ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
CONVOLAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


Confirmando a Relação a decisão de 1ª instância, sem qualquer voto de vencido, não deixa de existir “dupla conforme” quando a Relação se limita a reforçar através do recurso a outros argumentos, em termos cumulativos ou subsidiários, a fundamentação já usada pelo tribunal de 1ª instância.

Texto Integral


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:


Resulta dos autos que pelo relator foi proferida decisão singular, nos termos do art.643º nº4 do C.P.C., a qual manteve o despacho reclamado (de não admissão da revista).

Notificada da referida decisão veio a R./reclamante apresentar requerimento no sentido de recair um acórdão sobre a matéria em causa (constante da aludida decisão), atento o disposto no art.652º nº3, aplicável ex vi do citado art.643º nº4, ambos do C.P.C., reiterando tudo aquilo que já tinha dito nas conclusões do requerimento de não admissão do recurso de revista.

O A. notificado para, querendo, se pronunciar, nada veio dizer aos autos.

Cumpre decidir:

É entendimento pacífico que a reclamação para a conferência, nos termos do citado nº3 do art.652º, tem por função substituir a opinião singular do relator pela decisão colectiva do tribunal e não alargar o âmbito de conhecimento a outros temas que não tenham sido apreciados - cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do T.C. de 28/3/90, B.M.J.395º, pág.607 (sublinhado nosso).

Posto isto temos que:


***


O processo principal a que estes autos estão apensos tem por base uma acção declarativa de condenação em que é A., AA e RR., BB e Draft-In – Projectos e Construções, Lda., sendo o valor da mesma de 62.105,49 €.

Em tal acção, pelo Julgador da 1ª instância, foi proferida sentença que julgou a mesma procedente e, em consequência, condenou os RR., solidariamente, a indemnizar o A. pelos danos causados no seu prédio pelas obras levadas a efeito pela 2ª R. no prédio de que o 1º R. é proprietário, consistindo essa indemnização a forma de reconstituição natural, mediante a realização dos trabalhos de construção civil mencionados nos factos provados 54 a 93, suportando os respectivos custos, estimando-se os mesmos nos valores aí discriminados. Condenou ainda a 2ª R. nas custas do processo (art. 536º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Inconformada com tal decisão dela apelou a 2ª R. para a Relação que, por acórdão datado de 18/4/2024, manteve a sentença recorrida, com excepção da condenação em custas, a qual deverá abranger ambos os RR., solidariamente, nos termos do art.527º nº 3 do Código de Processo Civil.

Do referido acórdão veio a 2ª R. interpor recurso de revista (normal e excepcional), arguindo a nulidade do mesmo, por omissão de pronúncia (cfr. art.615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil), sendo que, por acórdão datado de 12/9/2024, foi julgada improcedente a referida nulidade.

Por outro lado, por despacho da relatora, datado de 13/11/2024, apenas não foi admitido o recurso de revista normal interposto pela 2ª R., tendo por base o estatuído no art.671º nº3 do C.P.C., (pois o acórdão em questão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1ª instância, verificando-se uma situação de “dupla conforme”).

De tal despacho veio a 2ª R. reclamar para a conferência, ao abrigo do art.652º nº3 do C.P.C., sendo que a relatora, por despacho datado de 2/1/2025, convolou - e bem - tal requerimento de reclamação para a conferência, para requerimento de reclamação de não admissão de recurso para o STJ, nos termos do art.643º do Código de Processo Civil, pois que, do despacho do relator que, na Relação, não admite recurso de revista para o STJ não há reclamação para a respectiva conferência, como se mostra ressalvado na parte inicial do nº3 do citado art.652º (ao aí ser feita referência ao nº 6 do art.641º) – cfr., nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pág.234.

Ora, em tal requerimento veio a 2ª R. sustentar que o recurso de revista normal deve ser admitido, concluindo, em síntese, que:

1) É admissível a revista, nos termos da conjugação da al) d) do nº1 do artº615º e do nº1 do artº 671º, ambos do Código do Processo Civil. Porquanto a Relação deixou de conhecer questões que devia apreciar. A al) d) do nº1 do artº615º do Código do Processo Civil dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

2) E nem se venha dizer que não cabe recurso de revista, nos termos do nº3 do artº671º do Código do Processo Civil, porquanto se está perante a denominada “dupla conforme”. Porque, in casu, não existe “dupla conforme”. Ao contrário do que se entendeu no Acórdão recorrido.

3) Neste caso, “dupla conforme” não existe. Na senda de vários Acórdãos. Veja-se, por exemplo, o Acórdão da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, relatado por José Raínho em sede da Revista nº29/14.1TBMCQ.E1.S2. Ou o Acórdão da 7ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 10-10-2017, relatado por Maria do Rosário Morgado em sede da Revista nº493/13.6TBCBT.G1.S2. Ou o Acórdão da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-2018, relatado por José Raínho em sede da Revista nº668/15.3T8FAR.E1.S2. Ou ainda o Acórdão da 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2021, relatado por Fernando Baptista em sede da Revista nº65/18.9T8EPS.G1.S1.

4) O nº3 do artº671º do Código do Processo Civil entende existir dupla conforme, sempre que o acórdão da Relação “confirme, sem voto de vencido ou fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância”.

5) No caso dos autos não existe qualquer voto de vencido. Todavia este requisito subjectivo é o único cuja aplicação é pacífica. E, ao contrário do que sucede quanto ao requisito subjectivo, não é pacífica a aplicação dos requisitos objectivos, nomeadamente no que concerne ao requisito da conformidade decisória.

6) Estabelece o nº3 do artº671º do Código do Processo Civil que para existir dupla conforme é necessário que o acórdão da Relação confirme, in integru a decisão proferida em 1ª instância.

7) Ora, para que exista dupla conforme, as decisões de ambas as instâncias terão que ser coincidentes no seu todo, sendo que só “mediante total sobreposição” das decisões de ambas as instâncias, estaremos em condições de afirmar que existe dupla conforme. Neste sentido se tendo já pronunciado o STJ, em Acórdão de 07-07-2010, relatado por Silva Salazar em sede do processo 5/08.3TBGDL.E1.S1.

8) Portanto, dupla conforme tem que ser entendida como plena, absoluta, irrestrita, assente num critério de coincidência formal. Só se verifica, pois, dupla conforme quando o acórdão da Relação confirme, de forma “integral e irrestrita” a decisão proferida pela 1ª instância. O que é afirmado, ao nível jurisprudencial por NUNO PISSARRA, CARDONA FERREIRA, RIBEIRO MENDES e RUI PINTO.

9) A jurisprudência mais recente tem vindo a manifestar-se a favor da adopção de um critério de coincidência formal na aferição da existência de dupla conforme. Conforme consta no Acórdão do STJ de 07-07-2010, relatado por SILVA SALAZAR, em sede do processo nº5/08.3TBGDL.E1.S1. E conforme consta no Acórdão do STJ de 08-09-2011, relatado por SILVA SALAZAR, em sede do processo nº880/08.1TBVRS.E1.S1. No Acórdão do STJ de 08-03-2012, relatado por RAUL BORGES, em sede do processo nº26/09.9PTEVR.E1.S1. E, ainda, no Acórdão do STJ de 09-04-2013, relatado por SEBASTIÃO PÓVOAS, em sede do processo nº433682/09.2YIPRT.L1.S1

10) Pelo que, pensa-se ser inequívoco que nos presentes autos não existe dupla conformidade, sendo, portanto, permitido o recurso comum de revista. Recurso comum de revista que deve ser admitido, e, a fim, proferido Acórdão que revogue o Acórdão recorrido. O que desde já se propugna e requer.

11) Nestes termos, e, nos melhores de Direito aplicáveis, que Vª.s Exas. mui doutamente suprirão, caso se entenda que o meio processual para reagir contra a decisão de não admissão do recurso normal de revista, é a reclamação contra a não admissão prevista no artº643º do CPC, desde já se requer, por estar em tempo, serem apresentadas conclusões, e se mostrar paga a taxa de justiça devida, a convolação da reclamação para a conferência em reclamação contra a não admissão do recurso normal de revista, pelo que, para o efeito, se requer a apensação da eventual reclamação contra a não admissão do recurso normal de revista, aos autos principais e se junta requerimento de interposição de recurso, alegações, decisão recorrida e despacho objecto de reclamação.

Notificada o A. para, querendo, se pronunciar sobre a reclamação apresentada pela 2ª R. o mesmo nada veio dizer aos autos.

Cumpre apreciar e decidir:

Resulta da análise dos presentes autos que - ao contrário daquilo que foi afirmado pela 2ª R., no seu requerimento de reclamação de não admissão de recurso - a sentença da 1ª instância foi confirmada pelo acórdão da Relação, nomeadamente quanto à condenação em custas, apenas se tendo aí corrigido o “lapso de escrita” (tal como a 2ª R. o designou expressamente nas alegações do seu recurso de apelação para a Relação – cfr. pág.29 de tal peça processual) quanto a tal condenação, a qual passou a abranger em tal aresto, além da 2ª R. também o 1º R., pois tratava-se de uma condenação por obrigação solidária (no pedido) que, nos termos do nº3 do art.527º do Código de Processo Civil, estende-se também às custas.

Neste sentido, afirma Abrantes Geraldes que “a chamada dupla conforme verifica-se, de acordo com este preceito, quando seja confirmada a decisão da 1ª Instância sem voto de vencido (in casu, não houve) e sem uma fundamentação essencialmente diferente, existindo esta quando, designadamente, se confirme a decisão da 1ª Instância «a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual sucede uma outra distinta que implica um diverso enquadramento jurídico», sendo de desconsiderar «discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efetivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na recusa, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido, ou no reforço da decisão recorrida através do recurso a outros argumentos, sem pôr em causa a fundamentação usada pelo tribunal de lª instância» – cfr. Recursos em Processo Civil, 7ª ed. págs.424/425.

E, conforme foi afirmado no Ac. do STJ de 19/02/2015, (Relator Lopes do Rego), disponível in www.dgsi.pt, “só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações, normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.”

No mesmo sentido pode ver-se a decisão singular do STJ de 10/2/2015 (Relator Abrantes Geraldes), também disponível in www.dgsi.pt, na qual é afirmado o seguinte:

- “Confirmando a Relação a decisão de 1ª instância, sem qualquer voto de vencido, a admissibilidade do recurso de revista está dependente do facto de ser empregue fundamentação substancialmente diferente (art.671º nº3 do C.P.C.).

Tal não sucede quando a Relação se limita a reforçar, em termos cumulativos ou subsidiários, a fundamentação já empregue na 1ª instância”.

Ainda em sentido idêntico veja-se o Ac. do STJ de 20/11/2014 (Relator Abrantes Geraldes), também disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou que:

- “Obsta à interposição do recurso de revista normal a confirmação pela Relação da decisão da 1ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação substancialmente idêntica (art. 671º, nº 3).

Para efeitos de aplicação do art. 671º, nº 3, do CPC, que restringiu o conceito de dupla conforme, apenas relevam as divergências das instâncias relativamente a questões essenciais, sendo insuficientes as que se apresentem com natureza meramente complementar ou secundária, sem carácter decisivo para o julgamento do caso”.

Por isso, resulta claro que, no caso em apreço, existe a chamada dupla conforme, a que alude o nº3 do art.671º do Código de Processo Civil, quanto à fundamentação jurídica que concluiu pela condenação solidária de ambos os RR. a pagar uma indemnização ao A. pelos danos causados no imóvel de que é proprietário (danos esses devidamente discriminados na decisão sob censura).

Por outro lado, a eventual inexistência de dupla conforme nos autos - alegada pela R./reclamante - reportar-se-á, quando muito, apenas ao segmento relativo à condenação em custas (na 1ª instância apenas a 2ª R. foi condenada e, na Relação, ambos os RR. foram condenados, solidariamente) sendo certo que, face ao valor da presente acção - 62.105,49 € - tal condenação em custas nunca será superior ao montante de 15.000,00 €.

Ora, não obstante o valor da presente acção seja superior à alçada da Relação (30.000,01 €), constata-se que - no que tange à condenação em custas (segmento da decisão em que se poderia entender que inexiste dupla conforme) - a sucumbência para a 2ª R., aqui reclamante, sempre será inferior a 15.000,00 € (cfr. art.44º nº1 da LOSJ), pelo que (na tese da R. /reclamante, da inexistência de dupla conforme) não se mostram verificados, “in casu”, os dois requisitos cumulativos para a admissibilidade do recurso de revista (normal) a que alude o nº1 do art.629º do Código de Processo Civil – cfr., nesse sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., págs.45 a 47.

Finalmente, e no que respeita à nulidade do acórdão arguida pela 2ª R. (cfr. art.615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil), concordamos inteiramente com aquilo que, nesta matéria (em anotação ao citado art.617º), é afirmado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, ou seja, se não houver lugar à apreciação de recurso ordinário - por inadmissibilidade legal do mesmo, como sucede no caso em apreço - a decisão proferida pelo juiz quanto às nulidades será definitiva em caso de indeferimento das mesmas e, por isso, não admite recurso autónomo – cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., pág.766.

Nestes termos constata-se que o despacho datado de 13/11/2024 - o qual não admitiu o recurso de revista normal interposto pela 2ª R. quanto ao acórdão datado de 18/4/2024 (apenas tendo admitido o recurso de revista excepcional) - não merece qualquer censura ou reparo, devendo manter-se na íntegra.


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Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:

- Confirmando a Relação a decisão de 1ª instância, sem qualquer voto de vencido, não deixa de existir “dupla conforme” quando a Relação se limita a reforçar através do recurso a outros argumentos, em termos cumulativos ou subsidiários, a fundamentação já usada pelo tribunal de 1ª instância.


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Decisão:

Pelo exposto, atentas razões e fundamentos acima explanados, acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente reclamação de recurso apresentada pela 2ª R., confirmando-se integralmente a decisão de não admissão da revista normal.

Custas pela 2ª R., ora reclamante, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

Notifique.


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Lx., 13/3/2025

Rui Machado e Moura (Relator)

Ferreira Lopes (1º Adjunto)

Fátima Gomes (2ª Adjunta)