Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
Sumário
I - O incidente de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais não é meio processual adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime vigente do exercício de regulação das responsabilidades parentais. II- As obrigações decorrentes desse regime devem de ser pontualmente cumpridas, nos precisos termos também quanto a prestações de alimentos fixados, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada. III - Perante uma situação de incumprimento já assumida pelo devedor, sem que ocorram causas de extinção da obrigação alimentar, deve o juiz imediatamente avançar para as diligências tendentes ao cumprimento coercivo das prestações assumidamente devidas, nenhuma outra diligência de prova se mostrando necessária para o reconhecimento da falta de cumprimento das mesmas, não ocorrendo, em tal hipótese, omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, susceptível de produzir nulidade nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC ou violação do princípio do contraditório.
Texto Integral
Processo: 392/09.6TBSJM-K.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………
AA instaurou em 18 de Setembro de 2023 contra BB, ambos com os sinais dos autos, incidente de incumprimento da prestação de alimentos devidos ao filho de ambos CC, nascido a 19 de Novembro de 2023 invocando que desde 26-09-2011 o requerido não pagou a pensão de alimentos devida. Notificada para efeito, discriminou os valores não pagos: 2011 - Outubro a Dezembro - 480 £
2012 -Janeiro a Dezembro -1.980 €
2013 -Janeiro a Dezembro-2.040€
2014 -Janeiro a Dezembro-2.100 € 2015 -Janeiro a Dezembro - 2.160 €
2016 - Janeiro a Dezembro - 2.220 €
2017 -Janeiro a Dezembro-2.280 €
2018 -Janeiro a Dezembro - 2.340 €
2019 -Janeiro a Dezembro ~ 2.400 €
2020 -Janeiro a Dezembro - 2.460 C
2021 -Janeiro a Dezembro - 2.520€
2022 -Janeiro a Dezembro - 2.580 €
2023 -Janeiro a Outubro - 2.640 €
Juntou ainda documento comprovativo de que o seu filho se encontra matriculado em estabelecimento de ensino no corrente ano lectivo de 2023/2024.
Notificado o requerido para alegar o que tiver por conveniente ou demonstrar ter procedido ao pagamento das quantias alegadamente em divida relativas a alimentos, apresentou alegações escritas, em síntese invocando a cessação da obrigação de alimentos a 19/11/2021 em razão da maioridade de CC e da irrazoabilidade da sua manutenção, devido a sucessivos incumprimentos do regime de visitas e desde 2013 que o requerido não tem contacto do ou com o seu filho, agindo a requerente e o CC como se o pai não existisse. Mais invoca a prescrição das prestações de alimentos vencidas até Setembro de 2018, nos termos do art.º 310.º, al. f), do CCivil.
Em 07/12/2023 foi proferido despacho nos seguintes termos: “Porque de tramitações processuais diferentes e incompatíveis entre si. o "pedido de cessação da obrigação de alimentos"' não pode sei" aqui apreciado, neste incidente de incumprimento (como se fosse uma espécie de "reconvenção"), razão pela qual. com todo o respeito, vai o mesmo desse já aqui liminarmente indeferido - ait°s 282°. n° 1 e 989°, n°s 1 e 2, ambos do C. P. Civil. Notifique, concluindo-se de seguida”.
E em 15/12/2023 foi proferido o seguinte despacho, que se transcreve: “Resulta documentalmente demonstrado que o filho CC,não obstante ter atingido a maioridade no dia 19/11/2021, ainda não completou a sua formação académica, estando matriculado no corrente ano lectivo 2023/2024 no Curso de Licenciatura em Engenharia Informática, da Faculdade ..., razão pela qual, visto o disposto nos art°s 1880° e 1905°, n° 2, ambos do C. Civil, mantém-se, pois, a obrigação alimentar a cargo do aqui Requerido pai, constante do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais celebrado a 28/05/2009 no âmbito do processo apenso "A", alterado que foi posteriormente a 14/10/2021 no âmbito do processo apenso "E", em cujo qual as partes acordaram a eliminação do indexante de actualização do montante da prestação de alimentos, o que foi homologado por sentença de 06/12/2011, estabilizando-se ali a prestação no montante de €160, 00 mensais. Visto o disposto no art.° 1905°, n° 2 do C. Civil e o 989, n° 3 do C. P. Civil, cuja redação foi introduzida pela Lei n° 122/2015, de 01/09, a Requerente mãe não pode deixar de ter legitimidade processual para pedir ao Requerido pai o pagamento dos alimentos devidos ao filho CC, não obstante a sua maioridade, mas ainda estudante, razão pela qual julgo desde já improcedente a invocada exceção de ilegitimidade. Notifique.
**
Determino o desconto no montante de €160.00 (cento e sessenta euros) mensais no vencimento auferido pelo Requerido pai enquanto Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, do Comando Distrital ..., a entregar directamente à Requerente mãe para pagamento das prestações alimentares vincendas devidas ao filho CC - art.° 48°, n° 1, ai. a) e 2 do RGPTC, em anexo à Lei n° 141/2015, de 08/09. Oportunamente tomar-se-á posição sobre a excepcionada "prescrição" das prestações vencidas e, consequentemente, sobre o montante em atraso. Notifique.
**
Considerando que o Requerido pai assume o não pagamento das reclamadas prestações alimentares, julgo, pois, verificado o alegado incumprimento, razão pela qual as custas do presente incidente ficam a cargo do mesmo. Notifique”.
Deste despacho vem o requerido interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões:
A.O presente recurso recai sobre o despacho proferido a 15/12/2023 pelo Meritíssimo Senhor Juiz de Direito do Juízo de Família e Menores ....
B. O despacho recorrido julgou (1) não verificada uma excepção de ilegitimidade que não foi arguida (excesso de pronúncia), (2) julgou verificado o alegado incumprimento sem produzir qualquer prova e sem realização de conferência ou de audiência de julgamento (completa decisão surpresa)e (3) relegou para depois (?) o conhecimento da excecionada prescrição.
C. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo suprimiu a tramitação prevista no R.G.P.T.C.. dispensando, pura e simplesmente, a realização de diligências de prova. eliminando o princípio do contraditório e proferindo decisão-surpresa. D. A natureza de jurisdição voluntária não permite ao Juiz suprimir trâmites processuais como realização da audiência de julgamento(cfr. Acs. do T.R.G. de 06/10/2011 [proc. n.° 449/09.3TCGMR-A.G1], do T.R.E. de 11/11/2021 [proc. n.° 1800/17.8T8PTM-E.E1], do T.R.L de 30/05/2013 [proc. n.° 5720/04.8TBCSC.L1-8], todos consultáveis em www.dasi.pt. e ANTÓNIO JOSÉ FIALHO, «Conteúdo e Limites do Princípio Inquisitório na Jurisdição Voluntária», 2016, págs. 80-82).
E. O despacho em causa deve, pois, ser revogado, determinando-se o prosseguimento dos autos com a realização da conferência a que alude o art.° 41.°, n.° 3, e/ou a audiência de julgamento a que alude o art.° 39.°, n.° 7, e 41.°, n.°7, do R.G.P.T.C.
***
A requerente apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, Face às conclusões da recorrente, a questão a decidir na presente apelação consiste em saber se foi cometida nulidade processual ou violado o princípio do contraditório ao ter-se dispensando a realização de diligências de prova em conferência de pais ou audiência de julgamento,
A factualidade a considerar para tal é a constante do relatório supra, para que se remete.
***
Em sede de processo especial da regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respectivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos (art.º 41º, n.º 1 do RGPTC, sob a epígrafe “incumprimento”, extensível ao alimentando que tenha atingido a maioridade por força do disposto no n.º 2 do artigo 1905.º do C.Civil, nas condições aí previstas). Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão (n.º 2, 1ª parte). Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excepcionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente (n.º 3).
A letra do mencionado normativo não distingue quando deve o tribunal seguir o procedimento regra de convocar os pais para uma conferência, ou o procedimento excepcional, de mandar notificar o requerido para alegar o que tiver por conveniente. No entanto, tendo em vista as finalidades do incidente de incumprimento, que consistem no reconhecimento da falta de cumprimento das obrigações emergentes do regime em vigor e na adopção das providências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do devedor em multa e em indemnização, verificando-se os respectivos pressupostos, na hipótese de existirem elementos nos autos no sentido de que o incumprimento se verifica já, pelo menos a partir de certa data, não se justifica, nessa parte, a convocação dos pais para uma conferência. “O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo. Por isso, esse processo não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efectuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais. As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objecto de homologação, também quanto a prestações de alimentos fixados, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada” (cfr Acórdão da Relação de Coimbra de 07-09-2021, Processo: 2866/04.6TBCLD-D.C1; no mesmo sentido, Ac. da Relação de Lisboa, Proc. 6036/18.8T8LSB-B.L1, de 11-07-2024, ambos in dgsi.pt). Daí que, perante uma situação de incumprimento já assumida, sem que ocorram causas extinção da obrigação alimentar, deva o juiz imediatamente avançar para as diligências tendentes ao cumprimento coercivo das prestações devidas.
Nas suas alegações escritas, que apresentou para efeitos do art.º 41º, n.º 3 do RGPTC, não põe o requerido, ora recorrente, em crise a vigência de um regime de prestação de alimentos homologado por sentença de 06/12/2011, que fixou a prestação alimentar a seu cargo no montante de €160, 00 mensais. E não põe, tão pouco, em crise que as prestações discriminadas pela requerente não foram pagas, sendo a sua posição a de que, sem prejuízo da inexigibilidade do pagamento de pensão de alimentos a partir de Novembro de 2021, por irrazoabilidade da sua manutenção para além da maioridade, deverá ser declarada a prescrição de todas as pensões alimentícias vencidas até Setembro de 2018. Consequentemente, na perspectiva do recorrente, nada mais terá a pagar, não apenas após a instauração do presente incidente de incumprimento, como ainda desde Novembro de 2021.
Nessa medida e conformidade, nenhuma outra diligência de prova se mostra necessária para o reconhecimento da falta de cumprimento das obrigações emergentes do regime em vigor a partir de Novembro de 2021, não ocorrendo no caso vertente omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, susceptível de produzir nulidade nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC.
No que respeita às prestações vencidas anteriormente a Novembro de 2021, e cujo quantum depende efectivamente da apreciação da prescrição excepcionada, os descontos determinados pelo despacho recorrido em nada interferem com a sua determinação, porquanto se deixou aí claro que os mesmos se destinam ao pagamento das prestações alimentares vincendas.
A circunstância de aí se ter tratado como excepção de ilegitimidade da requerente, em vez das diferenças de regime quanto ao prazo prescricional quando quem se apresenta a cobrar as pensões de alimentos vencidas é a requerente (mãe) e não o credor de alimentos (filho), como o recorrente havia invocado nas suas alegações, irreleva de todo relativamente aos efeitos da decisão recorrida. E quanto à invocada prescrição, ela não foi ainda apreciada, não tendo, por qualquer meio, sido excluída a produção de prova em momento processualmente oportuno, em sede de conferência de pais ou audiência de julgamento.
Não merece, pelo exposto, qualquer censura o despacho recorrido, improcedendo, consequentemente, o recurso.
Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em função do que confirmam o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
Porto, 11/03/2025
João Proença
Artur Dionísio Oliveira
João Ramos Lopes