EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
REPETIÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
Sumário

I - A nossa lei consagrou a chamada teoria da substanciação, nos termos da qual a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
II - No que concerne à repetição da causa de pedir, importa apurar se a substância do litígio assenta nos mesmos factos concretos em ambas as ações.
III - Tendo o Autor intentado ação emergente de acidente de viação com culpa imputada a terceiro e invocando consequentes danos presentes e futuros previsíveis não pode, depois de ter outorgado transação judicial e transitada em julgado, intentar nova ação emergente do mesmo acidente de viação invocando alegados novos danos decorrentes do mesmo acidente, por a tal obstar o caso julgado formado na antecedente ação judicial.

Texto Integral

Processo n.º 1977/24.6T8VNG.P1

Comarca: [Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia (J3), Comarca do Porto]

Juíza Desembargadora Relatora: Lina Castro Baptista

Juiz Desembargador Adjunto: João Proença

Juíza Desembargadora Adjunta: Anabela Miranda


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SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., Rés do Chão Esquerdo, ..., Vila Nova de Gaia, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, sociedade com sede no Largo ..., Lisboa, e “B... – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, S.A.”, sociedade com sede na Avenida ..., Edifício ..., ..., ..., Oeiras, pedindo que as Rés sejam solidariamente condenadas no pagamento da quantia de EUR 68.800,00 a título de dano patrimonial futuro e juros, à taxa legal, a contar da citação; do montante de EUR 25.000,00 a título de dano biológico e juros legais a contar da citação e no pagamento de EUR 25.000,00 a título de danos não patrimoniais. Ou, caso assim se não entenda, subsidiariamente, que seja condenada a Seguradora para a qual havia sido transferida a responsabilidade da viatura cujo condutor deu causa ao acidente dos autos, nos pedidos anteriormente formulados, ou repartida entre ambas de acordo com a responsabilidade que vier a ser apurada e com as legais consequências.

Alega, em resumo e com relevo para a apreciação do presente recurso, que, no dia 10 de outubro de 2018, ocorreu um embate na Rua ..., concelho de Vila Nova de Gaia, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de marca “Renault”, modelo ..., com a matrícula n.º ..-..-DH, propriedade de BB e com responsabilidade civil transferida para a 2.ª Ré, conduzido, na altura, por CC e seguindo ele, Autor, como passageiro, e o veículo ligeiro de passageiros da marca “Skoda”, modelo ..., com a matrícula n.º ..-RX-.., propriedade de “C..., S.A.” e com a responsabilidade civil transferida para a 1.ª Ré, e conduzido por DD.

Afirma que os dois indicados veículos colidiram frontalmente, não tendo conseguido apurar a qual dos condutores coube a responsabilidade pela produção do acidente.

Diz que do indicado embate lhe resultaram lesões corporais.

Declara que, em 2019, deu entrada de ação declarativa que correu termos pelo Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 3980/19.9T8VNG, tendo por objeto o mesmo acidente de viação, a qual terminou por transação judicial.

Mais alega que, em 09/11/2022, recorreu ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., com novas queixas de dores na perna esquerda, estando agora sujeito a profilaxia mensal para evitar infeções.

Diz estar atualmente desempregado e incapacitado para o exercício de profissões que impliquem elevar e transportar cargas ou estar em pé por períodos longos.

Afirma sofrer dores na execução dos trabalhos para que foi chamado, nas tarefas domésticas e nas atividades de lazer e necessitar de ser medicado mensalmente com fármacos, tendentes a prevenir infeções.

Defende que as lesões alegadas são novos danos emergentes do acidente de viação em causa nos autos.

Mais defende que as lesões advindas do acidente e manifestadas a partir de novembro de 2022 são permanentes e implicam incapacidade parcial permanente de pelo menos 30 %, o que justifica a atribuição de uma indemnização por dano patrimonial futuro nunca inferior a EUR 68.880,00, bem como uma indemnização por dano biológico no valor de EUR 25.000,00.

Defende igualmente que as dores intensas que sofre desde novembro de 2022, as angústias e medos de que padece justificam a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de EUR 25.000,00.

A Ré “D... – Companhia de Seguros, S.A.”, que incorporou, por fusão, a primitiva Ré “B... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.”, veio contestar, excecionando que os factos vertidos na douta petição inicial já foram submetidos a juízo pelo mesmo Autor, contra as mesmas RR., no processo judicial que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, alocado ao juiz 2, sob o n.º 3980/19.9T8VNG.

Afirma que o Autor tomou conhecimento da extensão das suas lesões com o relatório pericial notificado às partes em 09 de agosto de 2021. Bem como que o Autor, em consequência desse relatório, ampliou o pedido nos termos que entendeu por conveniente.

Expõe que o anterior processo judicial terminou por transação, nos termos da qual o Autor reduziu o valor peticionado ao montante de EUR 7.000,00.

Declara que o Autor intentou nova ação com a mesma causa de pedir e pedido alegando ter sofrido um episódio de urgência clínica, em 09 de novembro de 2022, ainda em consequência do acidente de viação descrito nos autos.

Alega que estas celulites de repetição já eram mencionadas no relatório pericial elaborado no âmbito do primeiro processo judicial no qual consta: «Antecedentes de celulites na perna esquerda com ciclos de antibioterapia; encontra-se a fazer fisioterapia», pelo que é forçoso concluir que não se verificam novos danos, mesmo tendo em conta a tese do Autor.

Defende que, com a propositura da presente ação se verifica repetição de causa já decidida por sentença, o que configura a exceção dilatória de caso julgado, devendo as Rés ser absolvidas da instância.

Mais exceciona que a tese vertida na douta petição inicial, concretamente nos artigos 1.º, 2.º e 12.º é a de que, à data do acidente em discussão, o veículo segurado nesta seguradora era conduzido por CC. Contudo, no âmbito da ação de processo comum que correu termos sob o n.º de processo judicial 9504/19.0T8VNG, relativa ao mesmo acidente de viação, intentada por “C..., S.A.” e DD foi alegado que «quem vinha efetivamente a conduzir o DH era a pessoa que, alegadamente, vinha a acompanhar aquela, ou seja, o Sr. AA que, à data, seria namorado daquela.

Advoga que, a ser verdade que o condutor do veículo “DH” era, efetivamente, o aqui Autor AA, tal circunstância constitui exclusão da garantia do contrato de seguro celebrado.

Supletivamente impugna a matéria de facto atinente à dinâmica do acidente e aos danos invocados.

Conclui pedindo que se julgue procedente a exceção dilatória invocada e, consequentemente absolvidas as Rés da instância. Caso assim não se entenda, sempre a presente ação deverá ser julgada improcedente por não provada, com a sua absolvição do pedido.

Também a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.” veio contestar, excecionando que, por causa do mesmo acidente de viação invocado nos presentes autos, o Autor instaurou contra as aqui Rés uma outra ação de condenação, com processo comum, que correu termos sob o nº3980/19.9T8VNG pelo Juízo Local Cível – Juiz 2, deste tribunal judicial de Vila Nova de Gaia, na qual formulou o pedido de condenação das rés no pagamento da quantia de €14.769,33 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de indemnização igualmente a título de danos patrimoniais e não patrimoniais cuja total e integral quantificação requereu fosse relegada para posterior liquidação de sentença.

Acrescenta que, para efeito de poder concretizar a pretendida liquidação posterior o Autor, que afirmava desconhecer as exatas sequelas que advieram das lesões sofridas no acidente, requereu, além do mais, como meio de prova a realização de perícia médica na sua pessoa.

Entende que se verifica a exceção de caso julgado: quanto à identidade de sujeitos porque tanto numa ação como noutra o autor e os réus são os mesmos; quanto ao pedido porque é o mesmo – relativamente à pretensão indemnizatória – e apenas diverge quanto ao valor; quanto à causa de pedir porque no âmbito das ações para efetivação de responsabilidade civil a vertente dos prejuízos, a par do evento e da culpa, é que constitui a causa de pedir (complexa), sendo evidente que ocorre a identidade de causa de pedir nas duas ações, já que ambas versam sobre o mesmo sinistro e em ambas se pretende obter o ressarcimento dos danos diretamente emergentes daquele.

Especifica que a tal não obsta a alegação de o Autor estar sujeito a uma

profilaxia das infeções para sempre, uma vez que essa possibilidade já era perspetivada no relatório pericial levado a cabo pelo INML e já se continha no pedido formulado na identificada ação 3980/19.9T8VNG no ponto em que no respetivo petitório se pedia a condenação das Rés …a pagar ao autor uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (…) cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação de sentença.

Advoga que se verificam os pressupostos do caso julgado, a qual configura exceção dilatória, cuja procedência importa a absolvição das Rés da instância.

Acrescenta que, conforme se alcança do contrato de transação celebrado entre o Autor e as Rés na referida ação de processo comum que correu termos pelo JLC, Juiz 2, do tribunal de Vila Nova de Gaia, e, nomeadamente, do seu artigo 1º, ficou convencionado que o Autor reduziu o total do seu pedido à quantia global de €7.000,00.

Defende que, uma vez que o total do pedido formulado naquela ação pelo Autor dizia respeito não só à parte liquidada da indemnização pretendida, mas também àquela cuja liquidação requereu fosse relegada para futura liquidação, outro não pode ser o entendimento que não seja o de que, mediante a transação celebrada entre as partes, o Autor se considerou integralmente indemnizado por todos os danos decorrentes do acidente de que foi vítima, incluindo os futuros, cuja liquidação pediu fosse relegada para momento ulterior.

Supletivamente impugnou a factualidade atinente à dinâmica do acidente e aos danos invocados.

Rematou pedindo que a deduzida exceção dilatória de caso julgado seja julgada procedente e provada e, em consequência, as Rés absolvidas da instância. Ou, quando assim se não entenda, que seja absolvida do pedido.

O Autor veio pronunciar-se sobre as exceções deduzidas, impugnando a factualidade alegada como fundamento das mesmas e contrapondo, com particular relevo, que os danos alegados na sua petição inicial são novos relativamente à situação vertida na ação judicial 3980/19.9T8VNG, nomeadamente a existência de foco de ostiomielite/abcesso que pudesse perpetuar a infeção.

Defende que, apesar de se verificar identidade de sujeitos, não existe identidade de causa de pedir, nem identidade de pedidos - pelo que não se verificam os requisitos de que depende a verificação da exceção de caso julgado, que deve ser julgada improcedente.

Conclui pedindo que sejam julgadas não provadas e improcedentes as exceções deduzidas, no mais se concluindo como na petição inicial.

Realizou-se Audiência Prévia, no âmbito da qual foi facultada às partes a discussão de facto e de direito a fim de ser proferida decisão de mérito da causa, por procedência da exceção de caso julgado.

Sequencialmente foi proferido despacho nos autos com o seguinte teor resumido “(…) Atentos os factos descritos, verifica-se identidade formal de todos os sujeitos. Consequentemente, do ponto de vista da sua qualidade jurídica e para efeitos da presente ação, as partes são as mesmas.

Já quanto ao pedido, resulta de forma evidente a identidade de pedidos, com exceção do concreto montante atribuído aos danos sofridos.

Mais, analisando ambas as petições apresentadas pelo Autor, resulta que a causa de pedir é a mesma em ambas as ações – o mesmo sinistro – e o efeito jurídico que o Autor pretende obter em ambas as ações, entendido como o efeito prático que o Autor procura alcançar, é o mesmo: o ressarcimento de danos sofridos em consequência de acidente de viação.

No que se refere à identidade da causa de pedir, haverá que, de harmonia com o disposto no artigo 581°/4, do Código de Processo Civil, recorrer aos factos jurídicos concretos invocados numa e noutra ação, pelo que sendo similares os factos que integram a causa de pedir na ação em que se formou o caso julgado e naquela em que se pretende projetar a sua eficácia, através da invocação da exceção, se poderá afirmar serem idênticas as respetivas causas de pedir quanto aos pedidos formulados.

Considerando que a causa de pedir é o facto jurídico que está na base da pretensão deduzida em juízo, entendido aquele como acontecimento concreto sendo irrelevante a qualificação ou valoração jurídica que o autor lhe atribua, é manifesta a identidade da causa de pedir.

De facto, em ambas as ações os factos que integram a causa de pedir são os mesmos: acidente de viação e danos do mesmo decorrentes para o Autor.

Alega o Autor que o episódio ocorrido em novembro de 2022 configura um facto novo, não abrangido pela decisão proferida no referido processo.

Como resulta da factualidade supra descrita, não lhe assiste razão. O episódio é idêntico a episódios anteriores, o Autor já tinha tido celulites de repetição e infeções na perna e a sua repetição no futuro já estava prevista no relatório pericial. Da própria petição inicial resulta que este episódio é mais um dos que já anteriormente o Autor tinha tido (cf. artigo 26º da petição inicial).

Por outro lado, atento o teor do pedido formulado no processo nº 3980/19.9T8VNG, tem de concluir-se que o mesmo já englobava posteriores infeções e celulites uma vez que era pedido a condenação das Rés no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja liquidação se pedia fosse relegada para posterior liquidação de sentença.

Assim, considerando todo o supra exposto quanto à exceção de caso julgado, verifica-se que há identidade do pedido formulado (se bem que não do concreto montante peticionado), que a presente ação configura uma causa se repete, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

De acordo com o artigo 619º/1 do Código de Processo Civil, “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”. Ou seja, quando a decisão se torna definitiva, por não poder ser já suscetível de reclamação, nem de recurso ordinário, a mesma transita em julgado (artigo 628º do Código de Processo Civil), formando-se, então, o caso julgado: formal, com efeitos apenas no processo em que foi proferida, quando não tenha conhecido de mérito; e material, com efeitos dentro e fora do processo em que haja sido proferida, quando tenha sido de mérito. (…)

No caso em apreço, importa relevar o caso julgado inerente à sentença proferida no processo nº 3980/19.9T8VNG, que correu os seus termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J2.

De facto, nesse processo foi proferida sentença homologatória de transação, no âmbito da qual o Autor reduziu o total do pedido a montante concreto, desistindo do apuramento de danos em posterior execução de sentença.

Atentos os factos expostos, entendo que o Autor não pode, através da presente ação, alegar factos e formular pedido que na anterior ação já submeteu à apreciação do tribunal, encontrando-se a contenda já definitivamente resolvida.

Assim sendo, mostra-se impedido o prosseguimento da presente ação por força da verificação da exceção de caso julgado face à decisão proferida no processo nº 3980/19.9T8VNG que correu os seus termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J2, motivo pelo qual se impõe a absolvição das Rés da instância da ação.

Nos termos e fundamentos expostos, ao abrigo do disposto nos artigos 576º/2, 577º/i), 580º/1 e 2, 581º e 595º/1, todos do Código de Processo Civil julgo procedente a exceção dilatória arguida e, em consequência, absolvo as Rés da instância.” e com a seguinte decisão “Por todo o exposto decido absolver as Rés D..., Companhia de Seguros, S.A. e A... - Companhia de Seguros, S.A. da instância. Custas a cargo do Autor – artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique.”

Inconformado com esta decisão, o Autor veio interpor o presente recurso pedindo que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, rematando com as seguintes

CONCLUSÕES:

1. Na ação (Proc. 3980/19.9T8VNG) que propôs em 09/05/2019, o ora recorrente alegou (9 a 19 da p.i.) a assistência prestada no dia do acidente; a avaliação clínica e diagnóstico com alta do dia seguinte ao acidente; o recurso à urgência no dia 15/06/2018, com ecografia e internamento; os sintomas inflamatórios da perna esquerda; e a consequência daí advinda de não poder caminhar, nem manter-se de pé durante muito tempo e as sessões diárias de fisioterapia;

2. Concluiu pedindo a condenação das recorridas no montante de 14.769,33€ e a condenação em quantia a quantificar em liquidação de sentença;

3. Na presente ação, o A. na p.i. da presente (art. 25 a 31) alegou a existência de um dano novo que consiste na existência de um foco de infeções frequentes e inevitáveis que o obrigam a uma profilaxia mensal das mesmas, permanentemente, ou seja para toda a sua vida;

4. Tendo, em consequência dessa constatação médica alegada na p.i., formulado o pedido de indemnização por dano patrimonial futuro, pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, conforme consta do articulado antes referido, que aqui se dá como reproduzido;

5. A meritíssima Juiz “a quo” invocando o disposto nos art. 580º e 581º do CPC, considerou haver identidade de sujeito, de causa de pedir e de pedido, declarando a verificação da exceção de caso julgado e absolvendo as RR. Seguradoras da acção;

6. Socorrendo-se para tal da alegação do A. na p.i. da ação 3980/19.9T8VNG nomeadamente nas alíneas a), c), e) e f), bem como do relatório da perícia datado de 28.07.2021, à qual adiante se referirá;

7. À data da propositura da ação 3980/19.9T8VNG, na data dos exames médicos existentes nos autos anteriores à data da transação que pôs fim àquela ação e na data em que esta ocorreu (07/06/2022), não existia o dano referido nos artigos 25º a 31º da petição da presente ação, ou seja que o A. ia, como vai, sofrer durante toda a sua vida e para sempre de infeções e ficar sujeito e obrigado a uma profilaxia mensal das mesmas, para sobreviver;

8. Por isso, requereu prova pericial (exame médico), indicando como objeto da mesma a matéria dos artigos 26º a 35º da p.i., bem como a que consta dos quesitos que juntou, para prova de que se trata de dano novo não existente nas alturas indicadas na conclusão anterior;

9. Do resultado do exame médico legal de 15/04/2021 datado de 28/07/2021, é de dar nota do seu teor no que toca à necessidade de tratamentos, às consequências das lesões e sequelas, conforme consta dos segmentos do relatório constantes das presentes alegações e que aqui se dão como reproduzidas;

10. Em parte alguma do relatório pericial, ou das alegações do A. na anterior ação é referido ou relatado que o mesmo viria a sofrer de uma infeção crónica, frequentes e repetidas infeções que demandam profilaxia mensal das mesmas para toda a vida do recorrente;

11. Os danos alegados pelo recorrente na p.i. são novos relativamente à situação vertida na ação judicial 3980/19.9T8VNG, nomeadamente a existência do foco de ostiomielite /abcesso que perpetua a infecção e obriga a tratamento de profilaxia mensal durante toda a vida do ora recorrente, sendo a perícia médica requerida a única forma viável e segura de se apurar se o dano corporal alegado na petição desta ação se considera ou não novo;

12. São também novos os danos patrimoniais e não patrimoniais derivados da constatação da lesão permanente não alegada na p.i., nem contemplada no relatório do exame médico do INML;

13. Com efeito, o A. ora recorrente alegou nos artigos 32 a 52 da p.i. que aqui se dão como reproduzidos, danos patrimoniais e não patrimoniais que são consequência do dano novo já referido, e que surgiram após a conclusão médica, para ele A. desconhecida, de que os seus padecimentos eram irreversíveis e permanentes;

14. Pelas razões expostas, no modesto entendimento do A., ora recorrente, há identidade de sujeitos, mas não se verifica identidade de causa de pedir, nem de pedido em relação à ação 3980/19.9T8VNG;

15. A decisão recorrida interpreta e aplica incorretamente o disposto nos artigos 580º e 581º do C.P.C. (Conceito e requisitos do caso julgado) e 498º do Código Civil (prazo de prescrição e conceito de novos danos), 562º e 563º do C.C. (avaliação e reparação dos danos) e viola os mais elementares princípios do Direito e da Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[1], aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, é atinente à legalidade da decisão de absolvição das Rés da instância com fundamento na verificação de uma exceção de caso julgado.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados na decisão recorrida:
1) No processo que correu termos sob o nº 3980/19.9T8VNG, o Autor intentou ação contra D..., Companhia de Seguros, S.A. e A... - Companhia de Seguros, S.A.
2) Nessa ação alegou ter ocorrido um acidente “No dia 10.06.2018, pelas 13:00 horas, na Rua ..., união das freguesias ..., ..., ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, teve lugar um acidente de viação, do qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo ..., propriedade de BB e conduzido por CC, com seguro válido titulado pela apólice nº ..., na seguradora B...- Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., no qual seguia o Autor na qualidade de passageiro; e o veículo ligeiro de passageiros, marca Skoda, modelo ..., propriedade da “C..., S.A.”, conduzido por DD, com seguro titulado pela apólice nº ..., na seguradora A...- Companhia de Seguros, S.A..
3) Na mesma ação formulou o seguinte pedido: “(…) deve a presente ação ser julgada totalmente provada e procedente e, em consequência: a) Serem as rés condenadas a pagar ao autor a quantia de € 14.769,33 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; b) Serem as Rés condenadas a pagar ao Autor uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a acrescer à referida em a) – e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação de sentença; c) Serem as rés condenadas a pagar ao autor os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal, a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.”.
4) Nessa ação o Autor alegou expressamente nessa ação que: “22. Por outro lado, tal como suprarreferido, o Autor desde meados do mês de Setembro do ano de 2018 que frequenta sessões diárias de Fisioterapia, deslocando-se, ainda, e sempre que necessário, às consultas externas no Centro Hospitalar ..., E.P.E., já tendo despendido para o efeito de €100,10 (cem euros e dez cêntimos). 23. Situação que se irá manter de forma contínua. Desde aquela data (10.06.2018) que deixou de poder exercer a sua actividade profissional e ficou desempregado. 34. Uma vez que o Autor desconhece, na presente data, da IPP com que irá ficar a padecer, e que apenas será possível apurar aquando da realização do exame pericial, o Autor relega para posterior incidente de liquidação de sentença a integral quantificação dos danos patrimoniais sofridos. 50. Pelo que o seu dano estético sempre será fixado em 3 pontos. 51. Em consequência das queixas, lesões e sequelas supra descritas, o Autor não pode atualmente – e não poderá no futuro - nos seus tempos livres e de lazer, praticar qualquer atividade e modalidade de desporto, que requeira movimento e qualquer outro tipo de funcionalidade dos membros. 52. As referidas queixas, lesões e sequelas supra descritas numa escala crescente de 1 a 7 sempre irão conferir ao Autor uma “repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer” de, pelo menos, grau 3. 53. O Autor sofreu, sem margem para qualquer dúvida, um dano não patrimonial, que face à sua gravidade terá de ser ressarcido em quantia nunca inferior a €5.000,00 57. A tais montantes irão acrescer as quantias cuja total e integral quantificação se relega para posterior incidente de liquidação de sentença (artigo 358.º do C.P. Civil) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais: a. Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas supra melhor descritas, (sublinhado nosso) b. Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor de acompanhamento médico periódico para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas supra melhor descritas, c. Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamentos médicos que vierem a ser prescritos; d. Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor de ajuda medicamentosa – antidepressivos, anti-inflamatórios, analgésicos - para superar as consequências físicas das lesões e sequelas supra melhor descritas; e. Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor de se submeter a intervenções cirúrgicas e plásticas, internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas; e f. Decorrentes das perdas salariais futuras;
5) Na presente ação o Autor alega o mesmo acidente e danos dele decorrentes, alegando, como justificação da propositura da presente ação, ter sofrido um episódio de urgência clínica, em 09 de novembro de 2022.
6) Do relatório da perícia realizada no processo suprarreferido, datado de 28.07.2021 consta que: Foram efetuados e exames e que da “Ecografia das partes moles da perna esquerda: no estudo ecográfico efetuado dirigido para a região posterior da perna esquerda verificamos a presença de cicatriz cutânea, com sinais de edema dos tecidos envolventes, em provável relação com processo inflamatório / infecioso; não são observadas coleções nesta topografia. Portanto, celulite. Faz 1.ª toma de ceftriaxone e tem alta com cefuroxima durante 12 dias (fez amoxicilina/ácido clavulânico 5 semanas após cirúrgica). Recorreu ao serviço de urgência a 15.11.2019 pelas 18:52 horas por febre (39.5ºC), dor na região inguinal esquerda com 4 horas de evolução. Antecedentes de celulites na perna esquerda com ciclos de antibioterapia; encontra-se a fazer Fisioterapia. - Ecografia da perna esquerda: na vertente posterior da perna esquerda regista-se espessamento dos planos adiposos subcutâneos de acordo com celulite; observa-se profundamente nesta localização imagem hipoecóica laminar de acordo com reliquat de coleção previamente drenada, sem conteúdo atual; os planos musculares não revelam alterações relevante. Relatório elaborado pela Dr.ª EE (Medicina Interna) a 08.03.2021: Com seguimento nas consultas de Medicina Interna por haver apresentado vários episódios de celulite no membro inferior esquerdo. Declaração elaborada pela Dr.ª FF a 12.01.2021 (…) Após data de 10.06.2018 esteve com certificados de incapacidade temporária para o trabalho por apresentar ferimento na perna esquerda após acidente de viação com evolução para hematoma infetado e com necessidade de fazer antibioterapia durante 5 semanas. Esteve internado no serviço de Ortopedia do CH... de 28.06.2018 a 02.07.2018 por hematoma infetado na região gemelar da perna esquerda, tendo sido submetido a drenagem de coleção abcedada e limpeza cirúrgica. Em 03.09.2018 trouxe a seguinte informação clínica de Ortopedia: “marcha com canadiana, atrofia marcada da perna esquerda, loca cirúrgica quase encerrada por segunda intenção, mantém cuidados de penso, pede-se fisioterapia”. Iniciou tratamentos de fisioterapia para reabilitação funcional. Desde então com múltiplas infeções (celulite) nessa perna, sendo seguido na consulta externa de Medicina Interna no CH.... Na situação em apreço é de perspetivar que o Examinado possa vir a desenvolver, em associação ao traumatismo sofrido, novas infeções da perna esquerda, nomeadamente celulites, podendo haver progressão da infeção com eventual atingimento ósseo, pelo que poderão ser necessárias futuras avaliações em consultas de Ortopedia, podendo, nesse caso, haver lugar a uma futura revisão do presente caso, com eventual atribuição de novos parâmetros de dano temporário e revisão dos parâmetros de dano permanentes agora atribuídos.
7) Na parte referente a discussão desse mesmo relatório consta que “Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano (hematoma infetado da perna esquerda, com necessidade de drenagem cirúrgica, complicado por celulites recorrentes). Na situação em apreço é de perspetivar que o Examinado possa vir a desenvolver, em associação ao traumatismo sofrido, novas infeções da perna esquerda, nomeadamente celulites, podendo haver progressão da infeção com eventual atingimento ósseo, pelo que poderão ser necessárias futuras avaliações em consultas de Ortopedia, podendo, nesse caso, haver lugar a uma futura revisão do presente caso, com eventual atribuição de novos parâmetros de dano temporário e revisão dos parâmetros de dano permanentes agora atribuídos.
8) Da Conclusão consta “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, sendo de admitir uma eventual nova revisão do caso, caso surjam recidivas de natureza infeciosa no membro inferior esquerdo”.
9) Após realização da perícia o Autor, em 13.09.2021, requereu ampliação do pedido “por forma a que o montante global de €1.060,99 seja aditado à quantia peticionada pelo Autor, na petição inicial, a título de danos patrimoniais”.
10) Do relatório de urgência do Centro Hospitalar ... de 09.11.2022, consta que se trata de doente seguido em consulta de infeciologia por celulites de repetição – refere que tem queixas idênticas aos quadros prévios.
11) Na ação que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia -Juiz 2, sob o nº 3980/19.9T8VNG foi efetuada transação, em 07.06.2022, com o seguinte teor: “1º - O Autor reduz o total do pedido à quantia global de € 7.000,00 2º - A quantia mencionada na cláusula 1ª será paga pela A... no montante de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) e a Interveniente pagará o valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros). 3º - As quantias descritas na cláusula anterior serão pagas por Ré e Interveniente, por transferência bancária, no prazo de 30 dias a contar da homologação da presente transação, para a conta titulada pelo Autor com o IBAN  .... 4º - A presente transacção não traduz a assunção de responsabilidade para nenhuma das partes da factualidade descrita nos autos, sendo celebrada exclusivamente por motivos comerciais e de celeridade na obtenção de justiça. 5º - As custas serão na proporção do decaimento resultante da presente transacção.”


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IV – VERIFICAÇÃO DE EXCEÇÃO DE CASO JULGADO

O tribunal recorrido entendeu que a presente ação não pode prosseguir por força da verificação da exceção de caso julgado face à decisão proferida no processo nº 3980/19.9T8VNG que correu os seus termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – J2.

Julgou procedente a exceção dilatória arguida e, em consequência, absolveu as Rés da instância.

A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se assim com a verificação dos pressupostos da exceção de caso julgado.

Como se sabe, as decisões judiciais, em especial as sentenças, conduzem à pacificação das relações jurídicas controvertidas, contribuindo para a indispensável segurança jurídica e social.

Por inerência, razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta.

Refere Maria José Capelo[2] que "as finalidades de segurança jurídica e de pacificação social desvirtuar-se-iam se se admitisse, que entre as mesmas partes sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, fosse possível discutir o já apreciado numa causa anterior." E, mais à frente, que "A segurança e paz jurídicas, que derivam da impossibilidade de se voltar a discutir o objeto (que assume o estatuto principal ou prejudicial na situação controvertida), impõem que o caso julgado deva ser encarado como um atributo necessário de uma decisão, sobre o mérito, emergente de um processo equitativo."

A nossa lei consagrou a chamada teoria da substanciação, nos termos da qual a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, quanto aos sujeitos, à causa de pedir e aos pedidos (Cf. arts. 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1 do C P Civil). Determina que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do artigo 581º); que há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do artigo 581º) e que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do artigo 581º do CP Civil).

No caso em apreciação, é evidente, por simples análise comparativa, que as partes são exatamente as mesmas em ambas as ações.

Da mesma forma, é evidente existir identidade de pedidos, sendo os mesmos essencialmente idênticos, apenas diferindo quanto ao montante concreto atribuído aos danos concretos.

O Recorrente declara não se verificar identidade de pedidos, mas não justifica minimamente tal afirmação.

A dúvida relevante prende-se com a identidade de causas de pedir.

Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[3], na linha orientadora perfilhada desde há décadas pela jurisprudência, observam que, para este efeito, não se trata de um qualquer facto jurídico, mas apenas do facto jurídico do qual procede o pedido do autor- o facto essencial. Acrescentam estes autores, com pertinência para este caso, que a causa de pedir é fixada por referência ao instituto jurídico pertinente, sendo este individualizado através da conjugação dos elementos fundamentais do pedido de resolução do conflito formulado pelo autor (art.º 3.º, n.º 1): o pedido, propriamente dito, e os fundamentos de facto invocados[4].

O Supremo Tribunal de Justiça defende repetidamente esta tese. Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão de 14/12/2016, tendo como Relator Lopes do Rego[5], onde se decidiu: “A essencial identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial das causas petendi invocadas numa e noutra ações em confronto, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações, nem pela invocação na primeira ação de determinada factualidade, perspetivada como meramente instrumental ou concretizadora dos factos essenciais.”

Em síntese, o que importa é apurar se a substância do litígio assenta nos mesmos factos concretos em ambas as ações.

O direito de indemnização pode, neste tipo de ações, basear-se na responsabilidade civil por factos ilícitos ou na responsabilidade civil pelo risco consoante se funde em facto ilícito e culposo ou em facto lícito decorrente do risco próprio da atividade de conduzir.

Nas ações de indemnização por acidente de viação com culpa imputada a terceiro, a causa de pedir é complexa, sendo constituída pelo “conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação.”[6]

Fundando-se a ação na responsabilidade subjetiva do lesante - como é o caso de ambos os processos em apreciação - cabe ao autor a prova do facto ilícito, da culpa, do dano, do nexo de causalidade entre o facto e o resultado e ainda do contrato de seguro respetivo, por ser este o conjunto de factos exigidos pelo art.º 483.º e ss. do Código Civil.

Ora, quer na antecedente ação, quer na presente, o Recorrente, na qualidade de Autor, invoca a ocorrência de um acidente de viação, a culpa do mesmo por parte dos segurados nas Rés, a consequente existência de danos decorrentes do sinistro, formulando pedido final de ressarcimento de tais danos.

Tal como se refere na decisão recorrida, analisando ambas as petições apresentadas pelo Autor, resulta que a causa de pedir é a mesma em ambas as ações – o mesmo sinistro – e o efeito jurídico que o Autor pretende obter em ambas as ações, entendido como o efeito prático que o Autor procura alcançar, é o mesmo: o ressarcimento de danos sofridos em consequência de tal acidente de viação.

O argumento central apresentado pelo Autor/Recorrente no presente recurso é o de que na presente ação alegou a existência de um dano novo que consiste na existência de um foco de infeções frequentes e inevitáveis que o obrigam a uma profilaxia mensal das mesmas, permanentemente, para toda a sua vida.

Acrescenta que em parte alguma do relatório pericial, ou das suas alegações na anterior ação é referido ou relatado que o mesmo viria a sofrer de uma infeção crónica, frequentes e repetidas infeções que demandam profilaxia mensal das mesmas para toda a vida.

Invoca que, consequentemente, são também novos os danos patrimoniais e não patrimoniais derivados da constatação da lesão permanente não alegada na antecedente ação.

Não lhe assiste razão, tal como que está exemplarmente explicado na decisão recorrida.

Tal como está considerado provado, na antecedente ação o Autor formulou o seguinte pedido: “(…) deve a presente ação ser julgada totalmente provada e procedente e, em consequência: a) Serem as rés condenadas a pagar ao autor a quantia de € 14.769,33 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; b) Serem as Rés condenadas a pagar ao Autor uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a acrescer à referida em a) – e cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação de sentença; c) Serem as rés condenadas a pagar ao autor os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal, a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.”.

Nesta mesma ação o Autor alegou, entre o mais, que a existência de danos “Decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor de se submeter a intervenções cirúrgicas e plásticas, internamentos hospitalares, de efetuar várias despesas hospitalares, tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas melhor descritas;”

Temos, portanto, que na antecedente ação o Autor invocou danos presentes e danos futuros, nos termos consagrados no art.º 564.º, n.º 2, do Código Civil.

Estes danos futuros são indemnizáveis, nos termos da lei, desde que previsíveis.

Com vista a liquidar estes danos futuros, o aí Autor requereu a realização de prova pericial.

Do relatório da perícia realizada naquele processo inicial, datado de 28/07/2021, consta, designadamente: “Antecedentes de celulites na perna esquerda com ciclos de antibioterapia; encontra-se a fazer Fisioterapia. - Ecografia da perna esquerda: na vertente posterior da perna esquerda regista-se espessamento dos planos adiposos subcutâneos de acordo com celulite;”; “Relatório elaborado pela Dr.ª EE (Medicina Interna) a 08.03.2021: Com seguimento nas consultas de Medicina Interna por haver apresentado vários episódios de celulite no membro inferior esquerdo Em 03.09.2018 trouxe a seguinte informação clínica de Ortopedia: “marcha com canadiana, atrofia marcada da perna esquerda, loca cirúrgica quase encerrada por segunda intenção, mantém cuidados de penso, pede-se fisioterapia”. Iniciou tratamentos de fisioterapia para reabilitação funcional. Desde então com múltiplas infeções (celulite) nessa perna, sendo seguido na consulta externa de Medicina Interna no CH.... Na situação em apreço é de perspetivar que o Examinado possa vir a desenvolver, em associação ao traumatismo sofrido, novas infeções da perna esquerda, nomeadamente celulites, podendo haver progressão da infeção com eventual atingimento ósseo, pelo que poderão ser necessárias futuras avaliações em consultas de Ortopedia, podendo, nesse caso, haver lugar a uma futura revisão do presente caso, com eventual atribuição de novos parâmetros de dano temporário e revisão dos parâmetros de dano permanentes agora atribuídos.”

Na parte referente a discussão deste mesmo Relatório consta, designadamente: “Na situação em apreço é de perspetivar que o Examinado possa vir a desenvolver, em associação ao traumatismo sofrido, novas infeções da perna esquerda, nomeadamente celulites, podendo haver progressão da infeção com eventual atingimento ósseo, pelo que poderão ser necessárias futuras avaliações em consultas de Ortopedia, podendo, nesse caso, haver lugar a uma futura revisão do presente caso, com eventual atribuição de novos parâmetros de dano temporário e revisão dos parâmetros de dano permanentes agora atribuídos.”

Assim sendo, e tal como se explica na decisão recorrida, o episódio agora invocado é idêntico a episódios anteriores: o Autor já tinha tido celulites de repetição e infeções na perna e a sua repetição no futuro já estava prevista no relatório pericial. Da própria petição inicial resulta que este episódio é mais um dos que já anteriormente o Autor tinha tido (cf. artigo 26º da petição inicial).

Através de transação judicial, o Autor aceitou reduzir o montante peticionado para a quantia de EUR 7.000,00, desistindo designadamente do apuramento dos danos futuros que se pudessem vir a verificar, aqui se englobando necessariamente os relacionados com focos de infeções frequentes que o obrigassem a uma profilaxia mensal das mesmas, danos estes que, nos termos expostos acima, eram previsíveis.

A conclusão necessária é, consequentemente, a de que a presente ação configura uma repetição da causa anterior, a qual terminou por transação judicial alcançada pelas partes, homologada por sentença transitada em julgado.

Improcede, pois, o presente recurso.


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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em totalmente improcedente o recurso do Autor, confirmando-se a decisão recorrida.


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Custas a cargo do Recorrente/Autor – art.º 527.º do CP Civil.

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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)


Porto, 11 de março de 2025
Lina Baptista
João Proença
Anabela Miranda
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[1] Doravante designado apenas por CP Civil, por questões de operacionalidade e celeridade.
[2] In Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Processuais A sentença entre a Autoridade e a Prova, Almedina, 2016-reimpressão, pág. 45 e 395.
[3] In Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Vol. I, pág. 36.
[4] In Ob. Cit., pág. 37.
[5] Proferido no Processo n.º 219/14.7TVPRT-C.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
[6] Vaz Serra in R.L.J. Ano 103º, pág. 511.