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COLIGAÇÃO ACTIVA
COLIGAÇÃO PASSIVA
SUPRIMENTO
ACEITAÇÃO
Sumário
1. Perante uma coligação de dois autores e de dois réus que corresponde conceptualmente a duas acções existentes no mesmo processo, cada uma delas proposta por um autor contra um réu, com pedidos distintos e assentes em causas de pedir sem nexo ou conexão entre elas, verifica-se uma situação de coligação ilegal. 2. Tal situação de coligação ilegal não determina a imediata absolvição dos réus da instância, nos termos dos art.º 577º, al. f), e 278º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, mas antes impõe o suprimento dessa irregularidade, nos termos do art.º 38º do Código de Processo Civil. 3. Resulta da letra e do espírito do art.º 38º do Código de Processo Civil que, nesse caso, deve haver lugar à notificação de ambos os autores para, por acordo, escolherem qual a acção que deve prosseguir e qual a acção que deve ser excluída do processo, com a correspondente absolvição do réu respectivo da instância. 4. Tal escolha não corresponde a qualquer situação de desistência da instância apresentada depois do oferecimento da contestação e, por isso, não está dependente da aceitação do réu, nos termos do art.º 286º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
S. (1º A.) e S., SAD (2ª A.) intentaram acção declarativa com processo comum contra Associação J. (1ª R.) e Associação D. (2ª R.), pedindo:
• A condenação da 1ª R. a restituir ao 1º A. o local identificado no art.º 7º da P.I., livre de pessoas e bens, e no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de € 200,00 por cada dia de atraso na restituição, desde a citação;
• A condenação da 2ª R. a restituir à 2ª A. o local identificado no art.º 13º da P.I., livre de pessoas e bens, e no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de € 200,00 por cada dia de atraso na restituição, desde a citação.
Para sustentar tais pretensões alegam, em síntese, que:
• A Câmara Municipal de Lisboa cedeu ao 1º A. o gozo do desvão de uma escadaria identificado no art.º 7º da P.I., que compreende um espaço fechado com a área aproximada de 180 m2;
• Por protocolo celebrado com a 1ª R. o 1º A. disponibilizou-lhe tal espaço fechado, a título precário e durante a época desportiva 2019/20, para que aí desenvolvesse a sua actividade;
• O 1º A. comunicou à 1ª R. a resolução de tal protocolo com justa causa, mas a 1ª R. recusa a restituição do espaço em questão;
• A 2ª A. é titular do direito de superfície de uma fracção autónoma que compreende o espaço referido no art.º 13º da P.I., com a área aproximada de 186 m2;
• Por protocolo celebrado com a 2ª R. a 2ª A. disponibilizou-lhe tal espaço, a título precário e durante a época desportiva 2019/20, para que aí desenvolvesse a sua actividade;
• A 2ª A. comunicou à 2ª R. a resolução de tal protocolo com justa causa, mas a 2ª R. recusa a restituição do espaço em questão.
Regularmente citadas, as RR. apresentaram contestações separadas, ambas com dedução de pedidos reconvencionais contra ambos os AA.
No que respeita à 2ª R. vem a mesma, para além do mais, invocar a excepção dilatória da coligação ilegal de AA. e RR., concluindo pela sua absolvição da instância.
No exercício do contraditório os AA. sustentam a admissibilidade da coligação de AA. e RR., por entenderem que a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação de factos comuns às duas causas de pedir e aos dois pedidos.
Em 3/4/2024 foi proferido despacho pelo qual foi afirmada a inadmissibilidade da coligação dos AA., bem como da coligação das RR., mais sendo determinada a notificação dos AA. para virem indicar, por acordo, qual deles pretendia a continuação dos autos e em relação a qual das RR., sob pena de absolvição das RR. da instância.
As RR. apresentaram o requerimento de 2/5/2024, aí pedindo que fosse dada sem efeito a parte do despacho de 3/4/2024 pelo qual foi concedida aos AA. a possibilidade de escolha, e que fosse decretada a absolvição da instância das RR., por verificação da excepção dilatória de coligação ilegal de AA. e RR. e face à “existência de inconveniente grave em que as causas principais e reconvencionais sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente”.
Os AA. apresentaram o requerimento de 13/5/2024, pelo qual declararam pretender o prosseguimento dos autos relativamente ao pedido formulado pela 2ª A. contra a 2ª R.
Em 20/6/2024 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Por despacho datado de 03.04.2024, foi considerada ilegal a coligação das AA. e das RR. e foi determinado a notificação das AA. para em 10 dias virem indicar qual delas pretende a continuação dos autos e em relação a qual das RR. As AA. informaram que pretendem o prosseguimento dos autos relativamente aos pedidos formulados pela 2ª A. contra a 2ª R. Pelos fundamentos já expostos no despacho acima referido e que declarou a ilegalidade da coligação, decido: - Absolver da instância a 1ª R. relativamente ao pedido formulado pela 1ª A.; - Ordenar o prosseguimento dos autos relativamente ao pedido formulado pela 2ª A. contra a 2ª R. Notifique. Custas pela 1ª A.”.
A 2ª R. recorre deste despacho, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 40 pontos que aqui se reproduzem integralmente (constatando-se que inexiste a conclusão 18):
1. Vem o presente Recurso de Apelação interposto, ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea h), do Código de Processo Civil, do Despacho Pré-Saneador, datado de 03 de Abril de 2024, com a Referência Citius ..., na parte em determinou a notificação das Apeladas nos termos do artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
2. Vem ainda o presente Recurso de Apelação, ao abrigo do artigo 644.º, n.º 1, alíneas a) e b) e, à cautela, n.º 2, alínea h), do Código de Processo Civil, interposto do Despacho Saneador datado de 20 de Junho de 2024, com a Referência Citius ..., que decidiu pela absolvição da instância apenas da Co-Ré (1ª R.) e ordenou o prosseguimento dos presentes autos apenas para apreciação do pedido formulado pela 2ª Autora contra a ora Apelante;
3. Configuram fundamento e objecto do presente Recurso de Apelação, as seguintes questões jurídicas:
a) a errada decisão do douto Tribunal aquo, constante do Despacho Pré‑Saneador, de determinar a escolha unilateral, pelas Autoras/Apeladas, das partes com as quais devem prosseguir os presentes autos, em violação das regras legais previstas nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Código de Processo Civil;
b) a nulidade do Despacho Saneador proferido pelo douto Tribunal aquo, por manifesta contradição entre a decisão proferida e os seus fundamentos, por manifesta ambiguidade desta e por manifesta omissão de pronúncia obrigatória sobre a extensão dos efeitos da coligação ilegal aos pedidos reconvencionais apresentados pelas Co-Rés contra as Autoras/Apeladas, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 4, do Código de Processo Civil; e
c) a errada decisão do douto Tribunal aquo, constante do Despacho Saneador, de determinar a absolvição da instância apenas da Co-Ré (1ª R.), determinando o prosseguimento dos autos apenas com a ora Apelante e a 2ª Autora/Apelada, em violação das regras legais previstas nos artigos 38.º, 266.º, n.º 6 e 286.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
4. A primeira questão a apreciar constitui, salvo o devido respeito, um manifesto erro de aplicação das normas legais no Despacho Pré-Saneador proferido pelo douto Tribunal aquo, datado de 03 de Abril de 2024, com a Referência Citius ..., na parte em determinou a notificação das Apeladas nos termos e para os efeitos do artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
5. O referido Despacho consubstancia, material e formalmente, um verdadeiro Despacho Pré-Saneador, na acepção do artigo 590.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tendo-se no mesmo conferido às Autoras/Apeladas a possibilidade de suprirem a excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus;
6. Sucede que, contrariamente ao entendimento defendido pelo douto Tribunal aquo, e salvo o devido respeito, afigura-se errada e ilegal a notificação das Autoras nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
7. No referido Despacho, o douto Tribunal aquo julgou verificada a excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus, por violação das regras previstas no artigo 36.º do Código de Processo Civil, invocada expressamente pela ora Apelante no seu articulado de Contestação e que se encontra expressamente prevista na alínea f), do artigo 577.º, implicando a sua verificação a necessária absolvição dos réus da instância, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 576.º, ambos do mesmo diploma legal;
8. Sucede que, ao invés de determinar a referida absolvição imediata da instância das Co-Rés, com a consequente extinção dos autos, o douto Tribunal aquo optou por conferir às Co-Autoras/Apeladas a oportunidade de escolha legalmente prevista no artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, equiparando a presente situação à prevista nesse normativo legal;
9. Porém, o aludido artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil apenas tem aplicação caso, na situação concreta, o douto Tribunal tenha entendido, primeiro que tudo, que se verificam os requisitos da coligação, o que não sucede no caso concreto;
10. Compulsado o teor do aludido Despacho Pré-Saneador, resulta de forma manifesta do mesmo que o douto Tribunal aquo entendeu que não se encontravam verificados os requisitos da coligação, pelo que em caso algum poderia ter aplicação ao caso concreto a previsão do aludido artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
11. Verifica-se assim que, salvo o devido respeito, mal andou o douto Tribunal aquo ao determinar, no Despacho Pré-Saneador, a notificação das Co‑Autoras/Apeladas nos termos e para os efeitos do referido normativo legal, impondo-se que seja dada sem efeito aquela decisão, dessa forma repondo-se a legalidade dos autos;
12. Acresce que, mesmo que se entenda que a decisão foi a correcta, ou que o douto Tribunal aquo pretendia aplicar o disposto no artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, o que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que o que foi determinado pelo douto Tribunal aquo não corresponde à previsão legal de nenhum dos referidos normativos;
13. Quer o artigo 37.º, n.º 4, quer o artigo 38.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, visam a notificação dos autores para a realização de uma escolha entre pedidos, e não uma escolha entre partes processuais conforme foi determinado pelo douto Tribunal aquo, verificando-se uma manifesta e inadmissível discrepância entre o que a lei determina e aquilo que foi decidido;
14. Acresce o facto de a ratio das referidas normas jurídicas radicar na garantia da possibilidade de manutenção no pleito das partes originárias da lide, coligadas entre si, conforme foi previsto na Petição Inicial, o que, perante a possibilidade de escolha entre partes processuais conferida pelo douto Tribunal aquo, se verifica ser manifestamente impossível;
15. Acresce ainda que, salvo melhor opinião em contrário, a configuração que o legislador deu aos artigos 37.º e 38.º do Código de Processo Civil, visa a sua aplicação a uma situação típica em que existe, no máximo, uma pluralidade de autores e apenas um réu, e não a uma situação em que existe uma pluralidade de autores e, também, de réus, e, muito menos, a uma situação em existam pedidos reconvencionais;
16. Ora, na situação configurada pelo douto Tribunal aquo, colocou-se exclusivamente na esfera decisória das Co-Autoras/Apeladas a escolha de qual o “emparelhamento” processual que melhor defende os seus interesses legais e processuais, com isso se prejudicando, de forma desproporcional e injusta, as Co‑Rés, também elas autoras reconvintes, e as quais, em função da decisão unilateral das Autoras/Apeladas, podem ver cair os seus pedidos reconvencionais ou, pelo menos, parte deles;
17. Considerando o exposto, é manifesto que, salvo o devido respeito, a decisão tomada no caso concreto pelo douto Tribunal aquo foi errada, viola a lei, cria uma situação de manifesta desigualdade entre as partes e coloca em causa a estabilidade processual da lide, pelo que se impõe que a mesma seja dada sem efeito, dessa forma se garantindo a reposição da legalidade nos presentes autos;
19. Impondo-se a sua substituição por douta decisão que estenda os efeitos da coligação ilegal de autores e réus a todos os pedidos, iniciais e reconvencionais, com a inerente absolvição da instância de todas as partes e a consequente extinção dos presentes autos;
20. A segunda questão a apreciar constitui, salvo o devido respeito, um manifesto caso de nulidade do Despacho Saneador proferido pelo douto Tribunal aquo, datado de 20 de Junho de 2024, com a Referência Citius ..., nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, aqui aplicado analogicamente;
21. O referido Despacho consubstancia, material e formalmente, um verdadeiro Despacho Saneador, na acepção do artigo 595.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo-se no mesmo decidido uma excepção dilatória invocada, no caso, pela ora Apelante, no seu articulado de Contestação, a que corresponde a coligação ilegal de autores e réus;
22. Sucede que o douto Tribunal aquo, contrariamente ao que era a sua obrigação legal, não apreciou em toda a sua dimensão a referida excepção dilatória, sendo tal Despacho completa e absolutamente omisso quanto à extensão, ou não, dos efeitos da coligação ilegal de autores e réus à matéria dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas Co-Rés contra as Co-Autoras/Apeladas e a consequente composição do litígio;
23. Ao não apreciar e decidir esta questão – apesar de ter sido previamente alertado para tal pelas Co-Rés, através de Requerimento conjunto apresentado pelas mesmas – o douto Tribunal aquo não apreciou uma questão jurídica relevante e que se encontrava obrigado a apreciar e decidir, ao abrigo do disposto no citado artigo 595.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil;
24. Em caso algum poderia o douto Tribunal aquo exonerar-se, como o fez, do cumprimento do ónus legal de apreciação e decisão fundamentada da questão jurídica em causa, em especial, quando a mesma assume tamanha relevância para a composição futura do litígio, para a definição processual das suas partes e para a determinação dos pedidos a decidir e dos temas de prova a realizar, implicando essa omissão a nulidade do Despacho Saneador, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aqui aplicado analogicamente;
25. Acresce ainda que o douto Tribunal aquo profere a decisão, de absolver apenas a Co-Ré (1ª R.), em manifesta contradição com os fundamentos da decisão sobre a verificação da excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus;
26. O douto Tribunal aquo fundamenta a decisão sobre a referida excepção dilatória no facto de não se encontrarem verificados os requisitos legais da coligação, pelo que a decisão teria necessariamente de ser de absolvição da instância de ambas as Co-Rés, inclusive da ora Apelante, nos termos do artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por verificação da excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus e existência de inconveniente grave em que as causas principais e reconvencionais sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente, sob pena de manifesta contradição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão;
27. Contradição esta que implica a nulidade do aludido Despacho, nos termos legalmente previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aqui aplicado analogicamente;
28. Acresce ainda que, atenta a omissão de pronúncia sobre o que sucede processualmente a todas as partes e a todos os pedidos, a decisão proferida pelo douto Tribunal aquo é manifestamente ambígua e ininteligível quanto à configuração actual da presente acção, permitindo interpretações distintas e até contraditórias entre si;
29. Ambiguidade esta que implica a nulidade do aludido Despacho, nos termos legalmente previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, aqui aplicado analogicamente;
30. Urge assim anular a decisão proferida, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 4, do Código de Processo Civil, e conhecer, de forma fundamentada, da extensão dos efeitos da excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus aos pedidos reconvencionais, com a inerente decisão de absolvição da instância de todas as partes e a consequente extinção dos autos;
31. A terceira e última questão a apreciar constitui, salvo o devido respeito, um manifesto erro de aplicação das normas legais no Despacho Saneador proferido pelo douto Tribunal aquo, datado de 20 de Junho de 2024, com a Referência Citius ..., de determinar a absolvição da instância apenas da Co-Ré (1ª R.), determinando o prosseguimento dos autos apenas com a ora Apelante e a Apelada (2ª A.), em violação das regras legais previstas nos artigos 38.º, 266.º, n.º 6 e 286.º, n.º 1 do Código de Processo Civil;
32. O douto Tribunal aquo não podia ter determinado, como fez, a notificação das Co‑Autoras/Apeladas para virem escolher quais as partes que se devem manter a litigar nos autos, apenas podendo, no limite, determinar a sua notificação para eventual escolha entre pedidos, de forma que permitisse que todas as partes continuassem a litigar coligadas entre si, nos termos e ao abrigo do disposto no aludido artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil;
33. No caso concreto, uma eventual escolha entre pedidos radicaria sempre na impossibilidade de essa coligação se manter, pelo que é imperativo considerar que não pode ter aplicação o mecanismo legal de suprimento da coligação ilegal previsto naquele normativo;
34. Pelo que se impunha que o douto Tribunal aquo assim o tivesse determinado e, em consequência, tivesse julgado totalmente procedente a excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus, coma necessária absolvição da instância dos Co-Réus, nos termos conjugados dos artigos 576.º, n.º 2; 577.º, alínea e); 578.º e 278.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil;
35. Sucede ainda que, atenta a ambiguidade da decisão proferida pelo douto Tribunal aquo, permite-se configurar uma hipótese em que permanecerão na presente acção judicial apenas uma das Autoras/Apeladas – a (2ª A.) - e apenas uma das Rés – a ora Apelante -, passando ambas a litigar apenas entre si e apenas relativamente ao pedido inicial daquela;
36. Porém, para além dos pedidos deduzidos pelas Co-Autoras/Apeladas contra as Co‑Rés, estas também deduziram, contra aquelas, pedidos reconvencionais, que já foram liminarmente aceites, pelo que se questiona o que sucede com os pedidos reconvencionais deduzidos pela ora Apelante contra ambas as Autoras/Apeladas e contra apenas a 1ª Autora/Apelada;
37. Perante a falta de esclarecimento e decisão desse facto por parte do douto Tribunal aquo, que motiva a nulidade supra invocada, permite-se equacionar a possibilidade de que, deixando uma das Autoras/Apelada de poder litigar nos presentes autos, cairão os pedidos reconvencionais deduzidos contra a mesma pela ora Apelante;
38. Revestindo-se esse eventual cenário de manifesto prejuízo legal e processual para a ora Apelante, com violação expressa do disposto no artigo 266.º, n.º 6, do Código de Processo Civil;
39. Acresce ainda que a escolha realizada pelas Co-Autoras/Apeladas resulta, na prática, numa verdadeira desistência da instância dos pedidos deduzidos pela autora que deixar de litigar nos presentes autos, contra a ré que igualmente deixar de litigar nos mesmos, o que, nos termos do disposto no artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, depende da aceitação da ré, a qual não ocorreu;
40. Pelo que, a admitir-se a hipótese acima enunciada, encontram-se a ser violadas as previsões legais constantes dos aludidos artigos 266.º, n.º 6 e 286.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil;
41. Sendo a decisão proferida manifestamente violadora dos normativos legais acima indicados, urge dar sem efeito a mesma e conhecer, de forma fundamentada, da extensão dos efeitos da excepção dilatória de coligação ilegal de autores e réus aos pedidos reconvencionais, com a inerente decisão de absolvição da instância de todas as partes e a consequente extinção dos autos.
A 2ª A. apresentou alegação de resposta, aí pugnando pela manutenção das decisões recorridas.
O recurso foi admitido no tribunal recorrido como apelação, com subida nos próprios autos.
Por despacho de 27/1/2025, proferido pelo relator, foi determinado que as partes fossem ouvidas, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 653º, nº 2, do Código de Processo Civil.
A 2ª A. veio (em 10/2/2025) indicar as peças que, em seu entender, se mostram necessárias à instrução do recurso em separado.
A 2ª R. veio (em 10/2/2025) apresentar requerimento de reclamação para a conferência de tal despacho do relator de 27/1/2025, entendendo que se está perante decisão singular que determinou a subida do recurso em separado, com a qual não concorda e se considera prejudicada, assim requerendo, nos termos e para os efeitos dos nº 3 e 4 do art.º 652º do Código de Processo Civil, que recaia acórdão sobre tal despacho.
Por despacho do relator de 17/2/2025 foi decidido:
a. Ao abrigo do disposto no art.º 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, não admitir a reclamação para a conferência apresentada pela 2ª R. com o seu requerimento de 10/2/2025;
b. Ao abrigo do disposto no art.º 652º, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, corrigir o modo de subida do recurso, decidindo-se que sobe em separado dos autos principais, nos termos do art.º 645º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Em 5/3/2025 a 2ª R. reclama para a conferência do despacho do relator de 17/2/2025, terminando a sua reclamação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. Salvo o devido respeito, a Recorrente não concorda com o entendimento e a decisão singular proferida pelo Venerando Desembargador Relator, no seu douto Despacho datado de 17.02.2025, com a Referência 22714691, não se conformando com o mesmo;
2. Em especial, a Recorrente não concorda com a decisão de que a presente Apelação deverá subir em separado, ao abrigo do disposto no artigo 645.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por se entender que o Despacho datado de 20.06.2024, com a Referência ..., não coloca termo ao processo;
3. No entender da Recorrente, impõe-se uma decisão diferente que vá de encontro com o decidido pelo Tribunal aquo, que admitiu a presente Apelação e fixou o modo de subida da mesma, determinando a sua subida nos próprios autos;
4. Em primeiro lugar, a Recorrente entende que a presente Apelação deve subir nos próprios autos, considerando que, por via de interpretação extensiva e integrativa de lacunas, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Código Civil, a expressão legal “ponhamtermoaoprocesso”, constante do artigo 645.º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil, deve incluir, não apenas as decisões aptas a colocar um termo ao processo como um todo, mas também as decisões aptas a colocar termo ao processo relativamente a determinadas partes e/ou a determinados pedidos, como sucede no caso concreto;
5. Em segundo lugar, a Recorrente entende que apenas a subida da presente Apelação nos próprios autos garante o respeito pelos direitos processuais e a definição das posições processuais das partes, assegurando-se os princípios de economia processual e de não realização de actos inúteis, que, em caso de procedência da Apelação, teriam necessariamente de ser anulados e repetidos, com sério prejuízo para a imagem da Justiça;
6. Em terceiro lugar, a Recorrente entende que a realização de uma interpretação sistemática das normas legais aplicáveis, ao abrigo do artigo 9.º do Código Civil, através de um paralelismo com o que vem previsto para os Recursos de Revista nos artigos 671.º e 675.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, permite concluir que, para casos como o dos autos, foi intenção inequívoca do legislador fixar como regra de modo de subida dos recursos, precisamente, a subida nos próprios autos;
7. Pelos fundamentos expostos, considerando-se a Recorrente prejudicada pelo sentido da douta decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator, entende apresentar a presente Reclamação da mesma para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil.
***
Por força do disposto no art.º 652º, nº 4, do Código de Processo Civil, há que conhecer da reclamação da 2ª R. no presente acórdão, o que se passa a fazer de imediato.
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No despacho reclamado ficou assim expressa a seguinte fundamentação, relativamente à decisão de subida do recurso em separado:
“(…) nos termos e para os efeitos da al. a) do nº 1 do art.º 652º do Código de Processo Civil, decorre do art.º 645º, nº 2, do Código de Processo Civil, que sobem em separado as apelações interpostas das decisões que não estejam compreendidas no seu nº 1 (decisões que ponham termo ao processo, decisões que suspendam a instância, decisões que indefiram o incidente processado por apenso, ou decisões que indefiram liminarmente ou não ordenem a providência cautelar). Como já se referiu no despacho de 27/1/2025, no caso concreto da decisão proferida em 20/6/2024, que absolveu da instância a 1ª R., relativamente ao pedido formulado pelo 1º A., a mesma não colocou termo ao processo (prosseguindo o mesmo para conhecimento do pedido formulado pela 2ª A. contra a 2ª R.). Pelo que é recorrível autonomamente, não nos termos da al. a) do nº 1 do art.º 644º do Código de Processo Civil, mas da al. b) do mesmo nº 1. Já quanto à decisão proferida em 3/4/2024, não cabe a mesma na previsão de qualquer uma das alíneas dos nº 1 e 2 do mesmo art.º 644º do Código de Processo Civil. Pelo que a mesma decisão só pode ser impugnada no recurso interposto de qualquer uma das decisões previstas no referido nº 1, como resulta do nº 3 do mesmo art.º 644º. O que significa que é admissível a impugnação da decisão proferida em 3/4/2024 no recurso interposto da decisão proferida em 20/6/2024. Todavia, e como já se viu, esta decisão proferida em 20/6/2024 não põe termo ao processo. Nem se enquadra em qualquer uma das restantes previsões do nº 1 do art.º 645º do Código de Processo Civil. O que significa que, sendo a mesma recorrível autonomamente, a apelação interposta dessa decisão (e onde se impugna igualmente a decisão de 3/4/2024), sobe em separado, e não nos próprios autos, por força do seu nº 2. Em conclusão, importa corrigir o modo de subida do recurso (…)”.
Argumenta a 2ª R., na sua reclamação, que entre as “decisões que ponham termo ao processo” (na expressão da al. a) do nº 1 do art.º 645º do Código de Processo Civil) se deve incluir a decisão que coloca termo ao processo tão só relativamente a determinada parte e/ou a determinado pedido, face às regras interpretativas que emergem dos art.º 9º e 10º do Código Civil. Mas nesse seu esforço interpretativo a 2ª R. despreza a unidade do sistema, tal como a mesma emerge das al. a) e b) do nº 1 do art.º 644º do Código de Processo Civil. Com efeito, resulta claro da referida al. b) que uma decisão que absolve da instância algum dos réus, e quanto a algum dos pedidos (como é o caso da decisão proferida em 20/6/2024), não coloca termo ao processo, por contraponto ao tipo de decisões enunciadas na al. a) do mesmo nº 1 do art.º 644º do Código de Processo Civil.
A este respeito explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 266) que “independentemente do conteúdo formal ou substancial da decisão que ponha termo ao processo, o recurso respectivo sobe nos próprios autos. Afinal, extinta a instância, por qualquer motivo, nenhum interesse existe em que o processo se mantenha no tribunal a quo, podendo ser remetido ao tribunal ad quem, sem necessidade de traslado”.
Ou seja, aquilo que importa verificar, para a determinação do modo de subida do recurso, é se a instância se deve considerar extinta, na sua totalidade, em resultado da decisão recorrida.
Manifestamente não é o caso da decisão proferida em 20/6/2024, porque a instância se mantém, no que respeita à demanda da 2ª R. pela 2ª A. O que permite afirmar, para os efeitos da al. a) do nº 1 do art.º 645º do Código de Processo Civil, que a decisão recorrida não colocou termo ao processo.
Argumenta ainda a 2ª R. com a violação dos princípios da economia processual e da não realização de actos inúteis, em caso de subida do recurso em separado, por haver a potencialidade de serem repetidos actos processuais na instância recorrida.
Tal potencialidade não resulta, por si só, da determinação do modo de subida de um recurso de apelação (nos próprios autos ou em separado), mas antes da opção legislativa pela admissibilidade de apelações interpostas de decisões interlocutórias e/ou parcelares, com subida imediata.
Dito de forma mais simples, ainda que a subida de um recurso de apelação em separado signifique que o processo continua a seguir os seus termos no tribunal recorrido, e podendo a revogação da decisão recorrida determinar a inutilização de actos processuais entretanto praticados nesse processo pelo tribunal recorrido, essa é uma consequência emergente da previsão legal da existência simultânea de duas tramitações processuais. O que equivale a dizer que, neste caso, o princípio do acesso ao direito e aos tribunais, na sua vertente do direito ao recurso, conforma e limita o princípio da economia processual, do mesmo modo não havendo que falar na realização de actos inúteis.
Relativamente ao apelo ao disposto no art.º 675º do Código de Processo Civil, como auxiliar interpretativo do nº 1 do art.º 645º do Código de Processo Civil, basta atentar que o recurso de revista interposto do acórdão da Relação proferido sobre decisão da primeira instância, que haja absolvido da instância o réu ou algum dos réus, sobe nos próprios autos do recurso de apelação.
Ou seja, é exactamente porque já não há qualquer necessidade de os autos da apelação se manterem na Relação, em razão da prolação do acórdão que julgou a mesma, que podem subir ao Supremo Tribunal de Justiça, para aí ser julgado o recurso de revista.
Todavia, tais autos (da apelação) são aqueles que subiram da primeira instância à Relação. E como a apelação tanto pode ter subido nos próprios autos onde a decisão da primeira instância foi proferida (o que sucede em qualquer uma das situações das al. a) a d) do nº 1 do art.º 645º do Código de Processo Civil), como pode ter subido num apenso desses autos (instruído nos termos do art.º 646º do Código de Processo Civil), tal significa que o disposto no art.º 675º, nº 1, do Código de Processo Civil não pode servir como auxiliar interpretativo do art.º 645º, nº 1, do Código de Processo Civil, nos termos visados pela 2ª R.
Em suma, na improcedência das conclusões da reclamação apresentada pela 2ª R. é de manter o despacho reclamado.
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Em face do exposto decide-se manter o despacho reclamado, pelo qual foi corrigido o modo de subida do presente recurso e determinado que o mesmo sobe no presente apenso de apelação, em separado dos autos principais, nos termos do art.º 645º, nº 2, do Código de Processo Civil.
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Nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, as quais hão-de corresponder à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais vem pedida a alteração ou anulação da decisão.
Os 40 pontos da alegação da 2ª R. acima reproduzidos não correspondem, de todo, à referida indicação sintética.
Todavia, e sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende), é possível identificar como questões a conhecer as que a seguir se enunciam:
• As nulidades do despacho de 20/6/2024;
• As consequências processuais da coligação ilegal de AA. e RR.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Das nulidades
Segundo a al. c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. E segundo a al. d) do mesmo nº 1 a sentença é ainda nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
A respeito da arguição de nulidades de decisão judicial, importa recordar que, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 737), existe “uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso”, mais explicando (pág. 738) que “a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”.
Mais pormenorizadamente, e no que respeita a eventual oposição entre os fundamentos e a decisão, é sabido que tal vício ocorre quando a construção da sentença (ou despacho) “é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, reimpressão, 1981, pág. 141). Ou seja, o vício em questão corresponde ao erro lógico da argumentação jurídica, surgindo quando o resultado do silogismo judiciário aponta num sentido e a decisão aponta no sentido oposto. Na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2017 (relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), trata-se de um vício que “requer uma relação de exclusão recíproca – um dizer e desdizer – entre aqueles dois termos da equação discursiva”. Do mesmo modo, na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/7/2021 (relatado por Fernando Baptista e disponível em www.dgsi.pt), tal vício “distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto, mas antes outro (error facti) ou por o juiz ter incorrido numa incorrecta aplicação das normas ao caso concreto, que demandava a aplicação de outras, ou ter incorrido na errónea interpretação das aplicáveis (error iuris)”.
Já sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, explica Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II) que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Sustenta a 2ª R. que o despacho de 20/6/2024 corresponde a um despacho saneador, já que ali se decidiu a excepção dilatória suscitada pela mesma na sua contestação, nos termos e para os efeitos da al. a) do nº 1 do art.º 595º do Código de Processo Civil. Mas estando em causa a prolação de despacho saneador, omitiu o tribunal recorrido a apreciação e decisão da questão “do impacto processual da coligação ilegal de autores e réus aos pedidos reconvencionais”, do mesmo modo tornando a decisão ambígua quanto ao seu sentido exacto, no que respeita à “actual configuração processual”.
Sustenta ainda a 2ª R. que, tendo o tribunal decidido pela absolvição da 1ª R. da instância, por verificação da excepção dilatória da coligação ilegal, mas tendo fundamentado tal decisão com o facto de não se encontrarem verificados os requisitos da coligação, o que conduzia à absolvição da instância de ambas as RR., verifica-se a contradição entre a decisão e os seus fundamentos.
Pelo despacho de 20/6/2024 foi decidido absolver da instância a 1ª R. relativamente ao pedido formulado pelo 1º A. contra a mesma, e deverem prosseguir os autos relativamente ao pedido formulado pela 2ª A. contra a 2ª R., mais se remetendo para os fundamentos expressos no despacho de 3/4/2024 (pelo qual se afirmou a coligação ilegal de AA. e RR.).
Recuperando o teor do despacho de 3/4/2024, aí ficou afirmado que “a coligação quer de AA. quer de RR. não é admissível face à previsão do n.º 1 do 36.º do Código de Processo Civil, nem tão pouco integra aquela do n.º 2 da mesma disposição legal uma vez que a procedência dos pedidos não depende essencialmente da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito. No entanto, mesmo que assim não sucedesse dada a diversidade dos factos respectivos, e considerando a extensão dos articulados de contestação, sendo certo que cada uma das referidas RR. se defende de forma diversa, suscitando excepções distintas, a actividade probatória necessária revela-se complexa e demorada, e por conseguinte existe inconveniente grave em que ambas as causa sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente. Como tal, e nos termos preconizados pelo artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, determina-se a notificação das AA., para em 10 dias, por acordo, virem indicar qual delas pretende a continuação dos autos e em relação a qual das RR., sob pena de não o fazendo as RR. serem absolvidos da instância”.
Pese embora a referência ao nº 4 do art.º 37º do Código de Processo Civil, como norma fundante da notificação dos AA. para virem indicar qual dos dois pedidos pretendiam ver apreciado, a referência devia ter sido feita ao disposto no art.º 38º do Código de Processo Civil, que contém preceito com igual finalidade, mas aplicável aos casos em que ocorra “coligação sem que entre os pedidos exista a conexão exigida pelo artigo 36º” (enquanto o nº 4 do art.º 37º respeita aos casos em que, “não obstante a verificação dos requisitos da coligação, há inconveniente grave em que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente”).
Isso mesmo apreendeu a 2ª R., quando sustenta que “contrariamente ao entendimento do douto Tribunal a quo, não tem aqui aplicação o artigo 37.º, n.º 4, do Código de Processo Civil - aplicável apenas e só nos casos em que se verificam os requisitos da coligação”, mais concluindo (conclusão 12) poder estar-se perante uma situação em que o tribunal recorrido “pretendia aplicar o disposto no artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
Ou seja, o que está em causa é o já referido “error iuris” (na sua dimensão da incorrecta indicação da norma legal aplicável), e não qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, porque não se vislumbra qualquer erro lógico de argumentação jurídica, inexistindo o referido “dizer e desdizer”.
Quanto à invocada omissão de pronúncia, não sofre qualquer controvérsia que é no despacho saneador que devem ser conhecidas as excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, o tribunal deva apreciar oficiosamente (al. a) do nº 1 do art.º 595º do Código de Processo Civil).
Todavia, da economia do despacho de 20/6/2024 resulta que o mesmo não se apresenta como o despacho saneador que o tribunal recorrido está obrigado a proferir, com o conteúdo e fim que resulta do art.º 595º do Código de Processo Civil, designadamente conhecendo da totalidade das excepções dilatórias que cumpria conhecer (desde logo por terem sido invocadas pelas RR. nas contestações).
E a explicação pode ser encontrada no despacho de 2/3/2023, pelo qual foi dado conhecimento às partes de que não seria designada data para a continuação da audiência prévia (iniciada em 18/1/2023) e que seriam proferidos por escrito “os despachos relativos à apreciação das excepções invocadas”.
Ou seja, através de uma tramitação processual que não cabe aqui ajuizar o tribunal recorrido deu a conhecer às partes a possibilidade de conhecer separadamente de cada uma das questões que lhe competia conhecer num único despacho (o denominado saneador), desde cada uma das referidas excepções dilatórias até à admissibilidade dos pedidos reconvencionais formulados em cada uma das contestações.
Nessa medida, torna-se patente que a circunstância de nada ter ficado a constar do despacho de 20/6/2024, no que respeita ao “impacto processual da coligação ilegal de autores e réus aos pedidos reconvencionais” (o que é o mesmo que dizer, das consequências da coligação ilegal quanto à admissão/rejeição liminar de cada um dos pedidos reconvencionais), não representa qualquer omissão de pronúncia, porque não se está perante uma questão que o tribunal recorrido fosse conhecer naquele despacho de 20/6/2024, face à tramitação processual que entendeu seguir, e da qual resulta que esse despacho foi proferido tão só para o conhecimento da excepção dilatória da coligação ilegal de AA. e RR.
Do mesmo modo, não se verifica a apontada ambiguidade no que respeita à “actual configuração processual”, porque tão só está afirmado o prosseguimento da acção para conhecimento do pedido formulado pela 2ª A. contra a 2ª R., e sendo que a “configuração processual” definitiva que a 2ª R. pretende conhecer há-de resultar do que for decidido pelo tribunal recorrido, no que respeita às questões processuais colocadas pelos pedidos reconvencionais formulados em cada uma das contestações (desde logo tendo presente o disposto no art.º 266º, nº 6, do Código de Processo Civil).
O que equivale a concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, pela improcedência da arguição de nulidades em questão.
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Das consequências processuais da coligação ilegal
Cada um dos dois pedidos formulados correspondentemente por cada um dos AA., e dirigidos distintamente a cada uma das RR., assenta numa causa de pedir distinta, não havendo qualquer nexo ou conexão entre elas, e tudo se passando como se se estivesse perante duas acções distintas a correr termos no mesmo processo.
Não sofre, pois, qualquer controvérsia que se está perante uma coligação ilegal.
Com efeito, a coligação de autores e/ou a coligação de réus só se revela possível quando os pedidos estejam ligados entre si por alguma das formas previstas no art.º 36º do Código de Processo Civil.
Caso contrário, está-se perante uma situação de coligação ilegal, a qual se configura como excepção dilatória nominada, por força da al. f) do art.º 577º do Código de Processo Civil.
Todavia, e como resulta do nº 3 do art.º 278º do Código de Processo Civil, as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, em concretização do dever de gestão processual que emerge do art.º 6º do Código de Processo Civil.
No caso concreto da coligação ilegal, resulta do art.º 38º do Código de Processo Civil que o suprimento dessa irregularidade passa pela notificação do autor para, no prazo fixado, indicar qual o pedido que pretende ver apreciado no processo. Mais resulta desse preceito legal que, havendo pluralidade de autores, todos são notificados para, por acordo, esclarecerem quais os pedidos que pretendem ver apreciados no processo, havendo lugar à absolvição do réu da instância relativamente aos outros pedidos. E resulta ainda que, caso não haja lugar a tal indicação, o réu é absolvido da instância relativamente a todos os pedidos.
Ou seja, desde logo não é exacta a afirmação da 2ª R., no sentido de a coligação ilegal verificada desencadear, de forma imediata, a absolvição das RR. da instância.
É que, face ao disposto conjugadamente nos art.º 38º e 6º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, tal consequência só sucederia depois da realização dos actos necessários à regularização da instância, mais concretamente o convite aos AA. para indicarem qual dos dois pedidos pretendiam ver apreciado no processo.
E se o tribunal recorrido errou na indicação do preceito legal que determinava o convite aos AA., tal circunstância não obsta à validade desse convite, na medida em que, como acima ficou já referido, a sua finalidade é exactamente a mesma (a sanação da irregularidade processual verificada), seja por referência ao disposto no nº 4 do art.º 37º do Código de Processo Civil, seja por referência aos disposto nos nº 1 e 2 do art.º 38º do Código de Processo Civil.
Entende ainda a 2ª R. que o mecanismo de suprimento da coligação ilegal que resulta do art.º 38º do Código de Processo Civil apenas permite a escolha entre pedidos, mas já não entre autores, como ficou determinado pelo despacho de 3/4/2024.
Como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 70), no art.º 38º do Código de Processo Civil “prescreve-se o aproveitamento de alguma das acções coligadas relativamente à qual se verifiquem os requisitos formais do art.º 37º”, explicando ainda que se “forem diversos os autores coligados, a notificação será feita a todos eles, dependendo o aproveitamento do processado da manifestação de acordo quanto às acções que devem prosseguir sem os referidos impedimentos”, e sendo decretada a absolvição da instância quanto às acções que sejam excluídas, “podendo os respectivos autores extrair proveito da primeira acção ou da citação nos mesmos termos previstos no art.º 37º, nº 5, aplicável por analogia”.
Ou seja, tendo presente que a ratio do preceito se prende com o referido aproveitamento de processado anterior, justifica-se que, em todos os casos em que cada autor coligado haja formulado o seu próprio pedido, a escolha do pedido corresponda igualmente à escolha do autor que permanece no processo, com a retirada do outro autor, exactamente porque “cai” o pedido pelo mesmo formulado.
E, nesta medida, não se pode acompanhar o afirmado no acórdão de 2/3/2023 do Tribunal Central Administrativo Norte (disponível em www.dgsi.pt e igualmente identificado pela 2ª R. na sua alegação de recurso), no sentido de o suprimento da coligação ilegal, nos termos do nº 2 do art.º 38º do Código de Processo Civil, só poder ocorrer “se visar e puder conseguir o prosseguimento da lide com as partes originárias em coligação, desenhada na petição inicial”, uma vez que se entende tratar-se de uma interpretação sem apoio na letra e no espírito do preceito.
E se é certo que, como já se referiu, a posição processual passiva do 1º A. (na sua qualidade de reconvindo) não está ainda definitivamente estabilizada (porque o tribunal recorrido ainda não se pronunciou liminarmente sobre a admissibilidade de cada um dos pedidos reconvencionais), então também não se pode afirmar, como pretende a 2ª R., que o 1º A. deixou de ser parte no processo, até porque do despacho de 20/6/2024 resulta (literalmente e tão só), no que respeita à instância formada pelo 1º A. e pela 1ª R., que esta é absolvida da instância relativamente ao pedido que contra ela foi formulado pelo 1º A.
Dito de forma mais simples, nem o art.º 38º do Código de Processo Civil deve ser interpretado no sentido de impedir o suprimento da coligação ilegal dos AA., por daí resultar a perda da qualidade de demandante do 1º A., nem da economia do despacho recorrido se pode retirar que o que aí foi decidido respeita à perda, pelo 1º A., da sua qualidade de demandado (reconvindo), para além da qualidade de demandante (autor) que perdeu.
Por último, sustenta a 2ª R. que a escolha realizada pelos AA. redunda na desistência da instância relativamente ao pedido deduzido pelo 1º A. contra a 1ª R., mas sem que tal desistência da instância haja sido aceite pela 1ª R., como impõe o art.º 286º, nº 1, do Código de Processo Civil, porque foi apresentada depois do oferecimento da contestação, e assim estando em causa a tutela dos direitos das RR.
Torna-se evidente que o disposto no art.º 38º do Código de Processo Civil não corresponde a qualquer situação de desistência da instância.
Com efeito, a desistência da instância corresponde a uma manifestação de vontade singular de fazer cessar os termos do processo, mais não representando que uma vertente do princípio do dispositivo.
Já a escolha do pedido que deve ser apreciado no processo não resulta da formação da vontade da parte em fazer cessar os termos do processo, antes sendo uma escolha forçada pelo convite para tanto dirigido pelo tribunal, em face da irregularidade processual verificada, e não se podendo assim afirmar que tal escolha (da qual resulta a absolvição da instância relativamente ao outro pedido) representa uma manifestação da vontade da parte de fazer cessar (ainda que parcialmente) os termos do processo.
Ou seja, essa diferente natureza volitiva de cada um dos actos em questão é quanto basta para afastar a conclusão da 2ª R., no sentido de ter sido violado o disposto no art.º 286º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Em suma, na improcedência das conclusões do recurso da 2ª R. nenhuma censura há a fazer ao decidido pelo despacho de 3/4/2024, nem ao decidido pelo despacho de 20/6/2024, sendo de manter ambas as decisões.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantêm-se as decisões recorridas.
Custas do recurso pela 2ª R., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
13 de Março de 2025
António Moreira
Rute Sobral
Arlindo Crua