RETRIBUIÇÃO
INCENTIVO DE LONGO PRAZO
DOAÇÃO REMUNERATÓRIA
Sumário

Incentivo de longo prazo – Elementos essenciais da noção de retribuição – Presunção de retribuição ilidida mediante prova em contrário – Prestação extraordinária – Doação remuneratória sujeita a condição suspensiva – Não verificação da condição provocada pela alteração da titularidade do capital social da empregadora – Integração do negócio jurídico – Artigos 258. e 260.º do Código do Trabalho – Artigos 239.º, 270.º, 275.º, 350.º n.º 2, 941.º e 954.º - c) do Código Civil

Texto Integral

Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrida
1. Por sentença de 28.4.2024 (referência citius 434358850), o 2.º Juízo do Trabalho do Barreiro, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
“ V – DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de direito supra elencados, o Tribunal decide:
a) julgar a ação improcedente e, consequentemente, absolver as Rés EMBRAER S.A e EMBRAER PORTUGAL, S.A do pedido formulado pelo Autor AA.
As custas devidas em juízo serão suportadas pelo Autor atento o seu decaimento.”
Alegações do recorrente
2. Inconformado com a sentença mencionada no parágrafo anterior, o recorrente (trabalhador) dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 39579633 de 5.6.2024) que incide sobre a decisão de direito, concluindo que a sentença recorrida deve ser “(...) revogada e substituída por outra que reconheça o ILP extraordinário como retribuição variável e, em consequência, as Recorridas serem solidariamente condenadas a pagar ao Recorrente os créditos emergente[s] do contrato de trabalho, nos termos já peticionados.” (cf. conclusão 20 das alegações de recurso).
3. Nas suas alegações vertidas nas conclusões, o recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza:
• O Tribunal a quo interpretou erradamente os artigos 99.º, 258º n.º 3, 260º n.º 3 e 129º n.º 1 - d), do Código do Trabalho (CT);
• O ILP (incentivo de longo prazo) aqui em crise é um incentivo extraordinário que faz parte da retribuição do recorrente;
• Embora o ILP não constituísse uma contrapartida da actividade desenvolvida pelo recorrente, o mesmo está abrangido pela presunção retributiva constante do artigo 258.º do CT;
• Cabia às recorridas ilidir essa presunção, o que não fizeram;
• O ILP é uma componente variável da retribuição prevista pela primeira recorrida no plano de remuneração dos executivos ou regulamento interno, que tem por objectivo manter na empresa, por três anos, os trabalhadores com cargos dirigentes;
• O recorrente não manteve o vínculo laboral com uma das empresas do mesmo grupo por três anos porque a primeira recorrida decidiu que a segunda recorrida alienasse o capital social da empregadora do recorrente a outra sociedade, não pertencente ao mesmo grupo de sociedades que as recorridas integram;
• Não se verifica nenhuma das causas de exclusão do pagamento do ILP enunciadas pela primeira recorrida no seu plano/regulamento interno;
• Perante essa omissão, a situação deve ter o tratamento previsto para os casos de cessação do vínculo laboral devida a morte ou invalidez permanente, em que o pagamento é feito integralmente ao trabalhador ou aos seus herdeiros legais;
• Na sua óptica, por força do princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 129.º do CT, o recorrente tem direito a receber o ILP correspondente ao período de 3 anos como foi inicialmente previsto ou, subsidiariamente, o valor do ILP proporcional ao período de 15 meses em que se manteve a trabalhar para uma das empresas do mesmo grupo;
• Tendo sido paga ao recorrente a quantia de 12.419,19 euros e sendo de 41,264,04 euros o valor do ILP devido pelo período de 3 anos, o recorrente tem um crédito sobre as recorridas no valor remanescente de 28.844,45 euros;
• Ou, subsidiariamente, sendo de 19.454,62 o valor do ILP proporcional ao período de 15 meses e tendo o recorrente recebido 12.419,19 euros, tem um crédito sobre as recorridas no valor remanescente de 7.035,43.
Contra-alegações das recorridas
4. As recorridas contra-alegaram (cf. referência citius 39897367 de 9.7.2024), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
• O ILP extraordinário foi atribuído uma só vez, não revestiu qualquer carácter de periodicidade ou regularidade e, tal como o próprio recorrente afirma, não constituiu uma contrapartida da prestação laboral;
• O carácter excepcional do ILP prende-se com o facto de o seu objectivo ser o de reter os quadros dirigentes para fazer face às dificuldades da empresa no contexto da pandemia causada pela doença Covid 19;
• O pagamento dessa quantia deve ser qualificado à luz do disposto no artigo 260.º n.º 1 -b) do CT, por se tratar de uma prestação de cariz extraordinário, diretamente relacionada com os resultados obtidos pela empresa e cujo pagamento não estava antecipadamente garantido;
• É o que resulta dos factos provados 2, 28 a 31, 33 a 37, 40, 49, 50 e 54 a 56;
• Não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade solidária das recorridas, previstos no artigo 334.º do CT;
• O SPA (acordo de compra de acções) acarretou uma alteração da estrutura accionista do empregador da recorrente que passou a ser detido por outra sociedade, a Aernova, que não faz parte do grupo empresarial das recorridas;
• A relação de coligação societária de domínio que exista entre o empregador do recorrente e as recorridas cessou;
• O ILP deixou de existir na esfera do empregador, Compósitos, na medida em que este deixou de pertencer ao grupo das recorridas e, por isso, o valor do ILP nunca seria devido.
Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnado por que seja concedido provimento parcial ao recurso, em síntese, pelos seguintes fundamentos (cf. referência citius 20548334 de 2.10.2023):
• Dos factos provados 33 a 37, 54 a 56 e em particular do teor das comunicações vertidas nos factos provados 49 e 50, resulta que “a Embraer se vinculou perante o Recorrente, na pendência da sua relação laboral, a pagar-lhe uma remuneração especial, desde que se verificassem os respetivos pressupostos, decidindo ulteriormente que faria a 29 de abril de 2022 um pagamento anual pro-rata”;
• Esse incentivo, não previsto inicialmente no contrato de trabalho, foi instituído e comunicado ao recorrente em 13.11.2020. e passou a fazer parte das regras que regiam o contrato entre o recorrente e a empregadora, desde o momento em que o recorrente dele teve conhecimento;
• O recorrente tinha uma legítima expectativa de recebimento dessa prestação cujo pagamento não dependia de uma apreciação discricionária do empregador;
• Resulta do facto provado 34 que o valor final do incentivo não era certo porque dependia da média do valor das cotações da sociedade nas últimas 30 sessões anteriores à data da aquisição de direitos;
• A ligação do recorrente ao grupo ao qual pertencia a empregadora, que era condição necessária para ter direito ao pagamento integral do incentivo, terminou antes da data estipulada, por facto que não foi previsto quando foi instituído o pagamento desse incentivo;
• Não ocorreu nenhuma das situações previstas para a ausência de pagamento, nem ocorreu a cessação do contrato de trabalho, motivo pelo qual a situação não é análoga à da morte ou invalidez permanente do trabalhador, que daria lugar ao pagamento integral;
• A solução adoptada pelas recorridas, a saber, o pagamento do valor do incentivo numa base anual pro-rata, corresponde a um dos critérios previstos no regime do incentivo concedido, embora para outra situação, sendo o que está mais próximo da situação ocorrida, uma vez que o contrato durou 15 meses;
• Proporcionalmente, o recorrente terá direito ao valor correspondente a 6.250 ações.
6. As partes não responderam ao parecer mencionado no parágrafo anterior.
Delimitação do âmbito do recurso
7. Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão, vertida nas conclusões:
A. Qualificação do incentivo de longo prazo como retribuição e responsabilidade das recorridas pelo seu pagamento
Factos
8. Os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
9. Factos provados:
1 - O Autor, em 6 de Março de 2019, foi admitido ao serviço da Embraer Portugal Estruturas em Compósitos, S.A., que, à data, integrava o grupo internacional Embraer, S.A., para sob autoridade, direcção e fiscalização desta, desempenhar as funções de Director Industrial.
2 - A Ré EMBRAER S.A, enquanto sociedade dominante do grupo Embraer, SA., a 13 de Novembro de 2020 comunicou ao Autor que o mesmo iria receber a retribuição variável designada por Incentivo a longo prazo extraordinário, que lhe seria pago em Novembro de 2023.
3 - A Ré EMBRAER PORTUGAL, S.A, em cumprimento de ordens da Ré EMBRAER S.A., alienou a sua participação social da Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A. (EEC) para a Aernnova Aerospace, SAL, tendo a primeira transmitido para a segunda a totalidade do seu património e a titularidade dos direitos e obrigações, de qualquer fonte e natureza, que se encontravam relacionados com a sua actividade, em 1 de Maio de 2022.
4 - O Autor prestou sempre as suas funções nas instalações da Embraer Portugal Estruturas em Compósitos, S.A., sitas no ....
5 - O seu salário e outras retribuições eram pagas pela sua entidade patronal, bem como os seus descontos para a Segurança Social.
6 - A Ré EMBRAER S.A., é uma sociedade comercial anónima aberta, constituída em 08/09/2005, com sede na República Federal do Brasil, que tem como objecto social o exercício da actividade de fabricação de turbinas, motores e outros componentes e peças para aeronaves, serviços de engenharia, atividades de monitoramento de sistemas de segurança eletrônico, manutenção e reparação de aeronaves, exceto a manutenção na pista e manutenção de aeronaves na pista.
7 – O grupo societário internacional Embraer SA dedica-se ao fabrico de aviações comerciais, executivos, agrícolas e militares, peças aeroespaciais, bem como à prestação de serviços e suporte na área da aeronáutica.
8 - O Grupo Embraer, até 30 de Abril de 2022 era constituído por várias sociedades localizadas no Brasil, Estados Unidos da América, China, Singapura, Ilhas Caimão, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Irlanda, Suiça, Holanda, França, Espanha e Portugal.
9 - Relativamente às sociedades constituídas em Portugal, a Ré EMBRAER S.A., através da sua subsidiária Embraer Aviation Netherlands BV, constituiu a Ré EMBRAER PORTUGAL, S.A, que por sua vez constituiu a sociedade EC ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., cujo objecto social era a fabricação, montagem e comercialização de estruturas a partir de peças e conjuntos em materiais compósitos e a execução de outras actividades tecnológicas, industriais, comerciais e de serviços correlativos à indústria de produtos fabricados com materiais compósitos e não metálicos.
10 - A EC ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS S.A foi constituída com o capital social de € 50,000,00, distribuído por 10000 acções, com o valor nominal de € 5,00, cada, detido exclusivamente pela 2.ª Ré.
11 - A 2.ª Ré constituiu, também, a E OPERACIONAL ESTRUTURAS METÁLICAS S.A, com NIPC ... e sede na ..., cujo o objecto social era a fabricação, montagem, manutenção e comercialização de peças, componentes e conjuntos metálicos e a execução de outras actividades tecnológicas, industriais, comerciais e de serviços correlativos à indústria de produtos metálicos.
12 – A E OPERACIONAL ESTRUTURAS METÁLICAS S.A foi constituída com o capital social de € 50,000,00, distribuído por 10000 acções, com o valor nominal de € 5,00, cada.
13 - A sociedade EC ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS S.A. em 24/04/2009, alterou a sua denominação social para EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS, SA (EEC), bem como o objecto social que passou a ser a fabricação, montagem e comercialização de estruturas a partir de peças e conjuntos em materiais compósitos e a execução de outras actividades tecnológicas, industriais, comerciais e de serviços correlativos à de produtos em materiais compósitos e não metálicos, bem como a indústria e comércio de bens e tecnologias militares e a sua sede para o ....
14 – A sociedade E OPERACIONAL ESTRUTURAS METÁLICAS S.A, em 28/04/2009 alterou a sua denominação social para EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM METÁLICOS, S.A. (EEM), bem como o seu objecto social que passou a ser a fabricação, montagem e comercialização de peças, componentes e conjuntos metálicos e a execução de outras actividades tecnológicas, industriais, comerciais e de serviços correlativos à industria de produtos metálicos, bem como industria e comercio de bens e tecnologias militares e a sua sede para o ....
15 - As duas sociedades e a 2.ª Ré, até 30 de Abril de 2022, encontravam-se localizadas no ... A-I, CM1094, sendo que a EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS, SA e a EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM METÁLICOS, S.A. destinavam-se ao fabrico de estruturas e peças e a EMBRAER PORTUGAL, S.A. ao suporte administrativo financeiro e recursos humanos.
16 - Relativamente à forma de obrigar as três sociedades, era através da a) pela assinatura de dois administradores; b) pela assinatura de um só administrador designado em reunião do Conselho de Administração para a prática de determinados actos ou categorias de actos; c) pela assinatura conjunta de um administrador e de um procurador; d) pela assinatura de um dos administradores-delegados; e) pela assinatura de um procurador; f) por duas assinaturas, sendo obrigatóriamente uma de um administrador e outra do director financeiro, para realizar operações bancárias de crédito e débito, assinar títulos representativos de crédito e instrumentos financeiros em geral e movimentar contas bancárias; g) pela assinatura de um dos administradores para actos de rotina administrativa da gestão da sociedade, cfr. Certidões do Registo Comercial, que se protestam juntar.
17 - Pese embora as referidas sociedades, tivessem personalidade jurídica própria e património autónomo (eram juridicamente distintas Ré,) como as suas acções eram detidas exclusivamente pela 1.ª Ré (empresa mãe), ainda que indirectamente, era esta quem exercia, efectivamente, os poderes de direcção.
18 – O Director Geral da EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS, SA e a EMBRAER PORTUGAL ESTRUTURAS EM METÁLICOS, S.A. e EMBRAER PORTUGAL, S.A., até à data da venda das participações sociais, era comum para as três sociedades, sendo que este cargo foi sempre ocupado por quem a 1.ª Ré nomeasse.
19 - O Autor e os seus colegas reportavam ao Director-Geral em assuntos que tivessem relacionados com a gestão diária das linhas de fabricação (questões operacionais), sendo que quanto às demais situações, o Director-Geral, e por vezes o Autor, reportavam directamente à 1.ª Ré.
20 – O Autor reunia com frequência com os vários departamentos da 1.ª Ré, principalmente com o departamento de Engenharia, Planeamento, Qualidade de fornecedores.
21 - O Autor participava habitualmente nas semanas Kaizen, que se realizavam trimestralmente e onde eram apresentadas várias soluções pelas empresas que compunham o grupo Embraer, SA., para os problemas transversais a todas elas.
22 - Trimestralmente, o Autor participava nas reuniões com o Conselho de Administração, ou com quem a 1.ª Ré indicasse, na qual eram apresentados os resultados da fábrica, mais concretamente os resultados operacionais, de segurança, de qualidade, de entrega e custos, bem como projectos de melhoria, isto porque estavam sempre dependentes da aprovação da 1.ª Ré.
23 - Quanto aos departamentos de Eng. Aerodinâmica e Eng. de Materiais, eram departamentos sediados na 1.ª Ré, sendo a estes a que o Autor reportava as anomalias detectadas na fabricação das peças e a quem solicitava a respectiva análise e solução dos problemas.
24 - A escolha e contração dos fornecedores, contratação de trabalhadores, políticas remuneratórias, atribuição de regalias aos trabalhadores, pagamento prémios, queixa contra as chefias, as questões eram todas apreciadas, decididas/autorizadas pela 1.ª Ré.
25 - A 2.ª Ré, em cumprimento de uma decisão da 1.ª Ré, alienou a sua participação social da Embraer Portugal Estruturas em Metálicos S.A. (EEM) e Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A. (EEC) para a Aernnova Aerospace, SAL, tendo a primeira transmitido para a segunda a totalidade do seu património e a titularidade dos direitos e obrigações, de qualquer fonte e natureza, que se encontravam relacionados com a sua actividade, em 1 de Maio de 2022.
26 - A partir de 1 de Maio de 2022, o Autor continuou a prestar as suas funções à Embraer Portugal Estruturas em Compósitos, S.A., actualmente ANN ÉVORA ESTRUTURAS EM COMPÓSITOS, S.A.
27 – O Autor desempenhava as suas funções de Director Industrial, na sede da empregadora sita em ....
28 - Como contrapartida do trabalho prestado, o Autor auferia a retribuição mensal ilíquida de € 6.214,29 paga 14 vezes.
29 - Para além da mencionada retribuição fixa, as partes acordaram que o Autor teria como retribuição variável de curto prazo, o prémio de participação nos lucros e resultados da empresa, seguro de saúde extensível ao seu agregado familiar; seguro de vida; telemóvel com cartão corporativo, chamadas, sms e dados móveis e viatura da empresa.
30 - A 1.ª Ré entre 6 de Março de 2019 a 30 de Abril de 2022 determinou que fosse pago ao Autor, a título prémio de participação nos lucros, a percentagem de 25% calculado sobre o salário mensal.
31 – A 1.ª Ré enquanto empresa dominante determinou a que o Autor recebesse como parcela variável de curto prazo os seguintes montantes:
- em 2020, o bónus stretch, em Março, no valor de € 13.064,00; o PRE, em Abril, no valor de € 5.022,14 e o bónus solidário em Novembro, no valor de € 410,14;
- em 2021, o PRE e o bónus solidário, em Abril, no valor de € 15.287,15 e no valor de € 615,21, respectivamente.
- em 2022, o PRE, em Abril, no valor de € 34.597,20.
32 – Do documento intitulado Política de Remuneração da Administração, aprovado pelo Conselho de Administração em 26 de Outubro de 2018 consta, além do mais, o seguinte:

5 – REMUNERAÇÃO DOS DIRETORES ESTATUTÁRIOS – CONCEITUAÇÃO E REFERÊNCIA
5.1 A remuneração terá três componentes, designada remuneração total, sendo uma parcela fixa e duas variáveis, uma de curto e outra de longo prazo.
Assim,
RT = RF + CP + ILP, onde:
RF = remuneração fixa (salário ou honorários)
CP = remuneração variável de curto prazo
ILP = incentivo de longo prazo
….
5.4 O ILP será apenas um valor de referência para o exercício vigente e a aquisição do direito ao seu recebimento dar-se-á em data futura, conforme as condições previstas no Plano de Incentivo de Longo Prazo para Executivos da Embraer.

5.C - INCENTIVO DE LONGO PRAZO ("ILP")
5.C.1 - As condições gerais de incentivo de longo prazo adotadas pela Companhia têm por objetivos primordiais: (a) manter na Companhia e nas empresas por ela controladas, direta ou indiretamente, e para elas atrair pessoal altamente qualificado; e (b) assegurar às pessoas que possam efetivamente contribuir para o melhor desempenho da Companhia e de seus valores mobiliários o direito de participar do resultado de sua contribuição.
Pretende-se, ainda, assegurar a continuidade da administração da Companhia e das controladas e alinhar os interesses dos diretores e pessoas chave da Companhia e das controladas com os dos acionistas da Companhia.
5.C.2 - Os valores planejados de ILP serão definidos em função das referências de mercado, respeitadas as condições estabelecidas no Plano de Incentivo de Longo Prazo da Embraer ("Plano"), conforme definido e administrado pelo Conselho de Administração, assistido pelo Comitê de Pessoas e Governança.
5.C.3 - Uma vez estabelecido o valor planejado das ILP's individuais, serão calculadas as respectivas quantidades de Ações Virtuais a serem outorgadas aos executivos, sendo 50% como Ações Virtuais Restritas e 50% como Ações Virtuais de Performance, conforme metodologia e critérios estabelecidos no Plano.”
33 - O ILP proposto ao Autor correspondia a 15.000 Acções Fantasma Embraer ligadas ao valor EMBR3, com um período de três anos para efectiva aquisição.
34 - A 1.ª R. para a definição do preço das acções da subvenção, bem como definição do pagamento, utilizou a seguinte fórmula:
▪ Subvenção: A média das últimas 30 sessões de negociação anteriores à subvenção = 6,67 BRL
▪ Pagamento: A média das últimas 30 sessões de negociação anteriores à data de aquisição de direitos (sendo que este montante seria sido sujeito à retenção de todos os impostos aplicáveis).
35 - No que tange às condições de aquisição, a 1.ª R. estipulou que o Autor não receberia esta prestação, caso se verificassem as seguintes situações:
i. O Autor cessasse voluntariamente o seu contrato de trabalho;
ii. O contrato fosse rescindido por justa causa;
iii. O contrato fosse rescindido por uma questão relacionada com o compliance.
36 - Na eventualidade de a Ré rescindir com o contrato com o Autor, com o fundamento em questões de desempenho, o pagamento seria feito numa base anual pro-rata.
37 - Em caso de morte ou incapacidade permanente, o pagamento seria feito na totalidade ao Autor ou aos seus herdeiros legais.
38 – A 1ª Ré teve as seguintes cotações:

DataCotaçãoVolume Quantidade
04-03-202216,439.305.100
07-03-202215,3211.746.000
08-03-202215,609.758.900
09-03-202216,4811.037.800
10-03-202214,0242.874.900
11-03-202213,1821.434.700
14-03-202213,1410.613.400
15-03-202213,5111.811.500
16-03-202214,2914.673.200
17-03-202214,709.929.500
18-03-202215,0817.242.700
21-03-202215,217.535.500
22-03-202215,346.621.500
23-03-202215,176.355.800
24-03-202215,358.000.400
25-03-202215,198.096.800
28-03-202215,096.549.800
29-03-202215,629.425.300
30-03-202215,258.627.600
31-03-202214,968.372.700
01-04-202215,068.662.400
04-04-202215,2513.832.200
05-04-202214,4113.287.800
06-04-202214,218.900.300
07-04-202214,127.936.200
08-04-202213,949.219.000
11-04-202213,797.074.200
12-04-202213,5610.102.400
13-04-202213,9010.924.800
14-04-202213,706.725.800

39 – A 1.ª Ré determinou o pagamento da quantia € 12.419,19 ao Autor, correspondente à média das ações Embraer, no valor de 14,69 BRL, na quantidade de 5.000 ações, à cotação cambiária de € 5,34.
40 - Ficou expressamente estipulado no n.º 5 da cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e o Empregador Compósitos o seguinte: “Quaisquer pagamentos adicionais e/ou regalias que o Trabalhador venha a receber, para além dos definidos acima, serão considerados como efetuados pelo Empregador a título de mera liberalidade, e podem, assim, ser suspensos ou retirados a todo o tempo por decisão unilateral do Empregador, mesmo nos casos em que o Trabalhador os tenha recebido ou deles tenha beneficiado por diversas vezes”.
41 - A 2.ª Ré celebrou com a Sociedade Aernnova Aerospace, SAL com sede em Espanha (doravante “Aernnova”), a 11 de janeiro de 2022, um contrato de compra e venda de ações, nos termos do qual a primeira alienou à segunda a totalidade do capital social do Empregador Compósitos, com efeitos a 1 de maio de 2022 (doravante, “Transação SPA”).
42 - A Aernnova não faz parte, nem integra – nem fez parte, nem integrou – o Grupo Embraer.
43 - A partir da Transação SPA, tanto a 1.ª, como a 2.ª Ré, bem como qualquer outra sociedade do Grupo Embraerdeixaram de ter qualquer intervenção ou interferência na gestão e administração do Empregador Compósitos.
44 - Aquando e em virtude da Transação SPA, e com efeitos a 2 de maio de 2022, o Empregador Compósitos procedeu à revogação de todas as procurações que tinham sido outorgadas a favor de colaboradores do Grupo Embraer nos quais se incluiu o Autor.
45 - A Transação SPA não acarretou qualquer alteração do Empregador Compósitos, nem enquanto sociedade comercial, pessoa coletiva e firma, nem enquanto efetivo empregador do Autor.
46 - Somente em fevereiro de 2023 é que a firma do Empregador Compósitos foi alterada para ANN Évora Estruturas em Compósitos, S.A.
47 - O Autor manteve e mantém-se ao serviço do Empregador Compósitos, como seu trabalhador.
48 - O Autor passou a reportar a sua atividade e funções profissionais aos administradores do Empregador Compósitos designados pela Aernnova, bem como a outros colaboradores da Aernnova.
49 – A comunicação referida em 2 tinha o seguinte teor:
“Para AA
Assunto: Atribuição de ILP Extraordinário - CONFIDENCIAL
Prezado AA,
Como Diretor da Embraer, você faz parte de um grupo muito distinto de pessoas que são extremamente importantes para a construção do futuro desta grande empresa. Através da sua liderança competente, alcançaremos os resultados desejados. É imperativo que reconheçamos a sua dedicação ao crescimento contínuo da Embraer.
Assim, temos o prazer de informá-lo que você é elegível para receber a atribuição de um incentivo de longo prazo extraordinário, equivalente a 15.000 ações virtuais Embraer indexadas ao valor da EMBR3, com um período total de vencimento de três anos (12 de novembro de 2023).
Para definir o preço da ação atribuída, bem como o pagamento, foi utilizado o seguinte racional:
• Atribuição: A média das últimas 30 sessões de negociação anteriores à atribuição = 6,67 BRL
• Pagamento: A média das últimas 30 sessões de negociação anteriores à data de vencimento
Os valores estarão sujeitos à retenção de todos os impostos aplicáveis.
Esta atribuição extraordinária é concedida para além de todas as outras formas de remuneração (incluindo o salário base e outras remunerações variáveis). A atribuição é considerada uma remuneração especial e não constituirá benefício de nenhum programa de benefícios para trabalhadores ou executivos da Embraer.
As seguintes condições devem ser aplicadas à concessão:
1. Se qualquer uma das seguintes situações ocorrer antes da aquisição do direito, nenhum pagamento será feito:
a. O trabalhador cessar voluntariamente o contrato de trabalho;
b. O trabalhador for despedido por justa causa;
c. O despedimento ser devido a assunto relacionado com compliance.
2. Se a Embraer o despedir com base em questões de desempenho, o pagamento será feito numa base anual pro-rata.
3. Em caso de cessação relacionada com morte ou invalidez permanente, o pagamento será feito integralmente ao trabalhador ou aos seus herdeiros legais.
O trabalhador reconhece e aceita que não se trata de um contrato de trabalho ou de colaboração, nem deve ser interpretado como tal. O trabalhador reconhece que esta atribuição é considerada confidencial e não deve ser discutida com ninguém. Se o fizer, poderá perder o direito ao prémio.
Obrigado pela sua participação ativa na construção da nossa futura Embraer. É um membro valioso da equipa de liderança e aguardamos com expectativa as suas contribuições contínuas.”
50 – A Ré enviou a seguinte comunicação ao Autor:
“Para AA
Assunto: Atribuição de Incentivo a Longo Prazo Extraordinário
Prezado AA
Em 13 de novembro de 2020, foi-lhe concedido o direito de participar de um plano extraordinário de incentivo de longo prazo da Embraer S.A. ("LTI").
Ao participar do LTI você recebeu uma concessão equivalente a 15.000 Ações Virtuais Embraer indexadas ao valor das ações EMBR3, com carência total de três anos (término em 12 de novembro de 2023), sujeita às condições previstas nos documentos que regulamentam o LTI e na carta de atribuição.
Como é do seu conhecimento, a Embraer S.A. celebrou em 11 de janeiro de 2022 um Contrato de Compra e Venda de Ações para a alienação de 100% das ações da Embraer Portugal Estruturas Metálicas S.A. ("EEM") e da Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A. ("EEC") para a Aernnova Aerospace, SAU ("SPA" e "Transação"). Após a conclusão da Transação, a EEM e a EEC deixarão de ser controladas pela Embraer S.A. e de fazer parte do mesmo grupo de empresas.
Como consequência da Transação, os trabalhadores da EEM e da EEC não serão mais trabalhadores do grupo Embraer e, portanto, não terão direito a participar do LTI, que é um plano de incentivo corporativo destinado a beneficiar os Trabalhadores da Embraer e de algumas das suas subsidiárias. Adicionalmente, de acordo com a Secção 10.8 do SPA, a Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A. e a Embraer Portugal Estruturas Metálicas S.A. não empregarão qualquer trabalhador que tenha direito a qualquer tipo de incentivo de longo prazo, tal como o LTI.
Assim, em benefício dos beneficiários e em consideração à sua contribuição para o grupo Embraer até a presente data, um pagamento anual pro-rata baseado em LTI ser-lhe-á feito a 29 de abril de 2022.
Após o recebimento do valor relevante, a Embraer S.A. e suas subsidiárias estão exoneradas em relação ao LTI.”
51 - O Autor, a 19 de maio de 2022, enviou uma comunicação de correio eletrónico ao Sr. BB, colaborador do Grupo Embraer, com o seguinte teor:
“Caro BB,
Espero que se encontre bem.
Tenho algumas dúvidas acerca do valor que me foi pago como ILP, pelo que necessito dos seguintes esclarecimentos:
1. Como foram efectuados os cálculos?
1. Quais as 30 sessões que foram consideradas;
2. Qual foi o valor de fecho em cada uma dessas sessões;
3. Qual o valor médio apurado;
4. Qual a quantidade de “Phantom Shares tied EMBR3 shares value” foram consideradas para pagamento;
5. Qual o câmbio utilizado;
1. Quais são os documentos/normas que regulamentam o ILP? No seu email e na release notification, faz referência a elementos que desconhecia, pois até à data, as regras que eram do meu conhecimento eram as descritas na carta que assinei datada de 13 de Novembro de 2020.
P.S – Dado que este tema é um tema meu com a Embraer e não envolve a Aernnova, peço que as respostas sejam encaminhadas para o meu email pessoal em cc neste mesmo mail: ...
Cumprimentos,
AA”
52 - A 1 de junho de 2022, o Sr. BB respondeu à referida comunicação do Autor, por mensagem de correio eletrónico, o seguinte:
“AA, bom dia!
Por aqui tudo bem, espero que por aí também.
Seguem abaixo as respostas:
1. Como foram efectuados os cálculos?
1. Quais as 30 sessões que foram consideradas;
2. Qual foi o valor de fecho em cada uma dessas sessões;
….
3. Qual o valor médio apurado;
14,59 BRL
4. Qual a quantidade de “Phantom Shares tied EMBR3 shares value” foram consideradas para pagamento;
5.000 ações
5. Qual o câmbio utilizado;
BRL para EUR = 5,34
1. Quais são os documentos/normas que regulamentam o ILP? No seu email e na release notification, faz referência a elementos que desconhecia, pois até à data, as regras que eram do meu conhecimento eram as descritas na carta que assinei datada de 13 de Novembro de 2020.
Os documentos que regulam o ILP extraordinário são as cartas enviadas a você no momento da concessão do ILP e no momento do pagamento. Conforme explicado nestes documentos o racional do ILP é a permanência dos elegíveis no grupo Embraer durante os 3 anos a partir da data do envio do termo de concessão até a data final do pagamento que ocorrerá em novembro de 2023. Como você deixou de fazer parte do grupo Embraer em final de abril de 2022, em razão da venda da empresa que você trabalha para o grupo Aernnova Aerospace, SAL, você não seria elegível ao ILP extraordinário, mas o grupo Embraer optou, por mera liberalidade, reconhecer a sua contribuição para o grupo Embraer até o final de abril de 2022 e efetuar o pagamento de forma proporcional, de acordo com a regra prevista no documento de concessão no item 2 [yearly pro-rata basis].
Abs,
BB”
53 – O Ponto 2.2.23 do documento emitido pela 1ª Ré e intitulado de “Notas explicativas da administração às demonstrações financeiras em milhares de reais, excepto quando indicado de outra forma”:
“2.2.23. Remuneração baseada em ações
A Política de Remuneração dos Executivos (PRE) determina que parte da remuneração de seus executivos seja concedida na forma de um Incentivo de Longo Prazo (ILP) com o objetivo de manter e atrair pessoal qualificado que contribua de maneira efetiva para o melhor desempenho da Companhia. Como forma de ILP, a Companhia possui atualmente vigente a seguinte modalidade de remuneração baseada em ações:
Pagamento por meio de ações virtuais liquidadas em caixa onde o montante atribuído aos serviços prestados pelos participantes é convertido em quantidade de ações virtuais. Ao final do período de aquisição o participante recebe a quantidade de ações virtuais convertidas para Reais pelo seu valor de mercado. A Companhia reconhece a obrigação ao longo do período de aquisição (quantidade de ações virtuais proporcionalizadas pelo tempo) no mesmo grupo de custo ou despesa no resultado do exercício onde é reconhecida a remuneração normal do participante. Esta obrigação é apresentada como um contas a pagar para empregados cujo valor justo é calculado com base no valor de mercado das ações e suas atualizações registradas em despesas financeiras, líquidas na demonstração de resultado. Por não se tratar de um instrumento patrimonial, o pagamento por meio de ações virtuais não afeta o cálculo do lucro diluído por ação.”
54 - O Incentivo Extraordinário foi instituído no Grupo Embraer em novembro de 2020, num momento em que a indústria aeronáutica atravessava grandes dificuldades e incertezas quanto ao futuro por força da situação excecional causada pela pandemia da Doença COVID-19.
55 - O Incentivo Extraordinário foi instituído com as seguintes finalidades: por um lado, visava (incentivar) a retenção e permanência dos líderes e trabalhadores com funções de direção no Grupo Embraer, isto é, para que tais trabalhadores não se sentissem tentados a sair do Grupo face à enorme crise que a pandemia causou na indústria aeronáutica.
56 - Por outro lado, visava (incentivar) o engajamento, o compromisso e dedicação de tais líderes e trabalhadores na prossecução dos objetivos, resultados e metas do Grupo Embraer, com vista não só à superação das dificuldades, mas também para fomentar e contribuir para a rentabilidade do Grupo Embraer.
57 - Os funcionários do Grupo Embraer com cargos idênticos ao do Autor e nas mesmas circunstâncias e condições do Autor, designadamente, quer quanto à comunicação do Incentivo Extraordinário e respetivas condições atributivas, quer quanto ao facto de terem deixado de ser funcionários do Grupo Embraer aquando e por força da Transação SPA, CC e DD também receberam numa base pro-rata anual, com base na média da cotação das ações nas últimas 30 sessões antes daquela data e ao valor cambiário aplicável à data.
10. Factos não provados:
a) A partir de 1 de Maio de 2022, o Autor passou a prestar as suas funções à Aernova Aerospace SAL.
b) Aos restantes funcionários do grupo Embraer, SA, que tinham cargos idênticos ao do Autor, a 1.ª Ré manteve esta prestação, tendo-a pago na totalidade.
Quadro legal relevante
11. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Código do Trabalho ou CT
Artigo 258.º
Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Artigo 260.º
Prestações incluídas ou excluídas da retribuição
1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.
Código Civil ou CC
Artigo 239.º
(Integração)
Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.
Artigo 270.º
(Noção de condição)
As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.
Artigo 275.º
(Verificação e não verificação da condição)
1. A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação.
2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.
Artigo 350.º
(Presunções legais)
1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
Artigo 941.º
(Doação remuneratória)
É considerada doação a liberalidade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de dívida exigível.
Artigo 954.º
(Efeitos essenciais)
A doação tem como efeitos essenciais:
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar a coisa;
c) A assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato.
Doutrina que o Tribunal leva em conta
12. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, mencionados na fundamentação:
Abílio Neto, Novo Código do Trabalho, 3.ª edição, Ediforum Lisboa
António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª Edição, Almedina
Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora Limitada
Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada
Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina
Apreciação do recurso
A. Qualificação do incentivo de longo prazo como retribuição e responsabilidade das recorridas pelo seu pagamento
13. O motivo de discordância do recorrente com a sentença impugnada prende-se com a pretendida qualificação do incentivo de longo prazo (ILP) extraordinário como retribuição.
14. O recorrente defende que esse valor integra a noção de retribuição, ao passo que o Tribunal a quo julgou que não e qualificou a estipulação dessa prestação como uma disposição contratual sujeita a condição, omissa no que respeita à não verificação da condição nas circunstâncias apuradas; o preenchimento dessa lacuna da declaração negocial deve ter lugar mediante o pagamento do valor pro-rata, o que já sucedeu uma vez que o recorrente recebeu o valor correspondente a 5000 acções, das 15000 que integravam o seu ILP.
15. O digno magistrado do Ministério Público, por seu lado, defende que o critério pro-rata a que alude a sentença recorrida, conduz a outra solução, uma vez que, se em três anos o recorrente teria direito ao valor equivalente a 15 000 acções, em quinze meses teria direito ao valor equivalente a 6500 acções.
16. Para resolver esse problema o Tribunal começa por levar em conta os contornos fácticos da situação.
17. Resulta dos factos provados que a primeira recorrida decidiu pagar ao recorrente um ILP (incentivo de longo prazo), com efeitos a partir de 13.11.2020; foi estipulado pela primeira recorrida e aceite pelo recorrente, que o direito a receber esse valor só seria adquirido pelo recorrente em 12.11.2023, isto é, decorridos três anos de permanência do recorrente na empresa pertencente ao mesmo grupo de sociedades ao qual pertencia a sua empregadora; foi estipulado pela primeira recorrida e aceite pelo recorrente, que esse valor não fazia parte do contrato de trabalho e o seu pagamento era confidencial; o ILP tinha por finalidade reter nas empresas pertencentes ao mesmo grupo de sociedades os trabalhadores com funções de liderança/direcção, como era o caso do recorrente e incentivar a dedicação e envolvimento desses trabalhadores na prossecução dos objectivos e superação das dificuldades das empresas do grupo; o valor desse ILP correspondia a 15.000 acções fantasma Embraer ligadas ao valor EMBR3 e seria determinado de acordo com critérios definidos pela primeira recorrida e constantes de um documento interno (cf. factos provados 2, 32 a 34, 38, 49, 54, 55).
18. A estipular a atribuição do ILP ao recorrente a primeira recorrida previu que se o contrato de trabalho cessasse antes do termo do período de três anos (a contar da data dessa atribuição) o recorrente não receberia tal prestação, caso se verificasse uma das seguintes situações: o recorrente cessasse voluntariamente o seu contrato de trabalho; o contrato fosse rescindido por justa causa; o contrato fosse rescindido por uma questão relacionada com o compliance. Na eventualidade de a recorrida rescindir o contrato com o recorrente com o fundamento em questões de desempenho, o pagamento seria feito numa base anual pro-rata. Em caso de morte ou incapacidade permanente, o pagamento seria feito na totalidade ao recorrente ou aos seus herdeiros legais (cf. factos provados 35, 36 e 37).
19. Está igualmente assente que o recorrente, na qualidade de trabalhador, celebrou com a sociedade Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A., na qualidade de empregadora, um contrato de trabalho que teve início em 6.3.2019, no âmbito do qual passou a exercer funções de director industrial. O recorrente recebia um valor fixo em dinheiro de 6 214,29 euros pago catorze veses por ano e além dele, um prémio de participação nos lucros, seguro de saúde, de vida, telemóvel e respectivas despesas, viatura da empresa e outros bónus pagos com a cadencia determinada pela empregadora (cf. factos provados 1 a 32).
20. O capital social da Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A (empregadora do recorrente) era totalmente detido pela sociedade Embraer Portugal S.A. (segunda recorrida). Por sua vez, a Embraer Portugal S.A foi criada pela Embraer S.A. (primeira recorrida, sediada na República Federativa do Brasil), através da sua subsidiária nos Países Baixos, a Embraer Aviation Netherlands B.V.. A primeira recorrida detém o capital social da segunda recorrida, que por sua vez detinha a totalidade do capital social da empregadora do recorrente. Apurou-se e não é litigioso entre as partes, que a primeira recorrida controla a actividade da segunda recorrida e controlava a actividade da sociedade empregadora do recorrente. Por decisão da primeira recorrida, a segunda recorrida alienou a totalidade da participação social que tinha na Embraer Portugal Estruturas em Compósitos S.A. (empregadora do recorrente) à Aernova Aerospace SAL, que posteriormente passou a designar-se por ANN Évora e Compósitos S.A.. Essa modificação na titularidade do capital da empregadora do recorrente produziu efeitos a partir de 1.5.2022, ou seja, antes de terminado o período de três anos estipulado para a aquisição do direito ao ILP e, nesse contexto, foi transmitida a posição de empregadora do recorrente para uma empresa que não pertence ao grupo de sociedades do qual fazem parte as recorridas (cf. factos provados 28 a 31).
21. Antes de produzir efeitos a alienação da titularidade do capital social da empregadora do recorrente, a primeira recorrida determinou o pagamento ao recorrente da quantia 12.419,19, correspondente à média das ações Embraer, no valor de 14,69 BRL, na quantidade de 5.000 ações, à cotação cambiária de 5,34 euros; o recorrente foi informado pelas recorridas de que tinha sido alienado o capital social da sua empregadora e de que, por isso, deixava de ser trabalhador das empresas do grupo e não teria direito ao ILP; em consideração ao contributo dado pelo recorrente para o grupo Embrarer, ser-lhe-ia pago um valor pro-rata (cf. factos provados 39 e 50).
22. Dos factos acima sintetizados, resulta que à data da celebração do contrato de trabalho, a empregadora do recorrente e as recorridas eram sociedades coligadas, que se encontravam numa relação de grupo, submetidas à direcção unitária e comum da primeira recorrida – cf. artigos 482.º -d) e 492.º do Código das Sociedades Comerciais. Foi nesse contexto que a direcção do grupo, através das recorridas, propôs ao recorrente o pagamento do ILP. Embora não exista prova abundante sobre o acordo de compra e venda de acções (Share Purchase Agreement ou SPA), apurou-se, no que releva para o presente caso, que foi celebrado um negócio pelo qual a segunda recorrida, por indicação da primeira recorrida, alienou a uma sociedade não pertencente ao grupo, a titularidade da totalidade do capital social da empregadora do recorrente. Em consequência, o destino do contrato de trabalho do recorrente deve considerar-se abrangido pelo disposto no artigo 285.º do CT (António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.ª Edição, Almedina, páginas 486 e 487).
23. Dito isto, para saber se o ILP integra a noção de retribuição há que aplicar o disposto nos artigos 258.º e 260.º do CT. Nesse contexto, o Tribunal começa por levar em conta a seguinte distinção entre remuneração em sentido amplo e remuneração em sentido estrito ou retribuição (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina páginas 610 e 611):
“A utilidade desta distinção revela-se em dois pontos essenciais. Por um lado, estando associado ao conceito de retribuição um princípio de irredutibilidade (art. 129.º n.º 1 – d) ), esta distinção permite isolar as prestações remuneratórias que se sujeitam a este princípio, não podendo, por consequência, ser retiradas ou diminuídas, das restantes prestações patrimoniais, que, por expressa determinação da lei, não se sujeitam à regra da irredutibilidade ( e que são agora delimitadas, de uma forma nem sempre clara, pelo art.260.º).
(...)
Por outro lado, é importante ter em conta a diferença entre os conceitos de retribuição e de remuneração porque outras fontes mantêm o termo remuneração com o significado amplo que lhe reconhecemos, daí retirando efeitos práticos”
24. Assim, da noção de retribuição constante do artigo 258.º n.º 1 do CT fazem parte os seguintes elementos essenciais (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, páginas 611 a 614):
• A retribuição é um direito do trabalhador e o seu pagamento é um dever do empregador, o que exclui da noção de retribuição as prestações feitas com animus donandi;
• A retribuição é um direito que decorre do próprio contrato directamente ou da remissão para instrumento de regulamentação colectiva do trabalho ou para os usos;
• A retribuição é a contrapartida da actividade laboral;
• A retribuição é regular e periódica;
• A retribuição é uma prestação patrimonial.
25. A noção de retribuição de que fazem parte os elementos mencionados no parágrafo anterior tem de conjugar-se com a presunção consagrada no artigo 258.º n.º 3 do CT. Nos termos do artigo 258.º n.º 3 do CT presume-se que o ILT constitui retribuição. Assim sendo, cabe às recorridas ilidir essa presunção mediante prova em contrário (cf. artigo 350.º n.º 2 do CC). Sendo os elementos essenciais do conceito de retribuição cumulativos, para afastar a presunção de retribuição basta que as recorridas provem que falta qualquer um dos elementos acima enunciados no parágrafo 24 para descaracterizar o ILP como prestação retributiva.
26. Dito isto, faltam pelo menos dois elementos essenciais da noção de retribuição uma vez que as recorridas lograram provar que o ILP não tem carácter regular e periódico e não é contrapartida da actividade laboral do recorrente.
27. Com efeito, resulta dos factos provados (cf. factos provados 2, 32, 49 e 50) que o ILP não é uma prestação regular e periódica, o que basta para o descaraterizar como prestação retributiva. A esse propósito, as recorridas provaram que o ILP era uma prestação extraordinária, de atribuição futura, cuja oportunidade de pagamento cabia à administração do grupo de sociedades definir e cujo direito só seria adquirido mediante a verificação de uma condição suspensiva que, no presente caso, não se verificou, como será a seguir explicado.
28. Em segundo lugar, provou-se que o ILP não era uma contrapartida da prestação de trabalho. Era um incentivo extraordinário, que teve por finalidade incentivar os trabalhadores que exerciam funções de direcção a permanecer na empresa e a comprometerem-se na prossecução dos objectivos da empresa, nomeadamente na superação das dificuldades decorrentes da pandemia causada pela doença Covid-19 (cf. factos provados 54 a 56). De onde resulta que o ILP não era uma contrapartida da actividade laboral do recorrente, como o próprio recorrente reconhece na motivação de recurso, quando aí alega, no artigo 11.º, o seguinte: “Assim, ainda que o ILP extraordinário não constitua uma contrapartida da atividade desenvolvida pelo Recorrente, o mesmo tem natureza retributiva, na medida em que as Recorridas não ilidiram a presunção estabelecida no art. 258º, nº 3, do C.T.”. Com efeito, o ILP visou incentivar a permanência do recorrente na empresa e o seu envolvimento nos respectivos objectivos, conforme previsto no documento (regulamento interno da empresa) mencionado no facto provado 32: “(...) manter na Companhia e nas empresas por ela controladas, direta ou indiretamente, e para elas atrair pessoal altamente qualificado; e (b) assegurar às pessoas que possam efetivamente contribuir para o melhor desempenho da Companhia e de seus valores mobiliários o direito de participar do resultado de sua contribuição. Pretende-se, ainda, assegurar a continuidade da administração da Companhia e das controladas e alinhar os interesses dos diretores e pessoas chave da Companhia e das controladas com os dos acionistas da Companhia.”
29. Por fim, no que respeita ao contrato de trabalho e ao regulamento interno da empresa, convém clarificar o seguinte. Provou-se que o ILP não decorre da negociação específica das partes no momento em que celebraram o contrato individual de trabalho porque não foi nele previsto; pelo contrário, no contrato de trabalho as partes excluíram o caracter retributivo de qualquer outra prestação que viesse a ser paga ao estipularem a seguinte cláusula (cf. facto provado 40): “Quaisquer pagamentos adicionais e/ou regalias que o Trabalhador venha a receber, para além dos definidos acima, serão considerados como efetuados pelo Empregador a título de mera liberalidade, e podem, assim, ser suspensos ou retirados a todo o tempo por decisão unilateral do Empregador, mesmo nos casos em que o Trabalhador os tenha recebido ou deles tenha beneficiado por diversas vezes”. Provou-se que posteriormente, a administração do grupo de sociedades comunicou ao recorrente a decisão de lhe atribuir o ILP (cf. facto provado 49) e, ao aceitá-lo, o recorrente “reconhece e aceita que não se trata de um contrato de trabalho ou de colaboração, nem deve ser interpretado como tal.”
30. A esse propósito, importa sublinhar que, por um lado, o contrato de trabalho é um contrato de execução continuada e, por isso, susceptível de alterações; por outro lado, das cláusulas citadas no parágrafo anterior não pode resultar a renúncia antecipada do recorrente ao direito à retribuição sempre que ela preencha todos os requisitos acima enunciados no parágrafo 24, pois, nessa parte tais cláusulas considerar-se-ão nulas e substituídas pela disposição legal imperativa aplicável, como prevê o artigo 121.º do CT. No entanto, não é esse o caso do ILP porque, tal como já foi explicado provou-se que o ILP não é uma prestação regular e periódica, nem constitui contrapartida da actividade laboral, pelo que não constitui retribuição na acepção do artigo 258.º n.º 1 do CT.
31. Convém ainda esclarecer que, não obstante o ILP não resultar da negociação específica das partes no momento em que celebraram o contrato individual de trabalho, o certo é que a vontade contratual da empregadora atribuir o ILP manifestou-se nesse momento através do regulamento interno da empresa, nos termos previstos no artigo 104.º do CT. Isto porque, já desde 26.10.2018, antes da contratação do recorrente, a atribuição de ILP estava prevista no documento intitulado “Política de Remuneração da Administração”, como um dos componentes da “Remuneração dos Directores Estatutários” (cf. facto provado 32). Esse documento, que tem o valor de um regulamento interno, prevê a aquisição futura do direito ao ILP nos seguintes termos: “a aquisição do direito ao seu recebimento dar-se-á em data futura, conforme as condições previstas no Plano de Incentivo de Longo Prazo para Executivos da Embraer.". No caso em análise, provou-se (cf. factos provados 2, 49 e 50 a 54) que o ILP veio a ser atribuído pela direcção/administração do grupo ao qual pertencia a empregadora do recorrente, em 2020 (no contexto da pandemia). Em particular, resulta dos factos provados 2, 49 e 50 que a atribuição do ILP produziu efeitos em relação ao recorrente a partir de 13.11.2020.
32. Feita esta clarificação, é forçoso constatar que, contrariamente ao que defendem as recorridas, o ILP não é excluído da noção de retribuição por força do artigo 260.º n.º 1 – b) do CT. Isto porque, tendo o ILP resultado da vontade contratual da empregadora (cf. artigo 104.º do CT), o artigo 260.º n.º 3 – a) (primeira parte) do CT prevê que, excepcionalmente, nesse caso, tal prestação não é excluída da noção de retribuição. Pelo que, como alega o recorrente, o ILP beneficia da presunção de retribuição prevista no artigo 258.º n.º 3 do CT. Porém, as recorridas ilidiram essa presunção uma vez que provaram que o ILP não é uma prestação regular e periódica, nem é devido como contrapartida do trabalho prestado pelo recorrente, elementos esses que são essenciais na delimitação da retribuição em sentido técnico-jurídico. Faltando tais elementos, o ILP não corresponde a um dever da empregadora, nem das recorridas enquanto empresas do mesmo grupo de sociedades ao qual pertencia a empregadora, mas resulta apenas do animus donandi da primeira recorrida, que era a sociedade que dirigia o grupo de sociedades do qual fazia parte a empregadora do recorrente. No sentido desta interpretação, a seguinte doutrina e a jurisprudência nela citada (cf. Abílio Neto, Novo Código do Trabalho, 3.ª edição, Ediforum Lisboa, página 495):
“I – O conceito de retribuição tem vários sentidos, podendo falar-se em remuneração em sentido amplo, que abrange diversas prestações remuneratórias de que o trabalhador beneficia, e retribuição em sentido estrito ou técnico-jurídico. II – A retribuição em sentido estrito ou técnico-jurídico abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho. III – O elemento da contrapartida é um elemento de grande importância na delimitação técnica da retribuição porque permite excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas prossigam outros objectivos ou tenham uma justificação diversa. IV – As prestações regulares e periódicas pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, em princípio, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho. V – A qualificação de uma prestação remuneratória como retribuição em sentido técnico jurídico depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: tem de corresponder a um direito do trabalhador; tem que ter a sua base no contrato de trabalho, no instrumento de regulamentação colectiva do trabalho ou na norma legal aplicável ou no uso da empresa; tem que constituir uma contrapartida regular e periódica do trabalho prestado e tem que ter um valor patrimonial. A falta de qualquer um desses elementos descaracteriza a prestação como retributiva. (...) (Ac. RL, de 17.6.2009: Proc.607/07.5TTLSB.L1-4.dgsi.Net).”
33. Da análise que antecede resulta que o ILP tem as características não de uma retribuição ou remuneração em sentido estrito, correspondente à noção consagrada no artigo 258.º n.º 1 do CT, mas de uma remuneração em sentido amplo, em particular de uma doação remuneratória – cf. artigo 941.º do Código Civil (CC). Com efeito, tal como já foi explicado no parágrafo 23, há outras fontes, como o artigo 941.º do CC, que aludem à remuneração em sentido amplo. O que caracteriza a doação remuneratória é a circunstância de os serviços que pretende remunerar não terem a natureza de dívida exigível. Há doação remuneratória sempre que haja liberdade e espontaneidade, o que sucede neste caso em que não existe nem o dever jurídico, nem o dever moral ou social, de remunerar a permanência do recorrente no grupo de sociedades em questão durante os três anos seguintes a 13.11.2020 (cf. sobre o conceito de doação remuneratória, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, páginas 262 e 263).
34. Sendo a doação um contrato unilateral, uma vez aceite pelo recorrente, teve por efeito essencial o dever de o doador entregar o valor em causa ao donatário – cf. artigo 954.º - c) do CC. Sucede, porém, que a produção dos efeitos da doação remuneratória foi sujeita à condição suspensiva de permanência do recorrente (donatário) na empresa do mesmo grupo durante três anos (cf. factos provados 49 e 53) e essa condição não se verificou – cf. artigo 270.º do CC.
35. Provou-se que a doadora previu várias situações de falta de verificação da condição suspensiva em que, consoante os casos, ficaria excluída, limitada ou se manteria (a favor do recorrente ou dos seus herdeiros) a produção dos efeitos da doação remuneratória (cf. facto provado 49). A esse propósito, convém recordar que não obsta à existência da doação remuneratória o facto de os serviços recebidos provirem de outra pessoa, que não o donatário, como sucederia se o contrato de trabalho viesse a cessar por morte do recorrente antes da verificação da condição suspensiva, caso em que a doação remuneratória seria feita aos herdeiros do recorrente (cf. Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, página 262 e jurisprudência aí mencionada sobre uma doação remuneratória feita em circunstâncias análogas).
36. No entanto, nada foi estipulado pela doadora para o caso de a falta de verificação da condição suspensiva resultar da modificação na titularidade do capital social da empregadora por iniciativa da direcção/administração do grupo de sociedades a que pertencia essa empregadora e consequente transmissão da posição de empregadora para uma entidade que não pertence ao mesmo grupo de sociedades.
37. Sendo esse ponto omisso, a integração da declaração negocial faz-se nos termos do artigo 239.º do CC. Ora, nessa parte, o Tribunal da Relação não acompanha a motivação constante da sentença recorrida, nem a argumentação do recorrente sobre o modo de integrar tal lacuna. Com efeito, o artigo 239.º do CC ressalva a hipótese de existir disposição especial, como sucede no presente caso, em que existe uma disposição supletiva, o artigo 275.º do CC, aplicável directamente (cf. neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora Limitada, página 457).
38. Em consequência, a omissão da declaração negocial deve ser preenchida com recurso ao disposto no artigo 275º do CC nos termos do qual a condição tem-se por não verificada. Só não seria assim se se tivesse provado que as recorridas impediram a verificação da condição contra as regras da boa fé, mas nada disso se provou.
39. Assim, na falta de verificação da condição suspensiva, a doação remuneratória não produz os efeitos previstos no artigo 954.º - c) do CC e, portanto, independentemente de saber se existe ou não a alegada responsabilidade solidária das recorridas pela entrega do respectivo valor, o certo é que não existe o dever de o doador entregar ao donatário/recorrente, qualquer dos valores peticionados na presente acção.
40. Motivos pelos quais improcede totalmente o recurso e, embora por fundamentos não inteiramente coincidentes no que respeita à integração da lacuna da declaração negocial, mantém-se a decisão recorrida.
Em síntese
41. Para efeitos de aplicação do disposto no artigo 258.º do CT, os elementos essenciais da noção de retribuição em sentido técnico jurídico-jurídico, que resultam do n.º 1 desse preceito legal, são cumulativos. Para afastar a presunção de retribuição constante do artigo 258.º n.º 3 do CT as recorridas têm de fazer prova em contrário (cf. artigo 350.º do CC). Nesse contexto, basta provar que falta um dos elementos essenciais da retribuição para descaracterizar a prestação aqui em causa.
42. A vontade contratual de atribuir o ILP resulta de regulamento interno da empresa, o que convoca a aplicação do disposto no artigo 104.º do CT. Assim sendo, o ILP aqui em crise não está excluído da noção de retribuição por força do disposto no artigo 260.º n.º 1 – b) do CT porque se enquadra na excepção prevista no n.º 3 – a) (primeira parte) desse preceito legal. Pelo que, beneficia da presunção retributiva prevista no artigo 258.º n.º 3 do CT.
43. As recorridas lograram ilidir essa presunção mediante prova em contrário que descaracterizou o ILP como retribuição, uma vez que provaram que essa prestação não tem caracter regular e periódico e não é contrapartida do trabalho prestado pelo recorrente. Provou-se que o ILP constitui, antes, uma prestação extraordinária que resultou do animus donandi da sociedade que dirigia o grupo de sociedades do qual fazia parte a empregadora do recorrente.
44. O ILP aqui em causa tem as características da uma remuneração em sentido amplo, em particular, de uma doação remuneratória sujeita à condição suspensiva de o recorrente permanecer durante três anos, a contar da data em que lhe foi comunicado, a trabalhar na empresa pertencente ao grupo de sociedades a que pertencem as recorridas – cf. artigos 270.º e 941.º do CC.
45. Não se verificou a condição suspensiva aposta à doação remuneratória em virtude da alteração na titularidade do capital social da empregadora e consequente transmissão da posição contratual da empregadora para uma empresa que não faz parte do grupo de sociedades em causa – cf. artigo 285.º do CT. Sendo omissa a declaração negocial quanto às consequências da não verificação da condição por tal motivo, essa lacuna deve ser integrada com recurso à regra supletiva directamente aplicável, prevista no artigo 275.º do CC, como estabelece o artigo 239.º do CC.
46. Na falta de verificação da condição suspensiva e não se tendo provado que a verificação da condição foi impedida pela doadora contra as regras da boa fé, a doação remuneratória não produz os efeitos previstos no artigo 954.º - c) do CC.
47. Motivos pelos quais improcede o recurso e, embora com base em fundamentos não inteiramente coincidentes no que respeita à integração da lacuna da declaração negocial, mantém-se a decisão recorrida.

Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
II. Condenar o recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 12 de Março de 2025
Paula Pott
Alexandra Lage
Eugénia Guerra