Os fundamentos de revista excepcional indicados no artigo 672.º do Código de Processo Civil, como sejam a relevância jurídica ou a relevância social da questão suscitada, só são de apreciar em hipóteses em que a revista normal não é admissível por se verificar uma situação de dupla conforme, e apenas por se verificar uma situação de dupla conforme.
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Reclamantes: AA e BB
Reclamada: CC
I. — RELATÓRIO
1. AA e BB instauraram contra CC o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, pedindo que na sua procedência e sem audição da requerida:
a) fosse decretada a restituição provisória da posse do imóvel e respetivo recheio sito na Rua de ..., em ..., mediante a mudança de todas as fechaduras do aludido imóvel e entrega de um duplicado, apenas, a cada uma das Requerentes;
b) fosse nomeado Agente de Execução para a diligência de restituição da posse às Requerentes o Dr. DD;
c) no acto de mudança das fechaduras da casa fosse a requerida citada para, querendo, deduzir oposição à presente providência, com a cominação acrescida de ter de abandonar o imóvel dentro do mesmo prazo (10 dias).
d) fosse fixada uma sanção pecuniária compulsória à Requerida no valor diário de €100,00 EUR, para garantir a eficácia da providência e por cada dia de atraso na efetivação da saída do aludido imóvel após o decurso do prazo concedido para o efeito.
e) fossem as requerentes dispensadas do ónus de intentar a ação principal, uma vez demonstrado o seu direito de posse e propriedade sobre o imóvel em apreço nos autos, sem prejuízo do artigo 376.º, n.º 4 do CPC.
2. O Tribunal de 1.ª instância indeferiu a providência cautelar requerida, declarando prejudicada a questão da inversão do contencioso.
3. Inconformados, as Requerentes interpuseram recurso de apelação.
4. O Tribunal da Relação revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
5. A Requerida interpôs recurso de revista e, na sequência da não admissão do recurso de revista, recurso para o Tribunal Constitucional.
6. O recurso para o Tribunal Constitucional não foi admitido.
7. As Requerentes requereram então que o Tribunal de 1.ª instância se pronunciasse sobre a inversão do contencioso.
8. O Tribunal de 1.ª instância decretou a inversão do contencioso.
9. Inconformada, a Requerida interpôs recurso de apelação.
10. O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso, anulando a decisão recorrida.
11. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor:
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:
a) anulam a decisão recorrida, no segmento em que decretou a inversão do contencioso;
b) julgam improcedente a arguida caducidade da providência, devendo todavia ser ordenada a notificação das requerentes nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos art.ºs 364.º e 373.º, n.º 1, al. a) do CPCiv. e com a cominação aqui prevista.
Custas a cargo de requerentes e requeridas na proporção de metade para cada (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do CPCiv.).
12. Inconformados, as Requerentes interpuseram recurso de revista.
13. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE), nos presentes autos e datado de 25/10/2024 que determinou na alínea a) da sua decisão, anular o despacho judicial da 1.ª instância, no segmento que decretou a inversão do contencioso e, na alínea b) da decisão do acórdão, determinar a notificação das Requerentes AA e BB, aqui Recorrentes, nos termos dos artigos 364.º e 373.º, n.º 1, alínea a) do CPC, para efeitos de início da contagem do prazo de 30 (trinta) dias, para a propositura da acção principal.
2. Para o efeito, o acórdão do TRE de 25/10/2024 aqui em apreço, entendeu que tendo sido decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse (pelo mesmo TRE em 12/01/2023), sem que, na mesma decisão tivesse sido decretada a inversão do contencioso, não o poderia ser, em decisão autónoma, pela 1.ª Instância e em momento posterior.
3. O acórdão do TRE de 25/10/2024 sustenta que resulta claramente do disposto no artigo 369.º, n.º 1 do CPC que tendo sido formulado o pedido de inversão do contencioso, é na própria decisão que decreta a providência cautelar que o Juiz vai verificar que se encontram reunidos os pressupostos dessa mesma inversão do contencioso, peticionada pelas Requerentes (e aqui Recorrentes), "ab initio", no seu requerimento inicial do procedimento cautelar.
4. Está assim em causa, com a interposição do presente recurso de revista excepcional saber se, de facto, a inversão de contencioso tem de ser decretada em simultâneo com a providência cautelar, ou se pode sê-lo, "a posteriori" em decisão autónoma e em momento processual ulterior ao decretamento da providência.
5. As situações específicas da admissibilidade excepcional do recurso de revista estão elencadas no n.º 1 do artigo 672.º do CPC, prevendo-se na sua alínea a) que cabe revista do acórdão do Tribunal da Relação quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
6. Cabe igualmente às aqui Recorrentes demonstrarem as razões pelas quais a apreciação da questão colocada em crise no seu recurso, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito (artigo 672.º, n.º 2, alínea a) do CPC).
7. Nesse sentido, cumpre dizer que a decisão vertida no acórdão "sub judice" acerca da simultaneidade da decisão de inversão do contencioso com a decisão de decretamento da providência, não se encontra devidamente desbravada e sedimentada na doutrina, nem na jurisprudência consultada.
8. Tanto que o próprio acórdão "sub judice" do TRE de 25/10/2024 apenas cita um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) de 25/10/2018 (Proc. n.º 3554/18.1T8BRG.G1), sobre a questão de a decisão da inversão do contencioso ser incindível da decisão do decretamento da providência cautelar, face à alegada extinção do poder jurisdicional do Juiz, com esta última decisão, conforme aí se fundamenta.
9. O referido acórdão "a quo" também cita na sua nota de rodapé n.º 6 (pág. 11) que também parece ser esse o entendimento do TRE, em anteriores decisões ("in casu", Proc. 76/16.9T8RDD.E3 de 26/04/2018), embora, tal como expressamente refere, não fosse esse exactamente o objecto do recurso que ali se discutia.
10. Em nossa opinião, a tese defendida pelo acórdão do qual agora se recorre, não está devidamente clarificada, uma vez não ser totalmente correcto dizer-se que o poder jurisdicional do Juiz esgota-se completamente com a sentença de decretamento da providência cautelar, como aí se observa ao citar-se meramente o acórdão do TRG de 25/10/2018, transcrito num parágrafo da pág. 11 da decisão do TRE.
11. Destarte, não perfilhamos da tese de que o poder jurisdicional do Juiz se esgota com o decretamento da providência cautelar, tanto que essa primeira decisão pode vir a ser modificada, no todo ou em parte, ou complementada, em momentos processualmente posteriores, mormente após a dedução da oposição do Requerido que não foi ouvido previamente ou através dos recursos interpostos, no exercício do seu contraditório do artigo 372.º do CPC.
12. Assim, pese embora tenhamos uma decisão produzida em vários momentos processuais (p. ex., antes e depois da audição do Requerido), a jurisprudência considera essa mesma decisão "unitária", sendo as várias sentenças, complemento umas das outras, num claro desvio ao princípio da imodificabilidade das decisões judiciais, plasmado no artigo 613.º do C.P.C. (cfr. Acórdão STJ de 15/06/2000, C.J. ano VIII, tomo II, pág. 110, negrito e sublinhado nosso).
13. Devendo por isso, em nosso entender, levar-se em linha de conta essa circunstância de desvio ao princípio da imodificabilidade das decisões judiciais (artigo 613.º do CPC), para interpretar correctamente o artigo 369.º, n.º 1 do CPC, quando fala na decisão que decreta a providência cautelar.
14. Por esta via, somos de opinião que a interpretação do artigo 369.º, n.º 1 do CPC quando refere que a inversão do contencioso pode ser proferida na sentença que decreta a providência, deve ser entendida "lato sensu", dada a natureza especifica das decisões cautelares.
15. Se é assim para o caso das sentenças, emitidas após o julgamento da oposição do Requerido que se consideram complemento e parte integrante das decisões iniciais (cfr. artigo 372.º, n.º 3, "in fine" do CPC), por maioria de razão deverá aceitar-se que a inversão do contencioso pode ser deferida, em momento processualmente ulterior ao decretamento da providência, na esteira do princípio "a maiori, as minus" que estabelece que o que é válido para o mais, deve necessariamente prevalecer para o menos, ou seja, "quem pode o mais, pode o menos”.
16. "In casu", como se disse e bem na 1.ª Instância, no despacho judicial de 10/07/2024, colocado em crise com o recurso da Requerida para o TRE, a matéria de facto provada na providência consolidou-se por falta de oposição e impugnação da Requerida em momento próprio, nada obstando então a que seja acionada a inversão do contencioso, após o trânsito em julgado da decisão de decretamento da providência.
17. Para mais, o artigo 369.º, n.º 1 do CPC refere que o Juiz "pode" dispensar a propositura da acção principal, mediante o requerimento de pedido de inversão do contencioso (que, por sinal, foi logo requerida pelas aqui Requerentes, na petição inicial) e não expressões que remetem para uma situação de obrigatoriedade como o Juiz “tem” ou “deve” dispensar o ónus da acção principal.
18. Pelo que, em nosso entender, a posição do acórdão do TRE de 25/10/2024 encontra-se incorrecta, por ser demasiado restritiva, ao impedir que a inversão do contencioso possa ser cindida do decretamento da providência cautelar, quando a lei do processo admite o desdobramento das decisões, como complemento umas das outras e parte integrante umas das outras, em outras situações, como é o caso da decisão proferida após o julgamento da oposição do Requerido (vd. artigo 372.º, n.º 3, "in fine" do CPC).
19. E tal entendimento não condiciona sequer as garantias processuais do Requerido, mesmo não tendo deduzido oposição, nem contestado a matéria de facto já fixada nos autos visto que é à Requerida e não às Requerentes que cabe intentar a acção judicial destinada a impugnar a existência do direito que foi acautelado na providência, sob pena da mesma se consolidar então como composição definitiva do litígio (cfr. artigo 371.º do CPC).
20. É assim premente clarificar este instituto da inversão do contencioso que foi introduzido há relativamente pouco tempo no nosso ordenamento jurídico e que veio "revolucionar" por completo a mecânica da relação entre a decisão cautelar e a decisão definitiva, com a possibilidade de abolir a chamada acção principal que mais não era, na maioria das vezes, uma repetição de julgados, sem qualquer vantagem para as partes e para a segurança e eficácia jurídica.
21. Ora, não estando ainda, no nosso entender, devidamente solidificado no sistema jurisdicional o referido instituto da inversão do contencioso, em toda a sua extensão e no que nos é dado conhecer pela produção jurisprudencial consultada, a questão da suposta obrigatoriedade de decisão simultânea e contemporânea com o decretamento da providência, na esteira da interpretação estrita do artigo 369.º, n.º 1 do CPC dada agora pelo TRE, é para nós uma questão que tem relevância jurídica até para casos futuros e que merece uma apreciação pelo STJ, para uma melhor aplicação do Direito, como dita o artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, na atribuição de excepcionalidade a este tipo de recursos de revista.
22. Além dos pressupostos de admissibilidade da presente revista de natureza excepcional, cumpre apurar se estão verificados todos os pressupostos para a inversão do contencioso, aqui em apreço.
23. Ao determinar a inversão do contencioso, compete à Requerida, após a notificação do seu trânsito em julgado, prevista no artigo 371.º, n.º 1 do CPC, impugnar a existência do direito acautelado, sob pena de o mesmo se consolidar como composição definitiva do litígio.
24. Assim, parece-nos incorrecto o entendimento do TRE, em não aceitar agora a inversão do contencioso, com o mero argumento de que o mesmo tem de ser deferido em simultâneo com o decretamento da providência cautelar (cfr. o aludido artigo 369.º, n.º 1 do CPC) e assim impor, outrossim às Requerentes o ónus de serem elas a intentar uma acção principal, que mais não será que a repetição a "papel químico" de todos os factos que já foram objecto de julgamento na providência cautelar e aí ficaram provados, até em dois graus de instância.
25. Nada impede por isso que a 1.ª Instância tenha assim determinado a inversão do contencioso, nos termos em que o fez e com os fundamentos que apresentou, pois a Requerida sempre vê a sua posição acautelada, ao abrigo do disposto no artigo 371.º, n.º 1 do CPC, cabendo-lhe assim evitar a composição definitiva do litígio, com a impugnação do direito acautelado, ao invés da decisão do TRE de impor às Requerentes o ónus de intentar a acção principal, quando as mesmas peticionaram a inversão do contencioso "ab initio”.
26. Acresce que, encontram-se reunidos neste processo todos os requisitos que a lei impõe para a verificação da inversão do contencioso e de acordo com a restante leitura do artigo 369.º, n.º 1 do CPC.
27. Prevê o restante segmento do mencionado artigo 369.º, n.º 1 do CPC que além do pedido formulado pelas Requerentes, a inversão do contencioso possa ter lugar quando: (1) a matéria adquirida no procedimento cautelar lhe permita formar convicção segura sobre a existência do direito acautelado e (2) a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, como é o caso da presente providência cautelar de restituição da posse, por força da aplicação do artigo 376.º, n.º 4 do CPC.
28. Resta pois saber se a matéria de facto, dada como provada nos presentes autos é suficiente para formar convicção segura sobre o direito acautelado, ou seja, a posse do imóvel "sub judice", a favor das Requerentes e nesse âmbito o acórdão do TRE de 12/01/2023 concluiu que: "resulta claro nos autos que as Requerentes tinham a posse do imóvel aqui em apreço, mediante as chaves que possuíam e que lhes permitia o gozo e o livre acesso à casa do pai, sempre que o quisessem fazer, imóvel esse do qual as mesmas são actualmente proprietárias, por via da sucessão hereditária, por morte do progenitor, ocorrida em 27/12/2021, acabando assim por consolidar a sua posse, como uma posse titulada, a partir do momento do registo predial da casa a seu favor (pela dita sucessão hereditária que ocorreu por óbito do seu pai)" ("sic", pág. 26 do acórdão de 12/01/2023, negrito e sublinhado nosso).
29. Acrescenta ainda a decisão que decretou a providência que: "na verdade havia para as Requerentes uma clara intenção de se comportarem como titulares da posse do imóvel, a partir do momento em que o pai lhes facultou um duplicado das chaves e lhes deu total liberdade de acesso e de utilização do referido imóvel." ("sic", “ibidem").
30. Concluindo ainda o mencionado acórdão de 12/01/2023 que se assim não fosse, nunca a Requerida teria sentido necessidade de proceder à alteração das fechaduras do imóvel, na colocação de cadeados nos portões e na vedação dos terrenos circundantes (cfr. pontos 30, 37, 44 e 52 dos factos provados, vd. acórdão, pág. 26).
31. Da matéria de facto, dada como provada na decisão da providência cautelar, a Requerida não deduziu qualquer oposição, optando antes por recorrer, nos termos do artigo 372.º, n.º 1, alínea b) do CPC e sem sequer recorrer especificadamente da matéria de facto dada como provada, no âmbito do artigo 640.º do CPC.
32. A 1.ª Instância, ao decidir agora decretar a inversão do contencioso, fê-lo com o seguinte fundamento: (1) a matéria de facto relativa ao direito acautelado na providência consolidou-se, visto que a Requerida nem sequer impugnou tal decisão, em sede de oposição ou de recurso especificado dessa mesma factualidade; (2) a matéria nos autos, ao reconhecer o direito de posse às Requerentes (e sem oposição da Requerida ou a impugnação especificada da matéria de facto), permite assim formar uma convicção segura, acerca da existência desse mesmo direito; (3) sendo a natureza desta providência cautelar adequada a realizar a composição definitiva do litígio (cfr. artigo 376.º, n.º 4 do CPC) .
33. Os requisitos do artigo 369.º, n.º 1 do CPC encontram-se assim verificados, dado que a inversão do contencioso foi logo pedida pelas Requerentes, na petição inicial do presente procedimento cautelar.
34. E tal despacho proferido agora pela 1.ª Instância, vem ao encontro da jurisprudência que encontramos sobre este tema e que, em momento algum, aponta como requisito de admissão da inversão do contencioso que tal decisão tenha de ser simultânea com o decretamento da providência cautelar (dado até o desvio ao princípio da imodificabilidade das decisões judiciais, ínsito no artigo 613.º do CPC que encontramos na lei do processo, como por exemplo, no caso das decisões proferidas após a oposição do Requerido, no artigo 372.º, n.º 3 do CPC).
35. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 157/16.9T8LSA.C1, datado de 12/09/2017, “in” www.dgsi.ppt o seguinte (negrito e sublinhados nossos): «Sumário: (…) 3) Quando a matéria adquirida no procedimento cautelar permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado (prova “stricto sensu”) e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando o requerente dispensado do ónus de propor a acção principal; 4) Aquela prova “stricto sensu” do fundamento da providência determina, necessariamente, uma inversão do contencioso; o requerido poderá obstar à consolidação daquela tutela como tutela definitiva através de uma acção de impugnação (art.ºs 369º, n.º 1e 371º, n.º 1 do CPC).
36. Por seu turno, atente-se na fundamentação exaustiva sobre os requisitos para a inversão do contencioso que encontramos no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 799/22.3T8PDL.L1-2, datado de 12/01/2023, “in” www.dgsi.pt e que em seguida transcrevemos (negrito e sublinhados nossos): «A epígrafe “inversão do contencioso” designa a inversão do ónus de propositura da ação principal, que deixa de ser do requerente da providência cautelar (como seria normal, já que é este o titular do direito invocado), para passar a ser o requerido; essa inversão também pressupõe uma “conversão do contencioso”, pois este, “que por princípio, seria transitório, passa a assumir natureza (potencialmente) definitiva”; ~
37. Na verdade, a inversão do contencioso depende da iniciativa do requerente; o juiz do procedimento cautelar, neste caso, não julga a causa principal, mas decreta uma providência que pode convolar-se numa decisão definitiva; esta convolação fica dependente da não propositura da ação principal pelo requerido. (“sic”, “vide ibidem”).
38. Nos casos em que no procedimento cautelar é produzida prova suficiente para que se forme convicção segura sobre a existência do direito acautelado, e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não haverá razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando o requerente dispensado do ónus de propor a ação principal. (“vide ibidem”).
39. Como acabado de ver, a jurisprudência não aponta como relevante a cisão ou “décalage” entre o momento do deferimento da providência e a decisão quanto à inversão do contencioso.
40. Bastaria também pensar que a inversão pode ser pedida até final da audiência de julgamento e a lei prevê que uma sentença anterior à audição da Requerida e uma sentença posterior à sua oposição constituem uma só decisão, pelo que não se percebe como o acórdão em apreço de que aqui se recorre, pode recusar a inversão do contencioso, por simplesmente, tal instituto não ter sido decretado, no acórdão do TRE de 12/01/2023.
41. Aquilo que se pretende evitar é precisamente a repetição de julgados e duplicação de prova quando estão reunidos os aludidos requisitos do artigo 369.º n.º 1 do CPC (e como se verificam “in casu”).
42. Ou seja, o indeferimento destes moldes da inversão do contencioso, constitui uma decisão incompreensível, até para a economia processual dos Tribunais, ao vir exigir uma repetição da lide, em claro retrocesso com a reforma do CPC de 2013.
43. Assim, entendemos em suma que o desfasamento temporal entre o momento do decretamento da providência e a decisão da inversão do contencioso (que é assim uma “decisão unitária”), não é requisito essencial do artigo 369.º n.º 1 CPC e não obsta a que o dito mecanismo opere, tanto mais como na situação dos autos, em que a providência acaba só por ser decretada no Tribunal da Relação em 12/01/2023 e com a produção de prova essencialmente coincidente nos 2 (dois) graus de instância.
44. Para mais, o artigo 369.º n.º 1 do CPC diz que cabe ao Juiz dispensar o Requerente do ónus de intentar a acção principal e quem realizou o julgamento da providencia foi precisamente o Juiz da 1ª Instância.
45. Tal como alegado junto do TRE, nas nossas contra-alegações, parece-nos não ser obrigatória a oposição à inversão do contencioso, juntamente com a oposição ao decretamento da providência, precisamente porque o artigo 369.º n.º 2 do CPC diz que o Requerido “pode” e não diz que o Requerido “deve” ou “tem” de opor-se à inversão conjuntamente com a oposição à providencia.
46. Porém, a Requerida nada alegou quanto a esta parte da decisão da 1.ª Instância e na parte que não lhe conferiu a prerrogativa do artigo 371.º, n.º 1 do CPC, pelo que não podia sequer o TRE pronunciar-se sobre esta questão, por não ser objecto de recurso, nem nulidade de conhecimento oficioso, como erradamente o TRE sustenta (e que aqui também se apresenta como fundamento de recurso, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) e n.º 4 do CPC, por excesso de pronúncia do TRE).
47. Pelo que, parece-nos que a Requerida também precludiu o direito de recorrer da decisão que lhe vedou a impugnação da consolidação definitiva do litígio, ao abrigo do artigo 371.º do CPC, ao nada dizer sobre este aspecto no seu recurso de Apelação que interpôs para o TRE.
48. Assim e como principal conclusão da importância da excepcionalidade da presente revista, à luz do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, pensamos ser da maior relevância, para melhor aplicação do Direito em casos futuros, ser esclarecido que o entendimento sobre a expressão “decisão que decrete a providência” no n.º 1 do artigo 369.º do CPC deverá levar em conta a particularidade de tal sentença ser de natureza complexa, composta por várias decisões, em diversos momentos processuais, complementares umas das outras e consideradas partes integrantes da primeira (como se atenta, no artigo 372.º, n.º 3 do CPC).
49. Pelo que, em nosso entender, pode a inversão do contencioso operar em momento processualmente posterior, desde que sejam observados os restantes requisitos cumulativos do mesmo preceito legal (o aludido artigo 369.º, n.º 1 do CPC).
50. Só desta forma e em nosso entender, se fará uma correcta interpretação sistemática de tal segmento do artigo 369.º, n.º 1 do CPC, de modo a não desvirtuar a intenção do legislador, em evitar a repetição de julgados e duplicação de prova, quando existe convicção segura sobre a existência do direito acautelado e a natureza da providência cautelar em causa, permitir assim realizar a composição definitiva do litígio.
Termos em que, conforme o supra exposto e no mais de Direito aplicável que não se deixe doutamente por suprir, requer-se o seguinte
A) Requer-se a admissão do presente recurso, como revista excepcional, à luz do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, a fim de clarificar, para efeitos de uma melhor aplicação do Direito que a inversão do contencioso pode operar em momento processual diferido do decretamento da providência, visto tratar-se de uma decisão complementar da primeira, considerada unitária e sua parte integrante, nos termos da lei do processo, desde que sejam também observados os restantes requisitos cumulativos do artigo 369.º, n.º 1 do CPC.
B) Pelo que, mais se requer que seja revogado o acórdão do TRE de 25/10/2024, mantendo-se assim a decisão de inversão do contencioso, determinada na 1.ª Instância e dispensando as Requerentes do ónus de intentar a acção principal.
C) Mais requer-se que seja mantida a decisão da 1.ª Instância de consolidação da decisão da providência cautelar, como composição definitiva do presente litígio, em virtude de a Requerida não ter recorrido dessa parte da decisão que não lhe facultou o ónus de impugnação do direito acautelado, ao abrigo do artigo 371.º, n.º 1 do CPC.
D) Por fim, requer-se a condenação da Requerida, nas custas judiciais do presente processo, sem prejuízo do apoio judiciário, nos termos do artigo 527.º, n.º 2 e 539.º, n.º 2 do CPC, realizando-se assim de toda esta forma a tão costumada JUSTIÇA!
14. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador relator não admitiu o recurso.
15. O despacho reclamado é, no essencial, do seguinte teor:
[…] sendo a verificação dos pressupostos de admissibilidade da revista excecional inequivocamente da competência exclusiva da formação a que alude o n.º 3 do convocado art.º 672.º do CPCiv., previamente haverá que indagar da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade (cf. o art.º 641.º, n.º 2, al. a) do mesmo diploma legal).
Conforme reconhecem as recorrentes, o art.º 370.º, n.º 2 do Código do Processo Civil diz ser inadmissível o recurso para o STJ das decisões proferidas em sede de procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”. Ora, os casos em que o recurso é sempre admissível para o STJ são apenas os previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigoº 629.º do mesmo diploma legal, a saber: a violação de regras de competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia e/ou a ofensa de caso julgado (al. a); a decisão sobre o valor da causa ou do incidente que se pretenda dever ser superior à alçada do tribunal da Relação (al. b), a decisão contra jurisprudência uniformizada do STJ (al. c) e a contradição com outra decisão da Relação tomada sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (al. d).
Verifica-se, porém, que as recorrentes não invocaram na sua alegação recursiva nenhum dos fundamentos previstos nas citadas als. do n.º 2 do art.º 629.º do CPCiv., donde não ser admissível o recurso que apresentaram. Assim vem decidindo, ao que cremos sem divergência, o STJ, como se colhe dos seguintes arestos, que se citam, com destaque dos pertinentes pontos do sumário, sem preocupações de exaurir o acervo produzido a respeito da questão suscitada:
- Acórdão de 29 de Outubro de 2020 (processo 464/19.9T8VRL.G1-A.S1)
“I. A revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta está delimitada pelo nº 3 do artigo 671º, do Código de Processo Civil, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais do recurso de revista “normal”, constituindo factor impeditivo de qualquer recurso de revista a existência de norma que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
II. Em matéria de procedimentos cautelares, existe a norma do artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil, que veda, em regra, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, incluindo o que determine a inversão do contencioso, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo 629º, do mesmo código, em que o recurso é sempre admissível.
III. Daí constituir entendimento unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que, de harmonia com o disposto no artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no citado artigo 629º, nº 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.”
- Acórdão de 13 de Julho de 2021, no processo 11269/20.4T8LSB.L1.S1
“I - O artigo 370º, nº 2 do CPCivil dispõe que «Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.».
II - Quer isto dizer, que a Revista em sede cautelar apenas tem lugar nas circunstâncias particularizadas no apontado ínsito, isto é, as prevenidas nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo 629º do CPCivil, o que afasta per se qualquer possibilidade de recurso por via excepcional, nos termos do artigo 672º, nº 1, alíneas a), b) e/ou c) do CPCivil, sendo aquela a única via impugnatória, a qual, embora normal, assume contornos excepcionalíssimos.
III - In casu, não enquadrando o recurso interposto qualquer das hipóteses prevenidas no apontado artigo 629.º, nº 2, situações essas as únicas que poderiam permitir a impugnação encetada, mesmo num caso de dupla conformidade decisória, ocorre uma circunstância obstativa ao conhecimento do seu objecto.”
- Acórdão de 28 de Setembro de 2022 (processo 332/20.1T8GMR-D.G1-A.S1)
“I. A admissibilidade da revista excepcional pressupõe sempre a da revista normal, apenas impedida por via da constituição da dupla conforme, nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, o que não sucede na situação sub judice, em que o recurso de revista (normal e excepcional) se encontra expressa e especialmente excluído nos termos do artigo 370º, nº 2, do Código de Processo Civil, em coerência e conformidade com o regime legal fortemente restritivo da admissibilidade de revista no âmbito dos procedimentos cautelares, nos quais, segundo o regime vigente em matéria recursória, o acórdão que venha a ser proferido pelo Tribunal da Relação é, por via de regra, irrecorrível e, nessa mesma medida, definitivo.
II. A ressalva da parte final do artigo 370º, nº 2, do Código de Processo Civil, reporta-se exclusivamente às situações enunciadas no artigo 629º, nº 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil, que não foram invocadas na situação sub judice e que, por isso mesmo, não há que tomar em consideração, sendo certo que a alínea c) do nº 3 do artigo 629º do Código de Processo Civil, aplicável in casu, permite a interposição de recurso (de apelação) para o Tribunal da Relação, o que afasta e excluí portanto, nessa mesma medida, a possibilidade de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.”
- Acórdão de 11 de Outubro de 2022 (processo 1747/20.0T8AMT-R.P1.S1
“I. Os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no art.º 629, n.º 2, do CPC, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.”
Acórdão de 30 de Maio de 2023 (processo25868/21.3T8LSB-A.L1-A.S1)
“De harmonia com o disposto no art. 370º, nº 2 do CPC, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar apenas podem ser objecto de recurso de revista nos casos excepcionais previstos no art. 629º, nº 2 do mesmo diploma.”.
Atento o exposto, por inadmissibilidade legal, atento o preceituado no n.º 2 do art.º 370.º não se admite o recurso de revista apresentado pelas requerentes, visando o acórdão proferido por este TRE em 25 de Outubro.
Custas do incidente a que deram causa a cargo das requerentes (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPCiv).
16. Inconformados, as Requerentes apresentaram reclamação do despacho do Exmo. Senhor Desembargador relator, ao abrigo do artigo 643.º do Código de Processo Civil.
17. Finalizaram a sua reclamação com as seguintes conclusões:
I. Ao TRE cabia apenas cumprir o mero despacho de gestão de admitir e fazer subir o recurso, uma vez que o mesmo é tempestivo, foi interposto por quem tem legitimidade e foi paga a taxa de justiça, fixando-se o seu modo de subida e seu efeito.
II. Quanto à matéria da apreciação da excepcionalidade da Revista, tal competência cabe apenas à Formação de Juízes do STJ, prevista do artigo 672.º, n.º 3 do CPC como, inclusivamente o próprio TRE começa por reconhecer no seu despacho judicial de 06/12/2024.
III. Para mais, nesta matéria de apreciação da inversão do contencioso, nem se verificou sequer uma dupla conforme, na 1.ª e 2.ª Instância, o que apenas serve para demonstrar a falta de consolidação deste entendimento
IV. Como também se diz no despacho do TRE, os pressupostos de recorribilidade do artigo 629.º, n.º 2 do CPC, são pressupostos gerais em matéria de recursos.
V. A nosso ver, a ressalva final do artigo 370.º, n.º 2 do CPC, não se esgota nos casos genéricos do artigo 629.º, n.º 2 do CPC, visto que há ainda a considerar os casos particulares de natureza excepcional dos recursos, como se observa no regime dos recursos de revista, no artigo 672.º, n.º 1 do CPC (como até outros casos, em que se admite sempre uma instância de recurso, independente do valor da causa, cfr. artigo 542.º, n.º 3 do CPC ou artigo 27.º, n.º 6 do RCP, a título de exemplo) .
VI. Assim, parece-nos que recaindo os casos a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º sobre a apreciação de uma questão com relevância jurídica, para uma melhor aplicação do Direito, não vemos por que razão, essa apreciação deve excluir situações de procedimentos cautelar, uma vez aberto acesso ao STJ, por via da ressalva final do artigo 370.º, n.º 2 do CPC.
VII. Estamos em crer que não deve ser retirada relevância jurídica a situações de procedimentos cautelares que, muitas vezes, pelo seu efeito surpresa e natureza urgente e confidencial até certo ponto, provocam um maior impacto nos sujeitos processuais do que muitas acções comuns.
VIII. Parece-nos pois que se trata de uma questão que ainda não foi aprofundada na jurisprudência (na esteira do Ac. STJ, Proc. 1924/17.1T8PNF.P1.S2, datado de 11/05/2022, supra citado que aponta como critérios o carácter paradigmático, exemplar, controverso ou até inédito da questão a apreciar, com relevância jurídica) e que, a nosso ver, cabe assim dar uma resposta para casos futuros, em que, como ocorre nos presentes autos:
a) a providência seja decretada;
b) não seja desde logo determinada a inversão do contencioso, não obstante o seu pedido inicialmente formulado nos autos, pelas Requerentes;
c) não haja oposição do Requerido, consolidando-se a matéria de facto;
d) determinando-se assim a inversão do contencioso, inicialmente peticionada, mas não em simultâneo, com a decisão que decretou a providência.
IX. Ou seja, urge então saber, em sede de apreciação da Revista Excepcional, se a inversão do contencioso tem forçosamente de acontecer em simultâneo com o decretamento da providência, dado esse instituto admitir casos em que a sentença é complementada em momento posterior, por outra sentença, como acontece quando se dá o julgamento da oposição do Requerido, sendo pois uma decisão complexa, embora considerada unitária, para efeitos formais (vd. artigos 369.º e 372.º do CPC).
Termos em que, conforme o supra exposto e no mais de Direito aplicável, requer-se assim que seja deferida a presente reclamação da não admissão do recurso, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, mais requerendo que seja determinada a subida dos autos ao STJ, para a apreciação da revista excepcional, interposta ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC, realizando-se assim a tão costumada JUSTIÇA!
18. Em 23 de Janeiro de 2025 foi proferida decisão singular, indeferindo a reclamação apresentada.
19. Inconformados, os Recorrentes AA e BB vêm reclamar da decisão singular para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, por remissão do artigo 643.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
20. Finalizaram a sua reclamação com as seguintes conclusões:
1) O artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC dispõe que excepcionalmente cabe recurso de revista do acórdão da Relação, referido no n.º 3 do artigo anterior, quando, esteja em causa uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária uma apreciação com vista a uma melhor aplicação do Direito.
2) O dito n.º 3 do artigo 671.º do CPC prevê que, sem prejuízos dos casos em que é sempre admissível, não é admitida a revista quando existe uma dupla conformidade de decisões na 1.ª e 2.ª Instância, sem votos de vencido ou fundamentação substancialmente diversa.
3) Com isto, a decisão singular do STJ de 23/01/2025 pretendeu defender que a via de acesso para a revista excepcional do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC são "apenas" ("sic"), situação de dupla conforme (sustentando a sua tese com um acórdão que remonta ao ano de 2009).
4) A nosso ver, se atentarmos bem na leitura do artigo 672.º, n.º 1 do CPC, aquilo que é dito é que, "excepcionalmente" cabe recurso de revista do acórdão da Relação, referido no n.º 3 do artigo anterior (artigo 671.º do CPC).
5) Ora, o dito n.º 3 do artigo 671.º do CPC, não só fala da inadmissibilidade recursiva de casos de dupla conforme da 1.ª e 2.ª Instância, mas começa, precisamente, por ressalvar os casos em que "o recurso é sempre admissível" (artigo 671.º, n.º 3 do CPC).
6) Ou seja, a excepcionalidade que advém da revista prevista no artigo 671.º, n.º 1 do CPC, não contempla tão somente as situações de "dupla conforme", como pretende sustentar a decisão singular do STJ de 23/01/2025, mas ressalva também os casos em que a revista é sempre admissível, precisamente por se observarem os pressupostos das alíneas aí elencadas.
7) Doutra maneira não faria sentido encarar o fundamento da admissibilidade da revista excepcional que vise uma melhor aplicação do Direito para os casos que parecem estar consolidados, à partida, com a "dupla conforme" da 1.ª e 2.ª Instância e deixar de fora a apreciação de matérias que, ao invés, transparecem uma menor consolidação, precisamente por apresentarem decisões de sentido diverso, nos 2 (dois) graus de instância inferiores.
8) Pelo que, em nosso entender, indeferir à partida a reclamação da não admissão de um recurso de revista excepcional, fundamentando-se no facto de não haver "dupla conforme", além de não fazer muito sentido (precisamente pela falta de consolidação "a priori" da matéria em causa), parece também não ser bem o que resulta da letra da lei, ao excepcionar no artigo 672.º, n.º 1 do CPC a admissão do recurso, não só nos casos de "dupla conforme", mas também levando-se em conta a ressalva inicial que é feita no n.º 3 do artigo 671.º de casos em que o recurso é sempre admissível.
9) Pois bem, o caso em que o recurso aqui seria sempre admissível respeita precisamente às situações em que o STJ pode apreciar as matérias de procedimentos cautelares, conforme previsto na parte final do n.º 2 do artigo 370.º do CPC.
10) "In casu", como a decisão singular de 23/01/2025 disse e bem, no seu ponto 27) é irrelevante que a questão para a apreciação excepcional do recurso de revista da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC seja de um procedimento cautelar, ou não, precisamente porque os seus pressupostos de admissibilidade são a relevância jurídica e a clara necessidade de melhor aplicação do Direito.
11) Como é fácil de ver, a necessidade de clarificação de uma questão que é controversa afere-se muito mais facilmente quando existem decisões de sentido diverso nas instâncias inferiores, do que quando há "dupla conforme”.
12) E é este pressuposto de excepcionalidade da revista, previsto no elenco do artigo 672.º, n.º 2 do CPC, designadamente na alínea a) aqui suscitada que abre caminho ao recurso para o STJ de uma matéria de procedimento cautelar, ao abrigo, por sua vez, da ressalva final do artigo 370.º, n.º 2 do CPC.
13) Quanto à apreciação dos restantes pressupostos de verificação da excepcionalidade da revista, designadamente, "a relevância jurídica da matéria" e a sua "clara necessidade de apreciação para uma melhor aplicação do Direito", já explanados nas nossas alegações de recurso, cabem à Formação de Juízes previstas no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, depois de decidida a presente reclamação sobre a admissão e subida do recurso de revista das aqui Reclamantes ao STJ.
14) Por esta razão, requer-se assim que a decisão singular do STJ de 23/01/2025 seja submetida à Conferência de Juízes nos termos do artigo 643.º, n.º 4, "in fine", conjugado com o disposto no artigo 652.º, n.º 3 do CPC, importando com isto salientar não se tratar esta decisão singular de um despacho de mero expediente, por visar precisamente uma decisão sobre a reclamação da inadmissibilidade recursiva e que a lei do processo prevê precisamente, com esta hipótese de impugnação aqui explanada.
Termos em que, conforme o supra exposto e no mais de Direito aplicável, se requer ao abrigo do disposto nos artigos 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3 do CPC que a presente impugnação da decisão do Juiz Relator de 23/01/2025 seja julgada procedente, admitindo-se, por conseguinte, a interposição do recurso de revista excepcional, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, cuja consequente apreciação preliminar e sumária dos seus pressupostos caberá à Formação de Juízes, prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal, realizando-se assim a tão costumada JUSTIÇA!
II. — FUNDAMENTAÇÃO
21. O Provimento n.º 23/2019 do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina que, depois de distribuídas, as revistas são apresentadas ao relator a fim de ser proferido o despacho liminar a que alude o artigo 652.º do Código de Processo Civil.
22. O artigo 652.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente:
a) Corrigir o efeito atribuído ao recurso e o respetivo modo de subida, ou convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º;
b) Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso;
c) Julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º;
d) Ordenar as diligências que considere necessárias;
e) Autorizar ou recusar a junção de documentos e pareceres;
f) Julgar os incidentes suscitados;
g) Declarar a suspensão da instância;
h) Julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto.
23. Estando em causa um recurso de revista excepcional, deve atender-se ao seguinte:
24. O recurso de revista excepcional pressupõe que estejam preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida — artigo 671.º, n.º 1 —, com a alçada e com a sucumbência — artigo 629.º, n.º 1 —, com a legitimidade dos recorrentes — artigo 631.º — e com a tempestividade do recurso — artigo 638.º do Código de Processo Civil 1.
25. Em consequência,
“[p]ara se determinar se é, no caso, de admitir a revista excepcional, deve começar por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos” 2.
26. Ora, no caso sub judice, não estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso.
27. O artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:
“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.
28. Entre os corolários do artigo 671.º, n.º 1, encontra-se, em primeiro lugar, a regra de que não é admissível recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de incidentes e, em segundo lugar, a regra de que não é admissível recurso de revista dos acórdãos da Relação proferidos no âmbito de procedimentos cautelares 3.
29. Em todo o caso, ainda que o artigo 671.º, n.º 1, não fosse correntemente interpretado no sentido de que o âmbito do recurso de revista não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito de procedimentos cautelares, sempre a admissibilidade do recurso deveria confrontar-se com o artigo 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cujo teor é o seguinte:
“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.
30. Estando preenchidos os pressupostos do artigo 370.º, n.º 2, constata-se que as Requerentes, agora Recorrentes, não invocaram nenhum dos fundamentos específicos do artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em que o recurso é admissível.
31. Em lugar dos fundamentos do artigo 629.º, n.º 2, as Requerentes, agora Recorrentes, invocaram tão-só o fundamento da revista excepcional previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
32. Ora o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, constantemente, que “os casos de revista excepcional são hipóteses em que a revista normal não é admissível apenas por se verificar uma situação de ‘dupla conforme’ – i.e., hipóteses que, não fora a ocorrência de ‘dupla conforme’, se reconduziriam a situações de revista normal” 4.
33. Os fundamentos de revista excepcional indicados no artigo 672.º do Código de Processo Civil, como sejam a relevância jurídica ou a relevância social da questão suscitada, só são de apreciar em hipóteses em que a revista normal não é admissível por se verificar uma situação de dupla conforme, e apenas por se verificar uma situação de dupla conforme.
34. O corolário lógico das premissas enunciadas é o de que o facto de “[estar] em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” é em absoluto irrelevante para a decisão sobre se deve ou não ser admitido o recurso de revista de uma decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão reclamada.
Custas pelas Reclamantes AA e BB, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 13 de Março de 2025
Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)
Fátima Gomes
Maria de Deus Correia
________
1. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1 — e de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.
2. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1.
3. Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao artigo 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 434-436 (435).
4. Cf. designadamente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2009 — processo n.º 1449/08.6TBVCT.G1.S1.