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JUNÇÃO DE DOCUMENTO
IMPOSSIBILIDADE
INQUISITÓRIO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário
1. Para os efeitos do nº 3 do art.º 423º do Código de Processo Civil não há que falar em impossibilidade de junção de documentos até 20 dias antes do início da audiência final, quando a parte sabia que os documentos existiam e só não os juntou até tal limite temporal porque não usou da diligência devida para os encontrar no interior da sua residência, onde os tinha perdido. 2. Uma vez que o princípio do inquisitório se destina a complementar a prova apresentada pelas partes, na medida do apuramento da verdade e da justa composição do litígio, e não devendo ser entendido em termos absolutos, mas interligado com os princípios do dispositivo, da preclusão e da auto‑responsabilidade das partes, designadamente no domínio da actividade probatória desenvolvida pelas mesmas, a omissão da diligência devida pela parte com vista à apresentação atempada de documentos que se encontram em seu poder mais não corresponde que à violação do princípio da sua auto‑responsabilidade, assim afastando a necessidade de ordenar oficiosamente a produção da referida prova documental, salvo se se verificar uma ocorrência posterior que justifique essa produção. 3. Sendo o pedido primitivo o de condenação do réu no cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do contrato celebrado entre as partes, correspondentes às prestações devidas até ao momento da propositura da acção, e vindo o autor na pendência da acção pedir igualmente a condenação do réu no cumprimento das mesmas obrigações pecuniárias emergentes do mesmo contrato, agora relativamente às prestações devidas desde a propositura da acção até à cessação da produção de efeitos do contrato, está-se perante uma ampliação do pedido permitida pelo nº 2 do art.º 265º do Código de Processo Civil, já que se funda no mesmo facto jurídico em que se funda aquele pedido inicial e, por isso, apresenta-se como uma consequência do pedido primitivo, em razão do decurso do tempo. 4. O poder rescisório mitigado conferido pela al. d) do nº 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil apresenta-se como subsidiário dos poderes de reapreciação dos pontos de facto impugnados no recurso, havendo que atentar às concretas circunstâncias em que se moveu a instância recorrida, bem como à forma como o recorrente vem impugnar a decisão de facto, e só sendo de determinar à instância recorrida que complete a fundamentação da decisão de facto se ficar comprometida a autonomia decisória e a correspondente garantia de duplo grau de jurisdição, no que respeita ao julgamento da matéria de facto, por não se conseguir apreender a racionalidade da mesma decisão (ainda que imperfeitamente expressa). 5. Tendo as partes validamente convencionado que “ocorrerá a rescisão com carácter automático e independentemente de qualquer aviso ou notificação, na hipótese do não cumprimento das obrigações estabelecidas neste contrato por qualquer das partes”, colocadas as RR. perante a falta de cumprimento, pelo A., dos serviços que se havia obrigado, e tendo advertido o mesmo no sentido de retomar o cumprimento dos mesmos serviços, o que o A. não fez, não careciam de lhe dirigir nova interpelação, bastando a comunicação da cessação imediata dos efeitos dos contratos celebrados, para que não mais se mantivessem as obrigações pecuniárias emergentes desses contratos, por parte das RR.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:
Em 10/5/2022 D. propôs acção declarativa com processo comum contra P., Ld.ª (1ª R.) e M., Ld.ª (2ª R.), pedindo a condenação:
• Da 1ª R., no pagamento da quantia de € 18.057,57 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, e perfazendo os vencidos em 29/4/2022 a quantia de € 735,01;
• Da 2ª R., no pagamento da quantia de € 3.296,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, e perfazendo os vencidos em 29/4/2022 a quantia de € 262,78;
• Das RR., solidariamente, no pagamento de quantia não inferior a € 5.000,00.
Para sustentar a sua pretensão alega, em síntese, que:
• Com início em 1/4/2017 as partes acordaram que o A. prestaria serviços de angariação, administração e acompanhamento de apólices de seguros por si angariados para contratação por intermédio das RR., incluindo as apólices que já constavam da carteira do A., obrigando-se o A. a prestar tais serviços às RR.;
• Em contrapartida dos serviços prestados as RR. obrigaram-se a pagar 100% da comissão de mediação paga pelas seguradoras quanto aos seguros integrantes da carteira do A., bem como 50% da comissão de mediação paga pelas seguradoras quanto aos novos seguros angariados pelo A., e bem ainda o valor anual correspondente a 50% das condições negociadas com cada seguradora, sobre a carteira de cada corrector;
• A 2ª R. deixou de pagar qualquer quantia ao A. a partir de Janeiro de 2020 e a 1ª R. pagou quantias inferiores às que estava obrigada durante 2020, nada mais sendo pago nos anos de 2021 e 2022, não obstante as interpelações do A., e ficando em dívida as quantias de € 18.057,57 (pela 1ª R.) e de € 3.296,00 (pela 2ª R.);
• Uma vez que as retribuições devidas pelas RR. constituíam a sua única fonte de rendimento, a falta de pagamento das mesmas levou o A. a recorrer à ajuda de familiares e amigos, o que lhe causou grande tristeza, frustração e angústia, passando a ter dificuldades em dormir e descansar.
As RR. apresentaram contestação conjunta, reconhecendo a celebração dos contratos com o A. e invocando, em síntese, que:
• A partir de Janeiro de 2020 o A. deixou de angariar clientela, de assistir e fazer o apoio pós venda, de comparecer nas instalações das RR., de atender chamadas telefónicas dos clientes e das RR. e de emitir recibos dos valores recebidos;
• Ocorreu então uma reunião onde ficou acordado que o A. não prestaria mais serviços à 2ª R. e que iria cumprir com as suas obrigações para com a 1ª R.;
• Passado cerca de um mês o A. voltou a deixar de comparecer nas instalações da 1ª R., de atender chamadas telefónicas e de responder a e-mails, sendo advertido que se tal conduta se mantivesse cessava a parceria e deixaria de receber comissões;
• O A. indicou que pretendia deixar de trabalhar em seguros e manteve a atitude omissiva face à 1ª R., pelo que a parceria e a prestação de serviços cessaram então, nada lhe sendo devido.
Concluem pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.
Em resposta à contestação o A. veio pedir a condenação das RR. como litigantes de má fé.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador, aí sendo identificado o objecto do litígio (com reclamação do A., atendida), enunciados os temas da prova, admitidos os meios de prova e designada a data de 7/6/2023 para a realização da audiência final.
Aberta a referida audiência final, em 7/6/2023, o A. exerceu o contraditório relativamente à matéria de excepção constante da contestação, após o que se iniciou a produção da prova testemunhal.
Tendo sido agendada a continuação da audiência final para 9/10/2023, em 18/9/2023 o A. apresentou requerimento, acompanhado de 20 documentos, com o seguinte teor:
“1.º O Autor quando procedia a arrumações na sua residência, no passado fim‑de‑semana de 09 a 10 de Setembro de 2023, encontrou uma pen, que cuidava até já estar definitivamente extraviada, com documentos relativos às suas carteiras de clientes. 2.º Crê o Arguido que a documentação em causa, porquanto correlacionada com a matéria dos autos, se mostra bastante relevante para a decisão de mérito a proferir por V. Exa.. 3.º Acresce que, na sequência dos depoimentos prestados na anterior sessão de julgamento, mais relevante ainda se torna a documentação para efeitos de esclarecimento dos factos. 4.º Pelo exposto, requer-se que V. Exa. se digne admitir a documentação em causa, não condenando o Autor em qualquer multa processual”.
Por requerimento de 2/10/2023 as RR. exerceram o contraditório quanto ao requerimento do A. de 18/9/2023, aí concluindo pelo indeferimento da junção documental pretendida e, subsidiariamente, pela impugnação dos documentos.
Por requerimento de 4/10/2023 o A. veio requerer:
• A notificação das RR. para juntarem aos autos os “documentos que titulam os contratos de seguros da carteira do A. que permanecem contratualizados por intermédio das mesmas”, invocando que tais documentos se mostram essenciais à “aferição da veracidade dos ora apresentados pelo A.”, “atentos os fundamentos invocados pelas RR. para a impugnação” desses mesmos documentos, por si apresentados em 18/9/2023;
• A alteração do pedido, com a condenação de cada uma das RR. no pagamento do “montante a apurar, correspondente ao período posterior a Abril de 2022 e até à cessação dos contratos celebrados, a liquidar em execução de sentença”.
Por despacho de 6/10/2023 foi indeferida a junção dos documentos apresentados pelo A. com o requerimento de 18/9/2023.
Reaberta a audiência final, em 9/10/2023, as RR. exerceram o contraditório quanto ao requerimento do A. de 4/10/2023, após o que foi proferido despacho, com o seguinte teor:
“Certamente por lapso na prolação do despacho de 6 de Outubro, não se atentou ainda, no requerimento apresentado pelo Autor com data de 4 de Outubro e, pese embora então, se encontrasse a decorrer o prazo para o exercício do contraditório, no inicio desta audiência exercido pela parte contrária. Uma vez aqui chegados, não só a argumentação expendida em tal despacho que se mantem e reitera, como concordando com o alegado pelas Rés, toda a prova a apresentar pelo Autor, deverá observar aos momentos processualmente previstos, petição inicial, articulado admissível ao abrigo do art.º 552.º n.º 2 do CPC e audiência prévia, nessa prova a produzir, se incluindo aquela a que alude do art.º 429.º, quanto à apresentação de documento em poder da parte contrária. Não só se mostram largamente ultrapassados tais momentos, como nos encontramos em plena audiência de julgamento, com sessão iniciada no passado dia 7 de Junho, razão porque inexiste fundamento para admitir nem justificação para o requerimento tardio da pretendida junção de documentos em poder das Rés. Notifique. Quanto à requerida ampliação de pedido que, ao abrigo do disposto no art.º 265.º n.º 2 do CPC e em obediência ao principio da estabilidade da instância, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objecto, só será de admitir, se for decorrência ou desenvolvimento do pedido primitivo, afigura-se-nos que o Autor assenta tal pretensão, confundindo alegação factual com junção de documentos, questões absolutamente distintas, até porque a lei não admite a alegação de quaisquer factos por remissão para documentos e, não tendo sido alegados novos factos, ou apresentada qualquer outra justificação para diferente quantificação do que inicialmente peticionara, muita dificuldade se encontra em admitir a ampliação do pedido com o aludido fundamento, razão porque se indefere igualmente (art.º 265.º n.º 2 a contrario do CPC)”.
Em seguida o A. apresentou requerimento, com o seguinte teor:
“Atento o anterior despacho da Mm. ª Juiz, cumpre ao Autor esclarecer o seguinte: Embora não se concorde quanto ao despacho, podendo o mesmo, à semelhança dos anteriores, ser sindicado através do competente recurso, parece depreender-se que a não admissão da ampliação do pedido, decorrerá da circunstância de não terem sido alegados factos, mas tão só se ter remetido para documentação. Ora, se assim é, e podendo a ampliação do pedido ser efectuada, nos termos do art.º 265.º n.º 2 do CPC, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, o Autor fá‑lo-á de seguida, tentando cumprir o desiderato do Tribunal. Vejamos, O pedido inicial do Autor radica na existência de 2 contratos celebrados com as duas Rés que, na sua acepção, justificam o pagamento de comissões a 100% dos contratos anteriormente existentes na sua carteira e comissões de 50% dos contratos posteriormente celebrados pelo mesmo (após os contratos dos autos). Os montantes peticionados foram até à interposição da acção. Sucede que, factualmente, desde a data da interposição da acção até à presente data e enquanto subsistirem os contratos de seguro celebrados pelo Autor, e que se encontram actualmente nas carteiras das Rés, as Rés terão uma vantagem patrimonial, da qual contratualmente deverão ressarcir o Autor. Ou seja, factualmente, a génese da ampliação do pedido radica nos fundamentos do pedido inicial, sendo tão só um desenvolvimento e a consequência do pedido primitivo. Donde, entendendo-se como bom o presente esclarecimento factual e jurídico, reitera-se o já antes peticionado, designadamente requer-se a ampliação do pedido primitivo. Devendo a acção ser julgada procedente por provada e, em consequência serem as Rés condenadas a pagar ao Autor o valor correspondente a 100% calculado sobre a comissão de mediação paga pelas seguradoras, relativamente aos seguros integrantes da carteira própria do Autor, os quais, no caso da 1.ª Ré, para além do já peticionado, no montante a apurar, correspondente ao pedido posterior a Abril de 2022, e até à cessação dos contratos celebrados, a liquidar em sede de execução de sentença, atenta a sua incerteza; No caso da 2.ª Ré, para além do já peticionado, no montante a apurar correspondente ao período posterior a Abril de 2022 e, até à cessação, dos contratos celebrados, a liquidar em execução de sentença, atenta a sua incerteza”.
Após exercício do contraditório pelas RR., foi proferido o seguinte despacho:
“É certo, e sabido que esgotou o Tribunal o poder jurisdicional quanto à apreciação da questão que lhe foi colocada, até porque não foi suscitada qualquer ambiguidade, obscuridade, dúvida naquilo que foi anteriormente decidido. Foi pura e simplesmente colocada novamente à apreciação. Suscita-se-nos apenas acrescentar que, para além dos fundamentos que se invocaram, importa ainda atentar nos art.ºs 552.º e 553.º do CPC, no que respeita aos pedidos genéricos. Sequer o Autor invoca factualidade que pudesse subsumir nesta faculdade, que o legislador contempla para situações que não são as dos autos. Mais uma vez, está a questão de saber o quantum, a colocar antes do quando, como e porquê, que é obviamente a matéria a apreciar e sobre a qual o Tribunal, oportunamente, após a produção de toda a prova, legalmente admitida, se pronunciará, notificará e as partes, conformando-se ou não, reagirão”.
Depois de concluída a produção de prova foi encerrada a audiência final, nessa mesma data de 9/10/2023.
Por requerimento de 24/10/2023 o A. interpôs recurso do despacho de 6/10/2023, bem como dos despachos proferidos na sessão de 9/10/2023 da audiência final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção de reproduções jurisprudenciais, bem como de peças processuais já acima reproduzidas):
A. Vem a presente Apelação interposta dos Doutos Despacho proferidos pelo Tribunal “aquo” nos termos seguintes:
A) Despacho proferido em 06.10.2023 – Ref. CITIUS: ... – que não admitiu a junção aos autos de 20 (vinte) documentos, cuja junção o A/Recorrente requereu por via do Requerimento de 18.09.2023 com a Ref. CITIUS 14220032;
B) Despachos proferidos em 09.10.2023 (na sessão de Audiência de Julgamento), por via dos quais o Tribunal “aquo”:
i) Indeferiu a junção de documentos pelas RR/Recorridas requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
ii) Não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
iii) Não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado na Audiência (09.10.2023);
A) – Do Despacho proferido em 06.10.2023 – Ref. CITIUS: ...
(admissão de documentos nos termos previstos no n.º 3 do art. 423.º do CPC)
B. Por requerimento que dirigiu aos autos em 18.09.2023, veio o A/Recorrente, expor e requerer ao Tribunal “a quo” a admissão de documentos, os quais, como alegou, se encontram arquivados numa “pen” que o A/Recorrente encontrou quando procedia a arrumações na sua residência no fim-de-semana de 09 a 10 de Setembro de 2023, e que cuidava até já estar definitivamente extraviada. Documentos esses correspondentes à listagem das suas carteiras de clientes e que, em face dos depoimentos prestados na sessão de Audiência já realizada, entendia ter-se tal documentação por relevante ao esclarecimento dos factos.
C. Não pode o A/Recorrente conformar-se com o Douto Despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, que não admitiu a junção de tais documentos, porquanto foi o mesmo claro ao alegar, logo em 1. do Requerimento, que o mesmo não teve, antes de 09/10 de Setembro de 2023, à sua disposição os documentos contidos no mencionado suporte, antes pelo contrário (estava convicto de não dispor de tais elementos, tendo, assim, sido surpreendido com o referido achado).
D. Atento o disposto n.º 3 do art. 423.º do CPC) e recordando o significado de “Possível”, do latim possibilis (que pode, que pode existir, que pode acontecer, que se pode fazer), é evidente que o alegado pelo A/Recorrido traduz uma manifesta e evidente impossibilidade anterior a 09/10 de Setembro de 2023 para a apresentação dos documentos em apreço.
E. Impossibilidade essa que, além do mais, o A/Recorrente se propôs demonstrar (como a Lei lhe impõe), por via de prova testemunhal. Tendo, no mesmo requerimento, arrolando como testemunha de tal factualidade L., que assim ofereceu para prova da mencionada superveniência.
F. Não podia, SMO, o Tribunal “aquo” ter, sem mais, indeferido a pretendida junção. Se o Tribunal “aquo” entendia que tal alegação carecia, ela própria, de ser demonstrada nos autos, por via de prova complementar, não podia haver ignorado a prova oferecida pelo A/Recorrente. Antes podia e devia haver determinado a produção de tal prova. O que, contudo, não fez (!)
G. Não tem correspondência com os factos o fundamento de que se socorreu o Tribunal “aquo” para a prolação da decisão recorrida, já que não corresponde à verdade que “nenhumajustificaçãoparaajunçãotardiadessesdocumentos” haja sido apresentada pelo A/Recorrente,
H. E em nenhuma medida se vislumbra, atentos os requisitos previstos no mencionado n.º 3 do art. 423.º do CPC, qual a relevância de se haver iniciado a Audiência de Julgamento à data da apresentação do Requerimento pelo A/Recorrente.
I. Restando concluir que, ainda que os documentos oferecidos não fossem admitidos nos termos do Despacho Recorrido (o que apenas por dever de patrocínio e hipótese académica se admite), o mesmo Despacho Recorrido terá que ser substituído por decisão que determine a admissão dos documentos apresentados pelo A/Recorrente, nos termos previstos no art. 411.º do CPC e confessada a existência, na carteira do A/Recorrente, dos clientes identificados nas listagens que os compõem, por confissão das RR/Recorridas, nos termos do n.º 3 do art. 574.º do CPC.
B) – Dos Despachos proferidos na Sessão de Audiência de Julgamento realizada em 09.10.2023 i) Na parte em que indeferiu a junção de documentos pelas RR/Recorridas requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
J. Por requerimento apresentado em 04.10.2023 – Ref. CITIUS: 14293194- veio o A/Recorrente a requerer que fossem as RR/Recorridas notificadas a fim de juntarem aos autos os documentos que titulam os contratos de seguros da carteira do A/Recorrente e que permanecem contratualizados por intermédio das mesmas.
K. O que o Tribunal “aquo” também veio a indeferir, conforme o Douto Despacho proferido na sessão de Audiência de Julgamento, e de que igualmente se recorre. Conforme se extraí do Douto Despacho recorrido, o Tribunal “aquo” recusou-se a aferir da pertinência da prova requerida para a decisão da causa, limitando-se a rejeitar o requerido com fundamento na “ultrapassagem” dos prazos para a apresentação de documentos.
L. A determinação da junção aos autos de documentos em posse de terceiro resulta daquele que é um verdadeiro poder/dever do Juiz, uma incumbência do Tribunal, a cobro do poder do inquisitório o qual, como antes se disse, apenas se limita ao termo da discussão.
M. Tendo o A/Recorrente (parte interessada) procedido à indicação dos factos pretendidos provar e tendo alegado o porquê de se tratarem de documentos que se encontram na posse das RR/Recorridas e que o próprio A/Recorrente não consegue obter, impunha-se que houvesse o Tribunal “aquo” proferido despacho admitindo o requerido, apreciando, como não podia deixar de ser, a pertinência dos documentos visados. E não apenas recusando o requerido com fundamento na putativa intempestividade, quando, a determinação da produção de prova nos termos do citado 429.º do CPC, enquanto emanação do poder/dever do tribunal ínsito no art. 411.º do CPC, não se encontra sujeita ao regime imposto pelos art.º 552.º n.º 2 e art.º 429 do CPC.
N. Nesse sentido, atente-se àquele que foi o entendimento sufragado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, plasmado no Douto Acórdão proferido em 20.02.2020, nos autos 6583/18.1T8BRG-A.G1, consultável in www.dgsi.pt, onde se lê: (…)
O. Deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que determine a notificação das RR/Recorridas para juntar aos autos os documentos que titulam os contratos de seguros da carteira do A. que permanecem contratualizados por seu intermédio, os quais consubstanciam meio de prova essencial ao apuramento e determinação da veracidade do teor dos documentos apresentados pelo A/Recorrente em 18.09.2023(cuja admissão se impunha, conforme antes se alegou) bem como à prova do alegado pelo A/Recorrente, relativamente à existência de clientes nessa carteira e à subsistência da obrigação em que as RR/Recorridas se constituíram, por via do contrato celebrado com o A/Recorrente, de pagamento. ii) Na parte em que não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
P. Ainda por via do mencionado Requerimento apresentado em 04.10.2023, veio o A/Recorrente a requerer a ampliação do pedido, sobre o qual recaiu o Douto Despacho proferido na Sessão da Audiência de Julgamento (09.10.2023), que não admitiu a pretendida ampliação e do qual igualmente se recorre.
Q. Quanto à alteração do pedido estabelece o n.º 2 do art. 265.º do CPC que “Oautorpode,emqualqueraltura,reduziropedidoepodeampliá-loatéaoencerramentodadiscussãoem1.ªinstânciaseaampliaçãoforodesenvolvimentoouconsequênciadopedidoprimitivo”. Assim, na ausência de acordo (como sucede incasu), a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo‑se ainda que a ampliação seja “odesenvolvimentoouconsequênciadopedidoprimitivo”.
R. Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimentoouconsequênciadopedidoprimitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum. De resto, esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência, defendendo que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos.
S. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
T. Como Alberto dos Reis explicava, o “limitedequalidadedenexoaampliaçãohá-deserodesenvolvimentoouaconsequênciadopedidoprimitivo,querdizer,aampliaçãohá-deestarcontidavirtualmentenopedidoinicial. Exemplocaracterístico:pediu-seemacçãodereivindicação,aentregadoprédio;podemaistardefazer-seaampliação,pedindo-setambémaentregadosrendimentosproduzidospeloprédioduranteaocupaçãoilegal.(…) Emvezdeserumaconsequência,podeserumdesenvolvimento.Pediu-seopagamentodeumadívida;podedepoisalegar-sequeadívidavenciajurosepedir-seopagamentodestes(…). Aampliaçãopressupõeque,dentrodamesmacausadepedir,apretensãoprimitivasemodificaparamais;acumulaçãodá-sequandoaumpedido,fundadoemdeterminadoactooufacto,sejuntaoutro,fundadoemactooufactodiverso”.
U. E são exemplos do acolhimento jurisprudência de tal entendimento o Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto em 19.05.2022, nos autos 22906/19.3T8PRT-C.P1, consultável in www.dgsi.pt, onde se lê que: (…)
V. E ainda o Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 18.02.2018, consultável in www.dgsi.pt, onde, depois de referência a jurisprudência vária a admitir a ampliação do pedido, sustenta: (…)
W. A ampliação requerida pelo A/Recorrente traduz-se no pedido de condenação das RR/Recorridas nos montantes que se venham a apurar, por correspondência ao período posterior à interposição da acção e até à cessação dos contratos celebrados, a liquidar em execução de sentença, já que, as quantias descritas nos primitivos pedidos apenas resultavam contabilizadas até 29.04.2022 e juros de mora.
X. Pedido este (ampliado) que podia ter sido formulado abinitio. E a única factualidade superveniente que lhe poderia estar subjacente seria a atinente aos valores cujo concreto apuramento o próprio A/Recorrente relega para momento posterior (liquidação de sentença). Motivo pelo qual não podia o mesmo deixar de ser encarado como desenvolvimento do pedido primitivo, preenchendo a previsão do n.º 2 do artigo 265.º do CPC.
Y. O Douto Despacho proferido redunda, portanto, em manifesta violação ao disposto no n.º 2 do art. 265.º do CPC, porquanto a ampliação do pedido requerida era legalmente admissível, independentemente da falta de acordo nesse sentido manifestada pelas RR/Recorridas, impondo-se, por tal, a procedência do presente recurso e revogação do Despacho recorrido, com substituição por decisão que determine a admissão da requerida ampliação. Contudo,aindaqueassimnãoseentenda,oqueapenaspormerodeverdopatrocínioseadmite,sempresediráque,
Z. Acaso se houvesse de entender por necessária a alegação de qualquer factualidade – o que não sucede no caso, atenta a dimensão e fundamento da ampliação peticionada –não só podia como devia o Tribunal “aquo” haver dirigido convite ao aperfeiçoamento do aludido articulado ao A/Recorrente, nos termos previstos no n.º 2, al. b), n.ºs 3 e 4 do art. 590.º do CPC.
AA. Ainda que houvesse de ter por deficiente a alegação do A/Recorrente, relativamente aos fundamentos da ampliação do pedido pretendida, forçoso seria que houvesse o Tribunal “aquo” dirigido convite ao aperfeiçoamento do articulado, antes do liminar indeferimento.
BB. Pelo que, também assim se teria de concluir pela revogação do Despacho, nesta parte, e sua substituição por decisão que determinasse o convite do A/Recorrente a aperfeiçoar a peça processual apresentada, no que aos fundamentos da ampliação do pedido concerne. Todavia,aindaquetambém assim nãose admitisseese houvesse demanter oDoutoDespachoproferido,sempresediráque, iii) Na parte em que não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado na Audiência (09.10.2023);
CC. Perante o indeferimento da ampliação do pedido anteriormente formulado, veio o A/Recorrente a apresentar requerimento na Audiência de Julgamento, sessão de dia 09.10.2023, com o seguinte teor: (…)
DD. Sobre tal veio a recair o segundo Despacho proferido pelo Tribunal “aquo” naquela mesma sessão, e ora recorrido, que embora defendendo o esgotamento do poder jurisdicional, terminou não admitindo a pretendida ampliação.
EE. Prevendo o legislador que a ampliação do pedido possa ser formulada até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, quando se trate do desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º, nº 2 do CPC), não se vislumbra porque motivo poderia o Tribunal “aquo” ter-se por “impedido” de apreciar o novo pedido formulado pelo A/Recorrente.
FF. Atente-se que dispõe o art. 613º, nº 1, do CPC, que proferida a sentença - ou o despacho, pois este normativo vale também para os despachos, nos termos do seu nº 3 – fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz. Isto é, proferida sentença ou despacho sobre a matéria da causa, o juiz não pode voltar a proferir nova decisão sobre a mesma questão. Todavia, o requerido pelo A/Recorrente não foi a “mesmaquestão”.
GG. O A/Recorrente veio, nos termos previstos no art. 265.º n.º 2 do CPC, requerer (exnovo) a ampliação do pedido, posto que tal normativo permite que tal tenha lugar até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Daí que, estando em tempo e sendo legalmente admissível, veio o A/Recorrente a formular novo pedido que competia ao Tribunal “aquo” apreciar.
HH. Aliás, tanto assim, que o Tribunal “aquo”, em sede do Douto Despacho de que se recorre não se limita a invocar o mencionado esgotamento do poder jurisdicional, para recusa da apreciação, acabando por ir além dessa “recusa”, pronunciando-se pela inadmissibilidade do peticionado por omissão da factualidade e refutando a aplicação incasu do previsto nos art. 552.º e 553.º do CPC.
II. No que concerne à omissão da alegação factual subjacente à pretendida ampliação, cumpre ao A/Recorrente, por razões de economia processual, dar aqui por integralmente reproduzido tudo quanto antes e supra se alegou no que à desnecessidade de tal alegação concerne, e, bem assim, no que à falta de fundamento para essa parte da decisão respeita. Porquanto não podia o Tribunal “aquo” exigir do A/Recorrente a alegação de factualidade superveniente, quando a ampliação por si peticionada radicava nos mesmos factos, apenas representando uma extensão do anteriormente peticionado (um pedido que podia ter apresentado abinitio)
JJ. De igual modo, não pode o A/Recorrente conformar-se com o argumento acolhido pelo Tribunal “aquo” segundo o qual o pedido formulado não encontra sustento legal, por inaplicabilidade à situação dos autos dos pedidos “alternativos”.
KK. O defendido pelo A/Recorrente e a ampliação por si peticionada traduz-se no desenvolvimento dos pedidos iniciais:
- Condenação das RR/Recorridas nos montantes devidos por referência aos períodos subsequentes à interposição da acção – em decorrência dos primitivos pedidos e cuja admissão antes se fundamentou de modo exaustivo
- Determinação do concreto quantum em execução de sentença – traduzido num pedido genérico (art. 556.º do CPC).
LL. E neste último aspecto (quanto aos pedidos genéricos), não pode o A/Recorrente deixar de invocar o que já antes alegara nos autos: que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do CPC, caberá ao Tribunal a condenação genérica em caso de impossibilidade de fixação imediata do quantum, sujeita a posterior liquidação, ou a prolação de decisão a cobro da equidade. Surgindo a necessidade de apelo aos critérios da equidade, nos termos do n.º 3 do artigo566.º da lei civil, quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.
MM. Donde, ainda que o primeiro Despacho proferido pelo Tribunal “a quo” na sessão da Audiência de Julgamento de 09.10.2023 (que não admitiu a ampliação do pedido peticionada pelo A/Recorrente em 04.10.2023) se houvesse de manter inalterado, sempre o segundo Despacho (proferido na mesma data e igualmente recorrido) se impõe ser revogado e substituído por decisão que determine a admissão da ampliação do pedido, nos exactos termos requeridos pelo A/Recorrente na sessão da Audiência de Julgamento de 09.10.2023.
Em 14/11/2023 as RR. apresentaram alegação de resposta, aí sustentando a manutenção das decisões recorridas.
Sem que, entretanto, haja sido proferido o despacho a que respeita o art.º 641º do Código de Processo Civil, em 7/5/2024 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, e em face do exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo ambas as Rés, de todo o peticionado. Mais as absolvo do pedido de condenação, como litigantes de má fé. As custas ficam a cargo do Autor, em face do decaimento (cfr. art.ºs 527º, n.ºs 1 e 2 do actual CPC)”.
Por requerimento de 26/6/2024 o A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção de reproduções jurisprudenciais, bem como de peças processuais já acima reproduzidas):
A. Vem a presente Apelação interposta da Douta Sentença proferida nos autos, que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés de todo o peticionado pelo Autor e com a qual não pode o Apelante conformar-se. I – Das decisões interlocutórias – Recurso Pendente:
B. Em 24.10.2023 o A/Recorrente interpôs recurso (Ref. CITIUS...4...71991) dos Doutos Despachos proferidos pelo Tribunal “aquo” em 06.10.2023 e 09.10.2023:
- Despacho proferido em 06.10.2023 – Ref. CITIUS: ... – que não admitiu a junção aos autos de 20 (vinte) documentos, cuja junção o A/Recorrente requereu por via do Requerimento de 18.09.2023 com a Ref. CITIUS ...4...20032;
- Despachos proferidos em 09.10.2023 (na sessão de Audiência de Julgamento), por via dos quais o Tribunal “aquo”:
i) Indeferiu a junção de documentos pelas RR/Recorridas requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
ii) Não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em 04.10.2023;
iii) Não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado na Audiência (09.10.2023);
C. Desde então, e até à presente data, o Tribunal “aquo” não proferiu o despacho a que alude o art. 641.º do CPC, motivo pelo qual o interposto recurso não se mostra ainda sequer admitido. O A/Recorrente não só mantém total interesse na apreciação do referido recurso, cujos termos e fundamentos ora reitera, como, à cautela, perante a possibilidade de se poder entender que os despachos proferidos em 09.10.2023, que não admitiram os requerimentos de ampliação do pedido apenas poderiam ser impugnados por via do presente recurso (interposto sobre a decisão final - n.º 3 do art. 644.º do CPC), deduz, nesta sede, a impugnação de tais decisões. Assim - Do despacho proferido em Audiência de 09.10.2023 - na parte em que não admitiu aampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado em04.10.2023;
D. A ampliação requerida pelo A/Recorrente traduz-se no pedido de condenação das RR/Recorridas nos montantes que se venham a apurar, por correspondência ao período posterior a Abril de 2022 e até à cessação dos contratos celebrados, a liquidar em execução de sentença, já que, as quantias descritas nos primitivos pedidos apenas resultavam contabilizadas até 29.04.2022 e juros de mora.
E. Pedido este (ampliado) que podia ter sido formulado abinitio, sendo a que a única factualidade superveniente que lhe poderia estar subjacente seria a atinente aos valores cujo concreto apuramento o próprio A/Recorrente relega para momento posterior (liquidação de sentença), motivo pelo qual não podia o mesmo deixar de ser encarado como desenvolvimento do pedido primitivo, preenchendo a previsão do n.º 2 do artigo 265.º do CPC.
F. E tal será o suficiente para que, sem necessidade de invocação de outros argumentos, se conclua pela necessária procedência do presente recurso e revogação do Despacho recorrido, com substituição por decisão que determine a admissão da requerida ampliação. Contudo,aindaqueassimnãoseentenda,oqueapenaspormerodeverdopatrocínioseadmite,sempre sediráque,
G. Acaso se houvesse de entender por necessária a alegação de qualquer factualidade – o que não sucede no caso, atenta a dimensão e fundamento da ampliação peticionada –não só podia como devia o Tribunal “aquo” haver dirigido convite ao aperfeiçoamento do aludido articulado ao A/Recorrente, nos termos previstos no n.º 2, al. b), n.ºs 3 e 4 do art. 590.º do CPC.
H. Pelo que, também assim se teria de concluir pela revogação do Despacho, nesta parte, e sua substituição por decisão que determinasse o convite do A/Recorrente a aperfeiçoar a peça processual apresentada, no que aos fundamentos da ampliação do pedido concerne. Todavia,aindaquetambém assim nãose admitisseese houvesse demanter oDoutoDespachoproferido, sempresediráque, - Do despacho proferido em Audiência de 09.10.2023 – na parte que não admitiu a ampliação do pedido requerida pelo A/Recorrente por requerimento apresentado na Audiência (09.10.2023);
I. Perante a não admissão da ampliação do pedido anteriormente formulado, veio o A/Recorrente a apresentar requerimento na Audiência de Julgamento, sessão de dia 09.10.2023, sobre o qual recaiu Despacho proferido pelo Tribunal “aquo” naquela mesma sessão, e ora recorrido, nos termos seguintes: (…)
J. Prevendo o legislador que a ampliação do pedido possa ser formulada até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, quando se trate do desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º, nº 2 do CPC), não se vislumbra por que motivo poderia o Tribunal “aquo” ter-se por “impedido” de apreciar o novo pedido formulado pelo A/Recorrente. Não se alcança o fundamento legal no qual se fundou o Tribunal “aquo” para concluir pela impossibilidade de apreciação do peticionado, a cobro do esgotamento do poder jurisdicional
K. Estando em tempo e sendo legalmente admissível, veio o A/Recorrente a formular novo pedido que competia ao Tribunal “aquo” apreciar.
L. O defendido pelo A/Recorrente e a ampliação por si peticionada traduz-se no desenvolvimento dos pedidos iniciais:
- Condenação das RR/Recorridas nos montantes devidos por referência aos períodos subsequentes à interposição da acção – em decorrência dos primitivos pedidos e cuja admissão antes se fundamentou de modo exaustivo
- Determinação do concreto quantum em execução de sentença – traduzido num pedido genérico (art. 556.º do CPC).
M. E neste último aspecto (quanto aos pedidos genéricos), não pode o A/Recorrente deixar de invocar o que já antes alegara nos autos, designadamente que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do CPC, caberá ao Tribunal a condenação genérica em caso de impossibilidade de fixação imediata do quantum, sujeita a posterior liquidação.
N. Ainda que o primeiro Despacho proferido pelo Tribunal “aquo” na sessão da Audiência de Julgamento de 09.10.2023 (que não admitiu a ampliação do pedido peticionada pelo A/Recorrente em 04.10.2023) se houvesse de manter inalterado,
O. Sempre o segundo Despacho (proferido na mesma data e igualmente recorrido) se impõe ser revogado e substituído por decisão que determine a admissão da ampliação do pedido, nos exactos termos requeridos pelo A/Recorrente na sessão da Audiência de Julgamento de 09.10.2023. II – Da Sentença recorrida: A)Do julgamento quanto à matéria de facto:
P. Não pode o A/Recorrente conformar-se que esse julgamento, quanto à matéria de facto, realizado pelo Tribunal “aquo”, concretamente, deveria o tribunal aquo ter dado como não provados os factos identificados sob 14., 16. a 32. do elenco dos factos provados e dado como provados os factos erradamente julgados como não provados, sob 33 a 40. Mais omitindo factos que, ponderada a prova produzida como se lhe impunha, deveria o Tribunal “aquo” haver dado como provados. - Dos factos erradamente dados por provados sob 14. e 16. a 32. do elenco dos factos provados: Do vício da decisão:
Q. A leitura da exposição dos motivos respeitante à convicção do Tribunal “aquo” não permite alcançar quais os meios de prova que, em concreto, e relativamente a determinada matéria de facto terão sido determinantes – fosse pela credibilidade da sua fonte, pela natureza do meio de prova em causa, etc. –, para, e embora existindo outros meios que pudessem apontar para uma versão diferente, convencer o tribunal de que, relativamente a cada uma dessas matérias, os factos terão ocorrido no sentido em que os vem a dar como provados e não provados.
R. O dever de fundamentação da decisão proferida em sede de matéria de facto – imposto pelo nº 4 do art. 607º CPC – não se mostra cumprido com um simples resumo das afirmações proferidas por cada uma das testemunhas e depoentes, por uma identificação de cada um dos documentos juntos aos autos, se tal exposição não se encontrar acompanhada da explicitação, relativamente a cada um dos factos ou matérias em causa, de quais, de entre esses meios de prova ou alguns deles, foram relevantes, por que deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
S. No caso concreto, embora o Tribunal “aquo” realize a sumula dos depoimentos prestados e das declarações do A/Recorrente, em nenhum momento da Decisão identifica por que motivo lhe mereceu maior credibilidade uma prova em detrimento de outra.
T . Assim sendo, a ter-se por inviabilizada reapreciação da matéria de facto aqui sob impugnação, e ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, al. d), do CPC, ter-se-á de determinar a anulação da decisão da matéria de facto proferida relativamente aos pontos aqui sob impugnação – 14., 16. a 32. da factualidade dada como “provada” e dos pontos 33. a 40. da matéria de facto dada como “não provada” – a fim de que o tribunal fundamente devidamente a decisão por si proferida relativamente a tais pontos da matéria de facto. Mas,acasoassimnãoseentenda,sempresediráque, Do erro:
U. O julgamento quanto à matéria de facto impunha-se diverso, não apenas por via da admissão e produção de prova documental que o Tribunal “aquo” rejeitou – mas que se crê será ordenada, em virtude do já interposto e pendente recurso, mas também ante aquela que foi a prova produzida nos autos.
V. Sem embargo do apontado vício, parece evidente que o Tribunal “aquo” terá sustentado a decisão quanto à matéria de facto agora impugnada, nas declarações prestadas pelas testemunhas P. e I., arroladas pelas RR/Recorridas.
W. Contudo, as referidas testemunhas não evidenciaram dispor de um conhecimento dos factos que fosse além das “opiniões” e das informações que obtiveram de modo indirecto. Tanto assim que nenhum dos apontados depoimentos se revelou suficiente no sentido de afirmar os factos enunciados sob 14. e 16. A 32. do elenco dos factos provados.
X. Já as declarações do A/Recorrente foram claras, objectivas e totalmente credíveis, delas resultando o enquadramento e contexto no qual aquele acordou com P. e, por conseguinte, com as RR/Recorridas, a celebração da parceria/prestação de serviços. Mormente o teor do negociado, aceite e contratado entre as partes e que passava pela integração da carteira de clientes do A/Recorrente na carteira das RR/Recorridas, que assim logravam conseguir diminuir a taxa de sinistralidade das suas carteiras, o que, por sua vez, lhes possibilitaria alcançar melhores condições e o recebimento de maiores comissões por parte das seguradoras,
Y. Declarações essas que foram corroboradas pela testemunha M.,
Z. Temos, portanto, que nenhuma prova foi efectivamente produzida no sentido de confirmar a factualidade vertida em 14. e 16. a 32. do elenco dos factos provados, antes pelo contrário.
AA. Daí que, não restará outra alternativa – ante a ponderação da prova produzida – que não a de proceder à modificação da decisão recorrida, julgando como não provados os factos identificados sob 14. e 16. a 32. dos factos provados. - Dos factos erradamente dados como não provados sob 34. e 35. do elenco dos factos provados:
BB. Simultaneamente, toda a prova a que antes se aludiu e especificadamente se enunciou e que, por economia processual se dá integralmente por reproduzida (concretamente os depoimentos e declarações prestadas nos segmentos transcritos) e a prova documental (mormente os contratos celebrados entre as partes e as comunicações trocadas) a ponderar nos precisos termos supra indicados, impunha que se tivessem por demonstrados os factos identificados sob 34 e 35 do elenco dos factos não provados, com especial relevo para declarações prestadas pelo A/Recorrente.
CC. Portanto, terá a decisão quanto à matéria de facto, também nesta parte, de ser revogada, modificando-se a decisão quanto à matéria de facto também nesta parte, julgando provados os factos identificados sob 34 e 35 do elenco dos factos não provados. Também, - Dos factos erradamente julgados como não provados sob 36. a 40. dos factos não provados:
DD. Em consequência do incumprimento pelas RR/Recorridas relativamente à obrigação de pagamento na qual se constituíram por via do contratado com o A/Recorrente, decorreram para este efeitos e danos nefastos, tal qual alegado na Petição Inicial.
EE. Danos esses que, inexplicavelmente, o Tribunal “aquo” entendeu não haverem resultado provados, mas que resultaram demonstrados pelas declarações do A/Recorrente, corroboradas pelo depoimento das testemunhas L., A.F., M.
FF. E também pela prova documental, nomeadamente os certificados de incapacidade temporária para o trabalho juntas aos autos, aptas a atestar da efectiva incapacidade que acometeu o A/Recorrente no período temporal subsequente aos factos, i.e., ao incumprimento pelas RR/Recorridas da obrigação de pagamento.
GG. Não poderia o Tribunal “a quo” haver julgado como não provados os factos elencados sob 36. a 40. Do elenco dos factos não provados, porquanto a sua demonstração e prova resultou, nos precisos termos antes indicados, da prova testemunhal e documental produzida nos autos.
HH. Portanto, terá a decisão quanto à matéria de facto, também nesta parte, de ser revogada, modificando‑se a decisão quanto à matéria de facto, julgando provados os factos identificados sob 36. a 40. Do elenco dos factos não provados. - Dos factos erradamente não dados por provados:
II. Em resultado daquelas que foram as declarações do A/Recorrente e dos depoimentos prestados por L., M., A.F., P. e I., conjuntamente com a prova documental igualmente já identificada (contratos celebrados entre as parte e comunicações trocadas) impunha-se que houvesse o Tribunal “aquo” ter dado como provados os seguintes factos:
– A partir de 2019 o A. passou a prestar serviços para as RR/Recorrente de natureza administrativa não previstos no acordo que com elas havia inicialmente celebrado;
- A partir de Fevereiro e até Dezembro de 2020 a 1.ª R passou a pagar ao A. um valor inferior ao contratado, reduzindo unilateralmente e sem a concordância daquele o valor das comissões pagas, para 50% sobre os clientes da carteira do A. e nenhuma comissão pelos clientes angariados pelo A. ao balcão das suas instalações, sendo que a partir dessa data (Dez. de 2020) nada mais pagou ao A.;
- Já a 2.ª R deixou, a partir de Janeiro de 2020, de pagar qualquer quantia ao A.
- Não tendo o A aceite as alterações introduzidas unilateralmente pelas RR ao contratado,
- Não obstante, as RR persistiram e persistem até à actualidade a beneficiar das mais valias resultantes da integração dos clientes que compunham a carteira do A e por este angariados, os quais continuam a integrar as carteiras de clientes daquelas.
JJ. Pelo que, terá a decisão quanto à matéria de facto, também nesta parte, de ser revogada, adicionando-se ao elenco dos factos provados os seguintes:
– A partir de 2019 o A. passou a prestar serviços para as RR/Recorrente de natureza administrativa não previstos no acordo que com elas havia inicialmente celebrado;
- A partir de Fevereiro e até Dezembro de 2020 a 1.ªR passou a pagar ao A. um valor inferior ao contratado, reduzindo unilateralmente e sem a concordância daquele o valor das comissões pagas, para 50% sobre os clientes da carteira do A. e nenhuma comissão pelos clientes angariados pelo A. ao balcão das suas instalações, sendo que a partir dessa data (Dez. de 2020) nada mais pagou ao A.;
- Já a 2.ª R deixou, a partir de Janeiro de 2020, de pagar qualquer quantia ao A.
- Não tendo o A aceite as alterações introduzidas unilateralmente pelas RR ao contratado,
- Não obstante, as RR persistiram e persistem até à actualidade a beneficiar das mais valias resultantes da integração dos clientes que compunham a carteira Finalmente,
KK. A conclusão imposta pela modificação da decisão quanto à matéria de facto, nos termos antes alegados, impunha o reconhecimento pelo Tribunal “aquo” de que os valores pagos pela 1.ªR/Recorrida entre Janeiro e Novembro de 2020 e descritos em 10. dos factos provados resultaram inferiores aos efectivamente devidos nos termos contratualmente impostos (100% de comissão sobre a carteira própria do A/Recorrente e 50% de comissão sobre toda a carteira nova por ele constituída, calculadas sobre os prémios cobrados).
LL. Aqui chegados, e ante a factualidade dada por não provada sob 33. do elenco dos factos não provados, assume especial relevo ponderar que:
-A não determinação, em concreto, do valor exacto devido pelas RR/Recorridas ao A/Recorrente não constituía um obstáculo ao reconhecimento da existência do crédito do A/Recorrente – ante a prova do incumprimento da obrigação pelas RR/Recorridas – nos precisos termos que inicialmente se alegaram a propósito da deduzida ampliação do pedido (entendimento esse que o A/Recorrente persiste mantendo e que, SMO, está convicto resultará corroborado pela decisão desse Venerando Tribunal);
- Essa determinação era impossível ao A/Recorrente aquando da interposição da acção, porquanto, como demonstrado, as RR/Recorridas persistiram e persistem auferindo quantias provenientes da carteira de clientes por ele constituída – daí a necessidade de relegar para execução de sentença a determinação do respectivo quantum;
- A putativa impossibilidade – a existir – sempre teria sido suprida pela admissão e determinação de realização dos meios de prova documental requeridos pelo A/Recorrente – em especial os dados apenas na posse das RR/Recorridas e impossíveis de alcançar pelo A/Recorrente, como se crê sucederá na sequência da procedência do recurso interposto sobre aquelas decisões interlocutórias. B)Do julgamento quanto à matéria de Direito:
MM. Salvo o devido respeito, que é muito e elevado, o Tribunal “aquo” realizou um evidente julgamento contraditório e infundado quanto à matéria de Direito.
NN. O A/Recorrente entende que a modificação da decisão quanto à matéria de facto – que por certo será determinada por esse Venerando Tribunal – conduzirá, necessariamente, a conclusão diversa da recorrida.
OO. Demonstrado está que o A/Recorrente assumiu e realizou tarefas e serviços não contratados, após o que – com o pagamento do mês de Fevereiro de 2020 – logo percebeu que as RR/Recorrentes haviam reduzido, por decisão unilateral, o valor devido, concretamente a percentagem de comissão que lhe era devida. E que, contrariamente, as RR/Recorridas não produziram qualquer prova quando à existência de incumprimento contratual pelo A/Recorrente a qual, como excepção que é, apenas às RR/Recorridas competia demonstrar.
PP. Por outro lado, inversamente ao decidido, o A/Recorrente demonstrou, nos precisos termos antes alegados, a relação estabelecida entre as partes e o incumprimento da obrigação de pagamento em que incorreram as RR/Recorridas, pelo que se impunha a prolação de decisão diversa pelo Tribunal “aquo”,
QQ. Devendo a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que, julgando a acção procedente, condene as RR/Recorridas nos termos peticionados pelo A/Recorrente, ponderada a ampliação do pedido, e que nenhum obstáculo encontra perante a impossibilidade de determinação do quantum concretamente devido, a título de remunerações por comissões, devidas ao A/Recorrente. Pois que, inexistindo liquidação dos pedidos em momento prévio à prolação da sentença na acção declarativa, o tribunal tem de remeter para posterior liquidação o valor de tais pedidos, podendo/devendo o juiz remeter “exofficio” para fase ulterior de liquidação, mesmo quando seja peticionada a condenação em quantia certa.
RR. Assim, deverão ser as RR/Recorridas condenadas no pagamento das quantias devidas ao A/Recorrido por conta de comissões, a liquidar em incidente de liquidação posterior ou subsequente à condenação, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CPC.
SS. E, demonstrado que foi o nexo causal entre a conduta incumpridora das RR/Recorridas e os danos morais sofridos pelo A/Recorrente, mais serem aquelas condenadas no pagamento de indemnização destinada ao seu ressarcimento, tal qual peticionado.
As RR. apresentaram alegação de resposta, sustentando a manutenção da decisão de indeferimento da alteração do pedido, bem como da sentença.
O tribunal recorrido admitiu ambos os recursos, a subir conjuntamente e nos próprios autos.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, importa diferenciar cada um dos recursos.
Assim, as questões submetidas com o primeiro recurso, delimitadas pelas conclusões respectivas, prendem-se com:
• A admissibilidade dos documentos apresentados pelo A. em 18/9/2023;
• A admissibilidade da notificação das RR. para junção de documentos em poder das mesmas, a requerimento do A.;
• A admissibilidade da alteração do pedido.
Já quanto ao segundo recurso, as questões objecto do mesmo, delimitadas pelas conclusões respectivas, prendem-se com:
• A alteração da matéria de facto;
• O direito do A. às prestações pecuniárias emergentes dos contratos celebrados com as RR.;
• O direito do A. à indemnização por danos não patrimoniais.
***
Por outro lado, e a título de questão prévia importa verificar que, à face do disposto no nº 2 do art.º 644º do Código de Processo Civil, não é admissível recurso autónomo da decisão que indefere a alteração do pedido.
Com efeito, tal decisão não se enquadra em alguma das previsões das al. a) a i) do referido nº 2, pelo que a sua impugnação só pode ser efectuada nos termos do nº 3, ou seja, no recurso interposto da sentença.
Isso mesmo explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 252-253), quando refere que a decisão “que defere ou indefere requerimento de alteração do pedido ou da causa de pedir” se deve incluir no leque de “decisões interlocutórias que, sendo impugnáveis em abstracto, não admitam recurso de apelação autónomo”, só podendo “ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto do despacho saneador ou da decisão final do processo”.
Não obstante a irrecorribilidade autónoma da referida decisão de alteração do pedido, na medida em que o A. repetiu a impugnação dessa decisão no âmbito do recurso interposto da sentença (exactamente porque preveniu a referida irrecorribilidade autónoma), torna-se inútil estar a afirmar a mesma irrecorribilidade, porque sempre haverá que conhecer da questão em apreço, por força de tal conduta processual preventiva do A.
Ainda a título prévio importa verificar que, à face do disposto no nº 2 do art.º 645º do Código de Processo Civil, deveria o primeiro recurso interposto pelo A. subir em separado (já que as decisões impugnadas não colocaram termo ao processo), enquanto o segundo recurso devia subir (como subiu) nos presentes autos.
Todavia, e nos termos conjugados dos art.º 6º nº 1, 267º, nº 1 e 268º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, admite-se desde já a apensação de ambos os recursos e a sua subida conjunta nos presentes autos, o que determina que ambos os recursos serão aqui conhecidos.
***
Da admissibilidade dos meios de prova
Quanto às questões que se prendem com a admissibilidade dos documentos apresentados pelo A., a par da admissibilidade da notificação das RR. para junção de documentos em poder das mesmas, a materialidade com relevo para o conhecimento das mesmas é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
A controvérsia instala-se, desde logo, no que respeita à interpretação do conceito de impossibilidade de apresentação atempada de documentos, tal como o mesmo resulta do nº 3 do art.º 423º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o A. não coloca em crise que os 20 documentos que apresentou só eram susceptíveis de ser admitidos como meios de prova nos termos do referido nº 3, já que o limite temporal a que respeita o nº 2 do mesmo art.º 423º do Código de Processo Civil estava ultrapassado há muito (recorde-se que a audiência final se iniciou em 7/6/2023 e a referida apresentação de documentos é efectuada em 18/9/2023).
Todavia, entende o A. que a impossibilidade de apresentação de documentos, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (ou a sua primeira sessão), deve ser interpretada como respeitando a qualquer evento impeditivo dessa apresentação, ainda que imputável ao apresentante (como é o caso do invocado extravio dos documentos na sua residência). Já no despacho recorrido ficou expresso o entendimento que só a impossibilidade não imputável ao apresentante permite a admissão após o limite temporal em questão. E nessa circunstância, tendo o A. alegado que a apresentação não ocorreu dentro de tal limite temporal porque o mesmo havia extraviado os documentos no interior da sua própria residência, considerou o tribunal recorrido que só ao A. era imputável a impossibilidade de apresentação até 20 dias antes de 7/6/2023.
Como ficou afirmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2024 (relatado por Rute Sobral e disponível em www.dgsi.pt), “o regime estabelecido, ao regular a apresentação de documentos nos três momentos definidos no artigo 423º CPC, visa evitar as consequências processuais decorrentes da junção inesperada de documentos, designadamente ao nível do protelamento das audiências, partindo do princípio da auto-responsabilidade das partes, que devem agir processualmente com lisura e com espírito de cooperação processual na definição e efectivação das respectivas estratégias probatórias – cfr. artigos 7º e 8º CPC. E, no âmbito deste regime, é manifesto que apenas excepcionalmente podem ser juntos documentos em momento que ultrapasse os 20 dias anteriores à audiência de julgamento, reconduzindo-se, nos termos expostos, às hipóteses de superveniência objectiva ou subjectiva do documento, ou à ocorrência posterior que torne necessária a sua junção”.
Do mesmo modo, e como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 499), ultrapassado o limite temporal a que alude o nº 2 do art.º 423º do Código de Processo Civil, “apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objectiva ou subjectivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento”.
Assim, e como se conclui no já referido acórdão de 10/10/2024, “não é admissível a junção de documento para além dos 20 dias anteriores à audiência de julgamento, se já existia e era do conhecimento das partes antes da propositura da acção e não se refere a qualquer ocorrência posterior com impacto no apuramento dos factos principais ou instrumentais relevantes para a apreciação do mérito da causa”.
Dito de outra forma, a verificação de uma situação de impedimento, bem como de uma situação de superveniência (designadamente subjectiva) aponta para situações de impossibilidade de utilização do documento como meio de prova, não domináveis pela vontade da parte que pretende fazer uso probatório desse documento. Pelo que, podendo a parte, desde que actuando com a diligência devida, ter acesso atempado ao documento, para efeitos da sua apresentação como meio de prova, não há que falar em impossibilidade de junção até 20 dias antes do início da audiência final.
Com efeito, e recorrendo ao conceito de justo impedimento que resulta do art.º 140º do Código de Processo Civil, há que afirmar que só o “evento não imputável à parte” (isto é, não dominável pela vontade da parte) é que justifica a prática de um acto processual para lá do limite temporal em que podia ser praticado.
Do mesmo modo, a noção de superveniência subjectiva de um documento tem ínsita a ideia do desconhecimento prévio da existência do mesmo.
No caso concreto dos autos resulta que o A. sabia da existência dos 20 documentos em questão, não só em face do teor do seu requerimento de 18/9/2023, mas essencialmente pela natureza e razão de ser dos documentos em questão. É que, tal como o A. os configura, trata-se de documentos guardados por si numa pen drive e relativos à sua carteira de clientes (carteira esta pré-existente aos contratos celebrados com as RR.). Pelo que não se pode falar de superveniência (objectiva ou subjectiva) dos mesmos documentos.
E tratando-se de documentos por guardados numa pen drive que o A. perdeu dentro da sua própria residência, o extravio invocado, nessas circunstâncias, só ao A. deve ser imputado.
O que é o mesmo que dizer que a impossibilidade de junção atempada dos documentos deve ser imputada ao A. porque, estando os mesmos documentos dentro da sua residência, bastava que o A. tivesse feito anteriormente as invocadas arrumações, para que os encontrasse até ao limite temporal a que respeita o nº 2 do art.º 423º do Código de Processo Civil, e não só após o início da audiência final, nos termos por si alegados.
Assim, e porque a factualidade alegada pelo A. revela que o mesmo omitiu a diligência devida para tornar possível essa apresentação documental no momento processual próprio, não estão reunidos os pressupostos a que alude o nº 3 do art.º 423º do Código de Processo Civil, para admitir a junção dos documentos apresentados.
Do mesmo modo, e resultando da factualidade alegada pelo A. o não preenchimento da previsão legal do nº 3 do art.º 423º do Código de Processo Civil, torna-se irrelevante a demonstração da mesma factualidade, desde logo com recurso à prova testemunhal indicada, porque sempre haveria que concluir (mesmo que a factualidade alegada se desse por demonstrada) que a apresentação dos documentos tinha sido possível até 20 dias antes da data em que se iniciou a audiência final.
Do mesmo modo, ainda, não se está perante qualquer ocorrência posterior que torne necessária a junção dos documentos em questão, designadamente a genericamente invocada relevância “para efeitos de esclarecimento dos factos”, na “sequência dos depoimentos prestados na anterior sessão de julgamento”. É que não está em causa a prova de qualquer factualidade complementar ou concretizadora que tenha decorrido da instrução da causa, desde logo dos depoimentos anteriormente prestados, antes estando em causa a prova dos factos essenciais que integram a causa de pedir e que foram alegados pelo A. na P.I.
Pelo que era com a P.I. que o A. devia ter apresentado essa prova documental ou, no limite, até 20 dias antes de 7/6/2023 (data em que se iniciou a audiência final).
Do mesmo modo, e no que respeita à inovatória convocação do princípio do inquisitório previsto no art.º 411º do Código de Processo Civil, importa recordar que, como afirmam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 483-484), tal princípio do inquisitório “coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova”.
Ou seja, o princípio do inquisitório não deve ser entendido em termos absolutos, mas interligado com a actividade probatória desenvolvida pelas partes, destinando-se a complementar a prova apresentada, e tão só na medida do apuramento da verdade e da justa composição do litígio.
O que significa, sem necessidade de ulteriores considerações, que a omissão da diligência devida pelo A. com vista à apresentação atempada dos documentos em questão mais não corresponde que à violação do referido princípio da sua auto‑responsabilidade, afastando a invocada necessidade de ordenar oficiosamente a produção da referida prova documental, tendo igualmente presente a constatada ausência de qualquer ocorrência posterior que demandasse essa actividade probatória, por iniciativa do tribunal.
Relativamente ao pedido de junção de documentos em poder das RR., recorde-se que a razão de ser de tal pedido se prendia com a necessidade de demonstrar que os 20 documentos apresentados em 18/9/2023 se tinham por verdadeiros, tendo presente a impugnação que os mesmos mereceram por parte das RR. (ainda que por via subsidiária, já que as RR. sustentaram em primeira linha a inadmissibilidade da junção aos autos dos mesmos).
Todavia, não sendo admitida a junção aos autos dos 20 documentos apresentados pelo A. em 18/9/2023, tornou-se naturalmente desnecessária a junção dos referidos documentos em poder das RR., por inútil.
E, do mesmo modo, torna-se desnecessária a consideração de quaisquer outros argumentos invocados pelo A. para justificar a necessidade da pretendida junção, desde logo a repetida convocação do princípio do inquisitório previsto no art.º 411º do Código de Processo Civil.
Com efeito, e recuperando o acima afirmado quanto à aplicação do referido princípio, no caso concreto dos autos o A. não suscitou, no momento próprio para a apresentação de meios de prova (com os articulados), nem sequer em momento algum posterior, a necessidade de fazer prova da factualidade essencial por si alegada e integrante da causa de pedir, através dos referidos documentos em poder das RR.
Do mesmo modo o A. não invocou a necessidade de produzir prova documental, no âmbito de quaisquer incidentes relativos à produção de prova testemunhal, que não desencadeou (v.g. o incidente da contradita previsto no art.º 521º do Código de Processo Civil).
Ou seja, se o A. entendia ser necessário recorrer a tais documentos em poder das RR., para fazer prova dos factos essenciais e integrantes da causa de pedir, impunha‑se‑lhe que tivesse vindo oportunamente requerer a apresentação desses documentos pelas RR., e não apenas quando foi confrontado com a necessidade de fazer prova da genuinidade de documentos por si apresentados e cuja junção aos autos foi recusada. E, nessa medida, tal conduta omissiva do A. não apresenta virtualidade bastante para desencadear a actividade oficiosa probatória que ora reclama estar em falta.
Dito de forma mais simples, face à actividade probatória desencadeada pelas partes, não se vislumbra qualquer necessidade de ordenar oficiosamente a produção de qualquer prova documental que se destine a complementar a prova que o A. se propôs efectuar, relativamente à sua carteira de seguros.
O que equivale a concluir, também por esta via, que o tribunal recorrido não tinha de ordenar a notificação das RR. para juntarem aos autos os documentos identificados pelo A.
Em suma, não há que fazer qualquer censura à decisão que indeferiu a junção dos documentos apresentados pelo A. em 18/9/2023, nem tão pouco à decisão que indeferiu o pedido de notificação das RR. para junção de documentos em poder das mesmas, improcedendo as conclusões do recurso do A., nesta parte, e havendo que confirmar ambas as decisões.
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Da admissibilidade da alteração do pedido
Não sofre controvérsia que a alteração do pedido pretendida pelo A. só pode ser admitida, atenta a falta de acordo, caso se trate de uma ampliação que represente o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, tendo presente o disposto no nº 2 do art.º 265º do Código de Processo Civil.
Também não sofre controvérsia que, como refere Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, pág. 93), tal significa que “a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial”.
Por outro lado, e ainda segundo o ensinamento do referido autor (pág. 94), “para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá‑se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”.
E como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 300) “os condicionalismos impostos pela lei actual obrigam e aconselham o autor a ponderar a possibilidade ou a necessidade de deduzir pedidos subsidiários ou de alegar factos que integrem causas de pedir subsidiárias, antecipando uma eventual estratégia defensiva que venha a ser adoptada pelo réu”, e sendo que “a alteração do pedido ou outras formas de ampliação do pedido que extravasem os apertados limites do nº 2 [do art.º 265º] apenas serão viáveis mediante acordo das partes, nos termos do art. 264º”.
Ou seja, para que se possa afirmar que a pretendida nova redacção de cada um dos pedidos formulados relativamente a cada uma das RR. corresponde a uma ampliação permitida pelo nº 2 do art.º 265º do Código de Processo Civil, torna-se necessário que a pretensão acrescentada ainda se funde na causa de pedir apresentada pelo A. na P.I., e não numa distinta causa de pedir.
Importa então apurar qual a causa de pedir que emerge da P.I.
O A. pediu a condenação de cada uma das RR. no pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, acrescida de juros de mora.
Para sustentar o direito ao pagamento de cada uma das quantias em questão o A. alega que as mesmas correspondem aos valores devidos pelas RR. entre Janeiro de 2020 e Abril de 2022 (art.º 14º da P.I.), como contrapartida dos serviços prestados pelo A. a cada uma das RR. (art.º 8º da P.I.), nos termos dos contratos celebrados em 22/3/2017, e cuja produção de efeitos se iniciou em 1/4/2017 (art.º 3º da P.I.)
O A. alega ainda (art.º 15º da P.I.) que os valores devidos por cada uma das RR. ao A. eram os mesmos que foram pagos em 2019, remetendo para o documento 4 junto com a P.I. (que corresponde à relação de facturas-recibo emitidas pelo A. durante o referido ano de 2019, relativamente a cada uma das RR.).
E alega ainda o A. que no âmbito dos contratos celebrados com cada uma das RR. passavam a estar incluídos na carteira de seguros de cada uma das mesmas aqueles seguros que já constavam da carteira do A., relativamente aos quais a contrapartida monetária a receber pelo A. correspondia à totalidade da comissão paga a cada uma das RR. pelas seguradoras.
Ou seja, aquilo que se retira da causa de pedir, tal como a mesma resulta da factualidade alegada na P.I., é que:
• O A. acordou com cada uma das RR. que passava a prestar-lhes serviços no âmbito da actividade de mediação de seguros que as RR. desenvolvem;
• A carteira de seguros do A. passava a estar integrada na carteira de seguros de cada uma das RR.;
• As comissões que tais seguros geram para as RR. seriam entregues na sua totalidade ao A., como contrapartida dos serviços prestados pelo mesmo;
• Relativamente aos novos seguros angariados pelo A. para a carteira de cada uma das RR. e no âmbito dos serviços prestados às mesmas, metade das comissões de mediação respectivas seriam entregues ao A., igualmente como contrapartida dos serviços prestados pelo mesmo;
• Para além disso o A. recebia metade do valor pago anualmente por cada seguradora a cada uma das RR., calculado tendo por base as condições negociadas e a carteira de cada uma delas.
Assim sendo, há que afirmar que o facto jurídico de onde emerge o direito do A. ao recebimento das retribuições devidas até Abril de 2022 é o mesmo facto jurídico de onde emerge o direito do A. ao recebimento das retribuições subsequentes a Abril de 2022, já que corresponde à celebração dos contratos entre as partes e tem por pressuposto a manutenção dos efeitos obrigacionais dos mesmos contratos, tal como se iniciaram em 1/4/2017.
Dito de forma mais simples, tendo o A. pedido a condenação das RR. no cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes dos contratos celebrados com o A., correspondentes às prestações devidas até Abril de 2022, e vindo na pendência da acção pedir igualmente a condenação das RR. no cumprimento das mesmas obrigações pecuniárias emergentes dos mesmos contratos, agora relativamente às prestações devidas desde Abril de 2022 e até à cessação da produção de efeitos dos contratos, é de afirmar que se está perante uma ampliação que se contém virtualmente no pedido inicial, já que se funda no mesmo facto jurídico em que se funda aquele pedido inicial e apresenta-se como uma consequência do pedido primitivo, em razão do decurso do tempo.
Isso mesmo já afirmou igualmente este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 4/7/2023 (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt), ao concluir que “a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicialmente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos”.
Acresce que a circunstância de os novos pedidos se apresentarem ilíquidos não obsta à sua admissibilidade, tendo desde logo presente o disposto na segunda parte da al. c) do nº 1 do art.º 556º do Código de Processo Civil. Com efeito, e na medida em que o A. alega que a retribuição será fixada a partir dos valores recebidos das seguradoras por cada uma das RR., torna-se necessário que as mesmas indiquem ao A. os valores concretamente recebidos, para efeitos de poder ser quantificada a retribuição concretamente devida ao mesmo, o que legitima a apresentação dos referidos pedidos genéricos e com liquidação subsequente, porque dependente da referida indicação dos valores concretamente recebidos.
Em suma, porque resulta do disposto no nº 2 do art.º 265º do Código de Processo Civil a admissibilidade da alteração do pedido que o A. apresentou pelo requerimento de 4/10/2023, é de revogar a decisão proferida no início da sessão de 9/10/2023 da audiência final, pela qual foi indeferida tal alteração, assim procedendo as conclusões do recurso do A., nesta parte.
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Da alteração da matéria de facto
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e eliminam-se as referências probatórias):
1. A 1ª R. dedica-se à mediação e consultoria de seguros, e tem como gerente P.
2. A 2ª R. dedica-se à mediação de seguros, e tem como gerentes P. e V.
3. O A. contactou com P., em meados de 2017, altura em que este se apresentava como legal representante das duas RR.
4. Tais contactos visaram a prestação de serviços, no âmbito da mediação de seguros, pelo A., às RR.
5. Na sequência desses contactos mantidos, foram reduzidos a escrito, os seguintes escritos:
A - escrito intitulado “Contrato de Parceria”, datado de 22 de Março de 2017,
B - escrito intitulado “Contrato de Parceria”, datado de 22 de Março de 2017,
C - escrito intitulado “Contrato de Prestação de Serviços”, datado de 22 de Março de 2107 e
D - escrito intitulado “Contrato de Prestação de Serviços”, datado de 22 de Março de 2107,
conforme documentos 1 a 3 juntos com a P.I. e documentos 1 a 3 juntos com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Consta da Cláusula Sétima do escrito “Contrato de Parceria” que
“7.1 - Fica garantido ao SEGUNDO OUTORGANTE uma remuneração, a título de comissionamento correspondente ao percentual de 100% de comissão de Mediação determinada e efectivamente paga pelas Seguradoras relativamente à carteira própria integrada na carteira do PRIMEIRO OUTORGANTE e identificada em documento anexo validado por ambas as partes;” 7.2 - Fica garantido ao SEGUNDO OUTORGANTE uma remuneração a título de comissionamento, correspondente ao percentual de 50% da comissão de Mediação determinada e efectivamente paga pelas Seguradoras relativamente a toda a carteira nova efectuada; 7.3 - Durante a vigência das apólices de seguro estas comissões determinadas e efectivamente pagas pelas Seguradoras poderão sofrer variações para mais ou para menos. Em qualquer das hipóteses, será sempre respeitada o percentual acordado sobre a comissão de Mediação determinada no ponto 7.1 e 7.2; 7.4 - A comissão de Mediação determinada e efectivamente paga pelas Seguradoras incidirá sobre os prémios cobrados, ficando entendido e ajustado que, em se tratando de comissão de Mediação, a responsabilidade pelo seu pagamento ao PRIMEIRO OUTORGANTE que por sua vez efectuará ao SEGUNDO OUTORGANTE é integralmente das Seguradoras detentoras das apólices; (…) 7.7 - A remuneração acordada nos pontos 7.1 e 7.2 foi negociada tendo em conta o compromisso do SEGUNDO OUTORGANTE em gerir, tratar e resolver todos os processos de sinistros da carteira do PRIMEIRO OUTORGANTE;”.
7. Para a referida prestação de serviços, foi acordado um horário mínimo para a sua realização, conforme cláusula sexta, ponto 6.5, do escrito “Contrato de Parceria”.
8. Mais acordaram, no escrito “Contrato de Parceria” que o A. teria de
Angariar novos clientes (cláusula 5ª, 5.1.)
Submeter à análise prévia das RR. a ficha de cliente ou proposta de seguro, para que fosse verificado se o mesmo preenchia os requisitos necessários à aceitação do risco (cláusula 5ª, 5.2.)
Assistir e fazer o apoio pós-venda necessário à manutenção da carteira de clientes (cláusula 5ª, 5.3).
9. Sucede que, a partir de Janeiro de 2020, a 2ª R. deixou de pagar qualquer quantia ao A.
10. E a 1ª R. pagou as seguintes quantias, no período entre Janeiro e Novembro de 2020, nomeadamente:
A - No dia 17 de Fevereiro de 2020 pagou ao A., a quantia de € 511,00 (quinhentos e onze euros), por referência ao mês de Janeiro de 2020;
B - No dia 27 de Março de 2020 pagou ao A. a quantia de € 303,14 (trezentos e três euros e catorze cêntimos), por referência ao mês de Fevereiro de 2020;
C - No dia 15 de Abril de 2020, pagou ao A. a quantia de € 275,28 (duzentos e setenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos), por referência ao mês de Março de 2020;
D - No dia 27 de Maio de 2020, pagou ao A. a quantia de € 283,24 (duzentos e oitenta e três euros e vinte e quatro cêntimos), por referência ao mês de Abril de 2020;
E - No dia 30 de Junho de 2020, pagou ao A. a quantia de € 419,28 (quatrocentos e dezanove euros e vinte e oito cêntimos), por referência ao mês de Maio de 2020;
F - No dia 20 de Julho de 2020, pagou ao A. a quantia de € 261,15 (duzentos e sessenta e um euros e quinze cêntimos), por referência o mês de Junho de 2020;
G - No dia 11 de Agosto de 2020, pagou ao A. a quanta de € 525,52 (quinhentos e vinte e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), por referência ao mês de Julho de 2020;
H - No dia 2 de Outubro de 2020, pagou ao A. a quantia de € 259,57 (duzentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), por referência ao mês de Agosto de 2020;
I - No dia 4 de Novembro de 2020, pagou ao A. a quantia de € 248,56 (duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos), por referência ao mês de Setembro de 2020;
J - No dia 30 de Novembro de 2020, pagou ao A. a quantia de € 343,76 (trezentos e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos), por referência ao mês de Outubro de 2020;
L - No dia 17 de Dezembro de 2020, pagou ao A. a quantia de € 333,10 (trezentos e trinta e três euros e dez cêntimos), por referência ao mês de Novembro de 2020,
num valor total de € 3.763,60 (três mil, setecentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos).
11. E nos anos de 2021 e 2022, nenhuma das RR. pagou qualquer quantia ao A.
12. O A. trocou ainda vários emails com P., em Janeiro, Março, Abril e Agosto de 2020, conforme documentos 1, 2 e 6 juntos com o requerimento de 11/10/2022 e documento 4 junto com a contestação, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. Mediante carta registada, datada de 20 de Janeiro de 2021, o A., através de mandatário, interpelou a 2ª R. para “o incumprimento dos contratos celebrados”, visando o agendamento de uma reunião para a solução consensual do diferendo, conforme documento 5 junto com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Sucede que, a partir de Janeiro de 2020, o A. deixou de
a) Angariar clientela,
b) Assistir e fazer o apoio pós venda necessário à manutenção da carteira de clientes das RR., bem como da própria, tendo sido inclusive as RR. passado a assumir essa função,
c) Comparecer nas instalações das RR.,
d) Atender chamadas telefónicas dos clientes (próprios e das RR.),
e) Emitir qualquer recibo dos valores que recebeu.
15. Em Janeiro de 2020, foi agendada uma reunião entre o A. e o director de vendas das RR., Sr. V.
16. No âmbito da referida reunião, que teve lugar, o A. foi confrontado com a sua ausência nas instalações das RR., bem como o seu incumprimento no acompanhamento dos processos de sinistros da sua carteira de clientes, bem como aqueles que pertenciam à carteira das RR.
17. Nessa reunião, o A. admitiu não ter capacidade para assegurar tais funções para ambas as empresas, pelo que, na referida reunião, ficou acordado que o A. não iria mais prestar os seus serviços como acordara à 2ª R.
18. Mais acordou que, quanto à 1ª R., ia retomar os contactos com os seus clientes, bem como assegurar o acompanhamento dos processos de sinistros dos mesmos, pois se não o fizesse, ao invés de receber 100% sobre as comissões pagas pelas seguradoras, iria receber apenas 50%.
19. No período de ausência injustificada do A. foi a 1ª R. que teve de assegurar tais funções.
20. Mais acordou o A. com a 1ª R., que iria assegurar a sua obrigação perante a 1ª R., ou seja, a dar assistência e acompanhamento aos processos de sinistros de clientes da carteira daquela.
21. O A. comprometeu-se igualmente que iria exercer tais funções nos locais e horário, definidos no contrato de parceria, sendo certo que o mesmo, até porque ponderou vender às RR. ou a terceiro, a sua carteira de clientes, garantiu perante a 1ª R. que iria trabalhar a mesma (carteira) para assegurar a sua manutenção por forma a, no limite, alienar à 1ª R. ou a terceiro, a referida carteira, o que foi aceite pela 1ª R. com a condicionante de que o A. prestasse essa assessoria, designadamente que retomasse as deslocações às instalações da 1ª R., no período horário definido, por forma a manter os contactos comerciais com os clientes do A. e da 1ª R.
22. Acontece, porém, que, passado cerca de um mês, o A. voltou a deixar de comparecer nas instalações da 1ª R., bem como deixou de atender em absoluto quaisquer contactos telefónicos, tão pouco respondia aos e-mails, seja dos seus clientes, bem como da 1ª R.
23. Quando finalmente foi confrontado com esse seu comportamento, o A. referiu que pretendia então deixar de trabalhar em seguros, e que pretendia alienar a sua carteira à 1ª R., tendo para tal, posteriormente enviado comunicação à mesma com esse desidrato, conforme documento 4 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24. O A. foi expressamente advertido pela 1ª R. que, caso incumprisse com tais funções, o mesmo não teria direito a auferir qualquer comissão.
25. Ao invés do acordado na referida reunião o A. continuou sem responder a qualquer comunicação (contactos telefónicos e e-mails) da 1ª R., bem como dos seus clientes e dos clientes da 1ª R.
26. Inclusive, os colaboradores da direcção comercial da 1ª R. foram forçados a comunicar com familiares do A., para saber do paradeiro deste.
27. Perante esta actuação, o A. tornou absolutamente insustentável a manutenção da parceria, o que lhe foi comunicado verbalmente e de imediato, motivo pelo qual a mesma parceria e prestação de serviços, cessaram efeitos nesse momento (Abril de 2020), para a 1ª R.
28. Apesar do referido, a 1ª R. continuou a substituir-se ao A. na manutenção da sua carteira de clientes, tendo em conta que o mesmo tinha transmitido a sua vontade de a alienar, o que perante a ausência de trabalho do A., ou a manutenção desta pela 1ª R., seria absolutamente inviável.
29. Porém, que, o A. nunca mais apareceu, nem contactou a 1ª R., com vista a retomar o controlo comercial da sua carteira de clientes, tendo remetido ao abandono total a mesma.
30. A 1ª R., sem qualquer obrigação contratual, manteve o pagamento de 50% das comissões acordadas, o que ocorreu até Dezembro de 2020, data em que cessaram tais pagamentos.
31. Subsistindo a conduta grave do A., que nem os recibos de valores que lhe foram entregues, emitiu, como era sua obrigação contratual, suspendeu a 1ª R. qualquer pagamento ao A., nessa data.
32. As RR. mantiveram as angariações e os contratos, relativamente à carteira própria integrada do A., que levou para a parceria, como era seu dever legal e profissional.
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Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
33. Tendo por base, o que as RR. pagaram ao A., no ano de 2019, os valores em falta e devidos pelas RR. ao A., são os seguintes:
Entre Janeiro e Dezembro de 2020:
A - Pela 1ª R., a quantia de € 5.588,33 (cinco mil, quinhentos e oitenta e oito euros e trinta e três cêntimos)
AA - Pela 2ª R., a quantia de € 1.412,57 (mil, quatrocentos e doze euros e cinquenta e sete cêntimos)
Entre Janeiro e Dezembro de 2021:
B - Pela 1ª R. , a quantia de € 9.351,93 (nove mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa e três cêntimos)
BB - Pela 22ª R., a quantia de € 1.412,57 (mil, quatrocentos e doze euros e cinquenta e sete cêntimos)
Entre Janeiro de 2022 e Abril de 2022:
C - Pela 1ª R., a quantia de € 3.117,31 (três mil, cento e dezassete euros e trinta e um cêntimos)
CC - Pela 2ª R., a quantia de € 470,86 (quatrocentos e setenta euros e oitenta e seis cêntimos).
34. O A. cumpriu sempre as obrigações que assumira, e referidas em 3.
35. Não obstante as interpelações do A., referida em 13., as RR. persistiram na sua actuação.
36. Com a supra descrita actuação das RR., o A. deixou de poder fazer face às suas despesas correntes e às do seu agregado familiar.
37. O A. não dispunha, à data, de qualquer outra fonte de rendimento.
38. Tal causou grande tristeza, frustração e angústia ao A.
39. E repercutiu-se no seu sono e descanso.
40. E por isso foi acometido de depressão.
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Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos. (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, resulta das conclusões da alegação de recurso que o A. deu cumprimento ao referido ónus primário, já que identifica os pontos de facto provados e não provados que considera estarem incorrectamente julgados (correspondentes aos pontos 14, 16 a 32, e 34 a 40), bem como a decisão que devem merecer, e identificando ainda (conclusão JJ) cinco novos pontos, que pretende seja, aditados ao elenco de factos provados.
Do mesmo modo, o A. deu cumprimento ao referido ónus secundário de indicação dos concretos meios de prova (desde logo identificando as passagens da prova gravada) que, em seu entender, conduzem às alterações pretendidas.
Previamente, porém, o A. sustentou que a reapreciação da matéria de facto está inviabilizada face à forma como foi dado cumprimento ao dever de fundamentação previsto no nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, a justificar a anulação da decisão relativamente aos pontos de facto em questão, e devendo o tribunal recorrido fundamentar devidamente tal decisão.
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a decisão da matéria de facto:
“Para a formação da convicção do Tribunal, concorreram desde logo o acordo das partes plasmado nos referidos articulados, a par dos documentos carreados para os autos e a saber, três contratos e um anexo/listagem, carta e registo postal, e das Rés três contratos (dois coincidentes), quatro emails do Autor, três certificados de incapacidade temporária para o trabalho, e duas certidões de registo comercial das Rés, a par dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas, e a saber, L., M., A.F., D., P. e I., as quais revelaram isenção e demonstraram credibilidade. A primeira testemunha, esposa do Autor, revelou grande desconhecimento dos factos controvertidos, referindo que parte dos factos que conhece foi o Autor que lhos relatou; mais explicou a envolvência familiar e os dois períodos de tempo em que contraíram matrimonio, bem como a relação do Autor com o Pai e impulso por este dado em relação à sua actividade profissional; de relevante disse saber que foram acordadas varias situações entre o Autor e as Rés, até porque o Autor conhecia bem o P. há vários anos, talvez desde 2010, e que o Autor tinha um horário de trabalho; de forma relevante igualmente descreveu a inércia que o Autor viveu no primeiro trimestre e principalmente no segundo trimestre de 2020, bem como o seu estado de saúde que não soube atribuir à situação profissional, ao confinamento obrigatório, ou a ambos. A segunda testemunha, Pai do Autor, corroborou em parte o depoimento anterior, descrevendo a saúde do filho como frágil “ele é um rapaz um bocado nervoso”, explicou de que forma passou a este o negócio dos seguros, e como se desvinculou disso, bem como o conhecimento que tem dos gerentes das Rés, que explicou, inclusivamente esclareceu “a metodologia dos pagamentos e comissões, pelas Seguradoras, em função do ramo de seguro, se reais, se vida, etc”; quanto ao contratado, propriamente dito, em relação ao filho, revelou desconhecer, não participou de forma alguma nem sequer foi auscultado pelo filho, antes de assinar, só sabe o que este lhe contou depois. De relevante referiu que num almoço o filho lhe disse que queriam pagar-lhe apenas 50%, mas que não precisava da intervenção do Pai, resolvia; mais disse que mais tarde falou com V. e este disse que “nem tentaram chegar a acordo”, inculcando que a postura do filho, foi de evasão. De muito relevante esta testemunha disse que tratava das declarações de IRS do filho (constata-se que nenhuma declaração foi junta aos autos), e que tratou e sabe dos valores de 2017 e 2018, mas do ano de 2019, não sabe. A terceira testemunha, amigo do Autor, e cliente da sua carteira pessoal, depôs essencialmente sobre o que o Autor lhe confidenciou, pois até 2020, viam-se com frequência semanal. Referiu que o Autor passou a isolar-se na altura da Pandemia, dizia‑se sentir injustiçado, mas acha que teve que ver com a Pandemia. Soube que houve desentendimentos quanto aos pagamentos/comissões, mas desconhece os pormenores. A quarta testemunha, mãe do Autor, descreveu como o filho seguiu as pisadas do Pai, e depois foi trabalhar com o P., em 2017, pessoa que conhece; referiu que achou que para o filho a parceria tornaria o seu trabalho mais dinâmico, e que acha que tal colaboração com as Rés, durou até ao início da Pandemia. O mais que soube, foi o Autor que lhe contou. Mais disse acho que filho tinha alguns sintomas, que parecia depressão, inculcando a inexistência de qualquer diagnóstico ou relatório clinico. A quinta testemunha, funcionária da 1ª Ré, depôs sobre o relacionamento profissional que manteve com o Autor e como se apercebeu do tipo de colaboração que teria, pois não participou das negociações; referiu que inicialmente o Autor prestava apoio administrativo, mas depois deixou de cumprir esse apoio, e exemplificou, fazendo o reporte ao inicio dessa colaboração e aos últimos tempos. Disse que deixou de ver o Autor de todo a partir de meados de 2020, e que acha que o Autor podia aceder ao email empresarial, a partir de casa, simplesmente optava por não o fazer; o mesmo com o telemóvel; de relevante referiu que durante a sua licença de maternidade, chegou a receber telefonemas de clientes do Autor que afirmavam que não o conseguiam contactar para resolver os seus sinistros ou outros assuntos. Disse ainda que ouviu ao P. que este pediu ao Autor para ir mais vezes ao escritório, por causa da ausência da testemunha e este recusou. A sexta e ultima testemunha, esposa do gerente da 2ª Ré e mãe de sócia desta, depôs sobre o conhecimento que já tinha do Autor e do Pai deste, e de como o relacionamento do Autor com as Rés decorreu em 2017 e 2018; referiu que em meados de 2019, um problema pessoal do Autor fez com que deixasse de ir ao escritório, clientes que queriam falar com ele e não conseguiam, os colegas sem saber da carteira de clientes dele, pois que até aí tudo corria bem (parceria). Mais depôs que esteve presente, numa reunião, havida no início de 2020, onde estiveram presentes, o P. e o seu marido V. e a própria, além do Autor e que lhe disseram que “ou passava a ir ao escritório, e recebia os 100% ou que passava a receber 50%”. Relevaram ainda as declarações de parte do Autor, que visaram esclarecer os factos controvertidos, em termos de contratação e de contactos após 2019. Neste tocante e de relevante, disse como iniciaram a parceria, e quais os benefícios para uns e outros, esclarecendo porque em seu entender beneficiava todos. Explicou a relevância da pouca sinistralidade na sua carteira de clientes, por contraponto com a sinistralidade na carteira de clientes da 1ª Ré, referindo que logo desde inicio teve desavenças com a 2º Ré, porque estavam 6/7/8 meses sem lhe pagar. De relevante disse que em 2017 e 2018, correu tudo na normalidade contratual, e que quando precisava de algo lidava com o P. e só depois com o V. Referiu que em finais de 2019, a situação alterou-se com a gravidez da funcionária P., testemunha ouvida, e que lhe pediram para assegurar o trabalho administrativo daquela, mas só quando chegou ao final do ano é que se apercebeu que não seria remunerado por isso, o que o desagradou. Acresce que nessa altura há um grupo espanhol a querer entrar para o Grupo P. e em Janeiro de 2020, o P. e o V. reúnem consigo e vêm tentar alterar unilateralmente as comissões acordadas, as percentagens dessas remunerações, disse por causa desse grupo “tinham, de começar a pagar de outra forma”. Disse ainda que, logo em Fevereiro passaram a pagar a 50%, toda a carteira, e que tendo o Autor celebrado novos contratos em 2020, não lhe pagavam qualquer comissão (porque eram contratos novos celebrados ao balcão das instalações da Ré). Admitiu que “na reunião disse que ia pensar….”, mas os Réus alteraram os pagamentos e então começou a Pandemia, e tudo se alterou. Referiu que em Maio ou Junho de 2020, revê nova reunião com P., mas a partir daí procurou um advogado e não mais falaram. Admite que Março de 2020, foi sua ultima deslocação às instalações das Rés; admite que Março de 2020, foi ultimo acesso ao email das empresas. De relevante referiu que chegou aos valores em falta e referidos na PI, com base no que auferiu em 2019, baseando-se num calculo aritmético. De muito relevante no final do seu depoimento refere que parceria era benéfica porque o Autor perdia trabalho administrativo, que se percebeu, não gostava e a Ré P. ganhava em rapel, ie ficava com carteira de clientes de sinistralidade baixa, baixando o rapel em geral da carteira de clientes. Explicou qual a afectação psicológica que os factos tiveram em si. Os factos não provados foram assim considerados, ora em face da total ausência de produção de prova, pela parte a quem incumbiam, seja o Autor quanto à sua afectação psicológica e graves dificuldades financeiras, quando sequer os valores em concreto não foram precisamente apurados, ora em face da prova dos factos contrários, no tocante aos documentos juntos e depoimentos prestados pelas testemunhas, quanto à prestação realizada pelo Autor, colaborador e não funcionário, no âmbito das obrigações que assumira em contrato reduzido a escrito. Acresce que, alicerçado nos documentos juntos aos autos, é de todo impossível computar os valores alegados pelo Autor, que admitiu/confessou em sede de declarações de parte, que elaborou a partir de simples cálculo aritmético com valores pagos em 2019, pois refere que em 2017 e 2018, tudo corria bem, só com a possibilidade de entrada de nova empresa (facto que sequer fora por si alegado) ou com pedido de colaboração extra ao nível administrativo (facto que sequer fora por si alegado), conduziram ao desfecho da relação profissional entre todos”.
Resulta da al. d) do nº 2 do art.º 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve determinar (mesmo oficiosamente) que, “não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Como explica António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 332), “o actual art.º 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava”, ficando “claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”. E mais explica (pág. 335) que “sendo a decisão do tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, tais como depoimentos testemunhais, documentos particulares sem valor confessório, relatórios periciais ou declarações de parte a que não corresponda confissão, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo art.º 640º, a Relação, assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia”.
Assim, e como corolário deste entendimento, sustenta (pág. 354) que a anulação do julgamento de facto, nas situações previstas no art.º 662º do Código de Processo Civil, “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vectores da celeridade e da eficácia”. Nessa medida conclui (pág. 356‑357) que a “Relação actua como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de 1ª instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou de alteração da decisão recorrida”, sendo essa função “exponenciada com os novos poderes que foram atribuídos à Relação no que concerne à renovação de meios de prova ou à produção de novos meios de prova”. E que “já é como tribunal de cassação que a Relação se assume quando determina a anulação com fundamento na necessidade de ampliar o julgamento a factos relevantes para a decisão da causa”, e sendo que “no que concerne “às demais situações, a opção pela substituição ou pela cassação depende das concretas circunstâncias”.
Do mesmo modo, explica Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, pág. 486) que “o exercício do poder de rescisão ou cassatório conferido por este preceito deverá, pois, entender-se como subsidiário relativamente aos poderes de reapreciação ou reexame dos pontos da matéria de facto questionados no recurso, só tendo lugar quando se revele absolutamente inviável o eficaz e satisfatório exercício destes pela Relação”.
É certo que este Tribunal da Relação de Lisboa afirmou já, no acórdão de 23/1/2024 (relatado por José Capacete e disponível em www.dgsi.pt), que na motivação da decisão de facto “deve o juiz desenvolver uma argumentação justificativa da qual hão-de resultar as boas razões que a fazem aceitar razoavelmente, ou seja, deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão”, devendo da mesma resultar inequívoco que “foi tomada em todos os seus aspectos de maneira racional, à luz de critérios objectivos e controláveis de valoração, e, consequentemente, de forma imparcial”, e assim se concluindo nesse acórdão que “não estando motivada a decisão proferida sobre cada um dos pontos de facto impugnados, deve a Relação determinar, mesmo oficiosamente, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., a devolução do processo ao tribunal de 1.ª instância, para que aí se proceda a tal motivação, revelando aquele preceito que a falta ou a deficiência da motivação da decisão da matéria de facto não constitui causa de nulidade da sentença, antes dando lugar ao uso, pela Relação, do denominado poder cassatório ou rescisório mitigado”.
Entende-se, todavia, não ser de acompanhar essa interpretação do preceito legal em questão (que se tem por demasiado apegada ao elemento literal), já que a referida subsidiariedade do denominado poder rescisório mitigado demanda que se atente às concretas circunstâncias em que se moveu o tribunal recorrido, bem como à forma como o recorrente vem impugnar a decisão de facto, e só sendo de determinar à instância recorrida que complete a fundamentação da decisão de facto se não se conseguir apreender a racionalidade da mesma (embora imperfeitamente expressa), assim ficando comprometido o duplo grau de jurisdição, no que respeita ao julgamento da matéria de facto.
Ora, no caso concreto é possível afirmar que a motivação do tribunal recorrido para dar como provada a materialidade que consta dos pontos 14 e 16 a 32, e para dar como não provada a materialidade que consta dos pontos 34 a 40, tal como a mesma consta acima reproduzida, ainda que apresente imperfeições, não compromete a referida autonomia decisória deste tribunal de segunda instância, na formação da sua própria convicção sobre cada um dos pontos de facto em questão (do mesmo modo que não comprometeu o adequado exercício do direito do A. à impugnação da decisão de facto).
Dito de outra forma, porque resulta da alegação do A. que o exercício do seu direito à impugnação da decisão de facto não ficou inviabilizado (ou, sequer, limitado) em razão das imperfeições da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida, do mesmo modo que o exercício dos poderes deste Tribunal da Relação, enquanto tribunal de substituição no que respeita ao julgamento dos pontos de facto impugnados, não fica inviabilizado (ou, sequer, limitado) por tais imperfeições, é de afastar a pretendida anulação da decisão de facto quanto aos pontos identificados (tendo em vista a correcção da sua fundamentação pela instância recorrida), antes havendo que proceder à reapreciação dos meios de prova para a formulação de um juízo autónomo sobre a verificação da factualidade impugnada pelo A., nesta instância de recurso, o que se fará de seguida.
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A discordância do A. relativamente ao julgamento dos pontos de facto que concretizou assenta essencialmente no teor das suas declarações, quando conjugadas com os depoimentos das testemunhas que identificou (o seu pai, M., a sua mulher, L., e o seu amigo A.F.), por entender que daí se retira a demonstração da matéria que consta dos referidos pontos 34 a 40 e ainda aquela elencada na conclusão JJ.
Do mesmo modo, entende o A. que os depoimentos das testemunhas P. e I. não se revelam suficientes para a demonstração da matéria que consta dos pontos 14 e 16 a 32, que é igualmente afastada pelo teor das suas declarações, corroboradas pelo depoimento do seu pai.
Começando pela matéria que se prende com o acordado entre o A. e cada uma das RR., aquele não coloca em crise os pontos 6 a 8, de onde resultam as estipulações relativas aos serviços a prestar pelo A. a cada uma das RR., nos termos do clausulado nos contratos reduzidos a escrito. Mas porque entende que tais serviços não compreendiam qualquer vertente administrativa nem a permanência nas instalações de cada uma das RR., nos termos em que estas o interpelaram, pretende que se dê como provado, não só que cumpriu com os serviços a que se tinha obrigado perante cada uma das RR., mas igualmente que passou a prestar serviços que não tinham sido acordados, do mesmo modo devendo ser dada como não provada a factualidade que se prende com a não realização dos serviços a que estava obrigado.
Todavia, e desde logo a partir do depoimento da mulher do A., resulta evidente que cabia ao A. estar nas instalações das RR., a prestar serviços que se podem qualificar como tendo uma vertente administrativa (por contraponto a uma vertente comercial). Com efeito, e ainda que esta testemunha tivesse demonstrado desconhecimento relativamente a alguns aspectos mais concretos do relacionamento mantido entre o A. e as RR., a mesma logrou esclarecer, com objectividade adequada, como é que o A. prestava os seus serviços, afirmando a existência de um horário para o mesmo se encontrar nas instalações de ... (da 1ª R.), que tem memória de ser de manhã, e justificando até tal afirmação com a circunstância de o casal só possuir um veículo automóvel, pelo que “deixava o D. muitos dias no escritório”. Do mesmo modo, revelou esta testemunha que não havia diferença entre as funções da P. e do A., um e outro atendendo os clientes que aí se deslocavam, e tratando ainda o A. de sinistros, além de tratar de outros seguros.
Esse mesmo circunstancialismo emerge do depoimento da referida P. (que prestou serviços para a 1ª R. entre 2009 e 2022), a qual explicou que o A. foi seu colega entre 2017 e 2020, após ter juntado a carteira que tinha à carteira da 1ª R., indo ao escritório da 1ª R. “não sei precisar quantos dias por semana, que era o que estava estipulado”, dando “apoio administrativo” e gerindo a sua (do A.) carteira, para além de ajudar na gestão da “carteira geral do escritório” e de tratar de “toda a gestão dos sinistros”, tendo a “responsabilidade de contactar os clientes, de contactar as companhias, para fazer o ponto de situação dos sinistros, registar no nosso sistema e ir dando o ponto de situação aos clientes”.
Do mesmo modo, a testemunha I. (mulher do representante da 2ª R., amiga do representante da 1ª R. e que também presta funções para a 2ª R.) confirmou que cabia ao A. “tomar conta da parte dos sinistros e também como gestor de clientes”, no escritório da 1ª R., onde “dava assistência aos clientes que entravam no escritório”, designadamente atendendo os “próprios clientes dele” (ou seja, aqueles que já faziam parte da carteira do A. que passou a estar integrada na carteira de cada uma das RR., como resulta do ponto 6 dos factos provados, não impugnado), e sendo tal atendimento feito “em conjunto comigo e com a colega P.”. E mais justificou o conhecimento dessa actuação do A. porque “antes da pandemia [ou seja, antes de 2020] eu até ia muito mais vezes que uma vez por semana, ia duas, três vezes”, ao escritório da 1ª R. em ..., justificando as suas deslocações e do seu marido ao referido escritório (apesar de a ligação de ambos ser à 2ª R.) com a circunstância de ser aí que se encontrava o representante de ambas das RR. (P.) e de as reuniões entre os sócios (o seu marido e o P.) ocorrerem no escritório da 1ª R., por ser “muito maior”.
Do mesmo modo, ainda, o depoimento da testemunha P. apresenta-se como objectivamente apto ao estabelecimento do início de 2020 como o momento em que o A. deixou de comparecer nas instalações da 1ª R. como fazia até então, do mesmo modo deixando de atender clientes, designadamente os clientes da carteira do A., e não fazendo qualquer novo seguro. Com efeito, e quanto a esta delimitação temporal, resulta do depoimento da testemunha em questão que a mesma esteve em exercício de funções até ter o seu filho em Março de 2020, em momento coincidente com o início do primeiro confinamento (por força da situação pandémica originada pela Covid‑19). Pelo que é a partir daí que se consegue retirar que o A. já não comparecia nas instalações da 1ª R. nem atendia clientes quanto a referida P. ainda estava ao serviço, porque a mesma explicou que teve de ser ela, mais de uma vez, a atender os referidos clientes da carteira do A., face à ausência do mesmo. E a referida testemunha afirmou ainda, de forma objectivamente credível, que todos os restantes serviços referidos no ponto 14 também deixaram de ser prestados pelo A., incluindo a entrega dos recibos relativos aos valores das comissões pagas ao A.
Do mesmo modo, a partir das declarações do A., conjugadas com o teor da mensagem de correio electrónico que enviou à 1ª R. em 30/1/2020 (corresponde ao documento 1 junto com o requerimento de 11/10/2022), consegue-se antever a explicação para tal comportamento do mesmo. Com efeito, o A. explicou que, perante a gravidez da P. e a “possibilidade de ficar a assumir o trabalho administrativo total da empresa no escritório de ...”, ainda no final de 2019, percebeu que não iria ter “qualquer tipo de contrapartidas por fazer esse trabalho”, situação com a qual não concordava, pelo que a partir de Janeiro “já estava a trabalhar um bocadinho na dúvida para perceber exactamente aquilo que me iriam colocar”. Ou seja, a discordância do A. relativamente ao que antevia ir suceder após o nascimento do filho da P. expressou-se, no que respeita ao exercício das suas funções a partir de 2020, na ausência das instalações da 1ª R. (e na correspondente omissão do exercício de funções, nos termos que se havia obrigado), tendo em vista forçar uma alteração dos contratos assinados em 2017, desde logo com um acréscimo remuneratório (para o qual, inclusive, fez à 1ª R. a proposta que consta da mensagem de correio electrónico de 30/1/2020).
Tal conduta omissiva do A. foi igualmente confirmada pela referida testemunha I., de forma objectiva e credível, tendo presente a ligação existente com as RR. e com o escritório de ... da 1ª R., nos termos já acima referidos.
E esta mesma testemunha relatou ainda a existência da reunião referida no ponto 15 (não impugnado), explicando que nessa reunião “lhe dissemos [ao A.] que ele ou continuaria a fazer o serviço de escritório e continuava a receber os 100% ou então se ele continuasse assim tinha que ser reduzidos os 100% para os 50% porque havia as outras pessoas que estavam a fazer o serviço que ele devia estar a fazer”.
Tal testemunha confirmou ainda que o A. manteve a mesma conduta omissiva após tal reunião, o que está em linha com a afirmação da ausência do A. do escritório da 1ª R., tal como referiu a testemunha P., e que perdurou até ao início da licença de maternidade desta.
Ou seja, a partir dos contratos referidos em 5 dos factos provados tem-se por assente que o A. se obrigou perante cada um das RR. a:
• Angariar clientela (ponto 5.1);
• Assistir e fazer o apoio após venda necessário à manutenção da sua carteira de clientes (ponto 5.3);
• Realizar trabalho de apoio e angariação comercial ao cliente (ponto 6.2);
• Estar presente nas instalações de cada uma das RR. das 14.30h. às 18.30h. para gerir, tratar e resolver todos os processos de sinistros da carteira de cada uma das RR. (pontos 6.5 e 7.7).
Essa presença do A. materializava-se nas instalações da 1ª R., tal como emerge do acima referido, aí realizando as funções de assistência e apoio após venda, a par da referida gestão dos sinistros da carteira de cada uma das RR., no âmbito de um horário pré-determinado. Ou seja, tais funções do A. assumiam, nesta parte, a referida vertente administrativa referida pela mulher do mesmo e por P., e deviam ser desempenhadas nas instalações da 1ª R., assim sendo de afastar o entendimento do A., expresso nas suas declarações, de que não tinha de “assumir trabalho administrativo” nem tinha de permanecer nas referidas instalações (pelo menos no horário estipulado).
E não restam dúvidas, a partir dos depoimentos de P. e de I., que desde Janeiro de 2020 o A. deixou de comparecer nas instalações das RR., igualmente deixando de realizar as referidas funções que até aí realizava, do mesmo modo se devendo concluir que tal ausência decorreu da vontade exclusiva do A., desde logo por entender que não lhe assistia estar presente nas instalações da 1ª R. a desempenhar as mesmas funções que a sua colega P. aí desempenhava, a não ser que houvesse lugar a um acréscimo de remuneração.
Assim, desde logo não merece qualquer acolhimento a conclusão do A., no sentido de que cumpriu com os serviços que se tinha obrigado perante cada uma das RR. E carece igualmente de qualquer verosimilhança o afirmado pelo A. no âmbito das suas declarações, no sentido de ter continuado a desempenhar as suas funções como até então, e de a sua remuneração ter sido reduzida para metade por causa de um grupo espanhol, que “entrou dentro da empresa [a 1ª R.] salvo erro no início do ano de 2020”, desde logo porque esse surgimento do referido grupo espanhol não é afirmado por mais ninguém, inexistindo qualquer indício, por ténue que seja, da existência de alterações societárias (desde logo as certidões do registo comercial juntas aos autos 12/5/2022 não evidenciam quaisquer alterações), ou de uma ligação entre alterações societárias (ainda que irregulares) e a alteração dos pagamentos efectuados por cada uma das RR. ao A.
Mas já se apresenta como verosímil que na reunião de Janeiro de 2020 o A. tenha sido confrontado com a referida ausência do escritório da 1ª R. e suas consequências, nos termos descritos pela referida I.
E, por esta via, também é de afirmar a inverosimilhança das declarações do A., quando o mesmo sustenta que teve de começar a prestar serviços que não tinham sido acordados, já que aquilo que sucedeu foi exactamente o oposto, ou seja, o A. deixou de efectuar os serviços que se havia obrigado e manteve essa conduta omissiva, mesmo depois de ter sido interpelado na referida reunião para efectuar tais serviços, sob pena de ver reduzida a metade a remuneração correspondente às comissões dos seguros da carteira que entregou às RR.
Tal conduta omissiva retira-se ainda do teor das mensagens de correio electrónico que o A. enviou à 1ª R. em 13/3/2020 e em 27/4/2020 (correspondem ao documento 2 junto com o requerimento do A. de 11/10/2022 e ao documento 4 junto com a contestação), com o assunto “Documento Excell Propostas de Alienação de carteira” de onde resulta claro que a posição assumida pelo A. foi no sentido de cessar o relacionamento contratual iniciado em 1/4/2017, adquirindo a 1ª R. a carteira do A., e não manifestando o mesmo qualquer intenção de voltar a desempenhar os serviços que se havia obrigado, nos mesmos termos em que o havia feito até ao final de 2019. Do mesmo modo, tal posição resulta do teor das suas declarações, quando o mesmo reconhece ter comunicado ao representante da 1ª R. que se ia inteirar do que era possível fazer no seguimento da cessação da relação contratual, designadamente para transferir a carteira ou para a mesma ser comprada pelas RR.
A restante prova produzida, com destaque para o depoimento do pai do A., não tem qualquer virtualidade para afastar tal entendimento. Com efeito, e no que respeita especificamente ao depoimento do pai do A., ainda que o mesmo tenha ensaiado afirmar o conhecimento da forma como o A. acordou a prestação de funções para as RR., a par do exercício dessas funções, constata-se que tudo o que sabe foi aquilo que lhe foi transmitido exclusivamente pelo A., e que nem sequer lhe terá sido tudo transmitido contemporaneamente ao momento da prática dos factos, mas antes em momento posterior, e ainda assim de forma selectiva. Com efeito, e no que respeita ao início do litígio que se instalou entre o A. e as RR., o pai do A. relatou que o seu filho só lhe explicou que as RR. tinham passado a pagar metade das remunerações que antes pagavam, sem adiantar outras explicações e recusando a colaboração do seu próprio pai para dialogar com os responsáveis das RR., o que justificava plenamente em razão da relação de amizade que existia entre eles. O que só denota a referida selectividade da informação prestada pelo A. ao seu pai, e havendo então que concluir pela inexistência de qualquer conhecimento por parte da testemunha relativamente à factualidade dos pontos 14, 16 a 32, 34 e 35, a determinar a irrelevância do depoimento em questão para a formação da convicção deste tribunal relativamente a tal factualidade.
No mais, que respeita às consequências patrimoniais e não patrimoniais da cessação da prestação de serviços do A. às RR., estão demonstrados quais os valores entregues por cada uma das RR. ao A. em 2020, estando igualmente demonstrado que em 2021 e 2022 não foi paga qualquer quantia ao A.
E pese embora seja de admitir, a partir das declarações do A., conjugadas com os depoimentos da sua mulher e do seu pai, que a única fonte de rendimento do A. era a que resultava das remunerações pagas por cada uma das RR., nos termos referidos em 6 dos factos provados, o que significa, segundo juízos de experiência comum, que a diminuição desse rendimento em 2020 (recorde-se que o A. viu reduzido para metade o valor das remunerações pagas pela 1ª R., como emerge do ponto 30 dos factos provados) e a sua cessação em 2021 e 2022 representou a falta de uma fonte de rendimento com a qual o A. pudesse fazer face às despesas do seu agregado familiar (como é normal com os rendimentos profissionais), importa não esquecer que essa quebra de rendimento não decorre da “supra descrita actuação das RR.”, mas da actuação omissiva do A.
Pelo que não há que dar como provada a matéria do ponto 36 dos factos não provados, do mesmo modo que se torna irrelevante estar a conhecer da verificação da factualidade a que correspondem os pontos 37 a 40, porque a mesma pressupunha que a falta de rendimentos do A. decorria de uma conduta das RR. que não está verificada.
De todo o modo, e ainda relativamente às afecções psíquicas do A., não obstante a sua mulher e o seu pai tenham referido estados de ansiedade, tristeza, angústia e frustração do A., por ter deixado de colaborar com as RR., tais referências são demasiado genéricas para se poder afirmar a referida patologia. E quanto ao teor dos três atestados de incapacidade juntos com o requerimento do A. de 11/10/202 (documentos 3 a 5), também não têm essa potencialidade, já que ali só se refere uma incapacidade para o trabalho por doença natural, inexistindo outros documentos de natureza médica que comprovem tais estados psíquicos e que estabeleçam um qualquer nexo causal com a alteração da situação patrimonial do A.
Por último, e ainda relativamente à matéria elencada na conclusão JJ, e que o A. pretende que se trata de matéria factual relevante e que deve integrar o elenco de factos provados, torna-se patente que os cinco pontos em questão correspondem apenas a repetições de pontos de facto já considerados no elenco de factos provados e não provados, acrescentados de juízos conclusivos e que, por isso, não constituem proposições de facto, não devendo assim ser considerados no elenco de factos provados.
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Em suma, as passagens da prova gravada que o A. identificou, quando conjugadas com o restante teor das declarações do A. e dos depoimentos testemunhais em questão, e bem ainda com a prova documental produzida, não são de molde a afirmar a procedência das conclusões do recurso do A., no que respeita à impugnação da decisão de facto, assim se mantendo a mesma, tal como consta da sentença recorrida e acima foi reproduzida.
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Das prestações pecuniárias e da indemnização por danos não patrimoniais
Na sentença recorrida ficou assim fundamentada a inexistência do direito do A. aos montantes peticionados:
“Neste caso, reduzidos a escrito, temos quatro contratos, dois para cada Ré, um intitulado de Parceria e outros dois de Prestação de serviços, aquele que se prende com a Autoridade Nacional de Seguros e fusão de carteiras de seguros, e este com uma simples prestação de serviços, com autonomia, sem confusão com contrato laboral, como a única missiva do Autor às Rés parece inculcar. Ora quanto ao clausulado, quanto ao pagamento de comissões, quando e qual a sua periodicidade, temos os factos supra apurados. Já quanto à actuação das partes e suas consequências, temos igualmente os factos supra apurados. Importa atentar que ao Autor incumbia o ónus da prova dos factos constitutivos do direito que sobre as rés se arrogou, conforme art.º 342º, n.º 1 do CC, seja em termos de prova, seja desde logo em termos de alegação factual, limitando-se a permitir ao Tribunal aferir do clausulado em 7º quanto a remuneração do contrato de parceria. Nada mais alegou quanto a contratos na sua carteira pessoal (pois que doc. 4 são os contratos da PVS), contratos angariados na vigência da parceria e em que ano, que seguradora e que valores foram por estas pagos ao “primeiro outorgante”, vg as Rés, para pagarem ao “segundo outorgante” o aqui Autor. E veja-se esta não é uma acção especial de prestação de contas, ou de entrega de documentos, pois nenhuma destas pretensões foi pelo Autor deduzida. (…) De resto, da prova testemunhal produzida, (…) a carta enviada pelo Autor em 20 de Janeiro de 2021, veja-se de um ano após as “dificuldades”, já munido de advogado em que se limita a imputar “incumprimento contratual das Rés” sem concretizar a actuação destas e as clausulas efectivamente violadas, os emails de fls. 47, 47 v. e mapa, 41 v. e 50, que revelam a intenção do Autor se desvincular da “Parceria”, mediante a venda da sua carteira de clientes, sem acordo quanto a valores ou prazos, tudo revela que foi o Autor quem se afastou das Rés e das obrigações que assumira perante estas. É certo, nenhuma das partes logrou provar qualquer alteração contratual por acordo, mas lograram as Rés comprovar o incumprimento do acordado com as Rés, pelo Autor, pelo que pelo menos, em termos de excepção peremptória impeditiva de qualquer direito de crédito que o Autor lograsse comprovar ter direito, seria inviabilizado, Incumbia ao Autor alegar e provar o serviço que prestou, quando, como, quais os valores devidos e quando; não logrou, fazê-lo, não se verificando a presunção legal a que alude o art.º 799º do CC. De resto, a sua carteira de clientes, ficou nas Rés, porque nada fez, abandonou pura e simplesmente as suas funções para com os seus antigos clientes, como para com os angariados após a parceria. Finalmente não resulta provado qualquer nexo causal entre a situação verificada e até criada pelo Autor, com a manifesta incapacidade de por termo ao relacionamento comercial de outra forma que não o abandono, e a situação psicológica do Autor, pelo que se não pode assacar às rés qualquer responsabilidade por acto ilícito, gerador de obrigação de reparação/indemnização, como preconizado. Improcede assim, por não provada, a acção”.
O fundamento invocado pelo A. para a revogação da sentença recorrida (e sua substituição por decisão que condene as RR. no pedido, considerando já a alteração do mesmo entretanto admitida) assenta primordialmente na alteração dos fundamentos de facto utilizados nessa sentença recorrida (em razão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto).
Com efeito, argumenta o A. que a peticionada alteração da factualidade provada “traduzirá, de modo inequívoco, o incumprimento pelas RR/Recorridas dos termos acordados com o A/Recorrente e que eram pressupostos dos serviços que este se comprometeu a prestar”, tendo presente que o A. “assumiu e realizou tarefas e serviços não contratados, após o que – com o pagamento do mês de Fevereiro de 2020 – logo percebeu que as RR/Recorrentes haviam reduzido, por decisão unilateral, o valor devido, concretamente a percentagem de comissão que lhe era devida”, tendo ainda presente que as RR. “não produziram qualquer prova quanto à existência de incumprimento contratual pelo A/Recorrente”.
Mas mantendo-se a decisão relativa à matéria de facto, mantém-se igualmente a afirmação do incumprimento do A. relativamente à sua presença nas instalações da 1ª R. e à prestação dos serviços convencionados.
Por outro lado, vem o A. colocar em crise as consequências desse incumprimento, tendo presente que as RR. “nunca hajam resolvido os contratos, interpelado o A/Recorrente para o cumprimento ou, de resto, tomando qualquer posição que indiciasse a existência desse mesmo incumprimento (do A/Recorrente) que apenas em sede de Contestação vieram a alegar ter existido”.
É certo que há que fazer a distinção entre o incumprimento definitivo e a simples mora.
Com efeito, a falta de cumprimento consiste na não realização da prestação convencionada, com carácter definitivo, distinguindo-se da simples mora, ou seja, do atraso desse cumprimento. E esse incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios:
• A impossibilidade da prestação, por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva (art.º 801º do Código Civil);
• A perda de interesse do credor na prestação, em consequência de mora do devedor, ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (art.º 808º do Código Civil);
• O decurso de prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou
• A recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação do prazo suplementar.
No caso concreto o A. parece ignorar que estipulou com cada uma das RR. (ponto 12.2 de cada um dos denominados contratos de parceria) que “ocorrerá a rescisão com carácter automático e independentemente de qualquer aviso ou notificação, na hipótese do não cumprimento das obrigações estabelecidas neste contrato por qualquer das partes”.
Tal estipulação não foi colocada em crise por qualquer forma, não havendo que questionar a sua validade e eficácia. Pelo que, colocadas as RR. perante a falta de cumprimento, pelo A., dos serviços que se havia obrigado, e tendo advertido o mesmo no sentido de retomar o cumprimento dos mesmos serviços em relação à 1ª R., o que o A. não fez, não careciam de lhe dirigir nova interpelação, bastando a comunicação da cessação imediata dos efeitos dos contratos celebrados.
Estando demonstrado (ponto 27) que tal comunicação da cessação imediata dos efeitos dos contratos celebrados foi efectuada em Abril de 2020, fica afastada qualquer consideração sobre a manutenção da relação contratual e, consequentemente, sobre a manutenção das obrigações pecuniárias emergentes desse contrato, por parte das RR.
De todo o modo, e como igualmente se refere na sentença recorrida (em termos que não mereceram qualquer discordância ou oposição do A.), o incumprimento pelo A. das prestações que estava obrigado, por via dos contratos celebrados com as RR., sempre permitia a estas lançar mão da excepção do não cumprimento do contrato prevista no art.º 428º do Código Civil, recusando o pagamento das retribuições correspectivas, enquanto o A. não voltasse a comparecer nas instalações da 1ª R. e aí voltasse a prestar os serviços estipulados.
Pelo que, igualmente por esta via, não assiste ao A. o direito ao recebimento das retribuições que invoca estarem em falta, nem tão pouco o direito a ser ressarcido de quaisquer danos não patrimoniais, porque não se verifica qualquer actuação ilícita e culposa das RR. que tenha causado os danos invocados (e não demonstrados).
Em suma, na improcedência das conclusões do recurso do A., igualmente quanto a esta questão, não há que fazer qualquer censura à sentença recorrida.
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DECISÃO
Em face do exposto:
a. confirma-se a decisão que indeferiu a junção dos documentos apresentados pelo A. em 18/9/2023;
b. confirma-se a decisão que indeferiu a notificação das RR. para junção de documentos em poder das mesmas;
c. revoga-se a decisão que indeferiu a alteração do pedido, que se substitui por esta outra em que se admite a alteração do pedido, nos termos requeridos em 4/10/2023 pelo A.;
d. confirma-se a sentença que absolveu o A. do pedido, já considerando a alteração do mesmo.
As custas do recurso interposto em 24/10/2023 são suportadas pelo A. e pelas RR., na proporção de 2/3 para o primeiro e de 1/3 para as segundas.
As custas do recurso interposto em 26/6/2024 são suportadas pelo A.
13 de Março de 2025
António Moreira
Inês Moura
Pedro Martins