JUSTO IMPEDIMENTO
PROCESSO EQUITATIVO
Sumário

I - Nas situações em que aos imputados vícios da decisão quadra a regra da substituição do tribunal recorrido, deve ultrapassar-se a sua apreciação (abstendo-se a Relação de os conhecer), em razão da sua irrelevância para a sorte da apelação.
II - Impugnando a apelante a decisão de facto da primeira instância independentemente dos contributos probatórios que a prova testemunhal oferecida pudesse trazer aos autos, não alegando ter ficado impedida de demonstrar qualquer facto alegado que a prova testemunhal proposta pudesse ser apta e adequada a demonstrar, conclui-se ser irrelevante apreciar de nulidade consistente na omissão de apreciação sobre a produção de prova testemunhal (o relevo e procedência da omissão de pronúncia em questão não pode deixar de conexionar-se, necessária e indelevelmente, à aptidão e necessidade da prova omitida para a demonstração de factos relevantes à apreciação da causa).
III - Concluindo o tribunal a quo, na decisão apelada, não se verificar o justo impedimento, rejeitando liminarmente, em consequência, a deduzida oposição à penhora, impedida ficou a apreciação de qualquer matéria (questão) respeitante à alegada ilegalidade e ou ‘inconstitucionalidade’ das penhoras – a apreciação do mérito do incidente ficou arredada e, por isso, não competia já ao tribunal apreciar dos invocados fundamentos susceptíveis de demonstrar a ilegalidade e/ou ‘inconstitucionalidade’ das penhoras, não se verificando, pois, a propósito, qualquer omissão de pronúncia.
IV - O justo impedimento tem por fundamento facto que obsta ou impede a prática do acto processual - pressupõe uma causa (o evento não imputável à parte ou seu representante ou mandatário judicial) e uma consequência (a impossibilidade da prática do acto)
V - Só o evento determinante da impossibilidade da prática do acto pode fundar o justo impedimento – é ´necessário que o evento determine a inexigibilidade da prática do acto’, não sendo suficiente a ‘mera dificuldade’ ou a ‘dificuldade acrescida na prática do acto’; para fundar procedentemente o justo impedimento, o evento (v.g., a doença súbita da parte ou do mandatário) terá de configurar ‘obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa’.
VI - Da interpretação segundo a qual o preenchimento do conceito do instituto do justo impedimento exige a inexigibilidade da prática do acto, não se bastando com a mera dificuldade ou com a dificuldade acrescida não resulta que se prive injustificada, desproporcionada e inadequadamente (de modo excessivo ou arbitrário) a parte do acesso ao direito e ao tribunal, que se lhe coarcte o direito de acção/defesa, que se lhe negue a garantia de tutela jurisdicional efectiva e se viole o princípio da igualdade de armas.
VII - É conforme à exigência constitucional do processo equitativo (à ideia de processo materialmente adequado a tutela judicial efectiva) circunscrever a tutela do justo impedimento às situações de impossibilidade da prática tempestiva do acto, afastando-a nas situações de mera dificuldade ou dificuldade acrescida.

Texto Integral

Apelação nº 6465/24.8T8PRT-B.P1


Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
                 Alexandra Pelayo

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO

Apelante (executada oponente): AA.

Apelado (exequente oponido): BB.

Juízo de execução do Porto (lugar de provimento de ...) - Tribunal Judicial da Comarca do Porto.


*

Por apenso aos autos de execução que lhe move o exequente BB, apresentou-se em 2/09/2024 a executada AA (que, exercendo a profissão de advogada, é nos autos representada por mandatário constituído) a deduzir oposição à penhora (art. 784º do CPC) e a insistir pela já requerida (na oposição à execução deduzida) suspensão da execução, invocando, no que releva à presente instância de recurso, em vista da admissibilidade do acto que pretende praticar (a dedução da oposição à penhora, quando já se mostra decorrido o prazo legal peremptório para tanto), o justo impedimento (art. 140º do CPC), alegando:

- ter sido notificada por missiva datada de 7/06/2024, após penhora,

- tal missiva, entregue em 11/06/2024, não chegou ao seu conhecimento,

- no final de Maio de 2024 começou a demonstrar sintomas de doença que a impossibilitaram de exercer, em absoluto, a sua profissão, pelo menos até ao dia 15/07/2024,

- em virtude de tal ocorrência (e sendo a executada advogada), perdeu o acesso ao seu computador, internet, processo físico e plataforma ‘Citius’, com o que não conseguiria adiantar o seu trabalho,

- não tinha nenhum colega em quem pudesse substabelecer a elaboração de peças, dada a singularidade do processo, o adiantado da hora e a ausência dos mesmos para férias ‘(«infeliz» conjugação do feriado de 10 de junho com a antecipação das férias judiciais)’,

- ainda que algum colega existisse que se tivesse mostrado disponível que se tivesse mostrado disponível para assumir o mandato neste processo, certo é que não tinha (ela, executada) nem a disponibilidade nem a capacidade mental para substabelecer tais poderes e inteirar outro advogado das circunstâncias factuais do caso,

- terminado o seu período de incapacidade prolongada, sentindo-se ainda fragilizada e incapaz de regressar imediatamente ao trabalho, apressou-se, na medida da suas possibilidades a contactar inúmeros escritórios de advogados, averiguando da disponibilidade dos mesmos para a representarem,

- apenas no dia 23/08 outorgou procuração a favor dos seus actuais mandatários, que de imediato diligenciaram pelo levantamento dos processos a si relativos, bem como pela elaboração e submissão das peças mais urgentes e com prazos ainda pendentes.

Juntou prova com o articulado – certificados de incapacidade temporária para o trabalho (para demonstrar a invocada situação de doença) e também prova testemunhal (sem especificar se dirigida também à prova da matéria invocada como fundamento do invocado justo impedimento ou exclusivamente aos factos alegados em sustento da deduzida oposição à penhora)

Cumprido o contraditório (defendendo o exequente oponido não se verificarem motivos para concluir pelo justo impedimento, concluindo pelo indeferimento do requerimento e, consequentemente, pela não admissão da oposição à penhora), foi proferida decisão que julgou não verificado o justo impedimento invocado e, em consequência, rejeitou liminarmente, por intempestividade, a oposição à penhora.

Inconformada, apela a executada oponente, pretendendo a revogação da decisão e sua substituição por outra que julgue verificado o justo impedimento e ainda determine o ‘levantamento de quaisquer penhoras realizadas’, ‘sempre e de todo o modo considerando extinta a presente execução, dada a iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda’, terminando as suas alegações pela formulação das seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida peca por uma defeituosa apreciação da prova produzida, designadamente por ter recusado, implicitamente, a produção de prova testemunhal, e, consequentemente, por uma deficiente integração do Direito aplicado aos fatos efetivamente ocorridos.

2. A Recorrente pretende quer a reapreciação da prova produzida, quer a produção da prova preterida, tudo com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 662 do CPC, com a consequente alteração do segmento decisório.

3. O Tribunal “a quo” considerou como provado que “1. No dia 7-6-2024, foi a executada notificada do teor do auto de penhora datado de 5 -6-2024”, parecendo ter valorado (embora não o refira) um suposto comprovativo de notificação postal após penhora, datado de 07.06.2024 (Ref. 39289628 dessa data, processo principal).

4. Ora, a suposta emissão de tal documento não equivale ao seu envio, muito menos ao seu recebimento; não se comprovou a respetiva receção, nem pela Executada (e.g. com um aviso de receção assinado, ou pelo menos talão/rastreamento CTT identificando-a), nem por um terceiro em seu nome/representação; nem, portanto, o seu efetivo conhecimento pela Recorrente.

5. No final de maio, a Executada começou a demonstrar sintomas de doença, que a impossibilitaram de exercer, em absoluto, a sua profissão, pelo menos até ao final de agosto de 2024 (cfr. Documento 1 junto com o Requerimento de 02.09.2024; Documento 2 junto com o Requerimento de 30.09.2024; certidão judicial junta aos autos pelo Exequente a 26.09.2024, Ref. 40180767, e, em especial, Ac. do TRP de 17.07.2024, com referência a “doença psiquiátrica que requer tratamento em regime de internamento (…) desvios e anomalias que colocam em causa a sua própria vida e autonomia”).

6. A Executada encontrou-se internada entre 24.06.2024 e 14.08.2024 (tendo havido reconhecimento expresso desse facto pelo Exequente nos arts. 15 e 23 do seu Requerimento de 23.09.2024, Ref. 40138001, no Apenso B).

7. Em virtude dessa ocorrência (e por indicações médicas), perdeu o normal acesso ao seu computador, Internet, processo físico e plataforma CITIUS, com o que também nunca conseguiria adiantar o seu trabalho.

8. Nunca a hipotética abertura de ficheiros no CITIUS equivaleria à sua efetiva notificação e conhecimento (lembre-se a incapacidade temporária da Executada; também o inquérito que correu termos sob o n.º ... no DIAP, ... Secção do Porto, em virtude de ataques informáticos de que a Executada foi vítima e que afetaram, nomeadamente, o seu acesso a plataformas profissionais como o CITIUS).

9. A Executada não conhecia nenhum Colega em quem pudesse substabelecer a elaboração de peças, dada a singularidade do processo, o adiantado da hora e a ausência dos mesmos para férias. Ainda que algum Colega existisse que se tivesse mostrado disponível para assumir o mandato neste processo, não tinha nem a disponibilidade nem a capacidade mental para substabelecer tais poderes e inteirar efetivamente outro Advogado das circunstâncias factuais do caso.

10. Terminado o seu período de incapacidade prolongada, sentindo-se ainda fragilizada e incapaz de regressar de imediato ao trabalho, logo se apressou a Executada, na medida das suas possibilidades, a contactar inúmeros escritórios de Advogados, averiguando da disponibilidade dos mesmos para a representarem.

11. Só dia 23 de agosto outorgou a Executada a Procuração a favor dos seus atuais mandatários, que de imediato diligenciaram pelo levantamento dos processos relativos à Executada, bem como pela elaboração e submissão das peças mais urgentes e com prazos ainda pendentes.

12. Ainda que tivesse sido a Executada a receber a invocada missiva (o que apenas se admite por mero efeito de patrocínio), então sempre estaria a mesma incapaz de perceber o sentido e alcance dessa notificação e, por inerência, dos atos processuais posteriormente praticados (alegadamente notificados, ou pela via postal, ou pela plataforma Citius).

13. Não pode o Dig. Tribunal dar como “assentes” e “relevantes para a decisão da causa” os factos 2 a 4 (junção de 3 certificados de incapacidade temporária) e, ao mesmo tempo, ignorar o certificado de incapacidade temporária junto como Documento 2 ao Requerimento da Executada de 30.09.2024 (Ref. 40214388), substituindo o parecer médico contido nos certificados por uma sua análise jurídica, declarando não se verificar o justo impedimento invocado.

14. Não se pode insinuar que não foi esclarecida “a gravidade da doença” ou que os atestados médicos não vieram acompanhados “de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade”: com o seu Requerimento de 02.09.2024 (para além de proceder ao pagamento de multa), a Executada havia requerido a produção de prova testemunhal, tendo a mesma sido denegada, sem qualquer justificação.

15. A natureza dos factos alegados impunha que fossem ouvidas as testemunhas que podiam fornecer ao Tribunal factos objetivos que confirmassem ou infirmassem o narrado naqueles artigos, v.g. a gravidade incapacitante da doença da Recorrente. Tal inquirição era (e é ainda) essencial e determinante para a boa decisão da presente lide e esclarecimento dos factos de que cumpre conhecer.

16. O Tribunal deve, ainda que oficiosamente, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, competindo-lhe investigar o facto sujeito a julgamento e construir, por si, o suporte da decisão (art. 411 do CPC).

17. Ao não ouvir as testemunhas arroladas pela Executada (não se pronunciando sequer sobre tal requerimento probatório), o Tribunal violou os princípios ínsitos do estado de direito, consubstanciados na proibição do excesso ou da proporcionalidade, da adequação e da juridicidade consignados nos arts. 2 e 20 da CRP.

18. Embora a produção de diligências de prova seja uma faculdade de que o Juiz se pode socorrer, podendo indeferi-las ou recusá-las quando as considere desnecessárias, neste último caso, o Juiz deverá proferir um despacho devidamente fundamentado, explicando o porquê da não realização da inquirição das testemunhas arroladas.

19. O despacho recorrido padece de vício de falta de fundamentação, porquanto não esclarece as concretas razões que levaram à decisão de indeferimento.

20. A decisão recorrida, por um lado, insinua que os documentos juntos não são, por si só, suficientes para a prova do pretendido; mas, por outro, indefere (implicitamente, por omissão de pronúncia) a produção de prova testemunhal que, complementar daquela, poderia esclarecer os pontos essenciais para uma boa decisão da questão. A Sentença de 28.11.2024 é, assim, também, nula por contradição entre os seus termos.

21. O Tribunal “a quo” deu também como assente que “Do Apenso E de tal processo [de regulação de responsabilidades parentais] a aqui executada outorgou procuração forense a favor de um Colega, com procuração subscrita no dia 4 de junho de 2024 e entregue no Tribunal de Vila do Conde no dia 7 do mesmo mês”.

22. No entanto, a outorga de uma Procuração pela Executada não demonstra a capacidade da mesma; a renúncia a 11.06.2024 a um mandato conferido a 04.06.2024 (renúncia essa reconhecida pelo Exequente no art. 16 do seu Requerimento de 23.09.2024, Ref. 40138001) prova até o contrário, sendo certo que os aludidos mandatários nenhum ato praticaram no processo, tendo, quando muito, procedido apenas à sua consulta.

23. O Exequente não comprova a suposta notificação da mandatária renunciante de atos processuais e, nomeadamente, do invocado Ac. do TRP de 17.07.2024; os seus presentes mandatários, ora signatários, foram apenas notificados do mesmo a 13.09.2024 (Documento 1 junto com o Requerimento de 30.09.2024, Ref. 40214388, aqui dado como integrado e reproduzido para todos os efeitos legais).

24. Nem o Dig. Tribunal nem o Exequente alegam, muito menos comprovam, a existência de culpa da Executada, ou de quaisquer dos seus mandatários, na ultrapassagem de um prazo perentório.

25. A incapacidade da Executada impediu-a de desenvolver o seu trabalho e de ter consciência das diligências a tomar relativamente à sua profissão (e, também, a litígios que defendia em causa própria).

26. A invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, foi feita logo que cessou a causa impeditiva (incapacidade da Executada e inexistência de mandatários associados nos autos).

27. Não pode o Dig. Tribunal duvidar em absoluto da ocorrência de um facto naturalístico evidente (como uma doença e internamento hospitalar de duração aproximada de 2 meses), sobretudo quando existem um Ac. do TRP e certificados de incapacidade que suportam esses factos.

28. O facto de a Executada ter outorgado uma Procuração a 04.06.2024 não afasta nem apaga a situação de doença em que a mesma se encontrava e que constituiu impedimento da prática atempada do ato.

29. A outorga de uma Procuração em situação de desespero (e período de doença), não demonstra que a Executada estava de saúde e na posse de capacidade plena, mas antes o esforço (embora infrutífero) a que se submeteu (antes de ser internada), na tentativa de assegurar a sua representação judicial (espelho de uma réstia de responsabilidade pessoal e profissional, apesar do atravessamento de um período de clara instabilidade emocional).

30. A incapacidade da Executada, que lhe determinou o internamento psiquiátrico (inicialmente, compulsivo) durante aproximadamente 2 meses, na decorrência de prazo para praticar supostos atos processuais, constitui indubitavelmente justo impedimento, uma vez que a Advogada se encontrou impossibilitada de esforço mental que lhe permitisse comunicar com Colegas ou quaisquer outras pessoas.

31. A subscrição e apresentação de peças por outros Advogados (como os presentes signatários), na sequência de Procuração outorgada no final de agosto, não se afigura como simples ou fácil (um ato desta responsabilidade exige brio e responsabilidade profissional, análise, estudo, leitura atentos, o que demora algum tempo - sobretudo em casos como o da Recorrente, onde não foram conferidos só poderes para o presente processo executivo, mas muitos outros, como um processo de família, com apensos de alteração de regulação de responsabilidades parentais, incidentes de incumprimento, pedidos de alteração da regulação, apensos de promoção e proteção, diversos processos crime, entre outros).

32. Não estava em causa apenas a entrega de simples requerimento – tratava-se de elaborar e/ou apresentar embargos de executado/oposição à penhora (entre outras soluções processuais), com toda a difícil conjuntura que, entretanto, assolava a vida pessoal da Executada.

33. É nula a douta Sentença recorrida, não só por não se especificarem os fundamentos de facto que justificam a decisão (art. 615, n.º 1, al. b) do CPC), como por se encontrarem os seus (parcos) fundamentos (designadamente, os factos dados como “assentes”) em evidente oposição com a decisão, verificando-se uma ambiguidade/obscuridade que torna a decisão ininteligível (art. 615, n.º 1, al. c) do CPC).

34. A Sentença é, ainda, nula, por não se ter o Dig. Tribunal “a quo” pronunciado sobre questões que deveria apreciar (como a (in)adequação de produção da requerida prova testemunhal) (art. 615, n.º 1, al. d) do CPC).

35. Não deveria ter sido dado como provado que: “1. No dia 7-6-2024, foi a executada notificada do teor do auto de penhora datado de 5 -6-2024” (desde logo, pela ausência nos autos de qualquer comprovativo de recebimento da hipotética missiva pela própria Executada).

36. Deveria ter sido dado como provado que:

(1) A Executada encontrou-se afetada de doença desde, pelo menos, 21.05.2024 (cfr. Documento 1 junto com o Requerimento de 02.09.2024, Apenso B; Documento 2 junto com o Requerimento de 30.09.2024, Apenso B; Ac. do TRP de 17.07.2024 junto pelo Exequente ao seu Requerimento de 26.09.2024, Apenso B; reconhecimento expresso desse facto pelo Exequente nos arts. 15 e 23 do seu Requerimento de 23.09.2024, Ref. 40138001, Apenso B);

(2) No dia 24.06.2024, a Executada deu entrada na urgência psiquiátrica do Centro Hospitalar ... (cfr. Ac. do TRP de 17.07.2024 junto pelo Exequente ao seu Requerimento de 26.09.2024, Apenso B);

(3) A Executada encontrou-se internada entre 25.06.2024 e 14.08.2024 no Hospital ... (cfr. Ac. do TRP de 17.07.2024 junto pelo Exequente ao seu Requerimento de 26.09.2024, Apenso B);

(4) Durante esse período (pelo menos, de 21.05.2024 a 14.08.2024), a Executada mostrou-se temporariamente incapacitada para a sua atividade profissional e outras atividades normais da vida diária, não estando apta a compreender o verdadeiro sentido e alcance de potenciais atos e notificações judiciais de que fosse autora ou destinatária;

(5) Apesar da entrega, a 07.06.2024, no Proc. n.º ... (que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de ...), de procuração subscrita pela Executada no dia 04.06.2024, os Advogados nomeados renunciaram ao mandato logo a 11.06.2024, tendo-se limitado, quando muito, a consultar o processo (cfr. reconhecimento da renúncia pelo Exequente no art. 16 do seu Requerimento de 23.09.2024, Ref. 40138001);

(6) Terminado o seu período de incapacidade prolongada, logo se apressou a Executada a constituir novos mandatários, tendo outorgado Procuração a favor dos seus atuais representantes a 23.08.2024 (cfr. requerimento de junção de Procuração de 30.08.2024, Ref. 39930686, no processo principal);

(7) Com a apresentação do seu Requerimento de 02.09.2024, a Executada procedeu ao pagamento de multa (cfr. requerimento de 02.09.2024, Ref. 39945075, Apenso B).

37. Na matéria dada como "PROVADA", deve ser suprimido o ponto 1, e aditados novos pontos com o seguinte ou análogo teor:

(1) Por certificado de incapacidade temporária para o trabalho, assinado pela médica Dra. CC, datado de 14.08.2024, foi fixado um período de incapacidade com início a 15.07.2024, durando por 31 dias, ou seja, até 14.08.2024, tendo sido assinalada a opção “incapacitante para a sua atividade profissional”;

(2) A Executada encontrou-se afetada de doença desde, pelo menos, 21.05.2024;

(3) No dia 24.06.2024, deu entrada na urgência psiquiátrica do Centro Hospitalar ...;

(4) A Executada encontrou-se internada entre 25.06.2024 e 14.08.2024 no Hospital ...;

(5) Durante esse período (21.05.2024 a 14.08.2024), a Executada mostrou-se temporariamente incapacitada para a sua atividade profissional e atividades normais da vida diária;

(6) Durante esse período (21.05.2024 a 14.08.2024), a Executada mostrou-se igualmente incapaz de perceber o efetivo sentido e alcance de atos processuais praticados (alegadamente notificados, ou pela via postal, ou pela plataforma Citius);

(7) Em virtude da sua doença e internamento médico, a Executada perdeu o normal acesso ao seu computador, Internet, processo físico e plataforma CITIUS, não conseguindo adiantar o seu trabalho;

(8) A Executada não conhecia Colega em quem pudesse substabelecer a elaboração de peças, dada a singularidade do processo, o adiantado da hora e a ausência dos mesmos para férias;

(9) De todo o modo, a Executada não tinha nem a disponibilidade nem a capacidade mental para substabelecer tais poderes e inteirar outro Advogado das circunstâncias factuais do caso;

(10) Apesar da entrega, a 07.06.2024, no Proc. n.º ... (que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de ...), de procuração subscrita pela Executada no dia 04.06.2024, os Advogados nomeados renunciaram ao mandato logo a 11.06.2024, tendo-se limitado, quando muito, a consultar o processo;

(11) Terminado o seu período de incapacidade prolongada, sentindo-se ainda fragilizada e incapaz de regressar de imediato ao trabalho, logo se apressou a Executada, na medida das suas possibilidades, a contactar inúmeros escritórios de Advogados, averiguando da disponibilidade dos mesmos para a representarem;

(12) A Executada outorgou Procuração a favor dos seus atuais mandatários a 23.08.2024, tendo estes de imediato diligenciado pelo levantamento dos processos relativos à mesma, bem como pela elaboração e submissão das peças mais urgentes e com prazos ainda pendentes;

(13) Os atuais mandatários da Executada juntaram Procuração aos autos e requereram a sua associação à plataforma Citius (para efeitos de exercício do respetivo patrocínio e sua notificação de todos os atos processuais) por Requerimento de 30.08.2024;

(14) A apresentação do Requerimento de 02.09.2024 pela Executada foi acompanhada de comprovativo de pagamento de multa.

38. Deve dar-se como “NÃO PROVADO” o seguinte ponto:

(1) A Executada foi notificada ou teve, de qualquer outra forma, conhecimento do Auto de Penhora datado de 05.06.2024, antes de 02.09.2024.

39. O justo impedimento (art. 140, n.ºs 1 e 2 do CPC) tem legal consagração, a título excecional, por uma questão de justiça material, funcionando como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para a prática de certos atos, atendendo a ocorrências estranhas e não imputáveis ao obrigado à prática do ato.

40. São pressupostos de ordem substancial: a existência de um evento que obsta à prática atempada do ato (no presente caso, doença incapacitante comprovada nos autos); a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário na ultrapassagem do prazo perentório (culpa essa não alegada, muito menos aqui demonstrada).

41. Foi intenção do legislador proceder a um “aligeiramento” das exigências do regime em causa, tendo em conta as gravíssimas consequências da preclusão processual para as partes, bem como as suas mais que nefastas consequências na realização da justiça (o Tribunal não deve ser excessivamente exigente na apreciação das provas, mas contentar-se com prova meramente informatória ou de simples justificação).

42. A outorga de uma Procuração pela Executada não demonstra a capacidade da mesma.

43. O Exequente não comprova a suposta notificação da mandatária renunciante de atos processuais e, nomeadamente, do invocado Ac. do TRP de 17.07.2024.

44. A apresentação de articulados por novos mandatários não se afigura como imediata, sobretudo em casos como o da Recorrente; não se podia esperar que, com a junção de Procuração aos autos a 30.08.2024 (em plenas férias judiciais), os novos representantes da Executada conseguissem analisar a integralidade dos seus processos, reunir com a sua constituinte e apresentar embargos de executado / oposição à penhora (entre outros articulados) antes da data em que o fizeram (02.09.2024, com significativo sacrifício pessoal e profissional dos mesmos), sobretudo tendo em atenção difícil conjuntura que entretanto assolava a vida pessoal da Executada.

45. Nunca foi alegada, muito menos demonstrada, a existência de culpa da Executada, ou de quaisquer dos seus mandatários, na ultrapassagem de um prazo perentório.

46. A Sentença “sub judice” violou os arts. 3, n.º 3, 140 e 149 do CPC, assim como o art. 20 da CRP, no referente aos princípios do contraditório, do acesso ao direito, da garantia da tutela jurisdicional efetiva e da igualdade de armas, na medida em que foram coartadas à Executada as suas prerrogativas de pronúncia e realização dos seus direitos de defesa.

47. No seu Requerimento de 02.09.2024, a Executada chamou a atenção para a evidente ilegalidade das penhoras realizadas pela Sra. Agente de Execução (incidentes, nomeadamente, sobre 4 imóveis da Executada).

48. Haviam sido nitidamente violados nos autos os princípios da proporcionalidade e da adequação previstos nos art. 735, n.º 3 e 751, n.º 1 do CPC.

49. O princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, é um limite à penhora de bens indicados pelo Exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (art. 62 da CRP), que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. Tem uma génese constitucional, posto que a faculdade de penhorar bens do devedor (ou de terceiro) representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado (arts. 20, 21 e 62 da CRP).

50. O princípio da adequação, por sua vez, determina que a penhora deve iniciar-se pelos bens de mais fácil execução, passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas.

51. A Sentença alvo de recurso é completamente omissa de fundamentação, e, em especial, relativamente ao pedido de levantamento das penhoras realizadas sobre os 4 imóveis da Executada, por manifestamente desproporcionais e inconstitucionais.

52. Já havia a Executada realçado que o Tribunal deveria conhecer oficiosamente a inconstitucionalidade, motivo pelo qual (independentemente da aceitação do justo impedimento invocado) não se poderia nunca invocar a extemporaneidade do pedido de levantamento da penhora, já que tal conhecimento, devido à inconstitucionalidade mencionada, poderia ser feito a qualquer tempo.

53. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia. Além dessas, deve apreciar e decidir aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita (art. 608, n.º 2, do CPC).

54. Deve a decisão recorrida ser anulada, a fim de que o Tribunal a quo profira nova decisão, devidamente fundamentada e, ainda, com pronúncia sobre: a produção da prova testemunhal requerida; o pedido de declaração de desproporcionalidade / inconstitucionalidade das concretas penhoras realizadas.

55. Termos em que,

Os preceitos legais invocados pelo Dig. Tribunal (em especial, os arts. 140 e 732, n.º 1, al. a) do CPC) são inconstitucionais na interpretação que lhes foi dada pelo douto despacho recorrido, por violação expressa dos princípios do Estado de direito democrático (art. 2.º da CRP), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e da salvaguarda dos direitos pessoais (art. 26.º da CRP), contrariando o âmbito e sentido dos direitos fundamentais consagrados (art. 16.º da CRP).

A interpretação correta de tais preceitos, para respeitar os aludidos princípios e normas fundamentais, é a de que a apresentação de sucessivos certificados de incapacidade temporária por doença incapacitante para a atividade profissional (em especial, por uma Parte que, na qualidade de Advogada, age em causa própria), acompanhados de provas de internamento prolongado durante aproximadamente 2 meses, e de outorga de procuração a favor de novos mandatários mal cessado o evento imprevisível e impeditivo, não exige a produção de qualquer outra prova suplementar, para efeitos de verificação do justo impedimento, que deve ser declarado.

Subsidiariamente, a Sentença recorrida é, pelo menos, nula, e como tal deve ser declarada, por violação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC), porque não especifica verdadeiramente os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615, n.º 1, al. b) do CPC), pela oposição entre os fundamentos (designadamente de facto) invocados e a decisão, ocorrendo ambiguidade/obscuridade que torna a decisão ininteligível (art. 615, n.º 1, al. c) do CPC), assim como pela absoluta omissão de pronúncia sobre questões de que o Dig. Tribunal deveria conhecer (como os pedidos constantes do Requerimento de 02.09.2024, de produção de prova testemunhal e de avaliação oficiosa da desproporcionalidade / inconstitucionalidade das concretas penhoras realizadas – cfr. art. 615, n.º 1, al. d) do CPC).

Caso assim não se entenda (o que não se concede e apenas se admite por mero efeito de raciocínio), sempre deverá ser revogada por ter violado, por erro de interpretação e/ou aplicação, o disposto nos citados preceitos e diplomas legais (designadamente, os arts. 3, n.º 3, 140, n.ºs 1 e 2, 149, 411, 608, n.º 2, 732, n.º 1, al. a), 735.º, n.º 3 e 751.º, n.º 1 do CPC; 487, n.º 2, 817, 818 do CC; 2, 18, n.º 2, 20, 21, 62, n.º 1, da CRP).

Deverá ainda, sempre e em todo o caso, a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que julgue no sentido antes exposto, pronunciando-se quanto à prova testemunhal requerida, relevando o justo impedimento invocado (com dispensa de pagamento de multa ou, subsidiariamente, com a sua redução), determinando o levantamento de quaisquer penhoras realizadas sobre bens (nomeadamente, imóveis) da Executada (por manifestamente desproporcionais e inconstitucionais), sempre e de todo o modo considerando extinta a presente a presente execução, dada a iliquidez e inexigibilidade da obrigação exequenda.

Contra-alegou o exequente em defesa da decisão apelada e pela improcedência da apelação.


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Delimitação do objecto do recurso.

A apelante suscita (considerando a delimitação do objecto do recurso feita nas conclusões das alegações) para apreciação e decisão as seguintes questões:

- a nulidade da decisão – por falta de fundamentação (de facto e de direito), por oposição entre os fundamentos e a decisão, por ininteligibilidade (ambiguidade e obscuridade) e por omissão de pronúncia (seja por se não ter pronunciado sobre a inadequação da prova testemunhal oferecida, seja por se não pronunciado sobre a ilegalidade das penhoras - questão que oficiosamente sempre lhe cumpriria conhecer e decidir, atenta a alegada a desproporcionalidade e ‘inconstitucionalidade’ das concretas penhoras realizadas),

- a errada decisão sobre a matéria de facto (decisão que censura, pretendendo a alteração da factualidade a ponderar),

- a verificação dos pressupostos para se concluir pela verificação do justo impedimento – questão que inclui apreciar da inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 140º e 732º, nº, 1, a) do CPC feita pela decisão recorrida [‘violação dos princípios do Estado de direito democrático (art. 2º da CRP), do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (arts. 20º, nº 1 e 4 da CRP) e da salvaguarda dos direitos pessoais (art. 26.º da CRP), contrariando o âmbito e sentido dos direitos fundamentais consagrados (art. 16.º da CRP)’].


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FUNDAMENTAÇÃO

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Fundamentação de facto

A decisão apelada considerou provada a seguinte matéria:

1. No dia 7/06/2024 foi a executada notificada do teor do auto de penhora datado de 5/06/2024.

2. A executada juntou o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, assinado pela médica Dr.ª CC, datado de 2 do mês de Setembro, referindo que a data de início da incapacidade foi em 21 de Maio de 2024 e que duraria por doze dias, ou seja, até 1 de junho seguinte, tendo sido assinalado ‘incapacitante para a sua actividade profissional’.

3. A executada juntou o certificado de incapacidade temporária para o trabalho, assinado pela médica Dr.ª CC, datado do mesmo dia 2 do mês de Setembro, referindo-se que se trata de prorrogação, tendo-se iniciado tal período no dia 2 de Junho de 2024 e terminando em 24 do mesmo mês de Junho, tendo sido assinalado ‘incapacitante para a sua actividade profissional’.

4. A executada juntou o certificado de incapacidade temporária de trabalho, assinado pelo médico Dr. DD, datado de 22 de Julho de 2024, dizendo tratar-se de uma incapacidade inicial a começar no dia 25 de Junho de 2024 e a terminar no dia 15 de Julho seguinte, mais se dizendo ter havido internamento, tendo sido assinalado ‘incapacitante para a sua actividade profissional’.

5. No Juízo de Família e Menores de ..., desta comarca do Porto, encontra-se pendente processo relativo às regras de responsabilidade parental no que toca ao filho menor de embargante e embargado, e que tem o nº ... (processo principal).

6. No Apenso E de tal processo a aqui executada outorgou procuração forense a favor de um Colega, com procuração subscrita no dia 4 de Junho de 2024 e entregue no Tribunal de Vila do Conde no dia 7 do mesmo mês.

7. A executada deu entrada no dia 2/09/2024 do articulado constante dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.


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Fundamentação de direito

A. Da nulidade do despacho apelado.

A.1. Da nulidade do despacho - falta de fundamentação, ininteligibilidade e contraditoriedade.

Imputa a apelante ao despacho apelado o vício da nulidade, arguindo a falta de fundamentação (de facto e de direito), a contradição entre a fundamentação e a decisão e ainda a sua ininteligibilidade (conclusão 33).

Manifesta a irrelevância de apreciação de tais invocados vícios do despacho apelado.

Cumprindo apreciar se se verifica ou não o apontado erro de julgamento da decisão apelada a propósito do invocado justo impedimento – importando o mesmo, a verificar-se, a revogação do despacho e sua substituição por outro que julgue verificado o impedimento e afaste a inadmissibilidade da dedução da oposição à penhora com fundamentação na sua extemporaneidade –, tal sempre se imporá a este tribunal, verifiquem-se ou não as apontadas falta de fundamentação, contraditoriedade e ininteligibilidade (ambiguidade/obscuridade) do despacho recorrido, pois as mesmas (a verificarem-se) teriam de ser supridas por este tribunal de recurso, dado tratar-se de situação em que a tais eventuais falhas estruturais da estrutura da decisão é aplicável a regra da substituição ao tribunal recorrido, prescrita no art. 665º do CPC – nas situações em que se imponha a regra da substituição ao tribunal recorrido, prescrita no art. 665º, nº 1 do CPC (em que não se verifique a necessidade de recolher elementos não disponíveis nos autos, que imponham a remessa dos autos à 1ª instância), deverá o tribunal de recurso conhecer do objecto da apelação[1] (no caso, da verificação do invocado justo impedimento), o que retira qualquer interesse e relevo à apreciação dos vícios, pois que tal redundará num mero exercício de verificação académica do cumprimento das regras próprias da elaboração e estruturação da decisão, sem efectivo relevo e impacto na sorte da apelação (a revogação ou alteração da decisão não depende da constatação de tais vícios nem eles determinam o sentido da decisão a proferir – nos casos em que, insiste-se, dos mesmos não redunde a necessidade de determinar a remessa dos autos à 1ª instância e esteja impedida a imediata apreciação do objecto da apelação).

Porque quanto a estes imputados vícios (falta de fundamentação, ininteligibilidade e contraditoriedade) quadra, no caso, inteiramente, a solução legal prescrita art. 665º, nº 1 do CPC, ultrapassa-se, em razão da sua irrelevância para a sorte da apelação (para apreciar da revogação ou alteração da decisão que conheceu e decidiu do invocado justo impedimento), a sua apreciação (abstém-se a Relação de os conhecer, por irrelevantes à decisão).

A.2. Da nulidade do despacho – a omissão de pronúncia (não apreciada a produção da prova testemunhal proposta).

A apelante alega padecer a decisão apelada do vício da omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a inadequação de produção da requerida prova testemunhal.

A patologia vem invocada sem que se alegue (e sem que tal se vislumbre) que a falta tenha qualquer reflexo na apreciação da matéria relevante ao conhecimento e decisão do invocado justo impedimento – a prova testemunhal interessaria à demonstração de factualidade alegada a propósito do invocado justo impedimento, mas certo é que a apelante, tendo impugnado a decisão de facto (com sustento em prova documental e no que resulta da tramitação dos autos), não invoca ou alega que qualquer matéria por si alegada tenha sido desconsiderada ou julgada não provada por se ter omitido a produção da prova testemunhal oferecida (ou seja: não alega a apelante que a não produção da prova testemunhal a impediu de demonstrar de qualquer matéria relevante à apreciação e decisão do invocado justo impedimento).

Irrelevante, pois, a apreciação da invocada nulidade – na questão trazida em apelação a produção da prova testemunhal circunscrever-se-ia aos factos relevantes para o julgamento e decisão do invocado justo impedimento e por isso que o relevo da nulidade invocada (e a utilidade na sua decretação) encontraria justificação se estivesse em causa modificar ou alterar a decisão de facto em atenção ao que tal prova pudesse demonstrar, o que não é o caso, pois que a apelante pretende modificar a decisão de facto com base em elementos probatórios constantes dos autos, sem fazer apelo ao que a prova testemunhal poderia aportar em ordem à demonstração de qualquer facto que relevasse para a apreciação do justo impedimento.

Não faz sentido, na verdade, conhecer da invocada omissão de pronúncia pois a sua verificação sempre se depararia com a desnecessidade ou irrelevância da produção da prova testemunhal (a consequência do suprimento da nulidade, a verificar-se esta, seria apreciar da aptidão do meio de prova proposto para a demonstração de factos alegados a propósito do justo impedimento) – não só a apelante impugna a decisão de facto independentemente dos contributos probatórios que tal elemento de prova pudesse trazer aos autos, como não alega ter ficado impedida (em atenção à invocada omissão) de demonstrar qualquer facto (que a prova testemunhal proposta seria apta e adequada a demonstrar) que tenha alegado e concernente ao invocado justo impedimento, donde resulta ser irrelevante a invocação da nulidade em questão (o relevo e procedência da omissão de pronúncia em questão não pode deixar de conexionar-se, necessária e indelevelmente, à aptidão e necessidade da prova omitida para a demonstração de factos respeitantes ao invocado justo impedimento – o que, manifestamente, não ocorre no caso trazido em apelação).

Do que precede resulta dever a Relação abster-se de apreciar do invocado vício (omissão de pronúncia por não apreciada a produção da prova testemunhal proposta).

A.3. Da nulidade do despacho – a omissão de pronúncia sobre a ilegalidade das penhoras.

A apelante imputa ainda ao despacho recorrido o vício da omissão de pronúncia por se não ter pronunciado sobre questão que se lhe impunha oficiosamente conhecer e decidir, qual seja a ilegalidade das penhoras, atenta a alegada desproporcionalidade e ‘inconstitucionalidade’ das concretas penhoras realizadas.

Evidente e manifesta a improcedência da arguição.

A omissão de conhecimento (omissão de pronúncia) é patologia que ocorre nas situações em que a decisão se não pronuncia sobre (e não aprecia, soluciona ou decide) questões cujo conhecimento se lhe impõe – deve ‘o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer’[2].

Situação que se correlaciona com o nº 2 do art. 608º do CPC, por ele tendo de ser integrado – impõe-se ao juiz que conheça e aprecie de todas as questões suscitadas pelas partes que não sejam prejudicadas pela solução dada a outras[3].

Assim que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia se circunscreve às situações em que uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não tenha aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão e cuja resolução não haja sido prejudicada pela solução dada a outras.

Na situação dos autos o poder cognitivo do tribunal mostra-se não apenas delimitado pelo incidente deduzido pela apelante (incidente de oposição à penhora – art. 784º e ss. do CPC) – e, assim, pelos factos e fundamentos esgrimidos pela executada em vista de obter o levantamento das penhoras –, mas também pela necessidade de apreciar a analisar preliminarmente da verificação dos pressupostos para se concluir pelo invocado justo impedimento (relevante na apreciação da admissibilidade do incidente – da sua tempestividade).

Tendo o tribunal a quo concluído, na decisão apelada, não se verificar o justo impedimento, rejeitando liminarmente, em consequência, a deduzida oposição à penhora, impedida ficou a apreciação de qualquer matéria (questão) respeitante à alegada ilegalidade e ou ‘inconstitucionalidade’ das penhoras – rejeitado liminarmente o incidente, impedida ficou a apreciação e conhecimento de qualquer fundamento alegado pela executada apelante que pudesse determinar o levantamento das penhoras; ou seja, a apreciação do mérito do incidente (da sua procedência – da concludência da argumentação aduzida pela executada apelante, em vista de obter o levantamento das penhoras, fosse qual fosse a natureza da questão subjacente) ficou arredada e, por isso, não competia já ao tribunal apreciar dos invocados fundamentos susceptíveis de demonstrar a ilegalidade e/ou ‘inconstitucionalidade’ das penhoras.

Não padece, pois, a decisão apelada da imputada omissão de pronúncia.

B. Da impugnação da decisão de facto.
B.1. Da abstenção de conhecimento da impugnação na parte em que vem dirigida a matéria indiferente e irrelevante à decisão.

A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito (considerando as soluções plausíveis da questão de direito[4]) que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados e não provados[5].

O recurso destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido, estando a impugnação da matéria de facto funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na decisão recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que circunscreve a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso (em que esta dependa da modificação que o recorrente pretende introduzir nos factos a considerar na decisão a proferir).

Pretende a apelante se considere não provado ter sido notificada do auto de penhora datado de 5/06/2024 ou que dele tenha tido conhecimento antes de 2/09/2024 (esta a data em que se apresentou a deduzir o incidente de oposição à penhora e a invocar o justo impedimento).

Irrelevância da impugnação de tal factualidade (veja-se o número 1 dos factos provados) que resulta evidente ponderando que não está em questão apreciar de qualquer nulidade que afecte a notificação da executada apelante do auto de penhora, antes apurar da verificação do invocado justo impedimento – instituto que tem como necessário pressuposto a notificação para a prática do acto que a parte quer ser admitida a praticar.

Porque não constitui objecto do recurso apreciar de qualquer (eventual) nulidade da notificação, tão só apreciar se se verificam ou não os pressupostos para afirmar a existência do invocado justo impedimento, não interessa (é indiferente e irrelevante) apreciar da impugnação dirigida pela apelante ao facto 1 da matéria provada.

Indiferente e irrelevante também, em vista de apurar da verificação do invocado justo impedimento, é a factualidade que sob os números 11 a 14 a apelante pretende aditar à factualidade apurada – trata-se de matéria que não respeita (e é alheia) ao facto invocado como causa do impedimento (à doença da apelante) e é também alheia à demonstração da prática do acto logo que o impedimento cessou (e sendo certo, ainda, que o reconhecimento do justo impedimento não depende do pagamento de qualquer multa), ponderando que, como provado, o período de incapacidade por doença da apelante cessou em 15/07/2024 e o acto foi praticado no primeiro dia útil após ferias judiciais (2/09/2024, segunda-feira), decorridas entre 16/07/2024 e 31/08/2024 (art. 28 da Lei 62/2013, de 26/08).

Também se mostra alheia e irrelevante à apreciação da verificação do justo impedimento (a questão a decidir) a matéria que a apelante pretende acrescentar ao facto provado número 6 – pretende a apelante se adite a tal facto que os advogados que constituiu nesses autos a correr termos no juízo de família e menores de Vila do Conde por procuração que subscreveu em 4/06/2024 vieram renunciar ao mandato a 11/06/2024 (limitando-se, quando muito, a consultar o processo). Tal aditamento pretendido pela apelante não acrescenta qualquer elemento de ponderação útil (concludente ou atendível) em vista de apreciar da existência do invocado justo impedimento – o alegado facto obstaculizador da prática atempada do acto foi, tão só, a incapacidade profissional da executada apelante, pelo que a renúncia dos mandatários que constituíra naqueloutro processo é alheia e neutra à questão, não abalando o relevo e significado que se possa retirar da constituição do mandato (o acto pessoal da executada foi o da outorga da procuração, da constituição de mandatário, sendo que a renúncia é um acto dos mandatários, e só aquele primeira pode contender com a apreciação do invocado justo impedimento).

Abstém-se, por isso, a Relação de conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto no segmento em que a apelante pretende se julgue não provado o ponto número 1 dos factos provados e em que pretende aditar os números 10, 11, 12, 13 e 14 à factualidade apurada.

B.2. Da impugnação da decisão de facto – da inadmissibilidade de adquirir matéria não alegada.

Corolário do princípio do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, é ónus da parte ‘requerer a admissão da prática extemporânea do ato mediante a alegação e prova do justo impedimento’[6], o que implica que a parte logo alegue o concreto facto obstaculizador da prática do acto (a ‘situação impeditiva da prática atempada do ato’[7])– e a tal factualidade fica limitado o poder cognitivo do tribunal.

A apelante invocou como facto que obstaculizou a prática atempada do acto a impossibilidade absoluta temporária para o exercício da sua profissão, em consequência de doença, desde o final de Maio até 15/07/2024 – não alegou, porém, a natureza da doença e sendo certo que em documento que logo juntou vem referido ter sido internada, não vem alegado (sequer mencionado no documento junto) o local e concreto período de internamento.

De arredar, pois a possibilidade de ponderar o aditamento da factualidade que, sob os números 3 e 4 (local e período de internamento), a apelante pretende ver aditada à fundamentação de facto.

Ademais, alegou que o período de incapacidade profissional decorreu até 15/07/2024, pretendendo agora se julgue provado que tal período de incapacidade decorreu até 14/08/2024 (vejam-se os factos 1, 4, 5 e 6 que pretende acrescentar à factualidade provada) – o que não pode ser considerado, pois que a sua alegação fixou o poder cognitivo do tribunal.

Também alheia à ‘causa de pedir’ do invocado justo impedimento é a factualidade que, sob os pontos 5 e 6, a apelante pretende ver aditada aos factos provados – não alegou a apelante (nem tal resulta dos documentos que logo juntou com o requerimento, que se admite complementarem a alegação feita no articulado) que tenha ficado incapacitada para a prática da normal actividade do quotidiano (veja-se a parte final do ponto 5 que pretende aditar) ou que tenha ficado incapaz de perceber o sentido e alcance dos actos processuais praticados (veja-se o ponto 6 que pretende aditar aos factos provados).

Não pode, pois, tal matéria (pontos 1, 3, 4, 5 e 6 que a apelante pretende aditar à factualidade provada) ser adquirida, porque não alegada – sendo que não pode qualificar-se a mesma como matéria complementar ou concretizadora que tenha resultado da discussão da causa (art. 5º, nº 2, b) do CPC), desde logo porque para tanto teria ela de resultar dos documentos juntos pela apelante com o seu requerimento (note-se que, como resulta do disposto no art. 140º, nº 2, 1ª parte, do CPC, além de alegar as circunstâncias concretas que motivaram o impedimento, a parte deve apresentar logo os meios de prova[8]).

B.3. Da apreciação da impugnação da decisão de facto – da demais matéria que se pretende ver julgada provada.

Ponderando que já se mostra julgada provada a matéria que a apelante propõe (no ponto 2) seja aditada à factualidade provada (veja-se o facto julgado provado sob o número 2), a impugnação tem o seu objecto limitado à matéria dos pontos 7 a 9 que pretende ver aditados aos factos provados.

Evidente a improcedência da impugnação, ponderando que a matéria em questão (dos pontos 7 a 9) não resulta demonstrada pela prova documental (a única produzida nos autos - e sendo certo que a matéria do justo impedimento tem de ser demonstrada pela parte, não valendo quanto a ela a admissão da sua veracidade pela parte contrária) - seja a perda de acesso ao computador por parte da executada apelante, seja a perda de acesso à internet ou aos processos físicos, muito menos o desconhecimento de colegas ou a ausência dos mesmos para férias ou sequer, por fim, a falta de disponibilidade e/ou capacidade mental para que pudesse inteirar um advogado das circunstâncias factuais do caso.

Improcede, pois, a impugnação.

B.4. Da impugnação da decisão de facto - conclusão.

Do que precede resulta não haver que proceder a qualquer alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto

C. Da verificação do invocado justo impedimento

C.1. Da verificação dos pressupostos do justo impedimento.

Com a presente apelação (assim já o pretendia no requerimento inicial, apreciado e indeferido pelo despacho recorrido) pretende a executada apelante ser admitida a apresentar (extemporaneamente) oposição à penhora, invocando o instituto do justo impedimento, estribado, em concreto, em situação de doença que a impediu de praticar o acto no prazo peremptório para tal estabelecido (acto que praticou no primeiro dia útil posterior à cessação do impedimento).

O conceito de justo impedimento aponta para a inimputabilidade do facto obstaculizador da prática de acto (facto impeditivo da prática atempada do acto, não imputável à parte ou ao seu mandatário) – o instituto está centrado na ideia de não imputabilidade do facto à parte ou aos seus mandatários, não assentando já na ideia de imprevisibilidade do facto[9].

Trata-se de facto que obsta ou impede a prática do acto – evento que impede a prática do acto processual; pressupõe uma causa (o evento não imputável à parte ou seu representante ou mandatário judicial) e uma consequência (a impossibilidade da prática do acto)[10].

Só o evento determinante da impossibilidade da prática do acto pode fundar o justo impedimento – é ´necessário que o evento determine a inexigibilidade da prática do acto’, não sendo suficiente para caracterizar o justo impedimento a ‘mera dificuldade’ ou a ‘dificuldade acrescida na prática do acto’[11]; para fundar procedentemente o justo impedimento, o evento (v.g., a doença súbita da parte ou do mandatário) terá de configurar ‘obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa’[12].

De afastar – assim se corroborando a decisão apelada – que a doença ‘incapacitante’ para a actividade profissional (vejam-se os factos provados 2 a 4 – em determinado período temporal, decorrido entre 25/06 e 15/07, com internamento) possa ser havida como evento fundante de justo impedimento, pois que não se mostra suficiente (desacompanhados tais factos concernentes à referida incapacidade para o exercício profissional por quaisquer outros) para que se conclua que a executada (na sua qualidade de parte - essa a qualidade que releva) foi impedida (atento o critério da razoabilidade) de praticar o acto atempadamente – não resulta que a executada tenha ficado objectivamente impossibilitada, em razão da doença, de providenciar pela sua defesa (pela dedução da oposição às penhoras), instruindo mandatário judicial para tanto (ainda que possa conceder-se que tenha ficado impossibilitada de providenciar pessoalmente pela defesa em juízo, advogando em causa própria, certo é que não ficou obstaculizada ou impedida a prática do acto por mandatário). Não resulta, pois, demonstrada matéria que permita concluir que o evento (a doença da executada) teve como consequência a inexigibilidade da prática (tempestiva) do acto, a sua impossibilidade absoluta ou, considerando o critério de razoabilidade, que tal evento se tivesse erigido como obstáculo razoável e objectivo à prática do acto – a situação de doença provada (incapacitante para o exercício da actividade profissional) não se mostra incompatível com o empreender de diligências para que o acto pudesse ser praticado (mormente o estabelecimento de contacto com um mandatário, instruindo-o para a apresentação da defesa/pretensão em juízo[13]), sendo certo que a natureza da causa (e do acto a praticar – oposição à penhora, nos termos do art. 784º do CPC) não tem particularidades ou peculiaridades (pelo menos não são as mesmas substanciadamente alegadas, nem se vislumbram do que os autos revelam) que importem especial valorização ou ponderação (especialidades que, reconhece-se, a existir poderiam/deveriam ser ponderadas para apurar se o evento – a doença – era um obstáculo razoável à prática do acto com condições mínimas do exercício do direito).

De recusar, pois, a verificação, na situação trazida em recurso, dos pressupostos do justo impedimento.

C.2. Da inconstitucionalidade dos arts. 140º e 732º, nº, 1, a) do CPC na interpretação da decisão apelada.

Ao contrário do que alvitra a apelante (que o afirma sem, contudo, o substanciar), não padece o regime normativo do instituto do justo impedimento, na interpretação que se vem fazendo, de qualquer inconstitucionalidade.

Não se vislumbra em que segmento ou vertente a interpretação que é feita do preceito que regula o justo impedimento (art. 140 do CPC) ou da sua conjugação com a natureza peremptória do prazo para dedução da oposição à penhora (arts. 785 e 732º, nº 1 a) do CPC9) consubstancia qualquer violação ou desconformidade com a garantia constitucional do acesso ao direito, aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa) – ínsitos ao Estado de direito democrático (art. 2º da CRP – vertente da qual resulta a sujeição do poder a princípios e regras jurídicas e que abrange, além doutros, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, direito de acesso aos tribunais, direito à reserva da função jurisdicional para os tribunais e à independência dos juízes)[14] – e seus conexos (nº 4 do art. 20º da CRP) direito de acesso aos tribunais e à decisão em prazo razoável e em processo equitativo (processo marcado pelo princípio da equitatividade – um processo justo na sua conformação legislativa, mas também materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais; o ‘significado básico da exigência do processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a tutela judicial efectiva’, equitatividade cuja densificação nos revela, além doutros, i) o direito à igualdade de armas, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias, ii) o direito de defesa e o direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as suas razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da oura parte e pronunciar-se sobre o resultado dessas provas, iii) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso, iv) direito à decisão em tempo razoável o v) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo e o vi) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas formalidades[15]).

Para lá de ter-se como seguro que o prazo processual peremptório estabelecido no art. 785º do CPC se mostra necessário a alcançar a finalidade precípua do processo (no caso, apreciar da legalidade da penhora e decidir da sua manutenção ou levantamento, enquanto incidente do processo executivo), harmonizando-se e dando o necessário equilíbrio à tramitação da acção executiva (sendo, por isso, justificado – funcionalmente adequado ao fim do processo), traduzindo-se numa exigência proporcionada e razoável imposta à parte que pretende defender-se do acto judicial que ataca bens de sua propriedade (mostrando-se por isso respeitados os limites da razoabilidade, proporcionalidade e de adequação a que está sujeito o legislador ordinário na conformação concreta da estrutura do processo[16]), donde resulta a sua conformidade aos referidos princípios constitucionais (garantia de acesso ao direito e aos tribunais, à tutela jurisdicional efectiva e ao processo equitativo), tem também de concluir-se que a interpretação que presidiu à decisão, concluindo pela não verificação do justo impedimento, não viola qualquer princípio constitucional.

Da interpretação segundo a qual o preenchimento do conceito do instituto do justo impedimento exige a inexigibilidade da prática do acto, não se bastando com a mera dificuldade ou com a dificuldade acrescida (exige-se que o evento constitua obstáculo razoável e objetivo à prática do acto) – esta a interpretação do preceito que interessa submeter ao teste da constitucionalidade – não resulta que se prive injustificada, desproporcionada e inadequadamente (de modo excessivo ou arbitrário) a parte do acesso ao direito e ao tribunal, muito menos que se lhe coarcte o direito de acção/defesa, que se lhe negue a garantia de tutela jurisdicional efectiva e/ou viole o princípio da igualdade de armas – o justo impedimento constitui uma válvula de escape do sistema[17], uma possibilidade excepcional conferida à parte de praticar o acto já depois de esgotado o prazo peremptório para ele estabelecido, assim tutelando situações que, reconhecidamente, implicam a inexigibilidade da prática tempestiva do acto; mostra-se assim justificado, proporcionado e adequado circunscrever a tutela do justo impedimento às situações de impossibilidade, o que é conforme ao processo equitativo (à ideia de processo materialmente adequado à tutela judicial efectiva – o não afastamento do justo impedimento nas situações de mera dificuldade ou dificuldade acrescida implicaria uma indesejável perturbação da normal tramitação do processo, com consequências negativas na segurança e certeza da justiça, sem respaldo ou justificação na equitatividade do processo), à garantia de acesso ao direito e aos tribunais, à proibição da indefesa e ao direito ao contraditório (à parte é conferida possibilidade de demonstrar que lhe era inexigível ter anteriormente – e tempestivamente – praticado o acto, para que - isso demonstrado e consequentemente – seja admitida a exercer o seu direito de acçao/defesa – é-lhe garantido, pois, o contraditório), a à igualdade de armas (não resulta desta conformação conceptual do instituto qualquer arbitrária discriminação ou diferença de tratamento).

Alheia à questão é a salvaguarda dos direitos fundamentais (art. 16º da CRP), mormente dos direitos pessoais (art. 26º da CRP) – a interpretação feita do preceito que consagra o justo impedimento não acarreta qualquer violação de direitos de personalidade, sequer traduz uma forma de discriminação.

Não padece, pois, o regime normativo do justo impedimento, na interpretação que dele é feita, da imputada inconstitucionalidade.

D. Síntese conclusiva.

Do exposto resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (art. 663º, nº 7 do CPC) nas seguintes proposições:

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DECISÃO

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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em manter a decisão apelada.

Custas do recurso pela apelante.


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Porto, 11/03/2025

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

João Ramos Lopes

Rui Moreira

Alexandra Pelayo

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[1] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, pp. 736/737.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 737.
[3] Sobre a questão, de forma unânime, Fernando Amâncio Ferreira, Manuel dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 57, A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 690, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, p. 142, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, p. 142, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 727, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 2º, p. 737.
[4] As soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1 –, isto é, as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418 –, os (todos os) ‘possíveis enquadramentos jurídicos do objecto da acção’, as ‘possíveis soluções de direito da causa’, as soluções jurídicas (entendimentos e posições) propostas pela doutrina e/ou jurisprudência para resolver a questão suscitada no litígio – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, Lex, 1997, p. 311 –, as vias de solução possível do litígio, ponderando as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão levantadas pela pretensão deduzida em juízo e excepções invocadas – Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2001, p. 381.
[5] Assim, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08), 2ª edição revista e actualizada, p. 298 e, v. g., os acórdãos da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes) e do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), todos no sítio www.dgsi.pt.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª edição, p. 300.
[7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 166.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 166.
[9] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), Vol. I, p. 166, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 1º, 4ª edição, p. 298 e Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, art. 130º a 361, Versão de 2024/12, nota 3 ao art. 140, p. 15 (consultado online, no no Blog do IPPC - https://blogippc.blogspot.com/ - , em Março de 2025).
[10] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (…), nota 5, p. 16.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (…), nota 7, p. 16. Referindo-se à necessidade de demonstração desta consequência do evento (da impossibilidade absoluta da prática do acto), v. g., os acórdãos da Relação de Guimarães de 7/04/2011 (Manuel Bargado) e de 17/12/2014 (António Santos), ambos no sítio www.dgsi.pt.
[12] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), Volume 1º, 4ª edição, p. 299.
[13] Cfr., p. ex., o citado acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2014 (António Santos)
[14] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista, 2007, p. 205.
[15] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição (…), pp. 415/416.
[16] Cfr., a propósito destes limites e exigências, os acórdãos do TC nº 620/2013 e nº 96/2016, ambos no sítio tribunalconstitucional.pt.
[17] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 2ª edição revista e ampliada, reimpressão, p. 86.