Não é admissível a revista interposta ao abrigo da disciplina, atípica e restrita, do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, sempre que o recorrente, fundando-se exclusivamente no regime da revista normal do art. 671.º, n.º 1, do CPC, e independentemente dos requisitos gerais previstos no art. 629.º, n.º 1, do CPC, não invoca expressamente, como ónus insuprível de alegação recursiva (arts. 637.º, n.º 2, 1.ª parte e 639.º, n.os 1 e 2, do CPC), contradição jurisprudencial relevante sobre a mesma ou mesmas questões fundamentais de direito a sindicar em revista e não indica com certidão comprovativa o acórdão fundamento que sustenta a oposição de julgados legitimadora da impugnação.
Acordam em conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I) RELATÓRIO
1. AA apresentou Reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, contra o despacho da Ex.ma Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa (TRG) que não admitiu recurso de revista normal interposto do acórdão desse TRL, proferido em 15/10/2024.
2. Requerida a insolvência de BB, cônjuge divorciada do Requerente aqui Reclamante, o Juiz ... do Juízo de Comércio de ... proferiu sentença, na qual se decidiu pela improcedência da acção, declarando absolvida a Requerida do pedido de declaração de insolvência (concluiu-se: “nem o Requerente logrou demonstrar a sua legitimidade para a presente acção, nem se apuram factos que determinem os factos índice [do art. 20º, 1, do CIRE] invocados”), assim como pela condenação do Requerente, como litigante de má fé, em multa e em indemnização.
3. Veio o Requerente decaído interpor recurso de apelação para o TRL, que conduziu a ser proferido acórdão, no qual se julgou indeferida a nulidade arguida por alegada “omissão de pronúncia” e parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto (eliminação da al. e) dos factos não provados e aditamento do facto provado 22.), confirmou-se a condenação em litigância de má fé e não se condenou o apelante como tal nesta fase recursiva e, por fim, julgou-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença de 1.ª instância quanto à não declaração de insolvência da Requerida.
4. Novamente inconformado, o Requerente veio interpor recurso de revista normal para o STJ, fundado no art. 671º do CPC, invocando a inexistência de “dupla conformidade” obstativa da revista e alegando “erro de julgamento” perante as questões da “ilegitimidade do Autor” e da “não demonstração de quaisquer dos factos-íncide”, “erro em sede do Direito aplicável bem como violação das normas legais sobre a prova” e “omissão de fundamentação e contradição entre os fundamentos e os factos provados” (nulidades imputadas ao acórdão recorrido).
5. Confrontada com os poderes atribuídos pelo CPC no art. 641º, a Senhora Juíza Desembargadora proferiu o referido despacho de não admissão do recurso em 16/12/2024, com a seguinte fundamentação:
“Vem o recorrente AA interpor recurso de revista do acórdão proferido nestes autos, invocando a respectiva admissibilidade por inexistência de dupla conforme, uma vez que este tribunal alterou a decisão da matéria de facto, tendo considerado demonstrados factos que tinham sido considerados como não provados pelo tribunal da 1ª instância. Sustentou que o recurso sobe nos próprios autos e imediatamente, “conforme o disposto pelos artigos 671º, 675º” do C.P.Civil.
Conforme resulta dos autos, por sentença proferida em 10/01/2024, foi julgada improcedente a acção interposta pelo recorrente, acção esta em que era peticionada a declaração da insolvência da requerida BB. Esta foi absolvida do pedido e o requerente foi condenado como litigante de má-fé, em multa, que se fixou em 10 (dez) UC e em indemnização a favor da Requerida, no valor de € 2.500,00, acrescidos de IVA à taxa devida, de honorários e despesas do seu mandatário.
O requerente recorreu para este tribunal da Relação e, por acórdão proferido em 15/10/2024, foi o recurso julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.
É deste acórdão que o recorrente pretende ora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Estabelece o art.14º, nº1, do CIRE:
“No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”
Conforme decidido, entre outros, no Ac. do STJ de 12/12/2023, Proc. nº 7467/17.6T8VNG-P1.S1, relatora: Cons. Ana Resende, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt:
“I – O regime de recursos previsto no art.º 14, do CIRE, aplica-se ao processo de insolvência e aos embargos da respetiva sentença, no sentido que a limitação que tal regime importa a não admissibilidade de recurso dos acórdãos proferidos pela Relação, salvo o caso de oposição de acórdãos nos termos ali indicados.
II – Decorre do n.º1 de tal disposição que deve o Recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, devidamente individualizado, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, que no domínio da mesma legislação, decidiu de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme o acórdão recorrido”.
Assim e independentemente da verificação da dupla conformidade decisória, não tendo o recorrente demonstrado – nem sequer o invocou – que o acórdão proferido esteja em contradição com qualquer outro acórdão, o recurso não é admissível.
Também não foi invocado qualquer argumento susceptível de permitir a admissibilidade do recurso como revista extraordinária nos termos do art. 672º do C.P.Civil, situação em caberia ao Supremo Tribunal de Justiça a decisão quanto à verificação dos respectivos pressupostos.
Pelo exposto, não se admite o recurso de revista interposto.”
6. O Reclamante não se resignou com este despacho, sustentando na Reclamação ex art. 643º do CPC que deve ser admitida a revista, depois de convidado o Recorrente a juntar o acórdão indicado na alegação 57., sob pena de inconstitucionalidade, sustentando ademais a convolação da revista interposta em “revista extraordinária” de acordo com a “conformidade formal” com o art. 14º, 1, do CIRE.
7. A Senhora Juíza Desembargadora proferiu despacho de admissão da Reclamação (20/1/2025, ref.ª CITIUS ...10).
Não foi apresentada qualquer Resposta nos termos admitidos pelo art. 643º, 2, do CPC.
8. Subidos os autos, foi proferida decisão singular nos termos do art. 643º, 4, 1.ª parte, do CPC, julgando improcedente a Reclamação e, dessa forma, mantendo-se o despacho reclamado de não admissão do recurso.
9. Sem se resignar, o Recorrente e Reclamante veio deduzir Reclamação para a Conferência, de acordo com a faculdade de impugnação contemplada pelos arts. 643º, 4, 2.ª parte, e 652º, 3, do CPC, visando a admissão do recurso e, em acréscimo, arguindo a nulidade da decisão singular por “omissão de pronúncia”.
∗
Foram dispensados os vistos nos termos legais.
Cumpre apreciar e decidir da bondade da pretensão.
II) APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO E FUNDAMENTOS
1. A questão a decidir é, assim, a de saber apenas se a revista do acórdão proferido em 2.ª instância, interposta pelo Autor e Requerente, obedeceu ao regime especial do artigo 14º, 1, do CIRE, relativamente a recursos para o STJ de acórdãos da Relação que incidam sobre decisões, finais ou interlocutórias, proferidas endogenamente no processo de insolvência e nos seus incidentes e no apenso de “embargos” referido expressamente nesse art. 14º, 1, do CIRE.
Seguimos, para o efeito, e no essencial, o que se sustentou na decisão reclamada, nos seus pontos 9. a 14.
2. A decisão final de não decretamento da insolvência requerida, proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada nos autos principais de insolvência, rege-se pelo especial regime de recurso previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ em termos exclusivos e excludentes – cfr. AUJ do STJ n.º 13/2023, de 17/10/2023, publicado in DR 1.ª Série, de 21/11/2023.
Exclusivos e esgotantes por afastarem, em geral, o regime de revista normal ou regra, assente no art. 671º, 1 e 2, do CPC, assim como os regimes particulares de revista excepcional assente em “dupla conformidade decisória” (art. 671º, 3, CPC) e de revista extraordinária baseada nas situações gerais previstas no art. 629º, 2, do CPC («é sempre admissível recurso»)1.
Assim, a admissibilidade desta revista depende, em particular e apenas e só, de ser invocada e assente uma oposição de julgados sobre «a mesma questão fundamental de direito» – ou mais do que uma, se for o caso – com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.»).
3. Verifica-se que, independentemente da sindicação dos requisitos gerais previstos no art. 629º, 1, do CPC (em particular, o valor da causa do processo de insolvência; consultados os autos, não foi dado cumprimento ao art. 306º, 1 e 2, do CPC, sem prejuízo da indicação na petição-requerimento inicial do valor de € 70.008,00), a revista interposta se baseia exclusivamente no regime da revista normal, fundada no art. 671º, 1, do CPC e, como tal por se fundar sem mais nesse regime-regra, sem invocação de qualquer oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito (ou questões) e indicação de acórdão fundamento, para o efeito de permitir ser feita a avaliação preliminar do conflito jurisprudencial a que alude o art. 14º, 1, do CIRE e, uma vez feita em sentido positivo, poder ser admitida e posteriormente conhecida a revista.
Na verdade, o ónus insuprível de alegação recursiva constante do art. 637º, 2, 1.ª parte, referido ao «fundamento específico de recorribilidade», em conjugação com o art. 639º, 1 e 2, sempre do CPC, configurado para os requisitos de um recurso fundado em contradição de julgados, foi pura e simplesmente omitido pelo Recorrente, incumprindo de forma manifesta essa condição de oposição jurisprudencial que funda a admissibilidade desta revista.
Questão diversa e ulterior é como reagir à falta de apresentação do acórdão fundamento – se assim tivesse sido indicado – em versão certificada e integrada por nota do seu trânsito em julgado; o que não chega sequer a ser aqui mobilizado como vicissitude processual a ser superada ou sanada, uma vez que a oposição com determinado acórdão para a questão de direito resolvida com dissenso relevante ser admitida para conhecimento em revista no STJ não foi alegada nem foi fundamento da revista (como acontece e se exige nas situações análogas do art. 629º, 2, d), 672º, 1, c), e 688º, 1, do CPC.
4. Tal circunstância processual – por se alhear de qualquer contradição jurisprudencial em relação a determinada ou determinadas questões de direito (como, por ex., se fosse interposta revista excepcional com esse fundamento) – não permite, ademais, que, não sendo invocada tal contradição jurisprudencial, pudesse ser aproveitada a pretensão recursiva, por intermédio de convolação oficiosa (arts. 6º, 2, 193º, 3, 547º, CPC), para a consequente integração no regime do art. 14º, 1, do CIRE, pois só este permite e permitiria o acesso ao 3.º grau e, para o permitir, não se prescinde da invocação e da confirmação de uma oposição de julgados relevante e instrumento para o conhecimento do recurso2.
Em suma.
5. Em qualquer das facetas analisadas, e sem mais, falece o propósito de se poder conhecer da impugnação do acórdão proferido em 2.ª instância – como é, nestes casos, consensualmente julgado e decidido por esta 6.ª Secção, com competência especializada para o efeito (art. 128º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto: LOSJ)3.
Sem prejuízo.
6. A inadmissibilidade da revista impede, por fim, o conhecimento das nulidades de decisão arguidas, com base no art. 615º, 1, b) e c), do CPC, uma vez que este objecto cognitivo da revista é fundamento acessório e dependente de uma revista admitida, mesmo que com especialidade recursiva, cabendo, se assim não for admitida, apenas a sua arguição e conhecimento ao tribunal que proferiu o acórdão recorrido: arts. 615º, 4, 1.ª parte, 617º, 1 e 6, 1.ª parte, 666º, 1, do CPC.
É o caso.
Não sendo admitida a revista ao abrigo do regime do art. 14º, 1, do CIRE, ficamos sem decisão recorrida para apreciar das nulidades arguidas, que se relacionam com o impugnado, que não é susceptível de recurso por não respeitar os fundamentos desse normativo do CIRE. Assim, a nulidade apenas pode ser invocada perante o tribunal a quo e por este decidida, improcedendo por preclusão o conhecimento de tal nulidade enquanto fundamento recursivo em revista.
Verifica-se, por isso, que, não obstante tal extravasar o objecto da presente Reclamação, cabe assinalar que é ao tribunal que proferiu a decisão recorrida e em conferência apreciar das nulidades decisórias invocadas na impugnação (cfr. Conclusões j) a p)) e no prazo associado ao recurso de revista (arts. 617º, 1, 5, 2ª parte, 6, 1.ª parte, ex vi arts. 666º, 1, e 666º, 2, do CPC).
Ademais.
7. Veio o Reclamante agora aduzir que as suas alegações se referem a um acórdão do STJ, cuja argumentação estaria em dissonância com o acórdão recorrido, o que cumpriria o ónus de “indicar a divergência jurisprudencial”, que sobre o recorrente incide para efeitos do art. 14º, 1, do CIRE.
De todo essa referência, vista no complexo argumentativo de fundamentação da revista, é suficiente para preencher a verdadeira condição recursiva para qualquer impugnação que, dirigindo-se a tribunal superior, depende da verificação de uma contradição jurisprudencial; pelo menos: identificação de um acórdão como acórdão fundamento da oposição com o acórdão recorrido; explanação da contradição jurisprudencial (em regra, expressa e frontal) em diálogo com os dois acórdãos, indicando-se os aspectos de identidade que determinam a oposição alegada; certificação com nota de trânsito em julgado do acórdão fundamento.
De tal forma que o requisito da contradição jurisprudencial deve ser claro, expressamente alegado e apreciado com rigor, de tal modo que se obste à admissão de um recurso que – como é o caso do art. 14º, 1, do CIRE – se prefigura de molde restritivo e com natureza residual.
Além do mais, compulsadas as alegações de recurso, onde está referido tal aresto (ponto 57.), verifica-se que esse acórdão – além de não constar das Conclusões recursivas – vem, quando argumentado, em socorro do recurso quanto à arguição da nulidade imputada ao acórdão recorrido da Relação em sede de vício-omissão de fundamentação, de acordo com o art. 615º, 1, b), do CPC – questão acessória e dependente da admissibilidade da revista, indicada na Conclusão l); não, manifestamente, se refere às questões principais, julgando do mérito da sentença de 1.ª instância, decididas pelo acórdão recorrido – a saber: (i) pressupostos da declaração de insolvência (solvabilidade para o cumprimento de obrigações) e (ii) legitimidade substantiva do requerente da insolvência como credor – e cuja oposição com outro julgado transitado poderia abrir a porta à revista no STJ.
8. Razões pelas quais – como se concluiu na decisão reclamada – terá que ser sufragada a decisão de não admissão da revista tomada ao abrigo do art. 641º, 2, a), do CPC, ainda que com fundamentação adicional e atinente ao regime especial do art. 14º, 1, do CIRE, o que assim se decide, pois não há como permitir, de acordo com o regime legal aplicável, o acesso da impugnação recursiva ao 3.º grau de jurisdição por via da revista tal como interposta pelo Recorrente. Não se vislumbram razões para alterar estes fundamentos usados na decisão singular, em todas as vertentes analisadas e na mobilização do regime legal aplicável, conducente à inadmissibilidade da revista.
Importa, pois, agora colegialmente em conferência, sublinhar a sua adequação e decidir em acórdão pela sua confirmação, o que se fará como epílogo.
Por fim.
9. Veio o Recorrente arguir a nulidade da decisão singular, nos termos do art. 615º, 1, d), 1.ª parte, do CPC, aplicável por força do art. 613º, 3, em conjugação com o art. 152º, 1, do CPC. Aparentemente, alega o Recorrente tal vício processual em razão de o despacho reclamado não se ter referido a parte do conteúdo das alegações deduzidas na reclamação deduzida à luz do art. 643º, 1, do CPC, em particular ao acórdão do STJ antes referido.
Com efeito, o art. 615º, 1, d), do CPC sanciona com nulidade as sentenças e acórdãos em que o julgador «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A “omissão de pronúncia” enquanto nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual «[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Este ónus processual implica, como corolário do “princípio da disponibilidade objectiva” (traduzido no art. 5º do CPC/2013), que “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”4. Essa nulidade do art. 615º serve, por isso, de cominação para o desrespeito do art. 608º, 2, ainda convocável por força dos arts. 613º, 3, e 152º, 1, do CPC.
Pois bem.
O ónus processual de decisão, em sede de reclamação do art. 643º do CPC, fica cumprido se ficarem apreciadas a questão ou questões delimitadas em concreto no despacho que não admite o recurso (art. 641º, 6, CPC) e, por isso, mereceu a impugnação para obter efeito processual contrário pelo interessado.
Não se encontra violado se não são apreciados e/ou discutidos todos os argumentos, considerações, motivos, pressupostos, juízos de valor ou raciocínios utilizados pelas partes e/ou tribunal reclamado para a resolução da questão ou questões que efectivamente se delimitam e cumpre apreciar (tanto mais que ainda se aplica aqui o art. 5º, 3, do CPC: «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.»). Não se impõe que o tribunal decisor aprecie ou responda ponto por ponto a todos os argumentos e razões invocados para sustentação (“‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente às questões que integram o objecto da reclamação e que constituem o propósito legal da actividade judicativa do tribunal “ad quem”5. Só a ausência de apreciação dessas questões é determinante da nulidade em referência.
Ora.
Compulsado o despacho proferido em 2.ª instância, com a causa de não admissão do recurso precisamente delimitada, assim como os fundamentos da reclamação apresentada pelo Recorrente ao abrigo do art. 643º, 1, do CPC contra a decisão que julgou faltar o pressuposto de admissibilidade do recurso6, não se verifica qualquer falta ou vício de ausência de pronúncia devida no objecto cognitivo definido para decisão.
Antes se verifica, de forma inequívoca, que a decisão singular proferida neste STJ dá resposta ao fundamento da não admissão e, dessa forma, não se verifica que subsista qualquer nulidade que o censure à luz do invocado art. 615º, 1, d), 1.ª parte, do CPC.
O que se verifica é discordância e inconformismo do Recorrente e Reclamante relativamente à valoração e ao julgamento da reclamação nesta instância; porém, a arguição de nulidades previstas no art. 615º, 1 do CPC não é, pela sua natureza processual, o instrumento idóneo para uma manifestação de desacordo com o que se decidiu na decisão singular e falece por si só se não se preenche em qualquer das situações contempladas na lei.
Improcede, sem mais e por isso, a arguição da nulidade perpetrada pelo Recorrente e Reclamante.
III) DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a Reclamação, mantendo-se a decisão singular que manteve o despacho reclamado de não admissão do recurso.
Custas pelo Reclamante, que se fixa em taxa de justiça correspondente a 3 (três) UCs.
STJ/Lisboa, 11 de Março de 2025
Ricardo Costa (Relator)
Luís Espírito Santo
Cristina Coelho
SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)
_____________________________________________
1. Por ex., v. o Ac. do STJ de 22/6/2021, processo n.º 950/20, in www.dgsi.pt.
2. Elucidativamente, v. os Acs. do STJ de 24/11/2020, processo n.º 4198/19, e de 28/1/2025, processo n.º 2091/23, in www.dgsi.pt.
3. Recentemente, v., ainda por omissão da necessária invocação de contradição jurisprudencial para a admissão da revista nos termos do art. 14º, 1, do CIRE, o Ac. do STJ de 17/12/2024, processo n.º 375/11, in www.dgsi.pt.
4. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 219-220.
5. V., entre os mais significativos, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, 1952, 3.ª ed., reimp. 2012, Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 668º, pág. 143; ANTUNES VARELA, “Acórdão do STJ de 25 de Maio de 1985 – Anotação”, RLJ, ano 122º, 1989, n.º 3781, pág. 112; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “As formas de composição da acção”, loc. cit., págs. 220-221 (“O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.”: sublinhado nosso); RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III (Arts. 467.º a 800.º), 3.ª ed., do Autor, Lisboa, 2001, sub art. 660º, págs. 180-181; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 635º, pág. 116, a quem pertence a transcrição; ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 615º, pág. 738.
6. ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 643º, pág. 191 e nt. 297, JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º, Artigos 627.º a 877.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, sub art. 643º, pág. 110.