RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário

I - Estando em causa a responsabilidade do condomínio pelo mau estado de conservação de partes comuns [em concreto, o telhado] e consequente realização de obras destinadas à sua reparação e pelos danos causados na fração autónoma dos autores, decorrentes das infiltrações permitidas pelo mau estado do telhado, e tendo os pedidos formulados pelos autores sido deduzidos contra o condomínio, não existe nenhuma incompatibilidade e, menos ainda, alguma contradição lógica entre os indicados pedidos e a(s) causa(s) de pedir em que aqueles se estribam, não ocorrendo, por conseguinte, a causa de ineptidão da petição inicial prevista na al. b) do nº 2 do art. 186º do CPC, mesmo tendo em conta que não foi o condomínio que foi demandado, mas sim os demais condóminos a título individual.
II - Em função do(s) pedido(s) e causa(s) de pedir formulados na petição inicial, a ação tinha, obrigatoriamente, que ser instaurada contra o condomínio do edifício em questão, representado pelo seu administrador, na medida em que o art. 1437º nº 1 do CCiv. estabelece imperativamente que o condomínio é «sempre» representado em juízo pelo seu administrador. Não tendo sido demandado o condomínio [representado pelo administrador], mas sim os restantes condóminos a título individual [nessa qualidade], estes são partes ilegítimas.
III - Sendo a autora a atual administradora do condomínio, este terá de ser representado, processualmente, por um administrador «ad hoc» que tanto poderá ser nomeado em assembleia de condóminos [convocada para o efeito], como pelo tribunal, a título incidental, mediante requerimento de quem propõe a ação, nos termos dos arts. 1435º nºs 1 e 2 e 1435º-A nºs 1 e 2 do CCiv., devidamente adaptados.
IV - A sanação da ilegitimidade passiva só é possível quando esteja em causa a preterição de litisconsórcio necessário ou situações equiparáveis, em que seja exigida a presença na ação de diversas pessoas e tenha(m) sido demandada(s) apenas alguma(s) delas; mas não tem lugar quando se pretenda a pura e simples substituição da parte incorretamente demandada por uma outra.

Texto Integral

Proc. 4946/24.2T8VNG.P1 – 2ª Sec. (apelação)
Relator: Des. Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Artur Dionísio Oliveira
Des. Raquel Correia de Lima

* * *
Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

AA e BB instauraram a presente ação declarativa comum contra CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, todos devidamente identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:
«a) Ser o Condomínio do prédio urbano sito na Rua ..., na união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, condenado a proceder, no prazo de três meses, à execução de obras de reparação do telhado e vão de cobertura do prédio, mediante a execução dos trabalhos descritos na alínea b) do artigo 67º da presente PI e constantes do orçamento junto sob Doc. 24, consistentes na substituição ou reforço das partes estruturais do telhado; substituição de toda a cobertura com colocação painel sandwich tipo telha lusa sobre estrutura própria; colocação de isolante térmico; substituição e/ou selagem de rufos, caleiras e chaminés, e substituição de embocaduras de tubos de queda, no valor de €21.566,50, o qual, acrescido de IVA à taxa legal, ascende ao total de €26.526,80 (vinte e seis mil quinhentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos).
b) Ser o Condomínio condenado, no mesmo prazo, ao pagamento do preço dos trabalhos referidos em a), na proporção do valor das respetivas frações autónomas, discriminado do seguinte modo:
i. Fração “A” (19%0), no pagamento da quantia de €5.040,09 (cinco mil e quarenta euros e nove cêntimos);
ii. Fração “B” (27%0), no pagamento da quantia de €7.162,24 (sete mil cento e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos);
iii. Fração “C” (27%0), no pagamento da quantia de €7.162,24 (sete mil cento e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos);
iv. Fração “D” (27%0), no pagamento da quantia de €7.162,24 (sete mil cento e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos).
c) Ser o Condomínio condenado a pagar aos Autores a quantia de €1.512,90 (mil quinhentos e doze euros e noventa cêntimos), a título de danos patrimoniais, decorrentes dos prejuízos causados pela infiltração de humidades na sua fração autónoma e a sua consequente reparação, conforme orçamento referido no artigo 89. da PI.
d) Ser o Condomínio condenado, na proporção do valor das respetivas frações autónomas dos seus condóminos, a pagar o excedente entre a quantia referida em a) e a quantia que, devido a eventual alteração dos preços de mão de obra e dos materiais de construção, vier a ser efetivamente paga pela execução das obras supra referidas, quantia esta a determinar em execução de sentença.».
Alegaram, para tal, em síntese, que autores e réus constituem a totalidade dos condóminos do prédio que identificam [que abarca quatro frações autónomas], sendo a autora a atual administradora do condomínio; que o prédio em questão necessita de obras de reparação no telhado [cobertura do edifício]; que o mau estado de conservação em que este se encontra, permite, durante o inverno, a infiltração de água das chuvas para o sótão e para a placa de cobertura da fração dos autores, causando manchas de humidade no teto e nas paredes desta e o risco de curto-circuitos na parte elétrica; que em reunião da assembleia de condóminos de 04.03.2021, a autora, na qualidade de administradora do condomínio, deu conta aos restantes condóminos da urgência e necessidade da realização de obras no telhado, tendo a assembleia deliberado encarregá-la de contactar empresa que procedesse ao levantamento das reparações necessárias e respetivos custos; que em nova assembleia de condóminos realizada em 29.04.2022, a maioria dos presentes, com o voto contrário dos autores, deliberou rejeitar os orçamentos apresentados para aquele efeito, rejeição que se repetiu na assembleia de condóminos de 10.03.2023, onde o assunto voltou a integrar a ordem dos trabalhos, acompanhada da rejeição da realização de obras na cobertura do edifício; que as obras de que as partes comuns do prédio padecem, bem como os respetivos custos, são os que constam da peritagem que a autora solicitou, cujo relatório foi junto com a p. i., estando nesta também descritos os danos causados na fração dos demandantes e os custos da sua reparação.

Em posterior requerimento, os autores requereram a intervenção principal provocada de MM, em virtude do réu HH, por escritura de 05.04.2024, ter repudiado a herança aberta por óbito de sua mãe NN [que era proprietária de uma das frações do imóvel em questão], tendo-se habilitado como herdeiro do mesmo, em habilitação lavrada em a 06.06.2024, o chamado, seu filho e neto daquela NN.

Os réus, citados, contestaram a ação – à exceção de um deles –, por exceção e por impugnação. No primeiro caso, invocaram a exceção dilatória da ilegitimidade do réu HH e a exceção perentória da prescrição do direito dos autores. No segundo, impugnaram parte da factologia alegada na p. i. e apresentaram a sua versão do que está em causa nos autos.
Pugnaram pela procedência das exceções, com as legais consequências ou, assim não acontecendo, pela improcedência da ação com a sua absolvição do pedido.

Após resposta dos autores relativamente aos documentos apresentados pelos réus, o tribunal a quo, proferiu despacho a declarar a petição inicial inepta, com a consequente absolvição dos réus da instância, mediante a seguinte fundamentação [que se transcreve, à exceção da parte introdutória]:
“(…)
Se bem se consegue compreender o exposto na petição inicial os autores insurgem-se contra o facto de ter sido deliberado por três vezes pelos condóminos do prédio urbano sito na Rua ..., na união de freguesias ... e ..., em Vila Nova de Gaia, reunidos em assembleia, a não realização de umas obras que entendem deverem ser feitas na medida em que a fração autónoma desse prédio de que são proprietários apresenta danos provenientes de infiltração de água provenientes do telhado do prédio, que é uma parte comum do prédio.
Ora, se é assim, desde logo se chama a atenção que a ação a intentar, no pressuposto que se verificam os necessários pressupostos, seria uma ação de anulação das deliberações da assembleia de condóminos.
Na verdade, o artigo 12.º, e), do CPC, atribui personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Esta norma processual remete para os artigos 1436.º, do Código Civil (CC) que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia (alínea h), e 1437.º, do mesmo diploma, que prevê especificamente a legitimidade do administrador para agir em juízo.
Neste sentido, o condomínio tem personalidade judiciária relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, isto é, tem o condomínio a suscetibilidade de ser parte, ativa ou passiva, em juízo em todas as ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
Por outro lado, a deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º, ambos do CC), sendo este o órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, 1, do CC) e sendo o administrador o seu órgão executivo (artigos 1435.º a 1438.º, do CC).
Em todo o caso, esta ação deveria ser dirigida contra o condomínio e não contra os condóminos, sendo, neste caso, os condóminos partes ilegítimas.
Se a deliberação impugnada corresponde à expressão da vontade de um órgão deliberativo do condomínio, ou seja, à assembleia de condóminos e se exprime a vontade de um todo e não especificamente de cada um dos condóminos votantes, entende-se que a impugnação dessa deliberação deve ser dirigida ao condomínio, pois é este que tem interesse em contradizer (cfr., neste sentido, acórdãos da Relação do Porto de 08/05/2023 (processo n.º 4878/22.9T8VNG-B.P1), da Relação de Lisboa de 11/05/2023 (processo n.º 25642/21.7T8LSB.L1-8) e do STJ de 28/09/2023 (processo n.º 1338/22.1T8MTS.P1.S1).
Não se ignora que esta questão foi discutida, sendo que com a Lei nº 8/2022, de 10 de janeiro, que alterou a redação do artigo 1437.º, do Código Civil - passando a dispor que o condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele (n.º 1) e que o administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos (n.º 2) -, ficou clarificado que a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respetivo administrador.
Seja como for, cabe notar que esta lei assume a natureza interpretativa integrando-se como tal na lei interpretada, sendo aplicável retroativamente às situações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Note-se ainda que se os autores não visam exatamente a anulação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, mas pretendem simplesmente a realização das obras necessárias à reparação do telhado para evitar a entrada de água na sua fração autónoma e a reparação dos danos que sofreram por causa dessas infiltrações, a ação deve, de igual forma, ser intentada contra o condomínio e não contra os condóminos.
Sendo os autores proprietários de uma fração autónoma de um prédio em propriedade horizontal, é sabido que na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo de uma das frações autónomas do prédio e é além disso comproprietário das partes comuns do edifício (artigo 1420.º, CC), sendo que o que caracteriza a propriedade horizontal é exatamente a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetados ao serviço do todo.
Tratando-se da justaposição, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçosamente comuns, as frações autónomas são partes componentes do mesmo edifício e tanto basta para criar relações de interdependência entre os condóminos e as partes comuns do edifício têm uma função acessória em relação às frações autónomas e essa circunstância reflete-se no regime jurídico a que estão sujeitas.
Esta particular natureza cria limites ao exercício dos direitos dos condóminos nas relações que estabelecem entre si, pois pelo facto de serem utentes do mesmo edifício, sujeita-os a limitações que a lei não impõe ao proprietário normal e que são reclamadas pela necessidade de conciliar os interesses de todos ou de proteger interesses de outra ordem e dessa particular natureza decorre a obrigação dos condóminos participarem nos encargos de conservação e fruição das partes comuns, como se prevê no artigo 1424.º, 1, do CC.
Neste sentido, todos os condóminos estão obrigados a comparticipar quer nas despesas necessárias à conservação das partes comuns, quer nas despesas inerentes à sua fruição, quer no pagamento dos serviços de interesse comum.
A especial natureza deste direito de propriedade tem também implicações quanto à realização de obras. Veja-se que a realização de obras, incluindo urgentes, de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fração autónoma do edifício cabe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respetiva conservação e reparação.
Assim, também nesta situação os réus seriam partes ilegítimas, dado que a legitimidade passiva caberia ao condomínio.
Todavia, independentemente destas duas situações, o que não podem os autores apresentar é uma petição inicial contra dez pessoas singulares e não formular nenhum pedido contra estes, mas antes contra um terceiro, contra o condomínio.
Nos termos do disposto no artigo 186.º, 2, do CPC, a petição é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Ora, julga-se que neste caso a contradição é manifesta, porquanto os autores demandam dez réus, mas não formulam pretensão concreta contra nenhum, antes o fazem contra quem não é parte na ação.
Acresce que não está em causa a possibilidade do tribunal proferir um despacho de aperfeiçoamento, pois que este não está idealizado para uma situação de falta total de correspondência entre a parte passiva e contra quem são formulados os pedidos como aqui sucede, nem para permitir a substituição total da parte passiva.
Do mesmo modo, conduz a que o tribunal possa proferir esta decisão sem necessidade de estar a ouvir previamente os autores, tanto que na parte inicial da petição inicial os autores já se pronunciam sobre esta questão na perspetiva de quem deve ser parte passiva.
Em face do exposto, decide-se ao abrigo dos artigos 186.º, 2, b), 196.º, 200.º, 2, 278.º, 1, b) e 595.º, 1, a), todos do CPC, declarar a petição inicial inepta e, em consequência, absolvem-se os réus da instância.
As custas correm pelos autores, atento o vencimento.
Notifique e registe.”.
Inconformados com esta decisão, interpuseram os autores o recurso de apelação ora em apreço, cuja motivação culminaram com as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem como objeto a decisão, em matéria de direito, da douta sentença exarada nos presentes autos que declarou inepta a Petição Inicial (PI), com a consequente absolvição dos Réus da Instância.
2. Os Recorrentes consideram, com o devido respeito, que o Tribunal a quo errou:
− Ao considerar os Réus partes ilegítimas na presente Acão;
− Ao considerar ‘manifesta’ contradição do pedido com a causa de pedir;
− Ao não providenciar pelo aperfeiçoamento (aclaramento) dos articulados, ou do pedido.
3. No que ao presente recurso interessa, são os seguintes os factos constantes da PI, já referenciados (e até transcritos) supra em B) das presentes alegações e que aqui se resumem da seguinte forma:
a) Os Autores são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 2º andar do prédio urbano sito na Rua ..., da união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (Doc.1, junto com a PI).
b) O 1º Réu é proprietário e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à cave do prédio urbano sito na Rua ..., da união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (Doc.2, junto com a PI).
c) Os 2ºs Réus são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito na Rua ..., da união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (Doc.3, junto com a PI).
d) Os 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 9º e 10º Réus são os atuais possuidores, em comum e sem determinação de parte ou de direito, da fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés do chão, do prédio urbano sito na Rua ..., da união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia (Doc.4, Doc.5, Doc.6 e Doc.7, junto, com a PI).
e) As suprarreferidas frações autónomas “A”, “B”, “C” e “D” constituem, na sua totalidade, o edifício constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., com entrada pelo número ...05, da união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, conforme escritura de constituição de propriedade horizontal e registo predial (Doc.8, junto com a PI).
f) Os autores e os Réus, enquanto proprietários da totalidade das frações autónomas do imóvel supra referido, são os únicos condóminos e constituem o condomínio do mesmo.
g) A recorrente mulher é administradora do condomínio desde 3 de abril de 2019 (Doc.9, junto com da PI).
h) A partir do ano de 2019, os Recorrentes começaram a notar uma pequena formação de humidade no teto do quarto de dormir.
i) Tendo constatado que tal se devia a infiltração de água das chuvas, proveniente do telhado de cobertura do edifício.
j) Humidade esta que se acentuou no decurso dos invernos subsequentes.
k) Começando mesmo a criar bolores e fungos e a provocar maus cheiros, bem como, em consequência de tais infiltrações, o risco de curto-circuitos (Doc. 21 e Doc.25, juntos com a PI).
l) Danos estes que têm origem na parte comum do prédio − o telhado – por onde é permanente a infiltração de água das chuvas e continua a causar deteriorações e a provocar o agravamento das patologias já existentes na fração dos Autores.
m) Apresentando-se, assim, a intervenção no telhado do prédio, como uma reparação indispensável e urgente, nos termos do disposto no art.1427º, do C. Civil.
n) A Recorrente mulher, na qualidade de administradora do condomínio, em três convocatórias para assembleia de condóminos, incluiu nas respetivas ordens de trabalhos, a discussão e deliberação sobre a reparação do telhado de cobertura do imóvel (doc. 12, doc.14 e Doc.19, juntos com a PI).
o) Por três vezes, os condóminos, por maioria relativa, deliberaram não executar tal reparação (Doc.13, Doc.15 e Doc.20, juntos com a PI).
p) Com fundamento na natureza indispensável e urgente de reparação do telhado de cobertura do prédio (cf. art.1427º, do C. Civil); no incumprimento, por parte do condomínio, da obrigação de custear as despesas de conservação e reparação urgente de partes comuns do edifício (cf. art.1424, nº1, do C. Civil); na insuficiência do Fundo de Reserva Comum; e na obrigação que sobre a administradora (aqui recorrente) impende, de executar as obras de reparação urgentes e de conservação das partes comuns das quais advenham danos (cf. arts.1427º e 1436º, alínea g), ambos do C. Civil), intentaram os autores aqui recorrentes a presente ação pedindo a condenação do condomínio, na pessoa dos seus condóminos, a custear e realizar as obras de reparação do telhado do imóvel.
4. Na sentença de que ora se recorre, o tribunal a quo considerou:
− Os réus partes ilegítimas, com fundamento de que a presente ação não deveria ter sido intentada contra os condóminos, mas sim contra o condomínio, representado pelo seu administrador;
− E inepta a Petição Inicial, com fundamento em contradição entre o pedido e a causa de pedir, por ter sido a ação intentada contra os condóminos e o pedido contra o condomínio.
5. Na sequência do que absolveu os réus da instância.
6. O tribunal a quo ignorou que os recorrentes, enquanto autores são, simultaneamente, condóminos e administradores do condomínio.
7. Que em tal posição jurídica, não poderiam os autores, e em particular a recorrente mulher, serem, na presente ação, simultaneamente autores e réus.
8. Sob pena de, em tal situação, ver impossibilitada, logo à partida, a presente ação.
9. Com tal entendimento, face à sua posição jurídica enquanto administradores do condomínio, viram os recorrentes, na sequência da proferida sentença, negado o seu direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva.
10. Violando assim o tribunal a quo o disposto nos artigos 20º e 268º, da Constituição da República Portuguesa.
11. Para além disso, não podem os recorrentes aceitar a declarada ineptidão da Petição Inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, porquanto, como se referiu supra, a ação não poderia ter sido intentada contra o condomínio, mas sim contra os condóminos que o compõem, enquanto o pedido deverá ser de condenação desse condomínio, representado pelos condóminos/réus, que igualmente o compõem.
12. No entender dos recorrentes, o facto da presente ação ter sido intentada contra os condóminos, não reconduz à declarada contradição do pedido com a causa de pedir, pelo facto do pedido ter sido formulado contra o condomínio.
13. Ao considerar inepta a PI, violou o tribunal a quo do disposto no art.186º, nº2, alínea b), do CPC.
14. Porém, caso assim não se entenda, dado o condicionalismo da posição jurídica dos autores/recorrentes e em benefício da consensual prática jurisprudencial, sempre o tribunal a quo deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento e aclaramento, seja quanto ao pedido, seja quanto à causa de pedir.
15. Não o tendo feito e não possibilitando aos recorrentes o aperfeiçoamento da PI, violou, igualmente, o tribunal a quo o disposto nos artigos 6º, nº2, e 590, nºs 2 e 3, do C.P. Civil.
Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência:
a) A sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos, nos termos legais.
b) Subsidiariamente, caso assim se não entenda, a prolação de sentença que ordene o aperfeiçoamento da PI, nos termos considerados adequados.
Assim fazendo V. Exas. justiça.”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. Questões a decidir:

Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes - arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC – e que este tribunal, em princípio, não pode conhecer de matérias nelas não incluídas, as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber [tendo em conta a ordem lógica do seu conhecimento]:
− Se a petição inicial é inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir;
− Se os réus são partes ilegítimas na ação;
− Se há lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
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III. Materialidade fáctica relevante para apreciação das indicadas questões:

Os sujeitos processuais, a(s) causa(s) de pedir e o(s) pedido(s) formulados são os que constam do ponto I deste acórdão.
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IV. Apreciação jurídica:

1. Se a petição inicial é inepta por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
A decisão recorrida, depois de, além de outras considerações que para aqui não relevam [concretamente, no segmento em que faz menção à ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, por não ser desta natureza a presente ação], ter referido que os autores «pretendem (…) a realização das obras necessárias à reparação do telhado para evitar a entrada de água na sua fração autónoma e a reparação dos danos que sofreram por causa dessas infiltrações» e que, por isso, a ação tinha que ser «intentada contra o condomínio e não contra os condóminos», declara depois existir manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir, «porquanto os autores demandam dez réus, mas não formulam pretensão concreta contra nenhum» deles, «antes o fazem contra quem não é parte na ação».
Os recorrentes insurgem-se contra este entendimento, sustentando que a petição inicial não padece de tal vício [conclusões 11 a 13].
Vejamos.
Entre as causas de ineptidão da petição inicial geradoras da nulidade de todo o processo previstas no art. 186º nºs 1 e 2 do CPC, surge, na al. b) do nº 2, a da contradição entre o pedido e a causa de pedir.
O conceito de pedido é de fácil compreensão; segundo o nº 3 do art. 581º do CPC, é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação e consiste na pretensão, formulada pelas partes [autor na p. i. e reconvinte na reconvenção, quando a há], cuja tutela jurisdicional é pretendida do tribunal, podendo traduzir-se, nomeadamente, na declaração ou no reconhecimento judicial de um determinado direito [particularmente de direitos reais], na condenação da parte contrária [à que formulou o pedido] a uma determinada prestação, etc..
Segundo Lebre de Freitas [in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pg. 53], o pedido apresenta-se duplamente determinado: “no seu conteúdo, (…), consiste na afirmação duma situação jurídica subjetiva atual ou, no caso da ação constitutiva, da vontade dum efeito jurídico (situação jurídica a constituir) baseado numa situação subjetiva atual, ou ainda na afirmação da existência ou inexistência dum facto jurídico; na sua função, consiste na solicitação duma providência processual para tutela do interesse do autor”.
O conceito de causa de pedir, por sua vez, está previsto no nº 4 do mesmo art. 581º, que consagra a chamada teoria da substanciação, a qual impõe que o autor, na petição inicial, ou o reconvinte, na reconvenção, articulem os factos concretos essenciais/nucleares em que estribam a sua pretensão.
Como ensina Abrantes Geraldes [in Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., 1997, Almedina, pgs. 176-177], “o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de um conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil”, acrescentando que “a causa de pedir é consubstanciada tão só pelos factos que preenchem a previsão da norma que concede a situação subjetiva alegada pela parte”.
Teixeira de Sousa [in As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, 1995, Lisboa Lex, pgs. 122-124] refere, dentro da mesma linha, que “a causa de pedir é composta pelos factos necessários para individualizar a situação jurídica alegada pelas partes e para fundamentar o pedido formulado para essa situação”, ou seja, “pelos factos constitutivos da situação jurídica invocada pelas partes, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido”, sendo “essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente”.
Também Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto [in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, pgs. 223-224] defendem que o autor [o mesmo vale para o reconvinte] “há de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, os quais constituem a causa de pedir (…), que corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”.
Ainda no mesmo sentido, Remédio Marques [in Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimb. Editora, 3ª ed., pgs. 226-227] explica que “a causa de pedir – o fundamento da pretensão – terá de ser concretizada, no sentido em que a afirmação de factos ou dos acontecimentos da vida (…) tem que individualizar a pretensão para o efeito de conformação do objeto do processo. Núcleo de factos, estes, que devem ser previstos por uma ou mais normas como causa do efeito material pretendido (como causa do pedido). O conceito de causa de pedir é delimitado, por conseguinte, pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos (pelo menos, dos factos essenciais), nos quais o juiz funda a sua decisão, sem prejuízo de este atender, (…), aos factos instrumentais que resultem da instrução e da discussão e aos factos que sejam complemento ou concretização de outros”.
Também no Acórdão do STJ de 07.06.2022 [proc. 3786/16.7T8BRG.L1.S3, disponível in www.dgsi.pt/jstj] se decidiu que a causa de pedir é constituída pelo “conjunto de factos concretos (em maior ou menor número) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer” e “pode desdobrar-se segundo a taxonomia normativa do art. 5º nº 1 do CPC em factos essenciais que são precisamente, por indicação deste preceito, os que «constituem a causa de pedir» e que por isso mesmo têm de ser alegados pelo demandante na sua totalidade”. E citando Lopes do Rego [in Comentário ao CPC, pg. 201], delimita assim os conceitos de «factos essenciais» e «factos instrumentais»: “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da ação e da defesa (…), podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”; “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da exceção ou da reconvenção deduzidas pelo réu” [no sentido de que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais, ou seja, pelos factos necessários à individualização do pedido pelo autor ou pelo reconvinte, vai a larga maioria da jurisprudência mais recente, de que são exemplo, o Acórdão do STJ de 06.02.2024, proc. 1566/22.0T8GMR-A.S1, disponível no mesmo sítio da dgsi e os Acórdãos desta Relação do Porto (e Secção) de 08.03.2022, proc. 3281/20.0T8PNF.P1 e de 22.10.2019, proc. 3445/18.6T8VFR-A.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp].
A propósito da contradição geradora da ineptidão prevista na al. b) do nº 2 do citado art. 186º, ensina Antunes Varela [in RLJ, ano 121º, pg. 122] que “a contradição não pressupõe uma simples desarmonia, mas uma negação recíproca, um encaminhamento de sinal oposto… uma conclusão que pressupõe exatamente a premissa oposta àquela de que se partiu”.
Segundo Alberto dos Reis [in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, 1960, pg. 381], na causa de ineptidão da petição inicial a que aludimos é necessário que haja uma contradição lógica entre a pretensão deduzida ao tribunal e a causa de pedir em que o autor [ou o reconvinte na reconvenção] se estriba, na medida em que “é da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas”. Por isso, “[s]e a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada”, pelo que se compreende “que a lei declare inepta a petição inicial cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir”.
Haverá, por conseguinte, contradição entre o pedido e a causa de pedir quando aquele não for a consequência lógica desta, existindo entre ambos evidente/manifesta oposição.
Feito este introito, reportemo-nos ao que consta da petição inicial.
Os pedidos formulados pelos autores são os que indicámos no início do relatório que constitui o ponto I deste acórdão, que se sintetizam assim:
- Condenação do condomínio do identificado prédio a proceder à execução de obras de reparação no telhado e vão de cobertura do prédio, mediante a execução dos trabalhos descritos na p. i.;
- Condenação do Condomínio a pagar o preço dos respetivos trabalhos de reparação com observância da proporção do valor das frações autónomas;
- E condenação do Condomínio a pagar-lhes [a eles, autores] a quantia de 1.512,90€, a título de danos patrimoniais, decorrentes dos prejuízos causados pela infiltração de humidades na sua fração autónoma e a sua consequente reparação.
Como causa de pedir, os autores alegaram que eles e os réus constituem a totalidade dos condóminos do dito prédio, que este necessita de obras de reparação no telhado [cobertura do edifício], que o mau estado de conservação em que este se encontra, permite, durante o inverno, a infiltração de água das chuvas para o sótão e para a placa de cobertura da fração dos autores, causando manchas de humidade no teto e nas paredes desta e o risco de curto-circuitos na parte elétrica e que, apesar de o assunto ter sido apreciado em três reuniões de condóminos, a maioria destes rejeitou a realização de obras de reparação no telhado.
Ora, desta causa de pedir decorre estarmos perante ação relativa à responsabilidade do condomínio [do referido edifício] pelo mau estado de conservação de partes comuns [em concreto, o telhado] e pela realização de obras destinadas à sua reparação e, paralelamente, à responsabilidade extracontratual do mesmo condomínio pelos danos causados na fração autónoma dos autores, decorrentes das infiltrações permitidas por aquele mau estado do telhado [assim, i. a., Acórdãos do STJ de 02.06.2021, proc. 22208/18.2T8PRT.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e da Relação de Guimarães de 08.03.2018, proc. 993/14.0T8BCL.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg].
A primeira encontra fundamento no que dispõem os arts. 1421º nº 1 al. b), que considera como comuns «o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração», 1424º nº 1, que estabelece que «as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações», 1436º, que prescreve que é função do administrador do condomínio, entre outras, a de «[r]ealizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns» e 1437º nºs 1 e 2, todos do CCiv., segundo o qual «[o] condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele» [nº 1] e «[o] administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos».
No caso da responsabilidade extracontratual, a responsabilidade do condomínio radica no que decorre dos arts. 1305º, 483º, 562º, 563º e 566º do mesmo CCiv..
Estando em causa, em ambos os casos, a responsabilidade do condomínio e tendo os pedidos formulados pelos autores – proprietários de uma das frações autónomas que integram o edifício e comproprietários das partes comuns deste [como refere Gonçalo Magalhães, in A personalidade judiciária do condomínio e a sua representação em juízo, Julgar, nº 23, maio-agosto 2014, Coimbra Editora, pg. 60, citando Henrique Mesquita, in A propriedade horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, pg. 84, “o núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativas de ‘domínio’, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de ‘compropriedade’ sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva”] – sido deduzidos contra o condomínio, não se vislumbra, em termos substanciais, nenhuma incompatibilidade e, menos ainda, alguma contradição lógica entre os indicados pedidos e a(s) causa(s) de pedir em que aqueles se estribam. Os pedidos tinham obrigatoriamente de ter como destinatário o dito condomínio.
O problema está, porém, no facto de o condomínio não ter sido demandado. Demandados foram, apenas e só, os restantes condóminos [por os autores ocuparem o lado ativo da ação] e, unicamente, a título individual e não como representantes daquele, representação que, diga-se, nem sequer lhes cabia, pois o condomínio tem obrigatoriamente de ser representado em juízo pelo administrador, como deflui do que prescreve o nº 1 do art. 1437º.
E é aqui que está o problema; não no objeto da ação [pedido(s) e causa(s) de pedir formulados na p. i. e olhados de per se], mas sim nos sujeitos passivos da relação jurídica controvertida [tal como os autores a apresentam naquele articulado].
Ou seja, a(s) causa(s) de pedir e o(s) pedido(s) mostram-se corretamente formulados. O problema está nos sujeitos que foram demandados, pois devia ter sido demandado o condomínio, representado pelo seu administrador, por ser ele [condomínio], em representação dos condóminos, o responsável pela conservação das partes comuns do edifício e, no caso, pela reparação do telhado e pelo ressarcimento dos danos que do mau estado de conservação deste advieram à fração dos demandantes.
Contudo, esta discrepância contende já com a legitimidade passiva e não tanto com a ineptidão da petição inicial.
Por isso, não acompanhamos a decisão recorrida no segmento em que considera verificado o apontado vício de ineptidão da p. i., por contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Está apenas em causa a (i)legitimidade dos réus, também apreciada na primeira parte daquela decisão, questão que passamos a analisar.

2. Se os réus são partes ilegítimas na ação.
Os recorrentes insurgem-se, igualmente, contra o segmento do despacho recorrido que considerou que quem devia ocupar a posição de réu na ação devia ser o referido condomínio e não os condóminos individualmente.
Defendem que o tribunal a quo ignorou que os recorrentes, enquanto autores são, simultaneamente, condóminos e administradores do condomínio [certamente quiseram dizer que a autora é administradora do condomínio], que, por via disso, a autora mulher não poderia ser, simultaneamente, autora e ré [enquanto representante do condomínio] e que a decisão recorrida impossibilita-os de exercerem o seu direito através desta ação, negando-lhes o direito a uma tutela jurisdicional efetiva [conclusões 3 a 10].
Apreciando.
Deixando novamente de fora a referência à ação de anulação das deliberações da assembleia de condóminos a que o despacho recorrido começa por aludir, por, como já se disse, não estarmos perante ação de tal jaez [os autores não pugnam pela anulação de nenhuma das deliberações referidas na parte inicial do ponto I deste acórdão, não estando, por isso, aqui em equação a aplicação do que dispõe o nº 6 do art. 1433º do CCiv.], vejamos então se assiste razão aos recorrentes.
O conceito de legitimidade está definido no art. 30º do CPC que dispõe que:
«1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.»
A legitimidade processual é o pressuposto adjetivo através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo trazido a Juízo, o que significa que é aferida em vista de um critério substantivo: o interesse em demandar, pelo lado ativo, e o interesse em contradizer, pelo lado passivo [cfr. Acórdão do STJ de 02.06.2021, atrás citado], ou, dito de outro modo, a legitimidade processual exprime a posição concreta por quem é parte numa causa perante o conflito de interesses que aí se discute e pretende resolver [assim, Remédio Marques, obra citada, pg. 372; no mesmo sentido, Lebre de Freiras e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª ed., Coimbra Editora, pgs. 70-71, que referem que “[t]al como no campo do direito material, há que a aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs 1 e 2, pelo interesse direto (…) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação, e pelo interesse direto em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (…)”].
O interesse em demandar e o interesse em contradizer e, por via deles, a legitimidade ativa e a legitimidade passiva, são, assim, aferidos, na falta de indicação legal em contrário, em função da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor na petição – nº 3 daquele preceito.
Ora, como já se exarou no item anterior, estamos perante ação instaurada por condóminos [os autores são proprietários de uma fração autónoma do edifício e comproprietários, com os restantes condóminos, das partes comuns deste] que pugnam pela realização de obras de reparação numa parte comum do edifício [o telhado] e pelo ressarcimento dos danos que a sua fração autónoma sofreu em consequência de infiltrações de águas pluviais através daquele telhado. E como também já referimos, a lei [preceitos do CCiv. citados] atribui aos condóminos, representados pelo condomínio, a responsabilidade pela conservação e reparação das partes comuns dos prédios urbanos e, bem assim, a responsabilidade pela reparação dos danos causados nas frações por causa do mau estado de conservação das partes comuns.
E, conforme se diz no aresto do STJ de 02.06.2021, atrás citado, “[c]ompreende-se que assim seja», pois “[s]e, substantivamente, só o condomínio tem o poder de realizar obras nas partes comuns - e não um condómino ou conjunto parcelar de condóminos, isoladamente -, só este pode ser condenado a realizá-las, quando forem devidas”. E acrescenta: “[v]eja-se que a condenação dos (restantes) condóminos à realização de obras - isto é, a condenação de cada um deles - obriga cada um a tal prestação - o que é um absurdo. No limite, perante a inércia dos demais, e para evitar uma ação executiva por incumprimento da ordem do tribunal, um deles poder-se-ia ver forçado a executar as obras sozinho. É precisamente para esta ordem de questões que a lei atribui personalidade judiciária ao condomínio, repercutindo-se (a) decisão na esfera jurídica dos condóminos, na proporção da sua permilagem – incluindo da contraparte, se também for condómino.” [no mesmo sentido, Acórdão desta Relação do Porto de 27.11.2017, proc. 822/17.3T8VFR.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp].
O condomínio possui personalidade judiciária, conferida pela al. e) do art. 12º do CPC. Mas, carecendo de um suporte físico, a sua capacidade judiciária tem de ser assegurada por quem o representa. E quem o representa em juízo é o seu administrador [e não os condóminos], quer face ao que expressamente estabelece o art. 1437º nºs 1 e 2 do CCiv., quer ante o que, mesmo que o normativo acabado de referir não o dissesse, sempre resultaria do que dispõe o art. 26º do CPC, segundo o qual as entidades que carecem de personalidade jurídica [como é o caso do condomínio, que goza apenas de personalidade judiciária] são representadas pelos seus administradores [assim, além dos arestos já citados, ainda, Acórdãos do STJ de 04.10.2007, proc. 07B1875, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto (e secção) de 22.02.2022, proc. 3077/20.9T8MAI.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, bem como Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, obra citada, vol. 1º, pg. 44].
Por isso, em função do(s) pedido(s) e causa(s) de pedir formulados na petição inicial, a presente ação tinha, obrigatoriamente, que ser deduzida contra o condomínio do edifício em questão, representado pelo seu administrador, sendo certo que o art. 1437º nº 1 do CCiv. não permite outra alternativa, pois fixa imperativamente que o condomínio é «sempre» representado em juízo pelo seu administrador.
Não tendo sido demandado o condomínio [representado pelo administrador] e tendo, pelo contrário, os réus [restantes condóminos] sido demandados a título individual, como meros condóminos, não há dúvida de que estes são partes ilegítimas, ocorrendo, de forma evidente, a exceção dilatória da ilegitimidade passiva.
E havendo administrador(a) constituído(a), o condomínio teria que ser citado na pessoa desse(a) administrador(a).
Acontece, porém, que a autora mulher, além de condómina, é também a administradora do condomínio, como, desde logo, dá conta na petição inicial e resulta, igualmente, das atas das assembleias de condóminos que foram juntas com este articulado.
Como é evidente e sob pena de inadmissível confusão processual [a autora não pode, no mesmo processo, ocupar também a posição de ré], o condomínio não poderá estar in casu representado pela sua administradora, nem esta poderá ser citada, em nome daquele, para a ação.
Mas daí não resulta – nem poderia resultar, sob pena de flagrante violação do que estatui o nº 1 do art. 20º da CRP, que a todos assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – que a autora e seu marido, também demandante, fiquem impossibilitados de exercer os seus direitos.
A lei consagra meios de resolução destas situações conflituosas.
Por exemplo, relativamente às pessoas coletivas e às sociedades, quando devam ser rés em ação que lhes diga respeito, o art. 25º nº 2 do CPC estabelece expressamente um mecanismo de resolução de conflitos que ocorram entre elas mesmas e o seu representante, atribuindo ao juiz da causa o poder/dever de designar um representante especial, admitindo, ainda, a possibilidade da lei fixar outra forma de assegurar a representação daquelas em juízo.
Embora os arts. 26º e 29º do mesmo corpo de normas não contenham igual ou semelhante mecanismo quando ocorram conflitos entre os patrimónios autónomos, as sociedades ou as associações que carecem de personalidade jurídica e os seus representantes [sendo certo que não é de excluir, nestes casos, a aplicação analógica do regime previsto no nº 2 daquele art. 25º, ao abrigo do permitido pelo art. 10º nºs 1 e 2 do CCiv.], parece-nos que no caso de conflito entre o condomínio e o seu representante, os arts. 1435º nºs 1 e 2 e 1435º-A nºs 1 e 2, ambos do CCiv., devidamente adaptados a estas situações, fornecem várias alternativas para a resolução de tal conflito, permitindo que a assembleia de condóminos [convocada para o efeito] nomeie um administrador provisório ou ad hoc para assegurar a representação daquele na ação, ou então, na ausência dessa nomeação, que seja o tribunal, mediante requerimento de quem propõe a ação, a nomear o administrador provisório ou ad hoc para tal efeito, devendo a nomeação ser feita com observância do que dispõe o último daqueles preceitos.
Existem, por conseguinte, mecanismos que permitem resolver o conflito de representação que temos vindo a referir.
A questão que se coloca é se tal poderá ser feito nesta ação ou se os autores terão que intentar outra.
A esta questão daremos resposta no item seguinte.

3. Se há lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
A decisão recorrida sustentou a inadmissibilidade do convite ao aperfeiçoamento, por considerar que este não está «idealizado para uma situação de falta total de correspondência entre a parte passiva e contra quem são formulados os pedidos como aqui acontece, nem para permitir a substituição total da parte passiva».
Os recorrentes têm entendimento diferente, entendendo que o tribunal a quo devia ter proferido despacho a convidá-los a aperfeiçoar a p. i. [conclusões 14 e 15].
Adiantamos já que não assiste razão aos recorrentes.
Os arts. 6º nº 2 e 590º nº 2 al. a) do CPC conferem ao juiz, findos os articulados, o poder/dever de providenciar [oficiosamente] pelo suprimento de exceções dilatórias suscetíveis de sanação, quer determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância, quer convidando as partes [melhor, a parte que beneficiará da regularização] a praticarem os atos que levem a esse fim [neste caso quando a sanação dependa desses atos].
A ilegitimidade passiva [de que padecem os réus, tal como enunciado no item anterior] integra o elenco das exceções dilatórias – art. 577º al. e) do CPC – e é passível de sanação em alguns casos… mas não em todos.
Constitui orientação largamente maioritária na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a sanação da ilegitimidade passiva só é possível quando esteja em questão a preterição de litisconsórcio necessário ou situações equiparáveis, em que seja exigida a presença na ação de diversas pessoas e tenha(m) sido demandada(s) apenas alguma(s) delas; mas não tem lugar quando se pretenda a pura e simples substituição da parte incorretamente demandada por uma outra [assim, na doutrina, por ex., Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., 1997, Almedina, pgs. 67 e 72, Remédio Marques, obra citada, pg. 405 e Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, 1982, Almedina, pgs. 216-217; na jurisprudência, i. a., Acórdãos da Relação de Lisboa de 10.10.2024, proc. 2916/17.6T8ALM.L1-8, disponível in www.dgsi.pt/jtrl e da Relação de Guimarães de 10.09.2020, proc. 559/20.2T8GMR.G1, de 08.03.2018, proc. 993/14.0T8BCL.G1 e de 24.11.2016, proc. 130/15.4T8MTR.G1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrg].
Ora, como já atrás se disse, a presente ação foi erradamente intentada contra os condóminos [os restantes, que não os autores] a título individual, quando deveria tê-lo sido contra o condomínio, representado por um administrador ad hoc [por a administradora ser autora]. E, por isso, aqueles são partes ilegítimas [ilegitimidade passiva].
Os recorrentes pretendem, através do convite ao aperfeiçoamento, apresentar nova petição em que, em vez dos réus que demandou, passe a demandar o condomínio [necessariamente representado por um administrador ad hoc]. Querem, assim, proceder à substituição dos sujeitos passivos da ação. Mas não podem fazê-lo, por não ser possível sanar, nesta ação, a ilegitimidade dos réus.
Por isso, não lhes resta outra alternativa que não seja a de proporem outra ação em que demandem o condomínio, representado por um administrador ad hoc [se necessário, requerendo a sua nomeação ao tribunal, a título incidental].
Em conformidade com o que fica exposto, há que declarar a ilegitimidade dos réus, a impossibilidade de sanação de tal ilegitimidade [não havendo, por isso, lugar à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição] e manter a absolvição daqueles da instância.
Tal significa que se confirma, em parte, a decisão recorrida e que o recurso improcede.

Pelo decaimento, as custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes - arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC.
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Síntese conclusiva:
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a absolvição dos réus da instância, decretada na decisão recorrida, não com base em ineptidão da petição inicial, mas sim por ilegitimidade passiva, insanável.
2º) Condenar os recorrentes, pelo decaimento, nas custas deste recurso.

Porto, 11/03/2025
Pinto dos Santos
Artur Dionísio Oliveira
Raquel Correia de Lima