PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
NORMA IMPERATIVA
PRAZO DE VIGÊNCIA
RENOVAÇÃO AUTOMATICA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ARRENDAMENTO URBANO
Sumário


I - O legislador ao estatuir no art.1096º nº1 do Cód. Civil o prazo de 3 anos para a renovação do contrato de arrendamento, caso tal prazo de renovação seja inferior, estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação.
II - Por isso, a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado no contrato for superior a 3 anos.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, intentou no Balcão Nacional do Arrendamento procedimento de despejo contra Identifysuccess – Unipessoal, Lda., com fundamento na cessação por oposição à renovação pelo senhorio.

Alegou, em síntese, que, por contrato celebrado em 18 de junho de 2013, deu de arrendamento à requerida a fração “L”, correspondente ao 2.º andar B do prédio sito na Rua ..., em ..., freguesia de ..., mediante a renda anual de 15.400,00 €, que corresponde a 1.283,33 € mensais; a renda foi, entretanto, atualizada para o montante mensal de 1.372,39 €; a requerida não pagou as rendas correspondentes aos meses de abril, maio e junho de 2024, encontrando-se, por isso, em dívida a importância de 4.117,17 €, acrescida de juros à taxa legal em vigor. Para o efeito, juntou contrato de arrendamento que confere com o alegado e do qual consta, ainda e entre o mais, que: i. tem início em 1 de julho de 2013 e termo em 30 de junho de 2014, podendo ser prorrogado por iguais períodos de um ano, desde que nenhuma das partes a tal se oponha (cl. 2.ª); ii. a oposição à renovação por parte do senhorio é feita mediante notificação por carta registada com aviso de receção, com a antecedência não inferior a 120 (cento e vinte) dias relativamente ao fim do prazo do contrato ou da sua renovação (cl. 11.ª); iii. o imóvel arrendado destina-se exclusivamente a habitação da sócia gerente da arrendatária, ou familiar direto (cl. 6.ª). Entre outros mais documentos, juntou, ainda, a carta registada com aviso de receção, com data de 18-11-2023, recebida pela destinatária (arrendatária) em 21-11-2023, pela qual o senhorio, ora apelante, comunicou opor-se a nova renovação do contrato, cessando o mesmo em 30 de junho de 2024.

Devidamente citada veio a R. deduzir oposição, negando que o contrato de arrendamento tenha cessado na data supra referida.

Os autos transitaram do BNA para o tribunal, onde o A. foi notificado para responder a matéria de excepção da oposição, o que fez.

Em seguida, foi proferida sentença na 1ª instância que julgou o procedimento especial de despejo totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a R. do pedido de despejo formulado pelo A.

Inconformado com tal decisão dela apelou o A. para a Relação que, por acórdão datado de 5/12/2024, revogou a dita sentença e decretou o despejo do locado identificado nos autos, condenando a R. a entregá-lo ao A., livre e devoluto de pessoas e bens.

Foi agora a vez da R., inconformada com o referido aresto, interpor recurso de revista para o STJ, tendo apresentado para o efeito as suas alegações e concluindo as mesmas com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido de fls. dos autos, datado de 06-12-2024, que julgou procedente a apelação, revogou a douta Sentença recorrida e julgou o procedimento especial de despejo em apreço totalmente procedente, confirmando a cessação do contrato de arrendamento dos autos em 30-06-2024 e condenando a ora Recorrente Identifysuccess – Unipessoal, Lda. a entregá-lo, livre de pessoas e bens, ao Recorrido AA.

2. Para tanto, alegou o Tribunal a quo no sentido de que a norma contida no artigo 1096.º, n.º 1 do CC é supletiva, quer quanto à automaticidade da renovação dos contratos de arrendamento com prazo certo, quer quanto à duração dos períodos de renovação.

3. O que significa, naquele entendimento, que o contrato de arrendamento apenas é automaticamente renovável na falta de estipulação em contrário e que a renovação apenas se fará por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior, nos casos em que as partes não tenham acordado sobre o prazo da renovação (ou os prazos das renovações) de modo diverso, nomeadamente, por períodos inferiores a três anos (sem prejuízo do disposto no artigo 1097.º, n.º 3, do CC).

4. Salvo o devido respeito, a ora Recorrente Identifysuccess – Unipessoal, Lda. não pode concordar com a interpretação dada ao artigo 1096.º, n.º 1 do CC pelo Tribunal a quo, nem, consequentemente, com a revogação da Sentença do Tribunal de 1.ª Instância.

5. O presente recurso de revista tem por fundamento o que a Recorrente entende tratar-se de violação de lei substantiva, na vertente do erro de interpretação/aplicação da norma ínsita no artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC.

6. A questão fundamental a decidir no caso dos autos é a de saber se assiste ao Autor/Recorrente AA direito à cessação do contrato de arrendamento da fracção “L”, correspondente ao 2.º andar B do prédio sito na Rua ..., em ..., freguesia de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..60.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .70, celebrado em 18-06-2013.E de saber se a cessação operou mediante e comunicação de oposição à renovação do referido contrato, realizada em 18-11-2023, para produção de efeitos a partir de 30-06-2024.

7. De salientar que o contrato em causa foi celebrado em 18-06-2013, com prazo certo nos termos dos artigos 1095.º a 1098.º do Código Civil, para vigorar pelo prazo de um ano com início em 01-07-2013, renovável por sucessivos períodos de um ano, sem prejuízo do direito das partes se oporem à renovação, conforme cláusula 2.ª do contrato.

8. O Tribunal de 1.ª Instância considerou – e no entendimento da ora Recorrente, considerou bem – que os artigos 1096.º e 1097.º do CC devem ser entendidos à luz dos critérios que presidiram à reforma do arrendamento dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 13-02-2019, que teve como objectivo estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade – artigo 1.º da Lei.

9. Segundo aquele Tribunal, a redacção dada ao artigo 1096.º, n.º 1 do CC, no sentido de que “salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, indica que a intenção do legislador era a de garantir o arrendamento por períodos mínimos de três anos.

10. Este entendimento ditou que fosse considerado que a comunicação efectuada pelo ora Recorrido, datada de 18-11-2023, no sentido de se opor à renovação do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 30-06-2024, não respeita o prazo de 3 anos, não podendo produzir efeitos contra a ora Recorrente e mantendo-se o contrato de arrendamento em vigor, pelo menos, até 30-06-2025.

11. Certo é que, destarte este entendimento do Tribunal de 1.ª Instância, o douto Tribunal a quo optou pelo entendimento oposto, salientando que “se esta mesma Lei [Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro] pretendesse que, nos contratos de arrendamento com prazo certo, o prazo (seja o inicial, seja o subsequente) nunca fosse inferir a três anos, decerto o teria dito no lugar próprio – no n.º 2 do artigo 1095º –, poupando a alteração ao artigo 1096.º, n.º 1, e a introdução do artigo 1097.º, n.º 3”.

12. Optando pela tese que pugna pela supletividade da norma do artigo 1096.º, n.º 1, do CC, quer quanto à renovação, quer quanto ao prazo das renovações, o douto Tribunal a quo deu como totalmente procedente o procedimento especial de despejo, confirmou a cessação do contrato de arrendamento em 30-06-2024 e determinou a desocupação do locado pela Recorrente.

13. Significa, assim, que, para a mesma questão de direito, existem dois entendimentos opostos, que determinam duas consequências distintas no caso dos autos.

14. Esta questão tem sido abundantemente tratada a nível jurisprudencial, havendo vários acórdãos, quer no sentido da imperatividade do prazo de três anos, quer no sentido da supletividade desse prazo.

15. Naturalmente, entende a ora Recorrente que o entendimento que deverá prevalecer foi o que ficou explanado na Sentença de 1.ª Instância.

16. Entende a Recorrente que sempre será de considera que, para uma correcta interpretação da norma, deve atender-se desde logo à sua ratio, assim como ao fundamento base da criação da Lei.

17. Retira-se da Exposição dos Motivos que a Proposta de Lei n.º 129/XIII, tinha como propósito “promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento.”

18. Igualmente, o entendimento que se crê dominante na jurisprudência dos tribunais portugueses, ao abrigo da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, vai no sentido da imperatividade da norma do artigo 1096.º, n.º 1 do CC.

19. O entendimento tem sustentação nos seguintes Acórdãos, todos eles bastante recentes e todos disponíveis em www.dgsi.pt: Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 25-01-2023, Processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 23-03-2023, Processo n.º 824/22.3T8VCT.G1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2023, Processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2023, Processo n.º 1627/21.2YLPRT.G1, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/10/2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1.

20. De referir, igualmente, que o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 17-1-2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, já se pronunciou quanto à questão da imperatividade da norma do artigo 1096.º, n.º 1 do CC, confirmando a posição do período mínimo de renovação de 3 anos.

21. Também na doutrina a posição dominante vai no sentido de considerar os três anos de renovação do contrato de arrendamento como sendo imperativo.

22. Neste sentido, veja-se a posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).

23. E igualmente as posições assumidas por Maria Olinda Garcia, in Revista Julgar Online, Março de 2019, p. 11 e seguintes, sobre as Alterações em Matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019 e Márcia Passos, in Boletim da Ordem dos Advogados, de 21 de Setembro 2019, pp. 20 e 21.

24. Assim, entende a Recorrente Identifysuccess – Unipessoal, Lda. ser premente a revisão do Acórdão ora posto em crise, substituindo-o por douto Acórdão que, após análise cuidadosa do conteúdo e ratio do artigo 1096.º, n.º 1 do CC, considere que: A comunicação efectuada pelo Recorrido AA, datada de 18-11-2023, no sentido de se opor à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 30-06-2024, não respeita o prazo de renovação automática do contrato pelo período de 3 anos. Não podendo produzir efeitos contra a Recorrente. Considerando, posteriormente, que o contrato de arrendamento dos autos se mantém em vigor, pelo menos, até 30-06-2025 e que se declare que a desocupação do locado não é devida nos termos peticionados pelo ora Recorrido.

25. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas, Venerandos Senhores Juízes Conselheiros, se dignarem suprir, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, substituindo-se o teor do mesmo por douto Acórdão que:

- Considere que a comunicação efectuada pelo ora Recorrido AA, datada de 18-11-2023, no sentido de se opor à renovação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 30-06-2024, não respeita o prazo de renovação automática do contrato pelo período de 3 anos, não produzindo efeitos contra a ora Recorrente Identifysuccess – Unipessoal, Lda.;

- Considere que o contrato de arrendamento se mantém em vigor, pelo menos, até 30-06-2025;

- E, consequentemente, estipule que a desocupação do locado não é devida nos termos peticionados pelo ora Recorrido;

- Tudo de acordo com a fundamentação supra expendida, assim se fazendo a tão acostumada Justiça.

Pelo A. não foram apresentadas contra alegações de recurso.

Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:

Estão verificados os pressupostos gerais de recorribilidade e atestados os fundamentos da admissibilidade da presente revista interposta pela R., conforme o que dispõem os arts. 629º, nº1, 671º, nº1, e 674, nº1, alínea a), todos do C.P.C.

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso em apreço emerge das conclusões do recurso apresentadas pela R., aqui recorrente, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o nº1 do art.1096º do Cód. Civil (na redacção actual que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12/02), consagra uma norma imperativa, no sentido de não permitir que o contrato de arrendamento se renove por um período inferior a três anos.

Antes de nos pronunciarmos sobre a questão supra referida importa ter presente a factualidade que foi dada como provada nas instâncias, a qual, de imediato, passamos a transcrever:

1. Por contrato celebrado em 18 de junho de 2013, o requerente deu de arrendamento à requerida a fração “L”, correspondente ao 2.º andar B do prédio sito na Rua ..., em ..., freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art.º ..60 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .70.

2. O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 1 de julho de 2013 e término a 30 de junho de 2014, renovando-se por igual período, sem prejuízo de as partes se oporem à sua renovação nos termos da lei.

3. A requerida obrigou-se a pagar ao requerente a renda anual de 15.400,00 € (quinze mil e quatrocentos euros).

4. Por carta datada de 18-11-2023, o requerente comunicou à requerida a atualização da renda e a sua oposição de renovação do contrato a partir de 30-06-2024, solicitando a entrega do locado, desocupado.

5. A requerida não procedeu à entrega do locado.

Apreciando, de imediato, a questão recursiva suscitada pela R. – saber se o nº1 do art.1096º do Cód. Civil (na redacção actual que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12/02), consagra uma norma imperativa, no sentido de não permitir que o contrato de arrendamento se renove por um período inferior a três anos – importa ter presente o que, a tal respeito, estipulam o citado art.1096º (renovação automática) e também o art.1097º (oposição à renovação deduzida pelo senhorio), ambos do Cód. Civil, uma vez que será através da interpretação de tais normas que iremos encontrar a solução jurídica para dirimir a presente demanda.

Assim, o art.1096º (actual redacção), sob a epígrafe renovação automática, estatui o seguinte:

1- Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2- Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.

3- Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Por sua vez, o art.1097º (actual redacção), sob a epígrafe oposição à renovação deduzida pelo senhorio, dispõe que:

1. — O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2. — A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3. — A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4. — Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º

Ora, da transcrição do nº1 do citado art.1096º resulta, quanto a nós, que o invocado caráter supletivo da referida norma apenas se reporta ao direito das partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, subtraindo-se deste modo a sua alteração à livre disponibilidade das partes. Por isso, a liberdade de estipulação prevista em tal preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática.

Daí que, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo, e por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se tal renovação for inferior.

Deste modo, sufragamos, por inteiro, o que foi escrito por Maria Olinda Garcia, a propósito da interpretação do regime instituído pela Lei 13/2019 (que alterou os arts.1096º e 1097º supra transcritos), ao afirmar o seguinte:

- Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.

Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.

Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.

Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.

Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos – cfr. Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei 12/2019 e pela Lei 13/2019, in Julgar Online, Março 2019, págs. 11/12.

No mesmo sentido se pronunciam Rui Mascarenhas de Ataíde e António Barroso Rodrigues ao afirmarem que:

- A inovação da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, consistiu na consagração da renovação automática pelo período mínimo de 3 anos, independentemente de duração inicial inferior.

(…) A renovação automática (de natureza supletiva) pelo período mínimo de 3 anos (período mínimo imperativo de renovação) recupera a regra do RAU de 1990, reiterada no NRAU de 2006) – cfr. “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de direito civil, ano 4 (2019), págs. 302/303.

Também a este propósito - e no mesmo sentido - refere Ana Isabel Afonso o seguinte:

- A entender-se que o prazo é supletivo – conforme inculca a estrutura do sistema e a ressalva inicial da norma -, não vemos efeito útil na previsão de um mínimo de três anos de renovação automática em vez da habitual renovação por períodos sucessivos de igual duração, habitualmente prevista e correspondente à fórmula usual. O «salvo estipulação em contrário» limita-se, quanto a nós, à admissibilidade de previsão de duração indeterminada do contrato (a norma aplica-se apenas aos contratos celebrados com prazo certo) e ao poder não excluído (possivelmente de modo inadvertido) por lei de se convencionar a caducidade do contrato no fim do prazo - cfr. “Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano”, in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, págs. 26/ 27. Em sentido idêntico, cfr. a mesma autora em “O prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento urbano é imperativo ou supletivo?”, comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2022, Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, in Cadernos de Direito Privado, 78, Abril-Junho 2022, págs. 53 e segs.).

Esta interpretação do nº1 do art.1096º do Cód. Civil - no sentido de estipular a imperatividade de um prazo mínimo de renovação do contrato por três anos - é também sustentada por José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, in Arrendamento urbano anotado, Quid Juris, 3ª ed., 2019, pág.390); Márcia Passos, “A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo”, in Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, pág. 21;, Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo, “Novo regime do arrendamento urbano, comentários e breves notas”, Vida Económica, 2019, pág. 183 e, ainda, Luís Menezes Leitão, “Arrendamento urbano”, 11ª edição, 2022, pág.179.

Também a jurisprudência do STJ tem entendido que o citado art.1096º nº1 (2ª parte) do Cód. Civil contém uma norma de carácter imperativo, ao estipular que a renovação automática do contrato de arrendamento - quando prevista no contrato - não pode ser inferior a três anos.

A este propósito veja-se o Ac. de 17/1/2023 (Relator Pedro Lima Gonçalves), no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte:

- (…) O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.

É esta, aliás, a posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. de 20/9/2023 (Relator Jorge Leal), no qual é referido que:

- Na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos.

Em sentido idêntico veja-se o Ac. de 12/12/2024 (Relatora Isabel Salgado), onde se afirmou o seguinte:

- Extrai-se do artigo 1096º, nº1, do Código Civil, que na ausência de estipulação das partes sobre o prazo de renovação, as renovações serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual estabelecida, salvo se o mesmo for inferior a 3 anos, que valerá então com carácter injuntivo.

Por último, veja-se também o recente Ac. de 13/2/2025 (Relator Nuno Pinto de Oliveira) - no qual o aqui relator foi 2º Adjunto - onde é afirmado que:

- O segmento final n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na redacção da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, deve considerar-se norma imperativa, no sentido de não permitir que o contrato de arrendamento se renove por um período inferior a três anos.

Ora, esta interpretação respeita integralmente a ratio legis da Lei 13/2019, 12/02, uma vez que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação (3 anos), pretendeu, dessa forma, conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando, assim, a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria da renovação do contrato.

Voltando agora ao caso em apreço, resulta da factualidade apurada nos autos que o contrato de arrendamento foi celebrado entre as partes pelo prazo de um ano, com início em 1 de julho de 2013 e término a 30 de junho de 2014, tendo-se renovado sucessiva e automaticamente por igual período (cfr. ponto 2 dos factos provados), sendo que, após a entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12/02, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos.

Mais se apurou que, por carta datada de 18/11/2023, o senhorio (A.), comunicou ao inquilino (R.), a sua oposição à renovação do contrato a partir de 30/06/2024, solicitando a entrega do locado, livre e desocupado (cfr. ponto 4 dos factos provados).

Ora, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no nº1 do citado art. 1096º do Cód. Civil - na sua actual redacção - aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou a 30 de Junho de 2019, agora pelo período de três anos, ou seja, até 30 de Junho de 2022, sendo que nesta última data se renovou por novo período de três anos, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 30 de Junho de 2025 e, assim sucessivamente, caso não seja denunciado pelas partes nos termos contratualmente fixados.

Deste modo, a comunicação efectuada pelo A., datada de 18/11/2023, de que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento, e que este, por sua vontade, cessaria a 30 de Junho de 2024, não respeita aquele prazo (3 anos), não produzindo efeitos contra a R. uma vez que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida em 30 de Junho de 2022, mantém-se tal contrato em vigor.

Com efeito, aquando da renovação do contrato em 30 de Junho de 2019, a referida Lei 13/2019 já se encontrava em vigor, pelo que é aplicável a tal renovação o período de três anos (e já não de um ano), por ser o período mínimo legalmente obrigatório previsto na lei.

Deste modo, atendendo à nova redação do nº1 do art.1096º do Cód. Civil e ao período mínimo de renovação aí consagrado de três anos - aplicável “in casu” - o próximo termo do contrato apenas se irá verificar em 30 de Junho de 2025 e, assim, sucessivamente, pelo que o A. só poderá opor-se à renovação no termo do período da renovação do contrato, ou seja, em 30 de Junho de 2025, mediante comunicação dirigida à R. com a antecedência mínima de 120 dias, reportada a essa data - cfr. art.1097º, nº 1, alínea b) do Cód. Civil.

Nestes termos, resulta claro que a oposição à renovação promovida pelo A. não produziu qualquer efeito sobre o contrato de arrendamento celebrado com a R., considerando que o mesmo se renovou em 30 de Junho de 2022, por um período mínimo de três anos, ou seja – não será demais aqui repetir – renovou-se até 30 de Junho de 2025.

Assim sendo, atentas as razões e os fundamentos supra explanados, concede-se a revista, pelo que forçoso é concluir que o acórdão recorrido não se poderá manter, de todo, revogando-se o mesmo em conformidade e, por via disso, julga-se improcedente a presente acção, absolvendo-se a R. do pedido.


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Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:

- O legislador ao estatuir no art.1096º nº1 do Cód. Civil o prazo de 3 anos para a renovação do contrato de arrendamento, caso tal prazo de renovação seja inferior, estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação.

- Por isso, a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado no contrato for superior a 3 anos.


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Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o presente recurso de revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente a presente acção e absolvendo-se a R. do pedido formulado pelo A.

Custas pelo A., ora recorrido.


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Lx., 13/3/2025

Rui Machado e Moura (Relator)

Nuno Pinto de Oliveira (1º Adjunto)

Maria de Deus Correia (2ª Adjunta) – (vencida, conforme declaração de voto junta)


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Processo 1395/24.6YLPRT.L1.S1

DECLARAÇÃO DE VOTO


Voto vencida pois, contrariamente à tese seguida no acórdão, entendo que o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.° n.°l do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 13/2019 de 12-02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma "salvo estipulação em contrário".

Confirmaria, por conseguinte, o acórdão recorrido.

Com efeito, tal como escrevemos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2023l, aliás citado no acórdão recorrido, entre outros, defendendo igual entendimento-"não distinguindo a lei, não vemos por que motivo a ressalva da estipulação em contrário, se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática. Por outro lado, seria incongruente que as partes pudessem afastar a possibilidade de renovação automática, num contrato que, nos termos do disposto no art.° 1095.° n.°2 do Código Civil, poderá ter a duração de um ano, mas caso o quisessem renovar, já o teriam de fazer, imperativamente, por três anos".

Acompanho, assim, o entendimento manifestado no voto de vencido constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2023 2 .

Lisboa, 13 de março de 2025

Maria de Deus Correia

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1 Processo n.° 1390/22.0YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt

2 Processo n.°3966/21.3T8GDM.Pl.Sl