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PRESCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
I. A interrupção da prescrição designadamente por via de notificação judicial tem por fim mostrar que o alegado titular do direito pretende exercê-lo (art.º 323/1, do Código Civil), não havendo lugar à extinção do direito por falta de diligência. II. Para o efeito, importa que o requerente concretize suficientemente o alegado direito, de modo que se entenda bem o que está em causa, sem que, de todo o modo, tenha de o fazer em termos comparáveis aos de uma petição inicial. III. A indicação do intuito de reclamar créditos referentes a valores pagos a título de subsídio de turno, trabalho noturno, subsídio de transportes e subsídio de quilometragem interrompe a prescrição, ainda que mais adiante o trabalhador limite a sua pretensão aos diferenciais daqueles créditos a ter em conta no âmbito dos subsídios de férias e de Natal.
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
A) Autor, também designado por A.: AA (recorrente).
Ré (designada por R.): Metropolitano de Lisboa, EP.
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O A. demandou a R. com fundamento em créditos vencidos e não pagos, pedindo a final a condenação desta a pagar-lhe:
a) na retribuição relativa a subsídio de férias e subsídio de Natal a quantia total de 13.359,24€ referente aos valores a este devido a título de subsídio de turno, de prémio de assiduidade, de trabalho nocturno, de subsídio de transportes e de subsídio de quilometragem auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2001 a 2021
b)os juros moratórios à taxa legal em vigor, sobre as quantias devidas que vierem a ser apuradas, desde a citação até integral pagamento,
além de suportar as custas do processo e demais despesas legais.
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Não havendo acordo a Ré contestou, tendo invocado a exceção de prescrição e pedido a sua absolvição do pedido; assim não se entendendo, a improcedência integral da ação, por não provada e por falta de fundamento e, em consequência, a Ré Metropolitano de Lisboa, E.P.E, absolvida de todos os pedidos, com as demais consequências legais.
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O A. respondeu, pedindo a improcedência da excepção invocada pela Ré, e que a ação siga a sua normal tramitação.
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No final o Tribunal julgou o direito do Autor prescrito, pelo decurso do prazo previsto pelo art.º 337º, do Código do Trabalho, e procedente a excepção da prescrição, e absolveu o Réu dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor.
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Inconformado, o A. recorreu, tendo apresentado alegações e concluído:
1ª A decisão proferida pelo Tribunal a quo é recorrível.
2ª O recurso é o próprio, mostra-se interposto tempestivamente, por quem para tal tem plena legitimidade e interesse para o efeito, sendo efectuado para o Tribunal competente, encontrando-se a taxa de justiça auto-liquidada.
3ª Trata-se de um recurso de apelação interposto da sentença que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelo Réu, e em consequência, o absolveu dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor, ora Recorrente.
4ª O A. não se pode conformar-se com este dispositivo, entendendo, ao invés, não existir qualquer fundamento para a prolação da sentença de que ora recorre.
5ª Na sequência da cessação do seu contrato de trabalho por força da sua passagem à situação de reforma por velhice, o Autor instaurou uma acção de processo comum contra o Réu/Recorrido, pedindo ao Tribunal que reconhecesse a existência de créditos salariais que entende serem-lhe devidos pelo Réu.
6ª Sendo os referidos créditos, a ser pagos na retribuição relativa a subsídios de férias e de Natal, devidos a título de subsídio de turno, de prémio de assiduidade, de trabalho nocturno, de subsídio de transportes e de subsídio de quilometragem auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2001 a 2021.
7ª A passagem à situação de reforma aconteceu em 13 de Maio de 2021, pelo que o A. dispunha do prazo de um ano, a contar do dia 14 de Maio de 2021, para reclamar os créditos que considera serem-lhe devidos por parte do Réu.
8ª Porém, existindo negociações entre o Réu e as estruturas sindicais que representam os trabalhadores relativamente ao que está em questão na presente acção, o A. foi aguardando pela conclusão das negociações, procurando assim evitar o recurso a Tribunal.
9ª Não se encontrando concluídas as negociações o A., fazendo uso de uma prerrogativa legal ao seu dispor, tomou a decisão de interromper o supra referido prazo de um ano que se encontrava a correr, tendo-o feito através de uma Notificação Judicial Avulsa (NJA) ao Réu,
10ª O que efectivamente fez no dia 4 de Maio de 2022, tendo a Ré sido citada, no dia 9 de Maio de 2022.
11ª O que significa que, do ponto de vista temporal, tudo foi inquestionavelmente feito por parte do Autor dentro do que legalmente se encontra estabelecido,
12ª Tendo o prazo prescricional aqui em causa se renovado pelo período de um ano, ou seja, o direito do A. em reclamar dos créditos salariais que considera serem-lhe devidos renovou-se até ao dia 9 de Maio de 2023.
13ª Nesse sentido, e evidenciado a sua vontade, já expressamente manifestada junto do Réu, o A. instaurou a presente acção no dia 3 de Maio de 2023, tendo o Réu sido citado da mesma no dia 5 de Maio, ficando absolutamente inequívoco ter o A. cumprido de forma rigorosa e escrupulosa com os prazos a que se encontrava obrigado.
14ª Os créditos reclamados, porque devidos, pelo A., são valores relativos a subsídio de turno, prémio de assiduidade, trabalho nocturno, subsídio de transportes e de subsídio de quilometragem, auferidos com carácter de regularidade nos anos de 2001 a 2021, devendo os valores apurados a este título, ser pagos na retribuição relativa aos subsídios de férias e de Natal, únicos momentos ao longo da relação laboral em que os referidos valores, não foram, por parte do Réu, pagos ao Autor,
15ª Pelo que fica evidente e inequívoco que a “tese” da excepção da prescrição, no caso, por preterição de informação na Notificação Judicial Avulsa, não apresenta qualquer fundamento,
16ª Uma vez que o A. deu a conhecer ao Réu, através da Notificação Judicial Avulsa, a sua intenção de exercer o seu direito, cujo escopo é tão só o de comunicar a intenção de exercer exactamente um direito, identificando minimamente o direito a que se arroga, bem como declarando a sua pretensão de, no futuro, pretender exercê-lo.
17ª É unanime na Doutrina e na Jurisprudência que a notificação judicial avulsa não tem de ter os mesmos requisitos da acção judicial subsequente, bastando-se a lei com a manifestação expressa, de forma directa ou indirecta, da intenção de exercer o direito, o que é inequívoco ter acontecido no presente processo, uma vez que o A., na sua Notificação Judicial Avulsa, informa/notifica o Réu não de um direito vago e/ou abstracto, mas sim do direito concreto a que se arroga ser credor.
18ª O Autor, para além do cumprimento dos prazos legais a que se encontrava obrigado aquando da Notificação Judicial Avulsa ao Réu com vista à interrupção do prazo prescricional, cumpriu igualmente com o pressuposto de indicar, no caso de forma directa à Ré, a sua intenção em exercer um direito, explicitando e identificando o direito a que se arroga,
19ª Concretamente o direito a um conjunto de créditos salarias que entendia e entende serem-lhe devidos, conforme consta do art.º 5º da Notificação Judicial Avulsa
20ª Levando assim ao conhecimento da Ré, de forma directa e objectiva, a sua intenção de exercer o direito a reclamar de créditos salariais que entende serem-lhe devidos,
21ª Enunciando essa mesma intenção relativamente aos exactos créditos que invocou na Notificação Judicial Avulsa e que veio a reclamar aquando da instauração da presente acção, conforme se comprova na sua Petição Inicial e, nomeadamente, no vertido nos artigos 60º a 63 e 98º relativamente ao subsidio de turno, nos art.º 64º a 68º e 99º no que concerne ao prémio de assiduidade, nos art.º 69º a 72 e 101º quanto ao trabalho nocturno, e nos art.º 73º, 74º, 102º e 103º no que respeita ao subsídio de quilometragem e ao subsidio de transporte, culminado esta reclamação dos créditos no exposto no artigo 106º da sua PI, onde o Autor, depois de explicar, evidenciar, arguir e documentar os fundamentos da sua pretensão, apresenta um quadro resumo com os valores totais que entende lhe são devidos e a que título.
22ª Resulta assim da leitura e análise quer da Notificação Judicial Avulsa quer da PI, ambas as peças subscritas pelo A., que este cumpriu escrupulosa e integralmente todos os pressupostos a que se encontrava obrigado com vista à interrupção do prazo de prescrição, concretamente de que, em ambas as peças processuais, e ao contrário do que é referido na douta Sentença, o mesmo primeiro, na Notificação Judicial Avulsa identificou de forma clara qual o concreto direito que pretendia exercer, para depois concretizar essa sua pretensão na acção que interpôs.
23ª Ou seja, o R. era conhecedor da intenção do então Requerente e ora A. em exercer um concreto direito, o que veio efectivamente a acontecer dentro do período legalmente concedido para o efeito,
24ª Como bem refere o Tribunal a quo na Sentença, citando o Acórdão do STJ, de 10 de Dezembro de 2022, Proc. n.º 766/07.7TTLSB.L2.S1, “Para que a notificação judicial avulsa possa produzir o efeito interruptivo da prescrição — e, para tal efeito, equivaler à citação — é necessário que o requerente se assuma como titular de um direito efectivo, minimamente definido e fundamentado — tal como na citação —, pois só assim o requerido ficará a conhecer o direito que contra ele é invocado ou se pretende invocar.”, sendo, por isso, pertinente reafirmar que o escopo de uma Notificação Judicial Avulsa é, tão-somente, o de comunicar a intenção de exercer um direito,
25ª Posição que, no caso concreto da presente acção, e em particular da Noti-ficação Judicial Avulsa que deu conhecimento à R. da intenção do A., foi efectuado em tempo e de forma consentânea com o que legalmente se encontra estatuído,
26ª Termos em que a correcta análise levada a cabo pelo Tribunal a quo peca pela errada conclusão que retira,
27ª O Autor/Recorrente identificou expressamente os créditos que entendia serem-lhe devidos e cujo direito pretendia exercer, pelo que, contrariamente ao que é afirmado na Sentença, concretizou o seu pedido, confirmando expressamente o que havia já indicado ao Réu na sua Notificação Judicial Avulsa.
28ª Da mesma forma invocou um direito concreto que pretendia exercer, encontrando-se, contrariamente ao que é invocado na Sentença, os créditos peticionados pelo A. na Petição Inicial, concretamente identificados e concretizados na Notificação Judicial Avulsa, excepto o prémio de assiduidade, item que o Autor reconhece não ter feito menção na sua Notificação Judicial Avulsa.
29ª De afirmar que a invocação de que o pagamento dos montantes devidos pelo Réu ao A. deve ser feita na retribuição relativa a subsídio de férias e de Natal, representa tão-somente que os montantes reclamados pelo A. se encontravam em falta na remuneração daqueles meses, e não, como no entender deste interpreta erradamente o Tribunal a quo, tratar-se de pedidos diferentes dos invocados na Notificação Judicial Avulsa, pelo que, e contrariamente ao que é invocado na douta Sentença recorrida, a comunicação do A. não apenas se revela concretizada e clara quanto ao(s) créditos(s) que se comunica pretender exercer, como igualmente se revela uniforme e coerente nas duas peças processuais em causa, a Notificação Judicial Avulsa e a Petição Inicial.
30ª A Sentença aqui em colocada em crise interpreta o n.º 1 do art.º 323º do Código Civil de forma extremamente restritiva, na medida em que equipara a manifestação de intenção do exercício de um direito ao próprio exercício do direito em si mesmo, exigindo uma quase total semelhança entre a notificação judicial avulsa para interrupção de um prazo de prescrição do exercício de um direito e a posterior ação judicial onde tal direito vai, então sim, ser efectivamente exercido.
31ª Entende o A. que a Sentença recorrida interpreta a aludida norma – “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence (…) – num sentido que não tem correspondência com a letra da lei, a qual aponta no sentido de que a expressão “direta ou indiretamente” significa ter o legislador pretendido conceder a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição e não restringi-lo.
32ª Tal entendimento anula a autonomia jurídico-processual que é conferida à notificação judicial avulsa, levando a que, na prática, tal notificação não seja efectivamente um meio judicial passível de interrupção da prescrição distinto de uma ação, funcionando não como acto autónomo, um acto-fim e independente, porque toda a atividade que nelas se exerce é conducente à notificação, mas antes como um acto-meio e dependente, preliminar daquela, acto que servem de instrumento ou de meio num processo cujo fim nada tem que ver com o objetivo direto da notificação,
33ª É assim inquestionável, contrariamente ao que não só é alegado pelo Réu, mas também é decidido na Sentença, que o A. não apenas teve em conta os timings referentes à sua intenção de exercer um legitimo direito que lhe assistia,
34ª Como igualmente cumpriu, de forma escrupulosa e rigorosa, com tudo o que legalmente se encontra estatuído e relativamente ao qual se encontrava obrigado no que concerne ao teor da sua Notificação Judicial Avulsa.
35ª Desta forma, é inequívoco que a Notificação Judicial Avulsa possui a virtualidade de interromper o prazo prescricional que se iniciou com a passagem à reforma por parte do Autor em 14 de Maio de 2021, devendo por isso a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão que a julgue improcedente e, por consequência, permita que o processo siga os seus tramites normais, através da realização da Audiência de Discussão e Julgamento, o que se requer.
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A R. não contra-alegou.
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O DM do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
A R. respondeu longamente ao parecer.
Os autos foram aos vistos.
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II. Fundamentação
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, importa decidir se inexiste a prescrição.
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Factos provados.
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
A. O Autor instaurou a presente acção no dia 03 de Maio de 2023, pelas 14h25m;
B. O Réu foi citado em 05 de Maio de 2023;
C. O Autor trabalhou, sob as ordens, fiscalização e orientação do Réu desde Setembro de 1989;
D. O Autor reformou-se no dia 13 de Maio de 2021;
E. A 09 de Maio de 2022 o Réu recebeu notificação judicial avulsa promovida pelo Autor em que este lhe comunicava entender ser “credor relativamente a créditos laborais devidos e não pagos, nomeadamente, créditos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista e a sua intenção de, por via judicial, exercer os mencionados direitos.”;
F. Peticiona o Autor, na presente acção, o pagamento na retribuição de subsídio de férias e de Natal das quantias referentes a valores devidos a título de subsídio de turno, trabalho nocturno, subsídio de transporte e de quilometragem.
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De Direito
O mero decurso do tempo pode ter reflexos na vigência das obrigações jurídicas: quer a prescrição (impium remedium lhe chamaram os antigos) quer a caducidade assentam no não exercício do direito durante determinado período (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito, 3ª ed., 373); com a diferença que em regra na primeira o direito foi criado sem prazo de vida, mas extingue-se pelo não exercício duradouro; enquanto a caducidade (art.º 298/2, Código Civil) se prende com a morte de um direito já criado com um certo prazo de vida (neste sentido diz Dias Marques que “a prescrição «mata» o direito, enquanto na caducidade é o direito que «morre»” – cfr. Noções Elementares de Direito Civil, 7ª ed., 118). E ao contrário da outra, a caducidade opera com prazos cegos, valorativamente neutros (cfr, v.g., Manuel Domingues de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 6.ª reimpressão, 1983, páginas 445 e 446; Vaz Serra, “Prescrição e caducidade”, BMJ 105, páginas 32 e 33).
As razões de uma e de outra não são iguais: a prescrição assenta sobremodo na negligência do titular do direito (o que permite compreender que tenha por consequência um direito potestativo a recusar o cumprimento da obrigação, doravante convolada em mera obrigação natural – art.º 303, 304, 304 e 402[1]), enquanto a caducidade se estriba meramente em considerações de certeza e segurança jurídica[2], que acarretam a perda da titularidade do direito e, mais, a sua extinção.
Mas ainda assim, o elemento fundamental de uma e de outra prende-se com a necessidade de assegurar a certeza e a segurança do Direito, de modo que cada um possa saber com o que pode contar.
A extinção de posições jurídicas pode ter lugar pela verificação do facto jurídico estrito que tenha essa eficácia (caducidade em sentido amplo) ou pelo mero decurso do prazo assinalado (caducidade strictu sensu), podendo a caducidade ser legal ou convencional (art.º 298/2) e respeitar a matéria disponível ou não, sendo que neste caso é de conhecimento oficioso (art.º 333).
Desta sorte, o não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei pode determinar a prescrição de determinados direitos (n.º 1 do art.º 298.º do Código Civil), a qual permite ao respectivo beneficiário, em regra o devedor, recusar o cumprimento da prestação ou opor-se ao exercício do direito prescrito (art.º 303.º e 304.º n.º 1 do Código Civil): nas prescrições extintivas ou ordinárias, decorrido o prazo legal previsto para a prescrição, mesmo que não questione a existência da dívida, pode o devedor recusar-se ao pagamento, invocando a prescrição (este aspeto distingue estas presunções das chamadas prescrições presuntivas).
As prescrições extintivas ou ordinárias estao sujeitas a causas de suspensão e interrupção (artigos 318.º a 327.º do Código Civil).
Que acontece quando certo prazo é interrompido?
Dispõe nesta sede o art.º 326 do Código Civil, sob e epigrafe “efeitos da interrupção”: 1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte. 2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.
Começa – é esta a regra geral que se retira do n.º 1 – a correr novo prazo de interrupção.
Deste regime resulta, pois:
a) a inutilização do primeiro prazo[3];
b) o início de um segundo e ultimo prazo[4].
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No caso discute-se a prescrição do direito aos créditos laborais reclamados.
Aqui chegados, vale a pena ver mais em pormenor as razões em que se louvou a decisão recorrida, a qual ponderou, designadamente:
“O momento decisivo para o início da contagem do prazo de prescrição é aquele em que a relação factual de trabalho cessa (ainda que, posteriormente, o acto que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado). (…) A relação laboral entre o Autor e o Réu cessou a 13 de Maio de 2021. (…) O prazo prescricional (…) ocorre, em face do referido, a 14 de Maio de 2022. Sustenta o Autor que tal prazo se interrompeu, atenta a circunstância de ter efectuado notificação judicial avulsa do aqui Réu, a 09 de Maio de 2022.
(…) O peticionado reconduz-se ao pagamento dos acréscimos remuneratórios devidos pelos trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das funções como maquinista nos subsídios de férias e de Natal. (…) Pretende o Autor que os referidos valores – que lhe foram pagos ao longo da relação laboral estabelecida com o Réu – sejam, na devida proporção, integrados no cômputo do valor de subsídio de férias e de Natal, devendo ser-lhe pagos esses diferenciais.
Analisada a notificação judicial avulsa (…), não se retira a menção a essa circunstância, na medida em que dela se fez constar apenas que se pretendia exercer direitos de crédito relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista. Ora, para que a notificação judicial avulsa seja apta a interromper o prazo de prescrição em curso é necessário que do conteúdo da mesma resulte a intenção do requerente exercer um concreto direito. (…) A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga. (…) Através da notificação judicial avulsa o que se transmite é um determinado conteúdo ao notificado: ora, esse conteúdo, que consta da notificação judicial avulsa terá de exprimir, directa ou indirectamente, a intenção de exercer um concreto direito e não qualquer eventual ou abstracto direito. Destarte, para que a notificação judicial avulsa possa produzir o efeito interruptivo da prescrição — e, para tal efeito, equivaler à citação — é necessário que o requerente se assuma como titular de um direito efectivo, minimamente definido e fundamentado — tal como na citação —, pois só assim o requerido ficará a conhecer o direito que contra ele é invocado ou se pretende invocar (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 2022 …). A expressão nomeadamente aposta antes da enumeração de créditos concretos - créditos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista – não se revela suficiente para que se possam considerar os créditos que nos autos efectivamente se peticionam como estando englobados na referida notificação judicial avulsa. Recorde-se que nos autos não se peticionam pagamentos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista, mas apenas os montantes que, por força desses créditos salariais, deveriam ter sido - na visão do Autor – integrados nos subsídios de férias e de Natal que lhe foram sendo pagos ao longo da relação laboral (…). Lida a notificação judicial avulsa efectuada, nenhuma menção concreta a essa circunstância nela foi efectuada. Os créditos ali referidos, relativamente aos quais o Autor comunica pretender accionar o Réu, são relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista, sendo que nenhuma outra concretização ou menção é efectuada.
Não se esquece a alegação efectuada pelo Autor de que efectuou uma enumeração não taxativa e que expressamente inseriu na notificação efectuada a expressão nomeadamente. Porém, para que a notificação judicial avulsa possa ver o seu valor interruptivo equiparado ao da citação mostra-se necessário que a comunicação efectuada se revele concretizada e clara quanto ao crédito que se comunica pretender exercer. A expressão nomeadamente é insuficiente para determinar a natureza e o valor do crédito, não estando o Réu obrigado a procurar a necessária concretização fora do contexto da comunicação, para tomar conhecimento do exacto conteúdo do direito invocado. (… ac. Relação do Porto de 13 de Abril de 2015 …).
(…) Uma vez que o acto interruptivo há de, nos termos do n.º 1, do art.º 323º, do Código Civil, exprimir a intenção de exercer determinado direito, este requisito da interrupção não se mostra preenchido (…). Sendo incontroverso (face ao decidido pelo Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/98) que a notificação judicial avulsa pelo qual se manifesta a intenção de exercer um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, também o é que, para que tal ocorra, dessa notificação deverá resultar a intenção de exercer um determinado direito efectivo, concretizado, pois só dessa forma o devedor ficará a conhecer o direito que se pretende invocar ou fazer valer (…). Não se mostra suficiente uma declaração de intenção vaga ou genérica de um direito, antes se revelando essencial que na declaração que se efectua na notificação judicial avulsa se identifiquem os direitos concretos que se pretendem exercer. Recorde-se que nos autos não se peticionam créditos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista – únicos identificados em termos concretos na notificação judicial avulsa supra referida – mas apenas os alegados créditos advenientes da repercussão no subsídio de férias e de Natal dos montantes auferidos pelo autor a título de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem. Ora, esses créditos não se encontravam concretamente mencionados pelo Autor na notificação judicial avulsa ( sendo que o poderiam estar, na medida em que, ainda que se admitisse que, aquando da sua realização, o Autor não havia efectuado a sua liquidação, a verdade é que já sabia que o que pretendia era, afinal, o pagamento da repercussão que esses parcelares deveriam ter tido nos pagamentos a título de subsídio de ferias e de Natal), donde se conclui que a notificação judicial avulsa, por falta dessa concretização, não possui a virtualidade de interromper o prazo prescricional que se havia iniciado em 14 de Maio de 2021.
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(… Quanto à) possibilidade de interrupção do prazo de prescrição, em conformidade com o estabelecido nos art.º 323º a 325º, do Código Civil (…) apenas pode ser interrompido o prazo que ainda se não mostre integralmente decorrido. De facto, para que se tenha por operante a referida operação – em que se ficciona que a citação do Réu ocorreu nos cinco dias subsequentes à instauração da acção – é necessário que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção (…). A interrupção pode ocorrer por promoção do titular do direito (artigo 323º, do Código Civil, por compromisso arbitral (artigo 324º, do Código Civil) ou pelo reconhecimento do direito (artigo 325º, do Código Civil).
No que respeita à primeira causa de interrupção (…) a interrupção promovida pelo titular do direito ocorre, nomeadamente, pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. Contudo, (…) a Ré foi citada para estes autos a 05 de Maio de 2023, portanto, depois de decorrido o prazo de prescrição previsto pelo art.º 337º, do Código do Trabalho. (O que) significa (…) que a prescrição não se interrompeu por via da citação, não sendo, in casu, aplicável o previsto pelo n.º2, do art.º 323º, do Código Civil, na medida em que subjacente a tal normativo está a ideia de que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias e que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor. Falta, in casu, o primeiro requisito, na medida em que a prescrição ocorreu, em face da data de reforma do Autor ( 13 de Maio de 2021), ainda antes da propositura da presente acção (o que inviabiliza a possibilidade da sua interrupção por força daquele normativo). (…) Conclui-se, assim, pela ausência de qualquer causa de interrupção da prescrição.
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A decisão recorrida considera, em suma, que falta a concretização do direito invocado pelo recorrente, considerando designadamente que a notificação avulsa alude aos direitos de crédito relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e quilometragem em função do espaço percorrido no desempenho das suas funções como maquinista, quando o que está em causa é a integração destas verbas nas prestações devidas a título de subsídio de férias e de Natal. Isto não permite determinar a natureza e o montante dos créditos, pelo que falta a concretização do efetivo direito que se pretendia exercer.
Esta matéria tem sido objeto de discussão, havendo argumentos assertivos num e noutro sentido.
O ponto fulcral consiste em saber se a menção feita pelo autor na notificação é suficiente.
Ora, quanto à indicação do montante dos créditos, não podemos acompanhar a decisão recorrida, na medida em que tal redundaria, eventualmente, na apresentação de uma petição inicial, ou pelo menos de um esboço muito detalhado e significativo. Salvo melhor entendimento, não é esse o desiderato da lei. Com efeito, estando em causa a manifestação da vontade do alegado titular do direito de o exercer, como se impõe face à natureza do instituto da prescrição, titular que deixa desse modo claro que não desistiu de reclamar os seus direitos, o que importa sobremodo é sinalizar que a certeza e a segurança jurídicas do caso concreto não passam pela extinção do direito por suposto desinteresse seu.
Claro está que, para isso, importa que a parte contrária possa fazer ideia muito aproximada do que está em causa, i. é, daquilo que pretende o demandante. Mas nem para a interrupção da prescrição importa uma concretização que redunde naquilo que a petição inicial exige (o que desvirtuaria a razão de ser deste instrumento, complicando de forma absurda a demonstração de diligência do pretenso titular do direito, que é o que está em causa, e no fundo inutilizando, pelo menos parcialmente, a notificação como modo de interrupção da prescrição), nem, por outro lado, e muito justamente, a lei permite que o demandante o faça em termos genéricos ou abstratos, os quais ilustrariam, não a vontade do demandante de se bater por um determinado direito, mas eventualmente a de simplesmente abrir, e, quiçá abusivamente, face designadamente ao princípio da boa-fé, a porta a litígios futuros, esticando artificiosamente os prazos legais para o efeito.
Dentro destes parâmetros, importa, pois, verificar o nível de concretização.
No caso, o autor aludiu na notificação judicial avulsa a créditos laborais devidos e não pagos, designadamente quanto a horas de trabalho noturno, subsídio de turno e subsídios de transporte e valores relativos ao subsídio de quilometragem, indicando agora na petição inicial os valores que reclama e referindo que se trata de diferenciais a ter em conta nos subsídios de férias e de Natal.
Afigura-se que a indicação que consta na notificação avulsa permite delimitar/concretizar com o mínimo de precisão necessária o que está em causa (sendo que a ré não ignora aquilo pagou ao trabalhador, e, portanto, os contornos do litígio e em que consistem os créditos laborais em discussão).
Com efeito, a notificação expressa de forma muito perceptível a intenção do autor de exercer o direito (art.º 323/1, CC; e repare-se que a lei não exige sequer que a expressão de tal intenção seja direta, podendo ser indireta, desde que seja, como se disse, bem perceptível).
Existe, é claro, um ponto que a notificação judicial avulsa não contempla, e que a ré não podia saber que estava abrangido pela vontade do autor, a saber, o que se prende com o prémio de assiduidade, que não foi referido. Aqui, é óbvio que a notificação não expressou a vontade do autor de exercer qualquer direito, como aliás este reconhece (conc. 28).
Não se diga, nesta sequencia, que o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 3/98, de 1998.03.26, publicado no DR, Série I-A, de 1998.05.12, obsta a tal ao decidir que a «notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil», porquanto o que está em causa é precisamente o fito de que o devedor conheça o direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente, o que, no caso, o empregador não ignora.
Considerou esta Relação, num caso paralelo (proc. 10765/23.6T8SNT.L1-4, ac. de 9.10.2024, rlt. C. Nóbrega), em sede de fundamentação, que se transcreve com a devida vénia, que:
“(…) Os reclamados prémio de assiduidade, subsídio de telefone de emergência e subsídio de km de manobras, não mereceram qualquer alusão na Notificação Judicial Avulsa (… que) é completamente omissa quanto a estes créditos e, obviamente, quanto aos respectivos juros. Por isso e quanto a eles, não houve interrupção do prazo prescricional, donde, à data da citação do Réu para a presente acção aqueles créditos estavam prescritos. Mas igual conclusão não se pode retirar relativamente aos demais créditos laborais reclamados na petição inicial. Na verdade, quanto aos créditos relativos a horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., podemos afirmar que, na Notificação Judicial Avulsa, o Autor concretizou minimamente o seu direito e que pretende reclamar contra o Réu esses créditos. Salvo o devido respeito, não vemos que, nesta parte, a declaração do Autor seja “vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos”. O que notamos é que na Notificação Judicial Avulsa e no que aos mencionados créditos se refere, a declaração do Autor mostra-se imperfeita mas não imperceptível. E é imperfeita porque o Autor não esclareceu, com clareza, que os valores que reclama a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., são os referentes às médias que entende deverem ter sido computadas nos subsídios de férias e de Natal, limitando-se a afirmar que lhe são devidos créditos a esse título. Mas a verdade é que esta imprecisão apenas se repercute na “rubrica” sob que são devidos, mas não quanto ao facto de lhe serem devidos valores a esse título. Assim, se é certo que, quanto àqueles subsídios a Notificação Judicial Avulsa não é propriamente uma obra prima, mesmo assim, é de concluir que exprime directamente, perante o Réu, a intenção do Autor reclamar valores relativos aos mesmos, isto é, com a Notificação Judicial Avulsa o Réu percebeu que o Autor tinha a intenção de reclamar créditos a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., isto independentemente de não ter esclarecido que eram as médias a considerar nos subsídios de férias e de Natal, omissão que, em nosso entender não inquina a Notificação Judicial Avulsa de ineptidão. Em consequência, a arguida excepção peremptória improcede quanto aos créditos reclamados a título de horas de trabalho nocturno, subsídios de turno, subsídios de transporte e subsídio de transporte em função do espaço percorrido no desempenho das funções de ..., devendo a acção prosseguir quanto a eles e procede quanto ao prémio de assiduidade, ao subsídio de telefone de emergência e ao subsídio de km de manobras”.
Acompanhamos este entendimento, considerando a razão de ser da prescrição e a natureza dos créditos reclamados.
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Assim, o recurso merece parcial provimento, considerando que, com exceção do que toca ao prémio de assiduidade, não se verificou a prescrição, por atempadamente interrompida.
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III
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição relativamente aos créditos reclamados a título de diferencial nos subsídios de férias e subsídios de Natal, dos valores de horas de trabalho nocturno, subsídio de turno, subsídios de transporte e subsídio de que quilometragem, devendo a acção prosseguir quanto a estes.
Custas do recurso pelas partes na proporção do vencido.
Lisboa, 12/03/2025
Sérgio Almeida
Celina Nóbrega
Manuela Fialho
_______________________________________________________ [1] Neste sentido cfr Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 7ª ed.ª: “ é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”. [2] O que leva a que frequentemente os prazos de caducidade sejam curtos (em sentido convergente cf. a fundamentação do acórdão 2/97, de 30.01.97, do Supremo Tribunal de Justiça, que acentua o desiderato deste instituto de ver resolvidos os conflitos rapidamente, disponível em www.dre.pt/cgi). [3] Pode, aliás, definir-se a interrupção da prescrição como “a inutilização do tempo decorrido para a prescrição, dadas certas circunstancias” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.5.86. BMJ n.º 357, pag. 377 e ss.) [4] Por todos cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.11.2013, disponível, como todos os que forem citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “O prazo prescricional previsto no art. 498.º do CC apenas pode ser interrompido, através de notificação judicial avulsa, por uma vez, não tendo as eventuais e sucessivas notificações judiciais avulsas subsequentes qualquer eficácia interruptiva da prescrição”; e da Relação do Porto de 14.7.2003: “a prescrição só pode ser interrompida uma vez”.