ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
FACTOR 1.5
Sumário

I. À alteração produzida na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, constatada em sede de incidente de revisão da incapacidade, não se associa uma incapacidade ou pensão ex novo, antes incidindo a alteração que se produza directamente sobre a incapacidade e a pensão inicialmente fixadas, sendo-lhe aplicáveis os mesmos critérios.
II. A expressão «quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor», inscrita na al. a) da Instrução 5 da TNI, tem por significado a impossibilidade de, com referência à mesma sequela ou às mesmas sequelas produzidas pelo mesmo evento, o sinistrado poder cumulativamente beneficiar da aplicação do factor 1.5 com fundamentos diversos.
III. O factor de bonificação 1.5 pela idade igual ou superior a 50 anos, ponderado na IPP inicialmente fixada, deve, igualmente, estar presente na fixação de IPP que seja alterada, por agravamento das sequelas, em sede de incidente de revisão; o inverso demandaria a que a mais intensas e graves limitações não fosse extensível o desiderato que àquele factor inere, qual seja o de compensar o sinistrado de, em razão da sua idade, ser para si mais penosa a prossecução da sua actividade profissional induzida pela maior gravidade das sequelas que o afectam.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Datada de 11 de Outubro de 2018, participou a seguradora “Mútua dos Pescadores – Mútua de Seguros, C.R.L.” acidente de trabalho ocorrido no dia 16 de Novembro de 2017 com a sinistrada AA.
De acordo com os elementos então juntos pela seguradora, foi concedida alta à sinistrada no dia 28 de Setembro de 2018, sendo-lhe atribuída IPP com coeficiente de desvalorização de 4,5% (3% x 1.5).
2. Iniciada a fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, foi ordenada a sua instrução e, bem assim, a realização de perícia médica singular.
Realizada a perícia médica, foi nela atribuída à sinistrada a IPP de 4,5% (3% x 1.5), desde 21 de Setembro de 2018 (data da consolidação médico-legal das lesões).
3. Realizou-se a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na qual foi proposto o acordo que consta de fls. 35-39, dos autos.
As partes aceitaram os pressupostos em que assentou o acordo proposto pelo Ministério Público e conciliaram-se nos seus exactos termos, aceitando a segurada proceder à reparação do acidente de trabalho ocorrido com a sinistrada nos seguintes termos:
(i) Pagamento da pensão anual, devida desde o dia seguinte ao da alta (22 de Setembro de 2018), no montante de € 245,64, obrigatoriamente remível, ponderando a retribuição anual de € 7.798,00 (€ 557,00 x 14 meses);
(ii) Pagamento da quantia de € 1.456,07, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
(iii) Pagamento da quantia de € 30,00, a título de despesas de deslocação.
4. O acordo referido em 3. foi homologado por sentença datada de 22 de Julho de 2019.
5. Por requerimento ajuizado no dia 2 de Maio de 2022, a sinistrada, patrocinada pelo Ministério Público, requereu a revisão da sua incapacidade.
Fundamentou a sua pretensão e formulou quesitos a serem sujeitos à perícia médica.
6. Admitido o incidente de revisão, foi determinada a realização de perícia médica singular.
7. Realizada perícia médica singular, a Il. Perita Médica que à mesma presidiu solicitou a realização de exames complementares de diagnóstico, mais emitindo parecer no sentido de a sinistrada dever ser reavaliada nos serviços clínicos da seguradora.
8. A seguradora reavaliou a sinistrada, vindo a concluir que a sintomatologia pela mesma apresentada não era imputável ao acidente de trabalho, daí que haja recusado subsequente tratamento.
9. Foi ordenada a conclusão da perícia médica singular, tendo o Il. Perito Médico que à mesma presidiu concluído pelo agravamento da IPP que era portadora a sinistrada, atribuindo-lhe a IPP de 6% (4% x 1.5).
10. A seguradora, inconformada com o resultado da perícia médica singular, requereu a realização de perícia por Junta Médica.
Fundamentou o seu requerimento e formulou quesitos.
11. Foi admitido o requerimento ajuizado pela seguradora e ordenada a realização de perícia por Junta Médica.
12. Realizada a perícia por Junta Médica, os Ils. Peritos Médicos que a compuseram emitiram laudo unânime no sentido do agravamento da IPP que era portadora a sinistrada, atribuindo-lhe o coeficiente de desvalorização de 4%.
Por maioria, composta pelo Perito Médico do Tribunal e pelo Perito Médico da sinistrada, foi considerada a aplicação do factor de bonificação 1.5, daí a atribuição da IPP de 6% (4% x 1.5).
13. Datada de 26 de Novembro de 2024, foi proferida decisão no incidente de revisão, sendo o seguinte o seu teor:
«AA, sinistrada nos presentes autos, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, requereu a revisão, face ao agravamento das sequelas resultantes do acidente de que foi vitima.
Submetido a exame, o GML concluiu haver agravamento das sequelas de 1%, isto é uma IPP atual de 6 % (4% x1.5).
A seguradora requereu a realização de junta médica de revisão.
Submetida a sinistrada a junta médica, esta considerou ter de facto existido agravamento de 1% (era de 3% passando agora a ser de 4%).
Há que proceder, assim, à reparação adicional dos danos resultantes do acidente.
Cumpre decidir.
Nestes termos, e não havendo razão para discordar do laudo por maioria dos senhores perito constituintes da junta médica, o qual se mostra de harmonia com a T.N.I., decide-se que a sinistrada é atualmente portadora de uma IPP de 6 % (4% X 1,5).
A essa IPP de 4%, e de acordo com a sua remuneração anual à data do acidente (€ 7.798,00), corresponde uma pensão anual de €218,34, à qual há que descontar a pensão anteriormente remida de €2.951,61 (correspondente a uma pensão anual de €245,64, considerando a IPP de 3% x1,5=4,5% - cfr. autos principais).
Terá, desta forma, direito ao capital de remição correspondente à pensão anual de € 81,88, o qual será pago pela seguradora responsável.
Assim, condena-se:
- a seguradora MÚTUAS DOS PESCADORES, SOCIEDADE MÚTUA DE SEGUROS a pagar o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €81,88, com início no dia 02/05/2022.
(…)».
14. Irresignada com a sentença proferida, dela interpôs recurso a seguradora, rematando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
«1. O Proc. n.º 2927/18.4T8BRR, (autos principais) e o Proc. n.º 2927/18.4T8BRR.1 (Incidente de Revisão de Incapacidade), versam sobre o mesmo acidente de trabalho, em que foi vítima AA.
2. Nos autos principais, Proc. n.º 2927/18.4T8BRR, foi atribuído o factor de bonificação de 1,5 em razão da idade, à Sinistrada AA, nos termos Instruções Gerais n.º 5, al. a), da T.N.I..
3. No Incidente de Revisão de Incapacidade, Proc. n.º 2927/18.4T8BRR.1, foi atribuído o factor de bonificação de 1,5 em razão da idade, à Sinistrada AA, nos termos Instruções Gerais n.º 5, al. a), da T.N.I..
4. O n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da T.N.I., estabelece que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, quando o Sinistrado não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
5. Tendo o Sinistrado beneficiado anteriormente, da bonificação 1,5 em função da idade, pelo mesmo acidente de trabalho, viola o Tribunal a quo a Lei quando repete a aplicação desse mesmo factor.
6. Impõe-se a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo».
Conclui a apelante no sentido de dever o «recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada na sua totalidade».
15. A sinistrada, patrocinada pelo Ministério Público, apresentou as suas contra-alegações, rematando-as com a seguinte síntese conclusiva:
«1.º Por Sentença de 26 de Novembro de 2024, o Tribunal a quo procedeu à aplicação do factor de bonificação de 1.5, em razão da idade, à incapacidade agravada que a sinistrada sofreu na sequência de um incidente de revisão de incapacidade, atribuindo-lhe uma IPP de 4%, que aplicando o factor de bonificação da idade, resultou uma IPP de 6%.
2.º Acompanhando a posição sufragada no Douto Acórdão da Relação de Évora de 11 de Junho de 2015, publicado na página web, www.dgsi.pt, resulta que “Tendo a sinistrada ficado portadora de uma IPP de 15% em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima e beneficiado da aplicação do fator de bonificação de 1.5 em função da sua idade (por ter mais de 50 anos à data do sinistro) ao abrigo do n.º 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23-10 aquando da prolação da sentença de 30 de junho de 2010 e com efeitos desde 7 de novembro de 2009 (dia seguinte ao da alta), tendo visto posteriormente agravado o referido grau de IPP na sequência de exame médico de revisão requerido em 14 de fevereiro de 2012, deve a mesma continuar a beneficiar daquele fator de bonificação sobre o efetivo agravamento dessa IPP, tudo se passando como se a sinistrada anteriormente nunca tivesse beneficiado da aplicação desse fator de bonificação e tivesse (como efetivamente tinha já à data da verificação do acidente) mais de 50 anos de idade”.
3.º Pelo que, face aos argumentos aduzidos em supra, entende-se que o recurso interposto deverá ser julgado improcedente e mantida a Sentença recorrida».
16. 9. O recurso foi admitido por despacho datado de 10 de Fevereiro de 2025.
17. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi cumprido o disposto na primeira parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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II. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho –, temos que a única questão que nos cumpre apreciar respeita à atribuição do factor 1.5 à IPP a agravada nos casos em que, aquando da fixação inicial da IPP, o sinistrado já haja beneficiado desse factor por, à data da alta, já ter completado 50 anos de idade.
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III. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação da questão suscitada pela apelante são os que derivam do relatório que antecede.
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IV. Fundamentação de Direito
A única questão que, como se disse já, nos é trazida pela apelante pela presente via recursória prende-se com a aplicação do factor de bonificação 1.5 a IPP revista nos casos em que esse mesmo factor já haja sido atribuído aquando da fixação da IPP inicial.
1. O acidente de trabalho que vitimou a sinistrada ocorreu no dia 16 de Novembro de 2017, sendo convocável para a apreciação da questão que nos é trazida a juízo, posto que inserida em contexto de incidente de revisão, o regime substantivo constante da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (cfr., o seu art. 197.º, n.º 1).
O art. 70.º, n.º 1, da citada lei diz-nos que «[q]uando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada».
Tem por significado este preceito que à alteração porventura produzida na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, constatada em sede de incidente de revisão da incapacidade, não se associa uma incapacidade ou pensão ex novo, antes incidindo a alteração que se produza directamente sobre a incapacidade e a pensão inicialmente fixadas. E tanto porque na sua génese está um único e só evento causador de lesões, lesões que tiverem por efeito a afectação do sinistrado por sequelas que lhe demandam um determinado coeficiente de desvalorização (ou mesmo sequelas a que, ab initio, a TNI não faça corresponder coeficiente de desvalorização, mas que, com o tempo e em função do seu agravamento possam ser aptas a desencadear a atribuição de IPP).
A etiologia das sequelas que afectam a capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado determina e impõe, por isso, que na subsequente correspondência delas com os coeficientes de incapacidade previstos na TNI se assumam ou apliquem critérios unívocos, relevando, em caso de revisão da incapacidade, os mesmos que estiveram na base da atribuição da IPP inicial.
2. A Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, tem por escopo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho (Instrução I).
De acordo com a Instrução n.º 5, da dita TNI, «na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor
(…)».
A expressão «quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor», inscrita na dita instrução da TNI, tem por significado a impossibilidade de, com referência à mesma sequela ou às mesmas sequelas produzidas pelo mesmo evento, o sinistrado poder cumulativamente beneficiar da aplicação do mesmo factor. Isto é, o coeficiente de incapacidade que lhe venha a ser atribuído não pode ser cumulativamente bonificado em razão da idade e também em razão da sua impossibilidade de reconversão no posto de trabalho ou em razão de a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho[1].
Do que vem de ser exposto decorre, por um lado, que o factor de bonificação em presença há-de repercutir-se nas diferentes sequelas que determinaram diferentes e distintas incapacidades resultantes de acidentes de trabalho distintos, implicando também diferentes limitações, daí que nos casos em que o sinistrado está já afectado de incapacidade permanente parcial resultante de anterior acidente de trabalho e, em consequência de novo acidente, vem a ficar afectado por uma nova e diferente incapacidade, na fixação desta nova incapacidade deverá beneficiar do factor 1.5 em razão de, por exemplo, ter 50 ou mais anos de idade ou em razão de não ser reconvertível ao posto de trabalho, não obstando a tal o facto de ter beneficiado da aplicação desse factor na fixação da incapacidade permanente resultante das lesões de outra natureza que sofreu em primitivo acidente[2]. É que tendo o dito factor uma função correctiva que visa compensar o sinistrado pela maior dificuldade que terá, devido à sua idade, no exercício das suas funções, ou que o visa compensar pela impossibilidade de reconversão no posto de trabalho deverá ele repercutir-se nas diferentes sequelas que determinaram diferentes e distintas incapacidades resultantes de acidentes de trabalho distintos na medida em que induzem limitações também elas distintas.
Decorre, por outro lado, que se as sequelas que afectam o sinistrado, resultantes de um único e mesmo acidente, foram já objecto de aplicação do factor de bonificação 1.5 por aquele ter, então, 50 ou mais anos de idade, ao agravamento que porventura venha a ocorrer deve estar presente a aplicação daquele factor sem que isso implique duplicação da sua aplicação. Sendo o dito factor transversal ao coeficiente de incapacidade que derive das sequelas que afectam o sinistrado, deve também ele estar presente no caso do seu agravamento, na certeza que este agravamento não foi objecto de qualquer bonificação e o sinistrado se apresenta, como não pode deixar de apresentar, com mais de 50 anos de idade (o mesmo sucedendo no caso de se manter não reconvertível para o posto de trabalho ou para o caso de o agravamento continuar a demandar alteração visível do aspecto físico que afecta o desempenho do posto de trabalho).
A este propósito, considerou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30 de Janeiro de 2014[3] que nestes casos «não está em discussão a aplicação em duplicado do fator 1,5, mas sim a aplicação desse fator às novas sequelas reconhecidas no âmbito do incidente de revisão, que levaram à admissão do agravamento da situação do sinistrado. Ora, se o exame de revisão se destina a averiguar se houve agravamento das lesões sofridas em consequência do acidente de trabalho e se esse agravamento é efetivamente reconhecido, nomeadamente com o surgimento de novas sequelas, que resultam do mesmo acidente, e continuando o sinistrado a ter mais de 50 anos de idade, não vislumbramos qualquer razão para não aplicar às novas sequelas o fator de bonificação, nos termos previstos pelo artigo 5º, alínea a) das Instruções Gerais da TNI. Se a bonificação prevista neste normativo já havia incidindo na parte da incapacidade que foi inicialmente reconhecida, por força da idade do sinistrado, mantendo-se este com mais de 50 anos e não tendo a bonificação de 1,5 incidindo ainda sobre a diferença da incapacidade resultante das novas sequelas reconhecidas, por as mesmas não se terem inicialmente revelado, não há qualquer justificação para sobre a incapacidade decorrente das mesmas não incidir o fator 1,5, nos termos previstos pelo aludido artigo 5º, alínea a)»[4].
3. Do enunciado no relatório do presente aresto decorre que a sinistrada foi vítima, em 16 de Novembro de 2017, de acidente de trabalho. Do acidente de trabalho resultou a afectação da capacidade de trabalho da sinistrada, tendo-lhe sido reconhecida, em 28 de Setembro de 2018, IPP com coeficiente de desvalorização de 4,5% que resultou da atribuição da IPP de 3%, bonificada, em razão da idade da sinistrada, pelo factor 1.5, previsto na al. a) da Instrução 5 da TNI.
Por requerimento ajuizado no dia 2 de Maio de 2022, a sinistrada, patrocinada pelo Ministério Público, requereu a revisão da sua incapacidade. O assim iniciado incidente veio a culminar com a sentença, proferida após a realização da perícia por Junta Médica, que reconheceu o agravamento das sequelas que padecia a sinistrada, atribuindo-lhe a IPP de 4% que, bonificada com o factor 1.5, corresponde à IPP de 6%.
O factor de bonificação 1.5 considerado no agravamento das sequelas que é portadora a sinistrada não constituiu, pois, a duplicação da sua atribuição, estando apenas reservado para a correspectiva alteração da sua capacidade de trabalho a que não poderá deixar de ser alheia, como não o foi aquando da atribuição da IPP ab initio, a sua idade. Antes, como agora, as limitações que a sinistrada é portadora induzirão a uma maior penosidade no exercício da sua actividade profissional, repugnando à ordem jurídica que às mais intensas limitações decorrentes do agravamento das sequelas que é portadora seja arredada a aplicação do factor de bonificação 1.5 por via de uma leitura desconforme com a letra da lei e arredada da sua ratio.
A letra da lei veda, conforme expusemos, que às mesmas sequelas seja atribuído o factor de bonificação 1.5 por etiologias diversas, o que de todo é o caso; a ratio da lei impõe que à atribuição da IPP, inicial e revista, presidam os mesmos critérios, sendo que a circunstância de o factor 1.5 ter sido atribuído aquando da fixação da IPP inicial tem por efeito que o mesmo tenha que ser ponderado por ocasião da fixação de nova IPP e, por maioria de razão, quando esta represente, objectivamente, um agravamento das sequelas. Ponderar o inverso, por apelo a uma artificial invocação da duplicação da aplicação do factor 1.5, representaria, em rectas contas, que a mais intensas e graves limitações não fosse extensível o desiderato que àquele factor inere, qual seja o de compensar a sinistrada de, em razão da sua idade, ser para si mais penosa a prossecução da sua actividade profissional induzida pela maior gravidade das sequelas que a afectam.
No caso, inclusive, a solução propugnada pela apelante originaria um resultado iníquo e que, por isso, repugna à ordem jurídica. A IPP inicial – de 3% –, bonificada com o factor 1.5, demandou a atribuição da IPP de 4,5%. Por força desta IPP foi fixada à sinistrada uma pensão anual, obrigatoriamente remida por força do disposto no art. 75.º, n.º 1, da LAT. A inaplicabilidade, à IPP agravada e que é agora de 4%, do factor 1.5 demandaria que, no final do presente incidente, à sinistrada fosse apenas, em rigor, reconhecido aquele agravamento, mas sem que dele resultasse qualquer compensação decorrente da sua actual menor capacidade de trabalho. Ou seja, pese embora reconhecido o agravamento das sequelas, o mesmo não teria qualquer impacto na pensão devida à sinistrada, posto que a anterior, já remida, correspondeu a uma IPP de 4,5%, majorada, e a actual corresponde a 4%. Um tal resultado não é conforme com o direito, maxime, o direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho (art. 59.º, n.º 1, al. f), da CRP), sendo, por isso, de rejeitar.
Por todo o exposto, conclui-se, pois, que se em sede de incidente de revisão deverão ser ponderados os mesmos critérios e factores que o foram aquando da fixação da IPP inicial, então à IPP que resulte agravada deverá, também, ser ponderada a atribuição do factor 1.5, não nos merecendo, assim, qualquer censura a sentença da 1.ª instância que justamente assim decidiu.
Nega-se, por isso, provimento ao recurso e mantém-se a sentença recorrida.
4. Na medida em que ficou vencida no recurso, a lei faz recair sobre a apelante o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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V. Dispositivo
Por tudo quanto se deixou exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.se, ainda que com fundamentação distinta, a sentença recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
Lisboa, 12 de Março de 2025
Susana Martins da Silveira
Paula Dória C. Pott
Manuela Fialho
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[1] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21 de Março de 2013, proferido no Processo n.º 59/12.8TTBJA.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Abril de 2017, proferido no Proc. n.º 1780/15.4T8VFR.P1, acessível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de Novembro de 2023, proferido no Processo n.º 512/22.5T8BCL.G1, também acessível em www.dgsi.
[3] Proferido no Processo n.º 768/06.0TTSTB.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Janeiro de 2017, proferido no Processo n.º 189/14.1TTBGC.2.G1, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Maio de 2019, proferido no Processo n.º 21922/16.1T8SNT.1.L1-4, acessível em www.dgsi.pt.