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PERÍODO EXPERIMENTAL
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário
I – Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato, sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização. II – A circunstância de a vinculação ao empregador através de contrato de trabalho por tempo indeterminado anterior não ser enunciada no elenco legal de situações de implicam a redução ou exclusão do período experimental (n.º 4, do artigo 112.º, do CT), não obsta à aplicação de tal regime. III – Nesta hipótese, tem maior justificação a estatuição da norma, na medida em que o conhecimento recíproco alcançado pelas partes o foi no mesmo contexto de vinculação com vocação de perenidade (ao invés dos vínculos enunciados no n.º 4 do artigo 112.º) e entre as mesmas partes (ao invés dos vínculos enunciados nos n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo, que se reportam a empregadores diferentes), constituindo a nova vinculação a afirmação do seu interesse na persistência de um relacionamento contratual entre ambas.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П
1. Relatório
1.1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, contra Imparável Atitude – Construções, Lda., peticionando o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre as partes desde 1 de Julho de 2021 e a declaração de ilicitude do despedimento, bem como se condene a R. a pagar-lhe as retribuições intercalares, vencidas desde o trigésimo dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença e uma indemnização em substituição da reintegração, bem como créditos laborais que discrimina, acrescidos de juros de mora.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que trabalhou para a R. como pedreiro; que foi despedido mediante simples comunicação verbal, em 2 de Novembro de 2023, despedimento que é ilícito; que estão em falta, o pagamento de um crédito de horas de formação não ministradas, da retribuição do período de férias e do respectivo subsídio relativos ao ano de admissão (2021), da retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos no ano de 2023, da retribuição do período de férias e respectivo subsídio proporcionais ao tempo de serviço prestado neste último ano (2023) e do subsídio de Natal relativo ao tempo de serviço prestado nos anos de 2021, 2022 e 2023.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que alegou, em síntese, que não se verificou o alegado despedimento, que o A. faltava frequentemente ao trabalho e o abandonou várias vezes, faltando injustificadamente. Defende, a final, a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.
Foi dispensada a audiência prévia, bem como a enunciação dos temas da prova, sendo proferido despacho saneador e fixado à acção o valor de € 7.463,96.
Realizado o julgamento, o Mmo. Julgador a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos: a) reconhece a existência de dois contratos de trabalho celebrados entre o Autor, AA, e a Ré, Imparável Atitude – Construções, Lda., o primeiro entre 1 de Julho de 2021 e, pelo menos, 1 de Fevereiro de 2023 e o segundo entre, pelo menos, 12 de Abril de 2023 e 3 de Novembro do mesmo ano; b) condena a Ré a pagar ao Autor, no âmbito do primeiro contrato de trabalho identificado na alínea anterior, € 404,02, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos no ano de admissão (2021), € 1596,00, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos no ano de 2023, e € 975,87, a título de subsídio de Natal vencido nos anos de 2021 e 2022 e proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de 2023; c) condena a Ré a pagar ao Autor, no âmbito do segundo contrato de trabalho identificado em a), € 13,11, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado; d) condena a Ré a pagar ao Autor os juros de mora devidos sobre estas prestações, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até definitivo e integral pagamento; e) absolve a Ré do que mais foi peticionado.
[…]»
1.2. O A., inconformado, ainda sob o mesmo douto patrocínio, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1. Autor e Ré encontraram-se vinculados, em dois momentos distintos, separados temporalmente por dois breves meses (se tanto), por um contrato de trabalho por tempo indeterminado e para a prestação das mesmas funções, a de pedreiro.
2. Num contrato de trabalho por tempo indeterminado, e atendendo à caraterização funcional do Autor, o período experimental a considerar, conforme o disposto no artigo 112.º n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, é o de 90 dias.
3. O n.º 4 do artigo 112.º n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, já em vigor, no que importa, à data do início do segundo contrato de trabalho, diz claramente que “O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador.”
4. Por maioria de razão, deve entender-se que tal regime é também aplicável aos casos em que o trabalhador já tenha tido com o mesmo empregador, para as mesmas funções, uma relação contratual sem termo.
5. Não existe nenhuma razão para sujeitar o Autor a novo período de prova.
6. O primeiro contrato foi de duração muito superior a 90 dias, pelo que deverá entender-se como excluído o período experimental no segundo contrato, reconhecido como tal pelo Tribunal “a quo”.
7. A decisão proferida viola o regime legal da duração do período experimental, designadamente, o previsto no artigo 112.º n.º 4 do Código do Trabalho, e, como tal, deve ser substituída por outra que declare que, por exclusão do mesmo, este (segundo) contrato não se encontrava sujeito a nenhum prazo de período experimental.
8. Em sintonia, e ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, mais deve ser declarado que a dispensa do Autor pela Ré configura um despedimento ilícito, na medida em que efectuada sem base legal, designadamente, por ter ocorrido fora do período experimental, com as demais e legais consequências.”
1.3. A R. apresentou contra-alegações, nas mesmas concluindo que deve ser mantida a sentença recorrida.
1.4. O recurso foi admitido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foram colhidos os “vistos”.
Realizada a Conferência, cumpre decidir. 2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve considerar-se que a R. pôs termo ao contrato de trabalho no decurso do período experimental ou se, ao invés, se verificou um despedimento ilícito.
Caso se conclua pela verificação de um despedimento ilícito, cabe aferir das suas consequências em termos indemnizatórios e de retribuições intercalares.
Quanto aos demais créditos laborais emergentes da execução e cessação dos contratos de trabalho que vincularam as partes, a sentença sob recurso transitou em julgado, por não impugnada em sede recursória. 3.F undamentação de facto
Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito foram fixados pela 1.ª instância nos seguintes termos: 1. Em 1 de Julho de 2021, AA, mediante acordo verbal, foi admitido ao serviço de Imparável Atitude – Construções, Lda. para, no interesse da Ré, exercer funções de ‘pedreiro’. 2. No âmbito deste acordo, o Autor desenvolvia a sua actividade nas instalações da Ré ou em locais determinados por esta última. 3. Por determinação da Ré, de segunda a sexta-feira, das 08:00 às 17:00 horas. 4. Seguindo as indicações que a Ré lhe dava. 5. E recebendo, da parte da Ré, como contrapartida, uma prestação pecuniária mensal no valor correspondente à ‘remuneração mínima mensal garantida’. 6. A Ré entregou ao Autor, por conta dos subsídios de férias e de Natal, pelo menos as seguintes prestações: a) em Dezembro de 2021, € 63,48 + € 58,19; b) em Maio de 2022, € 61,91 + € 61,69; c) em Novembro de 2022, € 62,31 + € 62,08. 7. Em data não concretamente determinada de Fevereiro de 2023, o Autor comunicou ao gerente da Ré, de forma verbal, que ‘ia embora’ e ‘passar a trabalhar na Alemanha’. 8. E, a partir desta data, o Autor deixou de exercer funções no interesse da Ré, nos termos descritos nos números anteriores. 9. Em data não concretamente determinada de Abril de 2023, anterior ao dia 13, o Autor, mediante acordo verbal ajustado com a Ré, voltou a exercer funções de ‘pedreiro’ no interesse desta última, nos mesmos termos descritos em 1), 2), 3), 4) e 5). 10. Em 13 de Abril de 2023, o Autor, na sequência de factos já declarados em processo judicial como ‘acidente de trabalho’ (Processo nº 2670/23.2T8PDL), ficou sem exercer funções, em situação de ‘incapacidade temporária’, até à data da alta, fixada em 3 de Novembro seguinte. 11. Na sequência da alta, em 3 de Novembro de 2023, o Autor instou o gerente da Ré, mediante contacto telefónico, para retomar o serviço. 12. Na altura, o Autor disse ao gerente da Ré que as tarefas a desempenhar, face ‘acidente’ sofrido, teriam de ser ‘mais leves’. 13. Em resposta, o gerente da Ré disse ao Autor que ‘não tinha serviço’ para ele. 14. E não voltou a dar-lhe qualquer tarefa no âmbito do acordo descrito em 9). 4. Fundamentação de direito
4.1. A questão de direito essencial a analisar, como se infere do objecto do recurso acima traçado, consiste em saber se a R., ora recorrida, comunicou ao A., ora recorrente, a cessação do contrato de trabalho sub judice no decurso do período experimental.
A sentença da 1.ª instância considerou que no período compreendido entre 1 de Julho de 2021 e 3 de Novembro de 2023, vigoraram dois distintos contratos de trabalho entre as partes, ambos para o exercício das mesmas funções de pedreiro. Quanto ao primeiro, iniciado em 1 de Julho de 2021, cessou em data não concretamente determinada de Fevereiro de 2023, mediante declaração nesse sentido da parte do Autor, o qual, denunciando o contrato, comunicou ao gerente da Ré que ‘ia embora’ e ‘passar a trabalhar na Alemanha’, deixando, a partir desse momento, de exercer funções no interesse da Ré. O segundo contrato, por sua vez, iniciou-se em data não concretamente determinada de Abril de 2023, anterior ao dia 13, vindo a cessar em 3 de Novembro seguinte.
Debruçando-se sobre este segundo contrato de trabalho, e analisando em que condições o mesmo cessou, a sentença da 1.ª instância considerou que dos factos se retira um comportamento da Ré que faz revelar uma declaração de vontade em fazer cessar esta relação laboral, por decisão unilateral, com efeitos produzidos em 3 de Novembro de 2023. Ponderou para o efeito que “se trata de um contrato de trabalho a vigorar, em limite, desde 12 de Abril de 2023 (assim se ficcionando por se apurar que iniciou os seus efeitos em data não concretamente determinada de Abril de 2013, anterior ao dia 13), ficou provado que o Autor, em 13 de Abril, sofreu um acidente de trabalho, ficou, desde então, sem exercer as suas funções, sem trabalhar, assim sucedendo até à data da alta, em 3 de Novembro seguinte. Mais se apurou que, nesta última data, 3 de Novembro de 2023, na sequência da alta, o Autor interpelou o gerente da Ré, mediante contacto telefónico, para retoma do serviço, dizendo-lhe que, por força do acidente que havia sofrido, teria de prestar serviços ‘mais leves, respondendo-lhe o seu patrão que ‘não tinha serviço’ para ele. E não voltou, a Ré, através do seu gerente, a dar a este trabalhador qualquer tarefa no âmbito do seu contrato”.
Até este ponto não há dissenso entre as partes, sendo pacífico que o contrato de trabalho que em 3 de Novembro vinculava as partes conheceu o seu fim em consequência de uma decisão unilateral da recorrida comunicada ao recorrente nesse dia, que consubstancia um despedimento. Afirmação jurídica esta que os factos provados efectivamente sustentam (factos 11. a 14.) e que é consonante com as regras substantivas da liberdade declarativa, da eficácia da declaração negocial e da interpretação da declaração negocial, constantes dos artigos 217.º, 219.º, 224.º e 236.º do Código Civil.
Todavia, entendeu também a sentença que esta declaração da R. de cessação do contrato de trabalho que havia celebrado com o A. não é ilícita, uma vez que foi proferida durante o período experimental deste segundo contrato, nos termos dos artigos 111.º, n.º 1 e 2, 112.º, n.º 1, alínea a), e 113.º do Código do Trabalho. Para o efeito, pondera que declaração de desvinculação contratual ocorreu em 3 de Novembro de 2023, num período não superior a 90 dias após o início da vigência do contrato em Abril desse ano, sendo descontados todos os dias que o trabalhador não prestou serviço por incapacidade temporária após acidente de trabalho, de 14 de Abril a 3 de Novembro de 2023.
É quanto a este ponto que o recorrente revela a sua discordância alegando, em suma, que o período experimental – que no caso é de 90 dias face ao que prescreve o artigo 112.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho – se deve considerar excluído por força do que dispõe o artigo 112.º, n.º 4 do Código do Trabalho, não obstando à aplicação deste regime o facto de não ser enunciado no elenco legal o anterior contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Vejamos.
O período experimental, ou período de prova, “corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”, conforme dispõe o artigo 111.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Trata-se, com efeito, da primeira fase do ciclo vital do contrato, fase em que o vínculo jurídico-laboral revela ainda uma grande fragilidade, apresentando fraca consistência e sendo facilmente dissolúvel por qualquer das partes.
Um dos elementos que caracteriza a especificidade da relação laboral durante o período experimental é o regime de denúncia do contrato, que se afasta das formas de cessação do contrato de trabalho consagradas em geral. O Código do Trabalho prevê tal regime no seu artigo 114.º, referindo no n.º 1 do preceito que “durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato, sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização”.
O denunciante não carece, deste modo, de invocar quaisquer razões que na sua óptica fundamentem a denúncia e esta não está igualmente condicionada ao pagamento de qualquer indemnização à outra parte. Segundo João Leal Amado, «[o] período de experiência consiste, na verdade, numa figura cautelar, numa medida de “precaução ou de prudência”, como escreve Jorge Leite, possibilitando uma certificação mútua: o empregador certifica-se de que o trabalhador possui as aptidões laborais requeridas para o cabal desempenho das funções ajustadas; o trabalhador certifica-se de que as condições (humanas, logísticas, ambientais, etc.) de realização da sua atividade profissional são as esperadas. Compreende-se por isso que, em princípio, durante o período experimental qualquer das partes possa denunciar o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização (artigo 114.º/1 do CT)»[1].
O artigo 112º, do Código do Trabalho, dispõe no seu n.º 4 que “[o] período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma atividade, de contrato de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, ou ainda de estágio profissional para a mesma atividade, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele, desde que em qualquer dos casos sejam celebrados pelo mesmo empregador” e, ainda, nos seus n.ºs 5 e 6 que “[o] período experimental previsto na subalínea iii) da alínea b) do n.º 1 é reduzido ou excluído consoante a duração de anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias” (n.º 5) e que “[o] período experimental é reduzido ou excluído consoante a duração do estágio profissional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses” (n.º 6).
A norma do n.º 4 do artigo 112.º foi introduzida pelo Código do Trabalho de 2009 e implica a redução ou a exclusão do período experimental em razão de anteriores contratações do mesmo trabalhador, tendo como finalidade, como diz Pedro Furtado Martins, o “combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação”. Segundo o autor, “a razão de ser do preceito radica sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão”, o que implica a necessidade de interpretação alicerçada na teleologia da norma, como de resto sucede com toda a interpretação jurídica, considerando “decisiva a circunstância de a actividade contratada, ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, ser idêntico ou equivalente ao trabalho que o trabalhador já prestou na mesma organização”[2].
E será que a circunstância de a vinculação através de contrato de trabalho por tempo indeterminado anterior não ser enunciado no elenco legal de situações de implicam a redução ou exclusão do período experimental obsta à aplicação de tal regime?
Entendemos que não.
Afigura-se-nos mesmo que, nesta hipótese, tem maior justificação a estatuição da norma, na medida em que o conhecimento recíproco alcançado pelas partes o foi no mesmo contexto de vinculação com vocação de perenidade – ao invés dos vínculos enunciados no n.º 4 do artigo 112.º –, e entre as mesmas partes – ao invés dos vínculos enunciados nos n.ºs 5 e 6 do mesmo artigo, que se reportam a empregadores diferentes –, que assim tiveram oportunidade de se inteirar mutuamente dos aspectos a cuja avaliação o período experimental se destina, constituindo a nova vinculação uma inequívoca afirmação do interesse destas na persistência de um relacionamento contratual entre ambas.
Assim, e como bem diz o Digno Magistrado do Ministério Público, por maioria de razão, face aos demais casos elencados na norma, deixa de ter justificação – total ou parcial – a salvaguarda de um período destinado, tal como resulta do artigo 111.º do Código do Trabalho, a que as partes “possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”.
Por isso se compreendem as palavras de Milena Rouxinol[3], quando a mesma, estranhando que o contrato de trabalho por tempo indeterminado não se encontre no elenco de situações contratuais justificativas da redução ou exclusão do período experimental no contrato de trabalho ulterior, refere que “(...) atendendo à razão de ser do preceito, não se compreende tal omissão, devendo, em nosso entender, considerar-se incluídos na hipótese da norma os casos em que o trabalhador já tenha tido com o mesmo empregador, para o mesmo posto ou para as mesmas funções, uma relação contratual sem termo”.
Com interesse, escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 20 de Janeiro de 2022, também citada pelo Digno recorrente: «Esta disposição [o artigo 112.º, n.º 4] prescreve a redução ou exclusão do período experimental em função da duração de anteriores contratações do mesmo trabalhador pelo mesmo empregador, para a prestação de atividade idêntica, designadamente através de contrato a termo, contrato de trabalho temporário, contrato de prestação de serviços ou estágio profissional. E, embora esta enumeração pareça apontar prima facie no sentido da inserção da regra no âmbito da política de combate às práticas fraudulentas na contratação precária, a redação aberta da norma, abrangendo, quer situações de utilização indevida, quer situações de utilização lícita daquelas formas de contratação, leva a concluir que a razão de ser do preceito radica sobretudo na presumida desnecessidade de sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justifica a sua redução ou exclusão. A solução, aliás, já era deduzível de princípios gerais aplicáveis àquelas e outras situações em que existe um prévio conhecimento recíproco das partes relevante para a apreciação do interesse na celebração ou manutenção do contrato de trabalho. Assim, por maioria de razão, deve entender-se que a norma abarca a hipótese em que mais compreensivelmente se imporia à luz de tal propósito, ou seja, a de o mesmo trabalhador já ter executado a mesma atividade para o mesmo empregador através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, como parece ser o caso dos autos. Em suma, diremos que a teleologia da norma contida no n.º 4 do art. 112.º do Código do Trabalho autoriza que a mesma se aplique a todas as situações em que uma prévia prestação da atividade cumpriu a função atribuída ao período experimental, justificando a exclusão ou redução deste para obviar a que, na prática, se alcançasse a ampliação dos prazos máximos estabelecidos legal ou convencionalmente para a sua duração, com a consequente ampliação do direito de denúncia livre e sem indemnização»[4].
Em face do exposto, considera-se que o artigo 112.º, n.º 4 do Código do Trabalho tem aplicação no caso dos autos, a tal não obstando o facto de não estar provado que o trabalho prestado pelo recorrente à recorrida entre 01 de Julho de 2021 e Fevereiro de 2023 teve na sua base um contrato a termo, um contrato de trabalho temporário, um contrato de prestação de serviço ou um estágio profissional.
Nas circunstâncias do caso sub judice, a anterior vinculação por tempo indeterminado para o exercício das mesmas funções de pedreiro, por ser de duração superior ao período experimental – que, no caso, seria de 90 dias [artigo 112.º, n.º 1, alínea a), do CT] – cumpriu a função que lhe é atribuída. O conhecimento recíproco que o período experimental tem como finalidade já havia há muito sido alcançado por ambos os contraentes.
Nesta conformidade, devendo ter-se por excluído o período experimental, a cessação contratual operada pela recorrida em 03 de Novembro de 2023 não tem guarida no n.º 1, do artigo 114.º, do Código do Trabalho e consubstancia um despedimento ilícito do trabalhador, porque efectuado sem precedência de procedimento – artigo 381º, alínea c) do Código do trabalho.
4.2. O despedimento ilícito do recorrente implica as consequências previstas nos artigos 389.º e ss. do Código do Trabalho.
O tribunal da 1.ª instância absolveu a R. do pedido formulado pelo A. na sua petição inicial relativo às consequências do despedimento ilícito na medida em que considerou que o A. foi licitamente despedido no período experimental.
Consequentemente deverá este tribunal, nos termos do artigo 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, conhecer das questões que deixaram de ser conhecidas pelo tribunal recorrido, uma vez que os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários.
Afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo as partes, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, dado que no decurso do processo as questões inerentes aos pedidos enunciados na petição inicial foram discutidas, podendo as partes, agindo com a diligência devida, pronunciar-se sobre as mesmas. Além disso, o recorrente afirmou expressamente na apelação que “reclama assim da Ré o pagamento da indemnização por despedimento ilícito no valor de 2.394 Euros (798 Euros x 3), atendendo também ao disposto no n.º 2 do citado artigo 391.º do Código do Trabalho” e que “reclama o Autor o pagamento pela Ré das retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, incluindo as férias, subsídio de férias e de Natal que, entretanto, se vencerem até final, tudo conforme o disposto no artigo 390.º n.º 1 e 2, alínea b), do Código do Trabalho”, remetendo ainda para o “oportunamente peticionado”, tendo a R. recorrida, já nesta fase de recurso, a oportunidade de sobre tais pretensões se pronunciar nas suas contra-alegações, pelo que a decisão a proferir nunca constituirá decisão-surpresa, sendo a consequência natural da afirmação da existência de um despedimento ilícito.
4.2.1. Nos termos do disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: “a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais; b) Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º”
Por seu turno o artigo 391º do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “[e]m substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º (n.º1) e que para tais efeitos o tribunal deve “atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial” (n.º 2), sendo que tal indemnização “não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades” (n.º 3).
No caso sub judice, o A. declarou logo na petição inicial optar por ser indemnizado nos termos do disposto no artigo 391º do Código do Trabalho, computando o valor da indemnização peticionada em € 2.394,00, atendendo ao valor da retribuição base (€ 798,00 x 3).
E pediu a condenação da R., no que a este aspecto da ilicitude do despedimento interessa, no pagamento ao A. da “indemnização por despedimento ilícito no valor de 2.394,00 euros”.
Quanto à indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho, considerando o circunstancialismo que rodeou o despedimento do A. – proferido num contexto em que seria discutível o decurso do período experimental, mas em que o trabalhador havia sofrido um acidente de trabalho e cuja ilicitude radica em não ter sido o mesmo precedido de procedimento –, entende-se ser mediano o grau de ilicitude do despedimento. Já o baixo valor da remuneração que auferia o recorrente [a retribuição mínima mensal garantida na Região Autónoma dos Açores] sugere um incremento da parametrização prevista no n.º 1 do indicado preceito, pelo que o valor da indemnização nunca poderia ser inferior ao peticionado. Arbitra-se o valor pedido (artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) uma vez que, não se mantendo já o condicionalismo de subordinação jurídica inerente ao contrato de trabalho à data da petição inicial, esta matéria se encontra na área de disponibilidade da parte.
Sobre a quantia indemnizatória encontrada são devidos juros de mora à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento (artigos 559.º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril), computando-se os mesmos desde a data do trânsito em julgado deste acórdão[5].
4.2.2. Para além da indemnização, a recorrente peticionou o pagamento das remunerações mensais vencidas desde o despedimento e vincendas, acrescidas de juros de mora à taxa legal.
O trabalhador ilicitamente despedido tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal (art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho), as chamadas “retribuições intercalares”.
Nos termos do nº 2, al. b) do artigo 390.º, a tal indemnização é descontado o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento. No caso sub judice, uma vez que o A. foi despedido em 03 de Novembro de 2023 (factos 11. a 14.) e a presente acção foi intentada em 08 de Julho de 2024, deverão as retribuições intercalares ser computadas a partir de 08 de Junho de 2024.
No seu cômputo deverá atender-se a que o A. auferia mensalmente a retribuição mínima mensal garantida na Região Autónoma dos Açores, o que equivale a € 798,00 à data da cessação do contrato de trabalho, nos termos do artigo 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, republicado pelo DLR n.º 9/2022/A, de 23 de Maio.
Deverá ainda atender-se à evolução da retribuição mínima mensal garantida na Região Autónoma dos Açores que no ano de 2024 orça em € 861,00 (Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 37/2023/A, de 20 de Outubro) e no ano de 2025 em € 913,50 (Decreto Legislativo Regional n.º 8/2002/A, de 10 de Abril, republicado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 37/2023/A, de 20 de Outubro).
Ao montante apurado deduzem-se “as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento” [al. a), do nº 2 do artigo 390º] e “o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social” [al. c), do nº 2 do mesmo artigo].
No caso em análise nada se apurou quanto a importâncias que o trabalhador auferisse com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, apenas havendo que ordenar oficiosamente a dedução das quantias que o A. haja eventualmente recebido, no período em causa, a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pela R. à Segurança Social, em conformidade com o estabelecido na al. c) do n.º 2 do art. 390º do Código de Trabalho.
Uma vez que estas retribuições se irão vencer até ao trânsito em julgado deste acórdão e haverá que operar as deduções das quantias que o A. haja recebido, no período em causa, a título de subsídio de desemprego, a liquidação do valor final devido a este título deve relegar-se para incidente de liquidação, se necessário, nos termos dos artigos 609º, nº 2 e 358º e ss., do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Quanto aos juros, tem o recorrente direito aos mesmos desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento, por se tratarem de prestações que se inserem num contrato com prestações de execução continuada e que têm prazo certo [cfr. arts. 804º, 805º nº 2, al. a) e 806º, todos do Código Civil].
4.3. As custas do recurso interposto da sentença final recaem sobre a recorrida, que nele decaiu (artigo 527.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho). Mostrando-se paga a taxa de justiça pela recorrida, não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), e não havendo também custas de parte – já que o recorrente se mostra patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público e beneficia de isenção de custas, não tendo pago taxa de justiça, nem incorrido noutras despesas com o recurso –, não há lugar a custas.
5. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do A. no que diz respeito ao modo de cessação do contrato de trabalho que vinculou as partes e às consequências da ilicitude de tal cessação, e consequentemente, declarar que aquele contrato de trabalho cessou por despedimento ilícito perpetrado pela R. no dia 03 de Novembro de 2023 e condena-se a R. recorrida a pagar ao A. recorrente:
5.1. uma indemnização de antiguidade no valor de € 2.394,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do trânsito em julgado do presente acórdão, até efectivo e integral pagamento;
5.2. as retribuições (incluindo subsídios de férias, Natal e refeição) referentes ao período decorrido e a decorrer desde 08 de Junho de 2024 até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, no montante unitário equivalente à retribuição mínima mensal garantida na Região Autónoma dos Açores em vigor em cada momento deste período, acrescidas dos juros de mora computados à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada prestação, até efectivo e integral pagamento, deduzindo-se os montantes referentes ao mesmo período temporal que o A. tenha auferido a título de subsídio de desemprego (devendo neste último caso a R. comprovar a entrega ao Instituto da Segurança Social das quantias deduzidas a título de subsídio de desemprego), a apurar em incidente de liquidação, se necessário.
No mais, mantém-se a sentença impugnada.
Não há lugar a custas.
Lisboa, 12 de Março de 2025
Maria José Costa Pinto
Alda Martins
Susana Silveira
_______________________________________________________ [1] Vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – à luz do novo Código do Trabalho, 3.ª edição, p. 183. [2] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição revista e actualizada, Principia, 2014, pp. 632-633. [3] Na obra colectiva de João Leal Amado, Milena Rouxinol, Joana Nunes Vicente, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira, Direito do trabalho – Relação Individual, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2023, p. 464. [4] Proferido no processo n.º 7032/20.0T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt. Vide ainda, com interesse, o Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 685/12.5TTLRS.L1-4, o Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Fevereiro de 2016 Processo n.º 573/14.0T8GRD.C1 e o Acórdão da Relação de Évora de 16 de Janeiro de 2025, Processo 2458/23.0T8STR.E1, ainda que este último relativo a um contrato de trabalho a termo anterior. [5] Vide o Acórdão do STJ de 2009.10.21, Processo n.º 1996/05.1TTLSB.S1- 4.ª Secção in www.dgsi.pt, segundo o qual quando o valor da indemnização é encontrado dentro de uma moldura, só se fixa com o trânsito em julgado da decisão do tribunal e os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.