ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


A arguição de nulidades do acórdão recorrido não é um meio adequado para o requerente exprimir a sua discordância com a decisão (ou com a fundamentação da decisão) com o propósito de obter uma decisão que lhe seja mais favorável.

Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Reclamante: AA

Reclamados: TVI - Televisão Independente, S.A., Grupo Media Capital, SGPS, S.A., BB e CC

I. — RELATÓRIO

1. AA propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra TVI - Televisão Independente, S.A., Grupo Media Capital, SGPS, S.A., BB e CC pedindo a sua condenação.

I. — a pagar ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 150000 euros;

II. — a pagar ao Autor, a título de danos patrimoniais, a quantia a liquidar;

III. — a publicitar a sentença condenatória. “em lugar de destaque, na estação televisiva TVI em horário nobre e nos exatos termos da reportagem por esta exibida a ... .02.2020, e novamente exibida na TVI 24, no dia ... de Março pelas 22.30 horas e novamente no dia ... de Março pelas 8.30 minutos”.

2. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente.

3. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância é do seguinte teor:

“julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente acção, e consequentemente:

V.1 - Condeno as Rés “TVI -TELEVISÃO INDEPENDENTE, S.A”, GRUPO MÉDIA CAPITAL, SGPS, SA, BB, e CC solidariamente a pagar ao A. AA a quantia de € 100.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

V.2. Condeno as 1.ª e 2.ª RR. após trânsito, a publicar a presente sentença, em lugar de destaque, na estação televisiva TVI, em horário nobre nos termos do art.º Artigo 34.º da Lei de Imprensa.

V.3. Absolvo as RR. do demais peticionado.

Custas cargo do Autor e das Rés na proporção do decaimento, nos termos do art. 527º, n.º 1 e 2, do C.P.C.”.

4. Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação julgou o recurso parcialmente procedente, absolvendo as Rés do pedido de publicação da sentença.

6. Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de revista.

7. O Supremo Tribunal de Justiça julgou o recurso parcialmente procedente, reduzindo a indemnização devida pelas Rés TVI - Televisão Independente, S.A., Grupo Media Capital, SGPS, S.A., BB e CC para 50000 euros.

8. O Autor AA vem agora arguir a nulidade do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

9. Finalizou a sua reclamação com as seguintes conclusões:

A. O acórdão sub iudice é nulo, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil (CPC), porquanto, com o maior respeito, não se pronunciou sobre uma questão que deviam ter apreciado.

B. Impunha-se averiguar se, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil das Rés, a indemnização de 100 000 euros é excessiva.

C. O acórdão proferido apenas refere, e passa a citar-se: “Ora, as indemnizações pela lesão dos bens jurídicos bom nome e honra são em regra inferiores aos 1000000 euros [um milhão ou, por lapso, deve ler-se, como nos parece 100 000 euros?] em que as Rés, agora Recorrentes, foram condenadas.” . Nada mais referiu ou apreciou.

D. In casu, estamos perante direitos de personalidade que, pela sua relevância assumem no nosso ordenamento jurídico uma proteção especialmente elevada, e cuja violação determina, em virtude disso, uma agravação do quantum indemnizatório.

E. No caso, uma indemnização de 100 mil euros não é excessiva, porque o direito ao bom nome (do Recorrido) foi, para sempre, afetado. E se é excessiva, pergunta-se: porque é excessiva? É excessiva apenas porque as indemnizações pela lesão dos bens jurídicos bom nome e honra são em regra inferiores aos 100 000 euros?

F. O acórdão proferido é, assim, nulo por não se pronunciar sobre a questão – se o quantum da indemnização é ou não excessivo - que devia ter apreciado.

Sem prescindir,

G. A atribuição de uma indemnização no valor de 100 000 euros a quem ficou, para sempre, com o seu bom nome afetado, não é excessiva.

H. Não há, no panorama nacional, em momento precedente, um caso sequer semelhante ao dos presentes autos, em que uma reportagem com a dimensão da transmitida, tivesse sido três vezes difundida na televisão nacional em horário nobre, em plena pandemia provocada pela COVI-19 e, por isso, com o País inteiro a assitir.

I. No critério do quantum indemnizatório tem de se atender ao benefício económico do incumpridor. Para as Recorrentes, nomeadamente para a Recorrente TVI, 100 000 euros não é nada!

J. Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar, ao lesado, momentos de prazer, que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 -1.ª.

K. No caso sub iudice, está em causa a divulgação, de uma reportagem/ debate, falsa, em plena televisão nacional (não num rádio, ou num jornal, mas no maior meio de comunicação social: a televisão), no canal televisivo de maior audiência nacional, no horário nobre das audiências e numa situação excecional de confinamento, em que o País estava obrigatoriamente fechado em casa a ouvir as notícias.

L. E o retorno económico da Recorrente TVI com esta divulgação desta reportagem foi enorme.

M. Mais, as Recorrentes, não se limitaram simplesmente a transmitir uma notícia, mas sim a transmitir factos falsos, que sabiam ser falsos, sem contraditório do Recorrido, sem ouvirem o Recorrido, de forma sensacionalista, alegando que o Recorrido burlou vários clientes, que pode ter feito pagamentos suspeitos a uma acompanhante de luxo e que circula num topo de gama da jaguar, carro igual ao da família real inglesa (“dinheiro, prostitutas e carros de luxo”) porque, bem sabem que choca, cativa e atrai audiências.

N. Divulgaram a imagem do Recorrido, a sua cara, em grandes planos, procederam à captação de imagens, a sair do carro, à porta de casa, do banco e na auto-estrada; não contactaram o Recorrido no sentido de obter a sua versão dos factos, omitiram-lhe a existência da reportagem, tendo mentido publicamente dizendo que o Recorrido se negou a prestar esclarecimentos e que foi convidado a participar no programa não tendo comparecido;

O. As Recorrentes atuaram com dolo, e acabaram com o bom nome, e com vida de uma pessoa e da sua família, condenando em praça pública inocentes, com fins de obtenção de audiências, buscando impacto e mediatismo com especial censurabilidade no presente caso, conhecendo e omitindo na reportagem: 1º) existência de processo crime instaurado pelo Recorrido contra a PP, e DD, pelos mesmos factos relatados na reportagem, que corre termos com o n.º 615/19.3..., no DIAP de ...; 2º) existência de um relatório n.º .35/18 ( Proc. n.º 154/18) de averiguação realizado pelo Banco Montepio que conclui pela inexistência de desvios de dinheiro; 3º) existência de um processo disciplinar instaurado contra o Recorrido que concluiu pela inexistência de qualquer infração; 4º) E a extinção do processo n.º 4411/17.4... que correu termos na ... Secção do DIAP de ..., da aludida acompanhante de luxo, onde nada do que a mesma alega se confirma.

P. O Recorrido é filho, é marido e pai de 4 filhos e sempre foi muito considerado e respeitado na sociedade, por todos os Colegas e pelos Clientes do Banco. Ao longo dos quase 25 anos que exerceu a profissão, sempre teve um percurso de vida profissional exemplar!

Q. Desde o momento em que começaram a surgir na televisão as VT’s e a publicitação da “burla milionária no Montepio”, com a divulgação da sua imagem, associada a fraude no Montepio, a sua vida mudou radicalmente!

R. O Recorrido está irremediavelmente destruído, na sua imagem e bom nome, com danos irreparáveis.

S. Face à especificidade do caso, à censurabilidade do comportamento das Recorrentes que não investigaram os factos, omitiram prova que absolvia o Recorrido, não cumpriram o contraditório, não o ouviram, e aos danos provocados na sua vida pessoal, familiar e profissional mas também aos benefícios patrimoniais e financeiros das Recorrentes que obtiveram uma das maiores audiências televisivas de sempre o quantum indemnizatório até foi bastante reduzido !

T. Não existe na jurisprudência portuguesa caso com tamanha gravidade, com esta dimensão, quer quanto ao contexto – TVI, horário prime time, confinamento, repetição recorrente da reportagem – ou seja, chegou a mais pessoas e o dano foi muito maior –, quer quanto à prova que possuíam (relatório da DAI do Banco Montepio a absolver o Recorrido destas acusações, absolvição do Recorrido no processo disciplinar instaurado por estes mesmos factos) que levou o M.P. a entender que as Recorrentes agiram com dolo e a deduzir acusação pública contra elas por esta reportagem.

U. O quantum indemnizatório tem de atender ao beneficio económico decorrente da violação do direito; a indemnização tem de ser proporcional ao benefício que o incumpridor dela retirou.

V. O recurso, de revista excecional, foi admitido porque se alegou que em causa estava uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito e por estarem em causa interesses de particular relevância social – no entanto, a questão sujeita a apreciação não foi apreciada.

Nestes termos requer V. Exas. se dignem declarar a nulidade do acórdão proferido por não apreciação da questão relativa ao quantum da indemnização, isto é se, no caso concreto dos autos, deve ou não considerar-se excessiva a indemnização de 100 000 euros, assim se fazendo total e merecida Justiça!

10. As Rés TVI - Televisão Independente, S.A., Grupo Media Capital, SGPS, S.A., BB e CC não responderam à reclamação.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

10. O n.º artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por remissão dos artigos. 666.º e 585.º, é do seguinte teor:

É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

10. O Autor, agora Reclamante, AA fundamenta a sua reclamação nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º.

Em primeiro lugar, na alínea b) — alegando que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça não especificaria os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão — e. em segundo lugar, na alínea d) — alegando que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça não conheceria de uma questão que deveria ter conhecido.

11. Os termos em que o Autor, agora Reclamante, se refere à nulidade por falta de fundamentação são os seguintes:

“[…] cabia na decisão proferida especificar os fundamentos de facto e de direito que a justificam e, sim, pronunciarem-se V. Exas. sobre a (segunda) questão submetida a apreciação.

Não o tendo feito, o acórdão padece de nulidade, que aqui se argui para os devidos efeitos”.

12. Em primeiro lugar, não há absolutamente nada na reclamação apresentada pelo Autor, agora Reclamante, AA que sequer sugira a falta de fundamentação da resposta dada a alguma das questões suscitadas e, em segundo lugar, ainda que houvesse alguma coisa que sequer o sugerisse, o acórdão reclamado só seria nulo desde que a falta de fundamentação fosse absoluta 1 — ainda que a fundamentação fosse errada ou insuficiente, nunca seria causa de nulidade do acórdão reclamado 2.

13. Esclarecido que a alegação de que o acórdão é nulo por falta de fundamentação não tem a mínima consistência, entrar-se-á na nulidade por omissão de pronúncia.

14. Os termos em que o Autor, agora Reclamante, se refere à nulidade por omissão de pronúncia são os seguintes:

In casu, estamos perante direitos de personalidade que, pela sua relevância assumem no nosso ordenamento jurídico uma proteção especialmente elevada, e cuja violação determina, em virtude disso, uma agravação do quantum indemnizatório.

No caso, uma indemnização de 100 mil euros não é excessiva, porque o direito ao bom nome (do Recorrido) foi, para sempre, afetado.

E se entendem V. Exas. que é excessiva, pergunta-se: porque é excessiva?

É excessiva apenas porque as indemnizações pela lesão dos bens jurídicos bom nome e honra são em regra inferiores aos 100 000 euros??

Sim, porque foi apenas esta a apreciação feita à questão da excessividade da indemnização suscita no recurso de revista.

Com o maior respeito, esta questão não foi apreciada!

Ao Supremo Tribunal de Justiça cabia controlar os pressupostos e os critérios utilizados pelas instâncias para a sua determinação do montante indemnizatório – o que não o fez.

O acórdão proferido é, assim, nulo por não se pronunciar sobre a questão – se o quantum da indemnização é ou não excessivo - que devia ter apreciado.

15. Entre a alegação de que o acórdão reclamado é nulo, por não ter apreciado a questão suscitada, e a alegação de que a apreciação da questão suscitada é errada ou, em todo o caso, insuficiente, há uma contradição manifesta.

16. Independentemente de haver ou não uma contradição manifestada entre as duas alegações, dir-se-á que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou sobre a questão suscitada.

17. Os parágrafos 30 a 42 do acórdão reclamado são do seguinte teor:

30. A segunda questão consiste em averiguar se, estando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil das Rés, agora Recorrentes, a indemnização é excessiva.

31. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização 3 deve concentrar-se em averiguar se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade 4; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a lei e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a lei e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

32. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável 5.

33. O acórdão recorrido considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — em especial, os critérios designados no artigo 496.º do Código Civil:

34. Em primeiro lugar, o Tribunal da Relação atendeu à gravidade dos danos não patrimoniais do Autor, agora Recorrido e, em segundo lugar, à gravidade da ilicitude e da culpa das Rés, agora Recorrentes.

35. Considerou que grau de ilicitude era elevadíssimo ou intensíssimo 6 e que o grau de culpa era elevado, distinguindo a culpa grave das Rés, agora Recorrentes, na investigação jornalística, descrita como leviana, e o dolo das Rés, agora Recorrentes, na divulgação dos resultados da investigação jornalística, descrita como sensacionalista — como se deduziria da “ausência de escrúpulos na formulação de graves e delicados juízos de valor sobre a pessoa do Autor” e da divulgação deliberada ou intencional da imagem do Autor, agora Recorrente — “na sua identificação, na captação e divulgação de imagens do seu rosto, em momentos da sua vida privada e até, pasme-se, a conduzir na autoestrada […]”.

36. Em terceiro lugar, o Tribunal da Relação atendeu à situação económica das Rés, agora Recorrentes, e aos lucros alcançados através do facto ilícito — dizendo que, “apesar de não contabilizadas (nada consta a este respeito dos factos provados), podem ter-se por certas, tendo em conta os horários de transmissão escolhidos, as audiências alcançadas e as retransmissões feitas”.

37. Esclarecido que o acórdão recorrido considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados, deverá dizer-se — como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2016 — processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 —, que

“[o] ‘juízo de equidade’ das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade — muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade”.

38. O ponto foi reafirmado, p. ex., nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1 — e de 21 de Janeiro de 2021 — processo n.º 6705/14.1T8LRS.L1.S1:

“[c]onforme tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, ‘tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade — muito em particular se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade’” 7

39. Ora, as indemnizações pela lesão dos bens jurídicos bom nome e honra são em regra inferiores aos 100 000 euros em que as Rés, agora Recorrentes, foram condenadas.

40. Entre os acórdãos mais recentes, chamar-se-á ao caso o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 2020 — processo n.º 24555/17.1T8LSB.L1.S1 —, em que se fixou a indemnização num total de 25000 euros, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2022 — processo n.º 14570/16.8T8LSB.L1.S1 —, em que se fixou a indemnização num total de 45000 euros.

41. A indemnização de 100 000 euros deve considerar-se excessiva, por se desviar “de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística”.

42. Entendendo-se, como se entende, que a indemnização de 100 000 euros deve considerar-se excessiva, há que fixá-la, de acordo com a equidade, atendendo aos factores descritos no artigo 496.º do Código Civil, no montante de 50 000 euros.

18. Esclarecido que a alegação de que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia também não tem a mínima consistência, esclarecer-se-á ainda o seguinte:

19. O Autor, agora Reclamante, AA quer, essencial ou exclusivamente, exprimir a sua discordância com a decisão proferida.

20. Simplesmente, a reclamação para a conferência não é um meio adequado para o requerente exprimir a sua discordância da decisão (ou da fundamentação da decisão) com o propósito de obter uma decisão que lhe seja mais favorável 8.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere.-se a presente reclamação.

Custas pelo Recorrente AA, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 13 de Março de 2025

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Oliveira Abreu

Ferreira Lopes

________


1. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1 —: o vício da nulidade por falta de fundamentação, “como é jurisprudência uniforme, apenas ocorre na falta absoluta de fundamentação”.

2. Cf. designadamente os acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2006 — processo n.º 06B905 —, de 9 de Julho de 2015 — processo n.º 13804/12.2T2SNT.L1.S1 —, de 11 de Abril de 2019 — processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1 —, de 14 de Setembro de 2021 — processo n.º 60/19.0T8ETZ.E1.S1 — ou de 28 de Setembro de 2021 — processo n.º 422/17.8YHLSB.L1.S1 —: “uma fundamentação insuficiente, errada ou medíocre não constitui causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil”.

3. Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244; ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

4. Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018 — processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1 — e de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

5. Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1 —, de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 —, de 18 de Outubro de 2018 — processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1 —, de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2 — e de 14 de Março de 2019 — processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1.

6. Entre os factores convocados para considerar como intensíssimo o grau de ilicitude do comportamento das Rés, agora Recorrentes, estariam “desde logo, […] os diversos deveres deontológicos violados, mas também a enorme repercussão decorrente da publicação sensacionalista da reportagem e do debate subsequente, a ampla divulgação que mereceram e as audiências alcançadas, os meios utilizados (dois canais de televisão, de dimensão nacional e de grande difusão, e a internet, de dimensão mundial), o horário de transmissão, a repetição dessa transmissão (mesmo depois de as RR. tomarem conhecimento que tinha sido instaurada uma queixa e uma providência cautelar contra si), a circunstância de a divulgação ter ocorrido em período de confinamentos obrigatórios, em que as pessoas estavam mais atentas às emissões de televisão e aos meios de comunicação em geral, demonstrando que tudo as RR. fizeram para que a reportagem e o debate chegassem ao maior número de telespectadores possível”.

7. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1.

8. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021 — processo n.º 873/19.3T8VCT-A.G1.S1.