no dia 19/05/2020.

17.º Em data não concretamente apurada do mês de julho de 2020, sendo um sábado ou domingo, pelas 22h30m, no parque de estacionamento do estabelecimento denominado “K...”, na freguesia de ..., município de ..., o arguido, alcoolizado e movido por ciúmes, acedeu ao conteúdo do telemóvel da ofendida CC, ao mesmo tempo que lhe dizia que mantinha relacionamentos com outros homens.

18.º A dado instante, o arguido, ao mesmo tempo que dizia à ofendida “és uma puta, és uma vaca, não vales nada”, empurrou o corpo da ofendida, fazendo com que a mesma embatesse com as costas e as ancas num veículo, causando-lhe fortes dores nas zonas atingidas.

19.º De seguida, quando a ofendida se afastava, o arguido agarrou um dos braços desta, puxando-o com bastante força e empurrando-a, de seguida, até uma rede de vedação.

20.º Aí, colocou uma das mãos em volta do pescoço da ofendida, apetando-o por instantes.

21.º A partir de então, o arguido passou a adotar comportamentos possessivos em relação à ofendida, querendo permanentemente saber com quem estava e onde.

22.º Quando a ofendida cumprimentava outros homens, o arguido pedia-lhe que não o fizesse porque “és só minha”.

23.º No dia 05/10/2020, pelas 23 horas, no interior da residência do arguido, na Rua ..., na freguesia de ..., ..., o arguido pediu à ofendida para ver o conteúdo do seu telemóvel, o que esta negou.

24.º Quando a ofendida se dirigiu para a porta principal da residência, para se ausentar daquele local, o arguido correu até lá, trancou a fechadura da porta e guardou consigo as chaves, assim obrigando a que, contra a sua vontade, a ofendida permanecesse naquele local.

25.º Quando a ofendida se dirigia para uma janela, para a abrir, o arguido aproximou-se de si, por trás, agarrou-a pelas costas e puxou-a para trás.

26.º Ato contínuo, desferiu uma forte bofetada na face da ofendida e empurrou-a, fazendo com que a mesma caísse, desamparada, no chão e embatesse com a nuca na tijoleira, ficando com sensação de desmaio.

27.º Ao ver a ofendida nesse estado, o arguido disse-lhe: “Estás a fingir que vais desmaiar, já vais ver o que te acontece”.

28.º O arguido pegou então num garrafão com água e despejou o seu conteúdo sobre a cabeça da ofendida, ao mesmo tempo que exclamava “vês? Vês, já estás boa”.

29.º Quando a ofendida se levantou, o arguido, com uma das mãos, agarrou o pescoço, apertando-o, e, com a outra mão, tapou a boca da ofendida, provocando-lhe sensação de falta de ar.

30.º Após alguns instantes, o arguido largou a ofendida e desferiu-lhe então, pelo menos, três bofetadas na face, fazendo com que voltasse a cair no chão.

31.º Enquanto isso, o arguido dirigia à ofendida, de forma repetida, expressões como “és uma puta, uma vaca, uma badalhoca, não te quero para mais nada, já estou farto, vai-te foder, vou-te foder o focinho todo”.

32.º Depois disso, o arguido abriu a porta da residência, permitindo que a ofendida saísse daquele local.

33.º Na sequência das agressões de que foi vítima, a ofendida sentiu fortes dores nas zonas atingidas e equimose no braço direito, uma marca no pescoço e hematoma na zona da nuca

34.º O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e plenamente consciente, com o propósito de humilhar, intimidar, amedrontar, importunar e agredir física e psicologicamente as ofendidas a quem causou dores, lesões, medo e inquietação.

35.º O arguido sabia que praticava os factos relacionados com a ofendida BB no interior do domicílio comum e, parte deles, na presença de menor.

36.º O arguido sabia que os factos descritos eram proibidos e punidas por lei penal”.

*

C) Por acórdão, datado de 23/02/2022, transitado em julgado em 07/07/2022, proferido no âmbito do processo nº 446/21.0..., pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...,

foi o arguido AA condenado pela prática:

a) em 14/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

b) em 16/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

c) em 17/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

d) em 18/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

e) em 20/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (posto de abastecimento de combustível C...);

f) em 20/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão (Farmácia 1);

g) em 22/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

h) em 25/01/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão;

i) em 01/02/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

j) em 03/02/2021, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

tendo sido condenado na pena única de 6 anos de prisão;

D) no processo indicado em –C)- foi ainda decidido:

“Relativamente aos pedidos cíveis, decidem:

1) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante S..., Lda. e, por via disso:

“a) Condenar os demandados/arguidos AA, EE e FF a pagar, solidariamente, à referido demandante, a quantia de € 254,70 (duzentos e cinquenta e quatro euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva para as obrigações civis (presentemente de 4% ao ano), desde a data da notificação efetuada em último lugar àqueles para contestarem o pedido cível, até efetivo e integral pagamento;

(…)

2) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante R..., S.A. e, por via disso:

a) Condenar o demandado/arguido AA a pagar, à referido demandante, a quantia de € 210 (duzentos e dez euros)”;

E) No processo referido em –C)- foram considerados provados os seguintes factos:

“1. No dia 14 de janeiro de 2021, pelas 20h05m, os arguidos AA, FF (…) e EE (…), acompanhados da arguida GG (…), deslocaram-se no veículo (…), com a matrícula (…), ao posto de abastecimento de combustível (PAC) da BP situado na Rua ..., em ..., concelho de ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro, bens ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

2. Chegados junto desse local, os arguidos FF (…) e AA saíram do veículo, onde permaneceram os arguidos GG (…) e EE (…).

3. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

4. No referido estabelecimento comercial encontrava-se o funcionário HH (…).

5. Antes de entrarem, os arguidos FF e AA colocaram os capuzes na cabeça (…)

6. Após entrarem na loja do PAC, o arguido AA aproximou-se de HH (…) apontou a pistola na direção deste, ao mesmo tempo que lhe exigia: “dinheiro”.

7. De seguida, o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção do funcionário, obrigou-o a abrir a caixa registadora, a retirar o dinheiro que ali estava e a colocá-lo em cima do balcão, tendo os arguidos dali retirado a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) em dinheiro, que levaram consigo, fazendo-a sua, bem como um maço de tabaco, da marca LM vermelho, no valor de € 4.70.

8. HH (…) agiu de acordo com o determinado pelos arguidos, uma vez que temeu ser atingido pela arma ostentada.

9. Após se apoderarem da referida quantia e maço de tabaco, os arguidos abandonaram o estabelecimento comercial (…).

10. Com as condutas supra descritas, os arguidos AA, EE e FF agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer seus a quantia monetária e o maço de tabaco acima referidos, (…) embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

11. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, a referida pistola, de modo a dominar o funcionário do PAC e evitar que este pudesse reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

12. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar em HH (…) o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

13. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

II)

14. No dia 16 de janeiro de 2021, (…), os arguidos AA, FF (…), EE (…), acompanhados da arguida GG (…), deslocaram-se no veículo ligeiro de passageiros (…), ao posto de combustível (PAC) da C... situado na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo

15. Chegados ao local os arguidos FF (…) e AA saíram do veículo, onde permaneceram os arguidos (…).

16. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

17. No referido estabelecimento comercial encontrava-se a funcionária II (…).

18. Antes de entrarem os arguidos FF (…) e AA colocaram os capuzes na cabeça (…).

19. Após entrarem na loja do PAC, o arguido AA aproximou-se de II (…) e apontou a pistola na direção desta, ao mesmo tempo que lhe exigia: “levanta a caixa”.

20. De seguida o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção da funcionária, obrigou-a a abrir a caixa registadora tendo os arguidos dali retirado a quantia de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros) em dinheiro, quantia que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

21. II (…) agiu de acordo com o determinado pelos arguidos, uma vez que temeu ser atingida pela arma ostentada.

22. Após se apoderarem da referida quantia, os arguidos abandonaram (…), pondo-se em fuga no veículo automóvel supra identificado, (…).

23. Com as condutas supra descritas, os arguidos AA (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia acima referida pertencente à ofendida, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

24. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, a referida pistola, de modo a dominar a funcionária do estabelecimento comercial e evitar que esta pudesse reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

25. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar em II (…) o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

26. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

III)

27. No dia 17 de janeiro de 2021, pelas 19 horas, o arguido AA e EE (…) deslocaram-se a um posto de abastecimento de combustível, da RE..., situado na Rua da ..., em ..., concelho de ... numa viatura (…), com o propósito de se apoderarem de dinheiro, bens ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse, mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

28. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

29. No referido estabelecimento comercial encontrava-se o funcionário JJ (…).

30. Antes de entrarem, o arguido AA e EE (…)colocaram os capuzes na cabeça, (…).

31. Após entrarem na loja do PAC, o arguido AA aproximou-se de JJ (…), apontou a pistola na direção deste, ao mesmo tempo que lhe exigiu a entrega do dinheiro que tinha em caixa.

32. De seguida, o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção do funcionário, obrigou-o a abrir a caixa registadora, tendo o arguido AA e EE (…) dali retirado a quantia de € 300,00 (trezentos euros) em dinheiro, quantia que levaram consigo, fazendo-a sua, bem como dez maços de tabaco das marcas Marlboro Touch e John Player 23.

33. JJ (…) agiu de acordo com o determinado pelo arguido AA e por EE (…) uma vez que temeu ser atingido na sua integridade física pela arma ostentada.

34. Após se apoderarem da referida quantia e dos bens referidos, o arguido AA e EE (…) abandonaram o estabelecimento comercial, pondo-se em fuga no veículo automóvel supra identificado, conduzido por este último.

35. Com as condutas supra descritas, o arguido AA e EE (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida proprietária, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

36. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, a referida pistola, de modo a dominar o funcionário do estabelecimento comercial e evitar que este pudesse reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

37. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar em JJ (…) o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

38. O arguido AA e EE (…) sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

IV)

39. No dia 18 de janeiro de 2021, cerca das 15h15m, o arguido AA e EE (…) deslocaram-se, no veículo ligeiro de passageiros (…), ao posto de combustível da RE..., situado na Rua da ..., em ..., concelho de ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro, bens ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo

40. Chegados ao local, o arguido AA e EE (…) saíram do veículo, que fora conduzida por este último.

41. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

42. No referido estabelecimento comercial encontravam-se as funcionárias KK (…) e LL (…).

43. Antes de entrarem, o arguido AA e EE (…) colocaram os capuzes na cabeça, com vista a impedir o seu reconhecimento por parte de quem se encontrasse no local.

44. Após entrarem na loja, o arguido AA aproximou-se das funcionárias e apontou a pistola na direção destas, ao mesmo tempo que lhes exigia: “Isto é um assalto! Passa para cá o dinheiro!”.

45. De seguida, o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção das funcionárias, obrigou-as a abrir a caixa registadora, tendo o dito arguido e EE (…) daí retirado a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) em dinheiro, quantia que levaram consigo, fazendo-a sua.

46. Antes de saírem, o arguido AA e EE (…) ainda retiraram e levaram consigo quatro maços de tabaco, no valor de € 4,30 cada, e dois pacotes de batatas fritas, no valor de € 1,20 cada.

47. As funcionárias agiram de acordo com o determinado pelo arguido AA e por MM, uma vez que temeram ser atingidas pela arma ostentada.

48. Após se apoderarem da referida quantia e demais bens, o arguido AA e EE (…) abandonaram o estabelecimento comercial, pondo-se em fuga no veículo automóvel suprarreferido, conduzido por este último.

49. Com as condutas supra descritas, o arguido AA e EE (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia monetária e os demais bens acima referidos, pertencentes à ofendida proprietária, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

50. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar as funcionárias do estabelecimento comercial e evitar que estas pudessem reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

51. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar nas funcionárias o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

52. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

V)

53. No dia 20 de janeiro de 2021, pelas 13h40m, o arguido AA deslocou-se até ao posto de abastecimento de combustível C..., situado na Rua do ..., em ..., concelho de ..., com o propósito de se apoderar de dinheiro ou outros valores que ali encontrasse através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

54. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

55. No referido estabelecimento comercial encontrava-se a funcionária NN (…).

56. Após entrar na loja, o arguido AA aproximou-se de NN(…) e apontou a pistola na direção dela, ao mesmo tempo que lhe disse: “Não toca. Abra. Quero a pasta”.

57. De seguida, o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção da funcionária, obrigou-a a abrir a caixa registadora tendo aquele dali retirado a quantia de € 100,00 (cem euros), quantia que levou consigo, fazendo-a sua.

58. A funcionária agiu de acordo com o determinado pelo arguido, uma vez que temeu ser atingida pela arma ostentada.

59. Após se apoderar da referida quantia, o arguido abandonou o estabelecimento comercial pondo-se em fuga.

60. Com a conduta supra descrita, o arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, querendo fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida proprietária, embora soubesse que agia contra a vontade e interesse desta.

61. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiu atuar, fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar a funcionária do estabelecimento comercial e evitar que esta pudesse reagir, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

62. O que, efetivamente, conseguiu, pois logrou criar na funcionária o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

63. O arguido AA sabia igualmente que a sua conduta, supra descrita, era punida por lei penal.

*

VI)

64. No dia 20 de janeiro de 2021, pelas 20h30m, os arguidos AA, OO (…) e EE (…), acompanhados de GG (…), deslocaram-se no veículo ligeiro de passageiros (…), à Farmácia 1, situada na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse, mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

65. Chegados junto desse local, os arguidos OO (…) e AA saíram do veículo, onde permaneceram os arguidos (…).

66. O arguido OO (…) levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

67. No referido estabelecimento comercial de farmácia encontravam-se os funcionários PP (…) e QQ (…).

68. Antes de entrarem, os arguidos OO (…)e AA colocaram os capuzes na cabeça (…).

69. Após entrarem na farmácia, o arguido OO (…) aproximou-se do funcionário PP (…) e apontou a pistola na direção deste ao mesmo tempo que lhe exigia a entrega do dinheiro. O funcionário não lhe pode fazer a entrega do dinheiro em caixa, porque se encontrava no interior da máquina de pagamento automático, que estava fechada.

70. De seguida, o arguido OO, empunhando sempre a arma na direção do referido funcionário, acompanhou-o ao escritório da farmácia, onde este entregou ao arguido uma lata, contendo a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) em dinheiro, quantia esta que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

71. O funcionário agiu de acordo com o determinado pelos arguidos OO e AA, que lhe exigiram a entrega de dinheiro, uma vez que temeu ser atingido pela arma ostentada.

72. Após se apoderarem da referida quantia, os arguidos OO e AA abandonaram o estabelecimento comercial de farmácia, pondo-se em fuga no veículo automóvel supra identificado, conduzido pelo coarguido EE.

73. Com as condutas supra descritas, os arguidos (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo os arguidos fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida proprietária, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

74. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, a referida pistola, de modo a dominar os funcionários do estabelecimento comercial de farmácia e evitar que estes pudessem reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

75. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar nos funcionários o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

76. Os arguidos AA, OO e EE sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

VII)

77. No dia 22 de janeiro de 2021, pelas 20h20m, o arguido AA e EE (…) deslocaram-se no veículo ligeiro de passageiros, (…), ao posto de abastecimento de combustível da R..., S.A., situado na Avenida ..., em ..., concelho de ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse, mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

78. Chegados junto desse local, o arguido AA e EE (…) saíram do veículo automóvel.

79. O MM levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

80. No interior do referido estabelecimento comercial, encontrava-se o funcionário HH (…).

81. Antes de se aproximarem do postigo do estabelecimento, EE (…) e o arguido AA colocaram os capuzes na cabeça, com vista a impedir o seu reconhecimento por parte de quem ali se encontrasse.

82. Dirigiram-se para o postigo e, da parte exterior, pela respetiva abertura, EE (…) apontou a pistola na direção do funcionário HH (…), ao mesmo tempo que lhe exigiu a entrega de todo o dinheiro que tinha na caixa registadora.

83. De seguida, EE (…), empunhando sempre a arma na direção do funcionário, obrigou-o a abrir a caixa registadora e a entregar-lhe a quantia de € 490,00 (quatrocentos e noventa euros) em dinheiro, quantia que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

84. HH (…) agiu de acordo com o determinado por EE (…) e pelo arguido AA, uma vez que temeu ser atingido pela arma ostentada.

85. Após se apoderarem da referida quantia, EE (…) e o arguido AA abandonaram o estabelecimento comercial, pondo-se em fuga no veículo automóvel (…).

86. Com as condutas supra descritas, EE (…) e o arguido AA agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida, ora demandante civil, R..., S.A., embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

87. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar o funcionário do estabelecimento comercial e evitar que este pudesse reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

88. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar em HH (…) o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

89. O arguido AA e EE (…) sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

VIII)

90. No dia 25 de janeiro de 2021, pelas 20h45m, os arguidos AA, FF (…) e EE (…), acompanhados da arguida GG (…), deslocaram-se no veículo ligeiro de passageiros, (…), novamente à Farmácia 1, situada na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse, mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

91. Chegados junto desse local, os arguidos FF (…) e AA saíram do veículo, onde permaneceram os arguidos GG e EE, que conduzia o dito veículo.

92. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

93. No referido estabelecimento comercial de farmácia encontravam-se dois funcionários, um dos quais era PP (…).

94. Antes de entrarem, os arguidos FF (…)e AA colocaram os capuzes na cabeça (…).

95. Após entrarem na farmácia, o arguido AA aproximou-se dos funcionários e apontou a pistola na direção deles, ao mesmo tempo que lhes exigia o dinheiro que ali tivessem.

96. De seguida, os arguidos aproximaram-se dos armários e gavetas da farmácia, incluindo na zona do escritório, tendo-se apropriado de quantia concretamente não apurada, mas seguramente superior a € 3800 (três mil e oitocentos euros) em dinheiro, quantia que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

97. Os funcionários agiram de acordo com o determinado pelos arguidos, uma vez que temeram ser atingidos pela arma ostentada.

98. Após se apoderarem da referida quantia os arguidos abandonaram o estabelecimento comercial de farmácia, pondo-se em fuga no veículo automóvel supra identificado, conduzido pelo arguido EE.

99. Com as condutas supra descritas, os arguidos (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida Farmácia 1, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

100. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar, de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar os funcionários da farmácia e evitar que estes pudessem reagir, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

101. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar nos funcionários o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

102. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

IX)

103. No dia 01 de fevereiro de 2021, pelas 21h12m, os arguidos AA, EE (…) e RR (…), acompanhados de GG (…), deslocaram-se no veículo ligeiro de passageiros, (…), à Farmácia 2, situada na Rua do ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

(…)

104. Chegados ao local os arguidos AA e EE (…) saíram do veículo, onde permaneceram os arguidos (…).

105. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

106. No referido estabelecimento comercial de farmácia encontravam-se as funcionárias SS (…) e TT (…).

107. Antes de entrarem, os arguidos EE (…) e AA colocaram os capuzes na cabeça (…).

108. Após entrarem na farmácia, o arguido AA aproximou-se das funcionárias, apontou a pistola na direção delas, ao mesmo tempo que lhes exigia: “dá-me dinheiro, ninguém se vai aleijar, nós queremos o dinheiro”.

109. De seguida, o arguido AA, empunhando a arma na direção das funcionárias, obrigaram-nas a entregar-lhe o dinheiro ali existente, tendo os arguidos dali retirado quantia concretamente não apurada, mas superior a € 102 (cento e dois euros), quantia que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

110. As funcionárias agiram de acordo com o determinado pelos arguidos, uma vez que temeram ser atingidas pela arma ostentada.

111. Após se apoderarem da referida quantia, os arguidos abandonaram o estabelecimento de farmácia, pondo-se em fuga no veículo automóvel supra identificado (…)

112. Com as condutas supra descritas, os arguidos AA, RR (…) e EE (…) agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo fazer sua a quantia acima referida, pertencente à ofendida proprietária, embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

113. E para melhor concretizar os seus desígnios, decidiram atuar de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar as funcionárias do estabelecimento de farmácia e evitar que estas pudessem reagir, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

114. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar nas funcionárias o receio justificado de agressão que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

(…)

115. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

*

X)

116. No dia 3 de fevereiro de 2021, pelas 18h50m, os arguidos AA e EE (…), acompanhados da arguida GG (…), fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros (…), deslocaram-se ao estabelecimento comercial denominado “M...”, pertencente à sociedade FE..., Lda.,, situado na Rua ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro ou outros valores que ali encontrassem, através da intimidação de quem ali trabalhasse mediante o uso de artefacto com o aspeto visual de uma arma de fogo.

117. Próximo desse local, os arguidos EE (…) e AA saíram do veículo, onde permaneceu a arguida GG (…).

118. O arguido AA levou consigo uma pistola da marca Socom Gear, modelo 1911, de cor bege, com platinas de borracha de cor preta, que reproduz, em aspeto visual, e à escala real, uma pistola semiautomática.

119. No referido estabelecimento comercial, encontrava-se a optometrista UU (…), sentada a uma secretária.

120. Antes de entrarem, os arguidos EE (…) e AA colocaram os capuzes na cabeça (…).

121. Após entrarem na loja, o arguido AA aproximou-se da secretária onde estava a testemunha UU (…) e apontou a pistola na direção desta, ao mesmo tempo que lhe exigia: “O dinheiro…o dinheiro” e remexia no interior da secretária em busca de dinheiro.

122. Ao mesmo tempo o arguido EE (…) remexeu a carteira (bolsa) da funcionária, à procura de dinheiro ou de outros objetos de valor que ali encontrasse.

123. De seguida, o arguido AA, empunhando sempre a arma na direção da funcionária, obrigou esta a dirigir-se à caixa registadora e a abri-la, tendo dali retirado a quantia de € 25,00 (vinte e cinco euros), respeitante ao fundo de maneio da caixa, quantia que os arguidos levaram consigo, fazendo-a sua.

124. UU (…) agiu de acordo com o determinado pelos arguidos uma vez que temeu ser atingida pela arma ostentada pelo arguido AA.

125. De seguida, o arguido AA encaminhou UU (…) de volta ao lugar onde aquela se encontrava inicialmente, ordenando-lhe que se colocasse de costas para o exterior.

126. Após se apoderarem da referida quantia, os ditos arguidos abandonaram o estabelecimento comercial, dirigindo-se para o veículo automóvel supra identificado.

127. Com as condutas supra descritas, os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente de comum acordo e em comunhão de esforços, querendo os arguidos AA e EE (…) fazer sua a quantia de € 25 pertencente à ofendida FE..., Lda., embora soubessem que agiam contra a vontade e interesse desta.

128. E para melhor concretizarem os seus desígnios, decidiram atuar de modo concertado, dividindo tarefas e fazendo uso da força e da ameaça, usando, para tanto, uma pistola, de modo a dominar a funcionária do estabelecimento comercial e evitar que esta pudesse reagir aos mesmos, limitando, assim, a sua capacidade de reação.

129. O que, efetivamente, conseguiram, pois lograram criar em UU (…) o receio justificado de agressão, que poderia ter consequências graves para a sua integridade corporal.

130. Os arguidos sabiam igualmente que as condutas supra descritas eram punidas por lei penal.

131. Logo após estes factos, os arguidos foram surpreendidos pela Polícia Judiciária, no local onde se encontrava estacionado o veículo automóvel, sendo detidos.

(…)

*

F) Por acórdão, datado de 23/06/2023, transitado em julgado, quanto a este arguido, em 28/06/2024, proferido no âmbito do processo nº 11/19.2..., pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de ... - Juiz ...,

foi o arguido AA condenado pela prática, de dezembro de 2019 a Janeiro de 2021, de 1 crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artºs 25º, al. a), e 21º, nº 1, ambos do dl nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

G) Mais foi decidido:

“Julgar a pretensão deduzida pelo Ministério Público na acusação de declaração de perdimento a favor do Estado dos objetos e dinheiro apreendidos parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que, consequentemente:

1. Determinam a perda a favor do Estado dos objetos e dinheiro apreendidos de acordo com o ponto 4º da fundamentação jurídica;

2. Determinam a devolução dos demais objetos apreendidos, de acordo com o constante no ponto 4º da fundamentação jurídica”.

*

H) No processo indicado em –F)- foram considerados como provados os seguintes factos;:

“(…)

39. O arguido AA, irmão da arguida VV (…), até à sua detenção, em finais de janeiro de 2021, era consumidor diário de estupefaciente, heroína e cocaína.

40. Tais arguidos, conforme abaixo descrito, dedicaram-se ao tráfico de estupefacientes, daí obtendo os respetivos dividendos que usaram nos seus gastos.

(…)

650. Desde dezembro de 2019, mas com uma regularidade diária, desde outubro de 2020, e até à sua detenção, que as arguidas VV (…) e WW (…), em conjugação de esforços meios e intenções, dedicaram-se ao tráfico de estupefacientes, na modalidade de venda direta ao consumidor, procedendo à compra e venda de cocaína (em pó e em bases) e heroína a vários consumidores que as procuravam para o efeito.

651. Nos fornecimentos de estupefaciente, as arguidas abasteciam-se de tais produtos, essencialmente na cidade do ..., com predominância no Bairro da ..., onde se deslocavam com uma regularidade quase diária e, por vezes, mais do que uma vez por dia, chegando a adquirir, pelo menos em outubro de 2020, quantidades médias de €300,00 de cada vez.

652. Nas deslocações que faziam para a aquisição do estupefaciente, as arguidas deslocavam-se em conjunto ou, por vezes, socorriam-se de outros indivíduos, consumidores ou pessoas com quem se relacionavam, assim como, do arguido AA, que se associou às arguidas, na atividade por estas desenvolvida.

653. No armazenamento do estupefaciente que adquiriam para venda, as arguidas usavam, essencialmente, a residência onde viviam, inclusivamente o compartimento onde a filha XX da arguida WW (…)pernoitava.

654. Já na distribuição do produto estupefaciente, as arguidas atuavam, igualmente, de forma organizada, usando nas entregas que realizavam, por vezes, os menores, filhos da arguida WW (…), para as acompanhar em algumas das entregas, ora para efetuarem as próprias entregas do produto estupefaciente aos consumidores que si dirigiam à habitação ou às imediações destas, sobretudo quando as mesmas estavam ausentes.

655. Por outro lado, até à detenção de AA, ocorrida em janeiro de 2021, as arguidas contaram com a colaboração direta de AA, o qual a troco do respetivo consumo e de quantias monetárias para o seu sustento, intermediava várias das entregas de estupefaciente que era transacionado pelas arguidas, nomeadamente junto de consumidores seus conhecidos.

656. Nos contactos com os seus clientes consumidores, as arguidas usavam as comunicações telefónicas, mas privilegiavam as comunicações por redes sociais, bem como, de forma presencial, quer na sua residência quer nos bairros onde as mesmas tinham os seus clientes habituais e onde eram abordadas por estes.

Das vendas efetuadas através de AA

657. As arguidas, de comum acordo, entregaram estupefaciente a AA, para que este vendesse a vários consumidores, o que fez, a troco do respetivo consumo e do pagamento de outras quantias, pelo menos nas seguintes ocasiões e quantidades:

658. No dia 28.10.2020, VV (…) entregou a AA, pelo menos, €50,00 de estupefaciente para o consumo deste e venda a terceiros.

659. No dia 29.10.2020, VV (…)entregou 4 bases de cocaína a AA para venda a terceiros.

660. No dia 29.10.2020, AA vendeu várias bases de cocaína a pessoa não concretamente apurada.

661. No dia 30.10.2020, VV (…)entregou a AA quatro “pedaços maiores”, tratando-se de bases de cocaína, para venda a consumidores, o que este fez.

662. No dia 31.10.2020, VV (…) entregou a AA quatro bases de cocaína para que este vendesse a um cliente de ..., quantidade não apurada de cocaína em pó para um cliente que identificam como sendo da “...”, dois pacotes de cocaína para que entregasse ao cliente YY (…), e ainda cinco bases para outro cliente daquele de identidade não apurada.

663. No dia 02.11.2020, VV…)entregou a AA para que este vendesse à cliente ZZ (…), que apelidam de “AAA”, e ao companheiro desta quantidade de “oitenta mais cento e vinte” euros de cocaína e, ainda, para um cliente de nome BBB, sessenta euros de cocaína, produto que lhe entregou junto ao estádio novo, em ..., por instruções daquela.

664. No dia 11.11.2020, VV (…) entregou a AA, nas imediações do Café “J...”, em ..., “2 e 1”, tratando-se de duas bases de cocaína e um pacote heroína com destino a cliente não apurado.

665. No dia 13.11.2020, VV (…) entregou a AA dois pacotes de heroína e duas bases de cocaína no Bairro ... – ... para venda a terceiros.

666. No dia 15.11.2020, VV (…) entregou a AA uma base de cocaína para venda a terceiros.

667. No dia 21.11.2020, VV (…) entregou a AA heroína, que identificaram como sendo “um pão castanho”, para entregar a um cliente não apurado.

668. No dia 21.11.2020, pelas 16H10, VV (…) e WW (…) ordenaram à menor XX (…) que entregasse a AA produto estupefaciente para este vender a terceiros, o que aquela fez.

669. No dia 25.11.2020, VV (…) entregou a AA quantidade não apurada de estupefaciente para venda a terceiros.

670. No dia 12.12.2020, VV (…) entregou a AA “seis”, tratando-se de seis bases de cocaína, para este servir um cliente não apurado.

671. No dia 15.12.2020, VV…)entregou a AA “2 e 1”, tratando-se de duas bases de cocaína e uma de heroína para este vender a terceiros.

672. No dia 21.12.2020, VV (…) entregou a AA “cinco e um”, tratando-se de cinco bases de cocaína e um pacote de heroína para venda a terceiros.

673. No dia 23.12.2020, VV (…)entregou a AA “4 e 1”, tratando-se de quatro bases de cocaína e um pacote de heroína para venda a terceiros.

674. No dia 24.12.2020, VV (…)entregou a AA “3 e 1”, tratando-se de três bases de cocaína e um pacote de heroína para venda a terceiros.

675. No dia 27.12.2020, VV (…) entregou a AA “2 e 1”, tratando-se de duas bases de cocaína e um pacote de heroína para venda a terceiros e que este lhe entregou o dinheiro, no valor de €25,00, no dia seguinte.

676. No dia 28.12.2020, VV (…) entregou a AA um pacote de heroína.

677. No dia 29.12.2020, por ordem de VV (…) e da WW, a menor XX (…) entregou a AA uma base de cocaína.

678. No dia 30.12.2020, VV (…) entregou a AA “dois claros”, tratando-se de duas bases de cocaína para venda a terceiros.

679. No dia 02.01.2021, VV (…) entregou a AA “quero 7vases 2 pacotes e 10 puas em gito se na Vai. Tudo o ar”, tratando-se de sete bases de cocaína e dois pacotes de heroína, e ainda 10,00 euros.

680. Na venda de estupefaciente junto dos seus clientes, as arguidas fizeram-no, pelo menos aos seguintes consumidores:

(…)

683. A CCC

(…)

b) No dia 06.11.2020, entregue pelo AA;

(…)

684. A DDD

(…)

b) no dia 25.11.2020, no ..., uma de cocaína e um de heroína, produto que foi entregue por AA.

(…)

708. As arguidas VV e WW e o arguido AA conheciam perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que, nas descritas circunstâncias, adquiriram, detiveram, venderam ou cederam entre si e a terceiros, assim como sabem que tais atividades são proibidas, mas ainda assim agiram do modo descrito o que quiseram e fizeram.

(…)

713. Todos os arguidos, agiram de forma livre, deliberada e consciente, perfeitamente cientes que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

*

I) O arguido, para além das condenações supra referidas, não tem outras condenações.

*

Mais se apurou que:

J) O processo de desenvolvimento de AA decorreu em ..., inserido num agregado familiar constituído pelos progenitores e três irmãos mais novos.

A dinâmica familiar era disfuncional, vivenciando o agregado familiar dificuldades económicas, com recurso a apoios sociais, realçando-se neste quadro, os hábitos etílicos e os parcos hábitos de trabalho do progenitor. Os progenitores separaram-se há cerca de 10 anos.

K) AA iniciou percurso escolar em idade regular, concluindo o 4.º ano de escolaridade. As primeiras experiências de consumo de estupefacientes (haxixe) e o convívio com pares desviantes vieram, nesta altura, a intensificar-se e diversificar-se. Aos 14 anos de idade iniciou atividade laboral na área da construção civil juntamente com o progenitor e posteriormente em empresas de tanoaria no concelho de residência, atividades que desenvolveu até cerca dos 17 anos de idade.

L) Pelos 20 anos de idade iniciou relação de namoro com a ex-companheira, BB, da qual tem uma descendente, atualmente com 14 anos, com quem passou a viver em união de facto a partir de 2016.

Em 2010 foi diagnosticada esclerose múltipla à companheira, com internamento em dezembro de 2020 em Unidade de Cuidados Continuados, onde se mantém. O casal beneficiava de apoio social, nomeadamente, rendimento social de inserção, apoio à renda e mais recentemente nos cuidados de higiene da companheira e da habitação.

Ao longo do ano de 2020, o arguido travou relacionamento e convívio com pares desviantes, realizando consumo excessivo de estupefacientes, nomeadamente, álcool, heroína e cocaína, de forma regular apontando aqueles consumos como potenciadores de alguns comportamentos desajustados. AA começou a frequentar locais de diversão noturna, associado a consumo de substâncias psicoativas.

M) No final daquele ano, o arguido viria a separar-se da companheira, tendo sido foi apoiado pela Associação O... – Centro de Solidariedade Social de ..., beneficiando de alojamento em quarto de pensão. Foi encaminhado por aquela instituição para tratamento, o qual não concretizou.

N) AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional 1 à ordem do processo n.º 446/21.0..., desde 04/02/2021, no qual foi condenado a 6 anos de prisão pela prática de crimes de roubo. Paralelamente continua a cumprir a suspensão de execução de pena aplicada no Processo n.º 409/20.3...

AA demonstra evolução na reflexão crítica sobre o comportamento criminal, reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos e de danos provocados nas vítimas.

O) No EP, o arguido exerce atividade laboral na padaria. Tem do apoio e visitas da irmã, que já beneficia de licenças de saídas jurisdicionais, que assume apoio ao mesmo quando em meio livre.

*

P) No processo nº 446/21.0... foi efetuada e homologada a seguinte liquidação da pena de prisão:

“Por acórdão proferido a 23 de Fevereiro de 2022 e transitado em julgado a 7 de Julho último, foram AA e EE (…) condenados pela prática de crimes de roubo, nas penas únicas, respectivamente, de 6 anos (…) de prisão.

A 3 de Fevereiro de 2021 (cfr. Fls. 97 e 99), foram aqueles detidos para serem presentes em 1.º interrogatório judicial e, no dia seguinte, deram entrada no Estabelecimento Prisional 1, em cumprimento da medida de coacção de prisão preventiva que lhes foi aplicada nesse mesmo dia, por despacho da Mma. JIC, de fls. 142 a 147.

Aquando da prolação do acórdão foi mantida a prisão preventiva pelo que, desde 3 de Fevereiro de 2021 – e ininterruptamente - que aqueles se encontram privados de liberdade.

Cumpre então proceder à liquidação das penas aplicadas, nos termos do artigo 477º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Vejamos:

Nos termos do previsto no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal a detenção e a prisão preventiva são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão.

Assim, estando os condenados privados de liberdade desde 3 de Fevereiro de 2021 – e ininterruptamente – até à data do trânsito em julgado da decisão – 07-07-2022 - para dar cumprimento ao previsto no artigo 80.º, n.º 1, ir-se-á proceder à contagem da pena, desde o dia em que foram detidos.

(…)

AA

- Início da pena com efeitos reportados a: 03-02-2021;

- 1/2 da pena (3 anos): 03-02-2024;

- 2/3 da pena (4 anos): 03-02-2025;

- Termo da pena: 03-02-2027”.

*

Q) No processo nº 409/20.3..., em 08/02/2022 foi apresentado Plano de Reinserção Social, que viria a ser homologado em 15/02/2022.

Desse plano de reinserção social, elaborado e homologado quando o arguido já se encontrava preso à ordem do processo nº 446/21.0..., constam as seguintes obrigações:

- manter o afastamento das ofendidas, da sua residência e local de trabalho, não contatando com aquelas por qualquer meio;

- assegurar a permanência em atividade laboral no Estabelecimento Prisional 1, até à sua conclusão;

- manter frequência de acompanhamento especializado na área da Psicologia e/ou Psiquiatria, onde deverá corresponder aos objetivos do plano terapêutico, comparecendo às consultas agendadas, bem como no cumprimento da prescrição médica que venha ali a ser proposta;

- realizar, em contexto de entrevista, reflexão focalizada na problemática de violência, designadamente do reconhecimento dos vários tipos de violência, das consequências danosas para as vítimas diretas e indiretas e da responsabilização criminal e das atitudes violentas; aquisição de estratégias alternativas ao comportamento violento.

R) No último relatório de acompanhamento da execução do plano de reinserção social, datado de 15/05/2024, consta “AA, em período anterior à reclusão, residia em quarto de pensão, apoiado pelo Centro de Solidariedade Social O..., em .... O arguido não estabelece contato com os progenitores. Contata com a irmã, que se encontra recluída no Estabelecimento Prisional 2.

Ao nível ocupacional, no EP, mantém inserção laboral na cozinha.

AA refere abstinência de substâncias psicoativas, com acompanhamento em Psiquiatria no EPP.

Adota comportamento adequado às normas internas.

O condenado beneficia de visitas da irmã, a qual se encontra a beneficiar de licenças de saídas jurisdicionais.

AVALIAÇÃO

Pelo exposto, AA tem demonstrado atitude de motivação para o exercício de atividade laboral, mantendo integração na cozinha do EP.

No que respeita à problemática aditiva de que padece, o arguido refere a abstinência do consumo de substâncias psicoativas, beneficiando de acompanhamento médico especializado em Psiquiatria.

Apresenta comportamento adequado às normas vigentes”.

*

b) Factos Não Provados

Inexistem.

*

c) Motivação da Matéria de Facto

Os factos presentes nas alíneas –A)- a -B)- e –Q)- a –R-) decorrem do ofício do processo nº 409/20.3... (junto ao citius, apenso do cúmulo, em 06/11/2024) e ainda do CRC datado de 16/09/2024, junto ao citius.

Os factos presentes nas alíneas –C)- a -E)- e –P)- decorrem do ofício do processo nº 446/21.0... (junto ao citius, processo principal, em 08/10/2024) e ainda do CRC datado de 16/09/2024, junto ao citius.

Os factos presentes nas alíneas –F)- a -H)- decorrem do acórdão proferido neste processo nº 11/19.2..., confirmado, quanto a este arguido, por acórdão do Venerando TRP datado de 24/04/2024 e ainda do CRC datado de 16/09/2//024, junto ao citius.

Os factos presentes na alínea –I)- decorrem do CRC datado de 16/09/2024, junto ao citius.

Os factos presentes nas alíneas –J)- a -O)- decorrem do relatório social datado de 24/10/2024, junto ao citius.”

+

O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12).

São as seguintes as questões suscitadas:

- integração no cumulo jurídica da pena suspensa;

- desconto de um mês na pena de prisão pelo período de cumprimento da pena suspensa

- Se uma das penas do proc 409/20.3... já se encontra cumprida;

- falta de fundamentação da pena única

- Se é excessiva a pena única

+

Apreciando:

A apreciação do recurso em causa, pressupõe a analise e ponderação, desde logo dos artºs 77º e 78º CP.

Assim, no que ora interessa:

Dispõe o artº 78º CP que “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. (…)

E por sua vez o artº 77º para que este remete dispõe: “1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.(…)”

Tendo em conta estas duas normas e aplicando-as ao caso em analise, verifica-se que se impõe a efetivação de cumulo jurídico entre as penas aplicadas nos processos a que o acórdão recorrido se refere, encontrando-nos na situação de concurso superveniente, e isto porque a relação entre os crimes praticados pelo arguido apenas se descobriu posteriormente impedindo que fosse realizado em julgamento conjunto de todos os crimes. Tendo como limite a primeira decisão transitada1, temos que esta ocorreu em 20/12/2021 no Proc 409/20, cujos factos ocorreram de Maio de 2020 a Outubro de 2020, e no Proc 3446/21 os factos são de Janeiro de 2021 e no Proc 11/19 os factos são de 2019, pelo que estes factos podiam ser todos julgados juntamente, se deles o tribunal tivesse tido conhecimento antes do primeiro a ser julgado e ter transitado. Donde existindo entre eles uma relação de concurso, há lugar à aplicação de uma única pena (ou de uma pena única), em vez, de, no nosso ordenamento jurídico, uma acumulação de penas.

Assim sendo importa saber se a pena de prisão que foi substituída por pena suspensa, deve ou não ser incluída no cumulo jurídico em caso de concurso superveniente, como é o caso.

E deve, uma vez que está em concurso, ou seja, deveria o autor do ilícito ter sido julgado juntamente com os demais ilícitos praticados,2 de modo a ser condenado numa única pena. É por isso que as penas dos cúmulos eventualmente efectuados em cada um dos processos em concurso são desfeitos, pois há que refazer esse cúmulo tendo em conta as penas parcelares aplicadas a cada crime julgado e condenado3. Por tal razão em vista do que dispõe o artº 77º 1 “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” as penas de prisão substituídas por pena suspensa, tem de ser englobadas no cumulo jurídico em vista a determinar a nova pena única (podendo esta ser ou não substituída por nova pena suspensa), com a excepção de estarem cumpridas ou extintas pelo decurso do prazo da suspensão (nos termos do artº 57º CP (incluindo prescritas)4.

Assim sendo em face da existência de concurso superveniente, deve a pena de prisão substituída por pena suspensa ser incluída na efetivação de novo cumulo jurídico5 (ou seja a do proc. 409/20) única forma de o tribunal apreender a globalidade dos factos e a personalidade do arguido neles expressa em ordem ao cumprimento do disposto no artº 77º1 CP em vista a determinar a pena única.

+

Insurge-se o arguido contra o desconto de um mês na pena de prisão por compensação pelo período de cumprimento da pena suspensa e para tanto conclui que “Tal decisão decorre do facto de o Recorrente já se encontrar preso â ordem do processo n.º 446/21.0..., onde, aliás, ainda se encontra, quando transitou em julgado o acórdão do processo n.º 409/20.3...”, e encontra-se interligada com a questão seguinte em que o arguido, pretende que o desconto abranja uma das penas do proc 409/20.3... por entender que já se encontra cumprida;

Sobre o instituto do desconto regem os arts 80º a 82 º CP, sendo relevantes apenas os dois primeiros (por não ser aplicável o terceiro).

O artº 80º CP sobre esta matéria dispõe: “1- A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.” do qual resulta que o desconto apenas opera em relação à pena de prisão (nesta norma) por referência à detenção, à prisão preventiva e à obrigação de permanência na habitação, o que faz sentido face à restrição de liberdade que envolve aquelas medidas e esta pena.

O artº 81º CP dispõe por seu lado que “1 - Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida. 2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.” donde resulta que sendo as penas da mesma natureza (de prisão ou de multa)6 é descontada a pena ou parte da pena já cumprida, e tratando-se de qualquer outra pena (penas de diversa natureza) o desconto far-se-á no que parecer equitativo.

A questão coloca-se em saber se em relação à pena suspensa é admissível fazer operar o desconto quando a nova pena do cúmulo jurídico não é suspensa.

Reconhece-se, que o Código Penal e o instituto em causa não prevê tal situação directamente.

O STJ tem-se manifestado a favor da aplicação deste instituto, fazendo-o no ac. 9/2/20227, como fundamento no artº 29º 5 CRP e seu principio fundamental “ne bis in idem” como resultando deste que a sanção aplicada não pode ser cumprida por mais do que uma vez, visto que o arguido não pode ser julgado / condenado mais que uma vez pelo mesmo crime e logo deve apenas cumprir uma pena. E na ausência de norma que suporte tal entendimento, invoca o instituto do desconto como “… princípio penal geral do “desconto” - “princípio fundamental” e não regra de excepção - abrange a prisão preventiva e os outros efeitos já sofridos pelo mesmo facto. E da ausência de previsão legal expressa na secção IV do Código Penal nada resulta no sentido de o legislador ter pretendido excluir a situação em análise, havendo sim que garantir sempre o ne bis in idem.”

Apesar de o STJ não ter aceite tal entendimento em casos de algum modo similares8, tal entendimento já havia sido sufragado noutros acórdãos deste Supremo Tribunal, nomeadamente o ac. STJ 15/10/20159, onde se expressa:“ XIV - Estando a arguida a cumprir as penas de substituição (penas de prisão suspensas nas sua execução sob condição de pagamento aos ofendido) em que tinha sido condenada - penas essas que foram englobadas no presente cúmulo - tal é determinante para que, em atenção ao disposto no art. 81.°, n.º 2, do CP, se possa fazer um desconto equitativo.”

Tendo em conta a letra do artº 81º2 CP, e não estando em causa as penas principais de prisão e multa, cuja diversa natureza se mantem no cúmulo jurídico (nos termos do artº 77º3 CP) cremos que cabem no espirito da norma as penas de substituição, tanto mais que o instituto do desconto se mostra adoptado na Ordem Jurídico-penal, de que são exemplo, em caso de cumprimento parcial os artºs 46º nºs 5 e 6 CP, a proibição de exercício de profissão função ou atividade, públicas ou privadas10, o artº 59º 4 CP11 prestação de trabalho a favor da comunidade

Ora ocorre que tendo o arguido sido condenado pelos crimes de violência doméstica “na pena única de 3 (três) anos e 4 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita:

- à proibição de contactar ou se aproximar ofendidas;

- a regime de prova assente em plano de reinserção social, a elaborar e executar sob vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, tendente a promover a sua inserção profissional; e

- à sujeição a tratamento médico psicológico e ou psiquiátrico adequado a debelar os seus problemas de toxicodependência, a definir pela DGRS (cf. art. 50.º, 52.º, n.º 1 al. c), 2 al. d) e n.º 3 e 53.º e 54.º, todos do CP), e que o plano de reinserção social apenas foi homologado em 15/2/2022 onde lhe foi imposto como regras de conduta “- manter o afastamento das ofendidas, da sua residência e local de trabalho, não contatando com aquelas por qualquer meio;

- assegurar a permanência em atividade laboral no Estabelecimento Prisional 1, até à sua conclusão;

- manter frequência de acompanhamento especializado na área da Psicologia e/ou Psiquiatria, onde deverá corresponder aos objetivos do plano terapêutico, comparecendo às consultas agendadas, bem como no cumprimento da prescrição médica que venha ali a ser proposta;

- realizar, em contexto de entrevista, reflexão focalizada na problemática de violência, designadamente do reconhecimento dos vários tipos de violência, das consequências danosas para as vítimas diretas e indiretas e da responsabilização criminal e das atitudes violentas; aquisição de estratégias alternativas ao comportamento violento.” e nessa altura já se encontrava em prisão preventiva à ordem do processo 446/21(roubos), o facto de o tribunal no acórdão recorrido lhe ter descontado um mês na pena única de prisão por virtude de haver cumprido estes deveres (estar afastado das vitimas, quando está preso e não depende de si, ter acompanhamento psiquiátrico, que lhe é imposto pela prisão, e estar ocupado no EP), só o foi em seu beneficio, pois afigura-se-nos incompatível o arguido encontrar-se em prisão preventiva e simultaneamente em cumprimento de uma pena suspensa com regime de prova estando preso, pois aquela não apenas pressupõe, como exige a liberdade (por isso é pena de prisão suspensa), situação em que o arguido não se encontra, nem se encontrava quando foi homologado o plano de reinserção social. Não é possível cumprir simultaneamente uma pena de prisão e uma pena suspensa12. De todo o modo, atendo a que apenas o arguido recorreu e ao disposto no artº 409º1 CPP que proíbe a “reformatio in pejus” não pode ser alterada a decisão a qual favorece o arguido.

Do mesmo modo e estando em causa, porque nela condenado, a pena única relativa aos crimes de violência doméstica e não o cumprimento de uma qualquer das penas parcelares que integram esse cúmulo (feito pelo conhecimento superveniente do concurso), nunca dessas penas parcelares poderia ser objeto de desconto, como tal, na pena única aplicada no acórdão recorrido. A ponderação do tempo de cumprimento da prisão de uma qualquer das penas integrantes do cúmulo, será efetuada, na liquidação da pena única que seja encontrada, como parte da pena já cumprida em que se integrará, como aliás, se determina na al.e) da decisão13, pelo que é erróneo alegar que “uma das penas parcelares já se encontra extinta pelo cumprimento” porque nenhuma pena parcelar foi executada nem podia ser, pois executada é só e apenas a pena única.

Improcede, assim esta dupla questão.

+

Invoca o arguido a falta de fundamentação da pena única, alegando que “…o Acórdão recorrido não contém uma enumeração suficiente dos factos que conduziram à aplicação da pena única aplicada ao aqui Recorrente, e mais importante do que isso, o processo lógico que conduziu a essa pena e não outra.”

Sem razão.

Se a fundamentação da decisão judicial é um dever é imposto pela CRP - artº 205º CRP - e surge no processo penal como decorrência das garantias de defesa do arguido expressas no artº 32º1 CRP, e encontra consagração legislativa no artº 374º CPP quanto às sentenças sendo a sua omissão, quanto a estas, cominada com a nulidade - artº 379º1 CPP aplicáveis aos recursos por força do disposto no artº 425º4 CPP - e existe para cumprir as seguintes finalidades: de conhecer e convencer os destinatários (as partes) da bondade da decisão e a sociedade em geral sobre a correção e a justiça do caso; permitir ao tribunal de recurso conhecer do processo logico-racional subjacente à decisão e aos destinatários da mesma exercer o direito ao recurso de modo consciente e de posse de todos os dados necessários para o efeito, e de permitir o auto controlo e a ponderação por parte do tribunal que decide, sobre a apreciação das provas (pensar duas vezes antes de decidir), e por estas vias assegurar o respeito pelo principio da legalidade da e na sentença (e do decidido) e assegurar e demonstrar a independência e imparcialidade dos juízes e das suas decisões, como fatores que são de credibilidade e de legitimidade - Cf. Ac STJ 18/12/91 BMJ 412º, 383, e ac TC 59/2006 http://www.tribunalconstitucional.pt/ -, e por isso o artº 374º2 CPP, dispõe quanto à elaboração da sentença que ao relatório, “… segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

No que respeita ao acórdão este mandato mostra-se cumprido na medida em que o deve ser para fundamentar os factos provados, todos eles expressos documentalmente, como no acórdão se descreve, e cuja leitura é suficiente para o efeito, fazendo como documentos autênticos prova plena, salvo no que respeita ao relatório social ali referenciado.

Feito este introito no que se refere às decisões em geral, o que fundamentalmente questiona o arguido é a determinação da pena única, por não perceber, no essencial, que critério aritmético foi utilizado, sendo que o artº 71º nº 3 CP dispõe que “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Também neste aspecto não tem razão, pois que o acórdão recorrido é claro, que me aqui se reproduz para ser lido:” Nos termos do aludido artº 77º, nº 2, do Cód. Penal, ao arguido irá ser aplicada uma pena única de prisão com um limite mínimo de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses e um limite máximo de 23 (vinte e três) anos e 9 (nove) meses de prisão.

Como se extrai do artº 77º, nº 1 do Cód. Penal, deverá o Tribunal ter em consideração em conjunto,

- os factos e

- a personalidade do agente.

*

3.3. Da pena única a fixar

Analisando os factos que estiveram na origem das penas de prisão que agora irão ser juridicamente cumuladas verifica-se que se tratou de condutas relacionadas com a prática de crimes contra o património (Roubos), Violência doméstica e Tráfico de menor gravidade.

Valora-se, por isso, a prática de vários tipos criminais, desfavoravelmente ao arguido.

O arguido atingiu, igualmente, diversos ofendidos, o que se valora em seu desfavor.

Igualmente se valora desfavoravelmente o facto dos factos não terem todos uma proximidade no tempo acentuada entre eles alguns factos foram praticados em 2020 (cfr. por exemplo, o ponto 5 dos factos provados no processo 409/20.3..., em –A)-) enquanto que outros foram praticados em 2021 (cfr. por exemplo, os factos provados no processo 446/21.0..., em –C)-).

Valora-se muito desfavoravelmente ao arguido o facto deste ter perpetrado violência doméstica contra uma pessoa que se encontrava incapacitada, neste caso BB – cfr. alínea –B)-, pontos 3º e ss., do processo nº 409/20.3...

Mas valora-se a favor do arguido o facto de, nos crimes de roubo que se provaram no processo nº 446/21.0... (cfr. alínea –C)-), a violência usada não ter sido de grande intensidade.

No que respeita ao tráfico de estupefacientes de menor gravidade que se provou no âmbito do processo nº 11/19.2... foram praticados os factos em contexto nos termos do qual o arguido era, também ele, consumidor de produtos estupefacientes (cfr. alínea –L)-.

O que, apesar de tudo, se valora a seu favor, pois a entrada no mundo do tráfico ocorre num enquadramento facilitador.

Em termos de personalidade, o arguido revelou tendência marcada para a prática de um conjunto variado de crimes.

Contudo, demonstra agora evolução na reflexão crítica sobre o comportamento criminal, reconhecendo a ilicitude de tais comportamentos e de danos provocados nas vítimas (cfr. alínea –N)-).

Cumpriu as determinações do plano de reinserção social que foi homologado – cfr. alíneas –O)- e –R)- no processo 409/20.3...

Assim, é o arguido uma pessoa que revelou marcada tendência para a prática de crimes, embora, desde de que está em reclusão, tenha feito um esforço sério de ressocialização.

O arguido cresceu inserido numa família pouco estruturada (cfr. als. -J- e –K)-).

O que se valora agora em seu favor, já que o percurso de vida ocorre neste enquadramento inicial.

Tudo visto, a analisados os factos globalmente, bem como a personalidade do arguido, o Tribunal fixa, como pena única, a pena de 9 (nove) anos prisão.” e por isso nele se ponderaram todos os factos provados e só estes podem ser tidos em conta, incluindo aqueles que o recorrente menciona. Não menciona, nem tem de mencionar qualquer critério aritmético14, porquanto não constitui critério legal, - pois os parâmetros legais para a determinação da pena única estão expressos no artº 77º nºs 1 e 2 CP, conjugados com as circunstancias do artº 71º CP e tendo em conta as finalidades da pena expressas no artº 40ºCP -, embora se admita que possa servir de auxiliar em algumas circunstâncias, mas esqueceu-se o arguido que mesmo adoptando tal critério a pena poderia ser mais elevada do que aquela que lhe foi aplicada, sendo que em face dos factos e sua gravidade e personalidade violenta do arguido neles manifestada, não lhe caberia a regra do 1/3 mas seria mais adequada a regra de ½ como factor de compressão, o que elevaria consideravelmente a pena única.

Improcede assim também esta questão.

Conexa com ela questiona o recorrente a pena única que considera excessiva.

Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CP que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e na determinação dessa pena, há que ter em conta o disposto no art. 77º, n.º 2 do CP, segundo o qual, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, tais normativos são aplicáveis no caso de concurso superveniente expresso no artº 78º CP “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”

É a situação dos autos em que temos por um lado os 2 crimes de violência doméstica, 10 roubos e um de tráfico de droga (e não apenas roubos e trafico de droga) pelo que importa por isso averiguar se a pena única em que foi condenado é ou não excessiva, ofendendo as regras sobre a sua determinação, regras essas que fixam os seus limites e os critérios a observar para encontrar a medida justa, como decorre do artºs 77º 1 e 2 CP ao estabelecer “1…Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Quanto aos limites, ela deve ser encontrada entre os 2 anos e 9 meses e os 23 anos e 9 meses de prisão, que constitui a moldura do concurso, para o que não relevam as penas únicas em que foi condenado anteriormente (cujos cúmulos são desfeitos) sob pena de violação do principio da legalidade expresso no artº 77º2 CP.

No que respeita aos critérios da sua determinação, traduzidos na apreciação, em conjunto dos factos e da personalidade do arguido há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção”15 a coberto do artº 40º CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada artº 77º1 CP), e como se expressa F. Dias “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “16, - o que é interpretado pelo STJ no ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj17 como “A explanação dos fundamentos que, à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”- e também no ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt18, onde se defende que “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele” - e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “19, - sendo que esta (pluriocasionalidade) como se escreve no texto do Ac STJ 12/9/2007 www.dgsi.pt/20 “verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.

A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes”.

Como em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há-de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 21 a apreciar no momento da decisão.

Assim em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, sendo 12 deles violentos (violência domestica e roubos) e outro tráfico de droga todos eles ambos de grande abrangência e relevo social atual causadores de sentimento de insegurança, tendo em conta o modo de atuação, a exigir uma maior atenção preventiva como fatores desagregadores da sociedade, reafirmando energicamente a validade das normas jurídicas violadas.

A analise feita na decisão recorrido quanto aos factos e quanto à personalidade violenta do arguido mostra-se correta, bem como nela se pondera a sua evolução positiva em reclusão, e só esta justifica a pena única encontrada de 9 anos a qual se algum reparo merece não é certamente pela sua excessividade, mas pela confiança ilimitada de que a pena poderá ter um efeito benéfico no comportamento futuro do arguido seguindo Figueiredo Dias ao considerar que “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”22, pois o quantum exacto da pena deverá ser determinado também em função das exigências de prevenção especial.

Visto o exposto em tendo em conta a moldura do concurso, e apreciando os factos na sua globalidade e a personalidade violenta do arguido neles revelada e as penas parcelares aplicadas, as exigências de prevenção quer geral quer especial, a ilicitude dos factos e a culpa do arguido, a sua capacidade de observar as regras sociais, não se vê como necessária a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal no sentido de reduzir a pena única em que foi condenado o arguido, a qual se mostra justa por necessária, adequada e proporcional.

Improcede assim esta questão e com ela o recurso.

+

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide:

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, e mantém a decisão recorrida.

Condena o arguido o pagamento da taxa de justiça de 6 Uc e nas demais custas

Notifique

DN

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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça,

José A. Vaz Carreto (Relator)

Jorge Raposo

José L. Lopes da Mota

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1. 1. Ac. do STJ de fixação de jurisprudência n.º 9/2016 : O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.

2. Artº 77º CP nº1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena

3. Ac,. STJ 3/7/2008 Proc. 08P2298 Cons. Simas Santos www.dgsi.pt“1 ­ Havendo de fazer um novo cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (art. 78.º do C. Penal) é desfeito o cúmulo anterior, no caso os cúmulos anteriores, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo ser todas elas ponderadas na determinação da pena única conjunta, cuja individualização se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pelo limite de da soma de todas a penas parcelares, com o limite absoluto de 25 anos (art. 77.º do C. penal) e que atende às condições pessoais do agente e que se reflectem na sua personalidade, bem como o seu desenvolvimento.

4. Ac. STJ 20/4/2017 proc 176/10.9IDBRG.S1, Cons. Isabel Pais Martins www.dgsi.ptI - Tem sido maioritariamente entendido, neste Tribunal - e é essa a nossa posição -, que não se coloca qualquer questão de violação de "caso julgado" em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução.

II - A pena única do concurso, por conhecimento superveniente, deve englobar todas as penas, ainda que suspensas, pelos crimes em concurso, decidindo-se, após a determinação da pena única, se esta deve, ou não, ser suspensa.

III - Todavia, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final.

IV - Se o cúmulo jurídico de penas cumpridas se impõe por razões que se prendem com o princípio da igualdade e com os próprios fundamentos do nosso regime de pena conjunta, a inclusão de penas extintas, não pelo efectivo cumprimento, mas por ter decorrido o período de suspensão, sem que se verifiquem motivos que possam conduzir à sua revogação, traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena.”

Ac. STJ 29/9/2021, proc. 153/16.1PCBRG-A.S1, Cons. Nuno Gonçalves, www.dgsi.ptV- A pena suspensa que esteja em execução, cumula-se juridicamente com as penas parcelares de prisão aplicadas por crimes do mesmo concurso, sem que tenha de ser previamente revogada a suspensão da execução da pena de prisão.

VI - Na pena única de um concurso de crimes são cumuladas juridicamente todas as penas aplicadas ao arguido pelos crimes do mesmo concurso. (…)”

Ac. STJ 2/6/2021 Proc 626/07.1PBCBR.S1 Cons. António Gama, www.dgsi.pt “I- Não existe óbice legal à realização de cúmulo jurídico entre penas de prisão e penas suspensas, ou apenas entre penas suspensas, por conhecimento superveniente do concurso.

II- O caso julgado relativo à formulação do cúmulo jurídico vale rebus sic stantibus, ou seja, se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura do concurso.

III- Podendo o legislador ter excluído do conhecimento superveniente do concurso de crimes as penas de prisão suspensas na sua execução, não o fez, por boas razões político criminais e em respeito ao princípio da igualdade. Desde logo por razões de prevenção geral e especial.

IV- Na realização de cúmulo jurídico impõe-se especial cuidado quando são consideradas penas de prisão suspensas na sua execução. Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico.(…)”

Ac STJ 28/11/2024, proc. 28420/23.5T8LSB.S1 Cons. Jorge Gonçalves, www.dgsi.ptII - A jurisprudência do STJ é hoje amplamente majoritária, se não for uniforme, na defesa da orientação de que, no conhecimento superveniente do concurso, as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão - as penas de prisão substituídas -, só no final se decidindo se a pena conjunta resultante do cúmulo deve ou não ficar suspensa na sua execução.

III - Se à data da elaboração do cúmulo jurídico não se mostra decorrido o tempo de suspensão de execução da pena, que se conta a partir do trânsito em julgado da decisão (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), nada obsta à inclusão no cúmulo jurídico da pena principal que tinha sido objeto de substituição.

IV - Porém, se à data da elaboração do cúmulo jurídico se mostrar decorrido o tempo de suspensão de execução, não deverá a pena ser considerada no cúmulo sem previamente ser averiguado se foi proferida decisão de extinção, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão.

V - O cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente do concurso abrange as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida; no que concerne às penas prescritas ou extintas (por causa diversa do cumprimento de prisão), tem-se entendido que não entram no concurso, pois, de outra forma, interviriam como um injusto fator de dilatação da pena única, sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas” da ordem jurídico-penal, por renúncia (definitiva) do Estado à sua execução.”

5. Apud ac STJ 9/2/2022 Cons. Ana Barata Brito, www.dgsi.pt diz-se no Ac. 341/2013 do Tribunal Constitucional refere que "tendo em conta as regras estabelecidas para o conhecimento superveniente do concurso, o tribunal que procede ao cúmulo, na ponderação da pena única a aplicar terá de proceder a uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, sendo essa necessidade de avaliação conjunta que determina que se considere nessa ponderação todas as condenações, sejam elas em pena de prisão efetiva ou suspensa, de modo a poder pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta e, então, decidir ou não pela suspensão dessa pena, como faria caso o conhecimento do concurso fosse simultâneo e não superveniente. Ou seja, a não manutenção da suspensão da pena não está diretamente fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, mas sim na circunstância de só posteriormente se ter conhecimento desses factos e, por essa razão, se ter de proceder supervenientemente ao cúmulo jurídico"

6. Cfr. Artº 77º nº 3 CP “3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.” sublinhado nosso.

7. Proc 2146/21.9T8LSB.S1 já citado onde se pode ler “III - Mas se as penas de prisão suspensa integram o cúmulo jurídico superveniente, e se, por esta via, se recuperam as penas de prisão principais, cumpre então determinar, em relação a cada uma das penas substituídas, se uma vez iniciado o prazo de suspensão nos processos em que foram aplicadas houve cumprimento das condições e dos deveres concretamente impostos ao condenado.

IV - O conhecimento destas informações sobre as penas suspensas é necessário à ponderação do desconto proporcional, que se torna obrigatória a partir do momento em que a pena suspensa iniciada noutro processo é englobada num cúmulo jurídico e passa a integrar a pena única de prisão efectiva.

V - Assim o impõe a salvaguardada do ne bis in idem, do qual resulta que a cada infracção corresponde uma só punição, não podendo o agente ser sujeito a uma repetição do exercício do poder punitivo do Estado, e não podendo também a sanção aplicada ser cumprida por mais do que uma vez.”

8. Acórdão Fixação Jurisp nº4/2017 “Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do CPP, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar” relator Souto Moura, DR-115 SÉRIE I de 2017-06-16;

9. Proc 3442/08.0TAMTS.S1 cons. Helena Moniz, www.dgsi.pt, reafirmando o que já decidira no ac. 14/1/2016 proc. 8/12.3PBBGC-B.G1-S1 www.dgsi.ptII - O facto de existirem penas parcelares suspensas na sua execução não impede que sejam integradas no cúmulo; o que, porém, não constitui argumento para que se ignore que parte da pena já terá sido cumprida desse modo, pelo que o período de cumprimento daquela pena deverá ser relevante em sede de execução da nova pena única que venha a ser aplicada.(…) VI - A possível desigualdade que poderá ocorrer pelo facto de o arguido já ter cumprido parte da pena antes de aquela ser integrada no cúmulo deve ser resolvida através do instituto do desconto.(…) X - Sabendo que o arguido já tinha cumprido uma parte do período de suspensão da execução da pena de prisão (com regime de prova) - durante 1 ano, 6 meses e 23 dias - e uma vez que esta não foi revogada, mas o seu cumprimento não prosseguiu porque iniciou o cumprimento de outra pena em regime prisional, afigura-se-nos relevante aquele cumprimento, pelo que se deverá proceder ao respetivo desconto equitativo, em atenção ao disposto no art. 81.º, n.º 2, do CP.”

10. Redação da Lei n.º 94/2017, de 23/8 “5 - Se, nos casos do n.º 3, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já cumprido tempo de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido.

6 - Para o efeito do disposto no artigo anterior, cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, que lhe corresponder proporcionalmente nos termos da sentença, procedendo-se, sempre que necessário, ao arredondamento por defeito do número de dias por cumprir.”

11. Redação da Lei n.º 59/2007, de 04/9 - artº 59º 4 - Se, nos casos previstos no n.º 2, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o n.º 3 do artigo anterior.

5 - Se a prestação de trabalho a favor da comunidade for considerada satisfatória, pode o tribunal declarar extinta a pena não inferior a setenta e duas horas, uma vez cumpridos dois terços da pena.”

12. Sendo apenas possível o cumprimento desta quando em liberdade.

13. Com o seguinte teor “e) determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção, prisão preventiva ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas (e cujos períodos não tenham sido já descontados).

14. Defendido por alguma doutrina e jurisprudência: P.Pinto Albuquerque, Anotação 3., ao artigo 77.º do Código Penal, in Comentário do Código Penal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p.244; Ac. STJ de 20-03-2014, proc. n.º 273/07.8PCGDM.S1, Cons. Santos Cabral; Ac. STJ de 6/1/2021, no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2 Cons. Nuno Gonçalves, e criticamente Ac. STJ de 14/12/2023, no proc. n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, Cons. Jorge Gonçalves

15. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 291,

16. ob. loc. cit.

17. Proc. 585/09.6TDLSB.S1 Conselheiro Santos Cabral

18. Proc. 789/11.1TACBR.C1.S1 Conselheiro Oliveira Mendes

19. Figueiredo Dias, ob. loc. cit.

20. Ac. STJ de 2007-09-12 (Proc. nº 07P2601) Conselheiro Raul Borges

21. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Conselheiro Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ;

22. As consequências, ob. loc. Cit.… , págs. 291 e 292)