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ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
ENTREGA
MORA
INDEMNIZAÇÃO TARIFADA
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
Sumário
I – A norma do artigo 1045º, CC, relativa à indemnização pelo atraso na restituição da coisa (locada), consagra um critério especial de quantificação do montante indemnizatório, tarifando-o e afastando a possibilidade do seu cálculo com base nas regras gerais previstas nos artigos 562º e ss, CC e também a sua predefinição pelas partes em valor superior, por meio de cláusula penal. II – A posição doutrinária e jurisprudencial clássica associou a resolução do contrato à indemnização do interesse contratual negativo, de molde a colocar o credor na posição em que estaria se não o tivesse celebrado, tendo por base quer o efeito retroativo da resolução (cfr. artigo 434º, CC), quer a premissa de que o credor que resolve o contrato não pode exigir o seu cumprimento. III – Tal tese tem vindo a ser superada, defendendo-se atualmente uma análise casuística, que avalie a justeza e a adequação da indemnização devida em face dos contornos do caso concreto, dos princípios da boa fé e do equilíbrio contratual, que poderão determinar a compatibilização da resolução com a indemnização do interesse contratual positivo do credor. IV – Em face da fixação de valores de renda mensais elevados, e do apuramento da celebração de novos contratos de arrendamento no período subsequente à resolução, mostra-se desajustada a fixação da indemnização devida ao credor (senhorio) nos valores equivalentes à execução dos contratos (resolvidos) até ao seu termo (interesse contratual positivo. V – A cláusula inserida em contratos de arrendamento comercial com o seguinte teor: “Sem prejuízo da sua revogação por acordo das partes ou de resolução em caso de incumprimento da INQUILINA, não é possível a denúncia ou rescisão antecipada do contrato antes do termo do prazo inicial de cinco anos de duração”, limita-se a proibir a denúncia antecipada do contrato pelo arrendatário, salvaguardando a faculdade de resolução pelos senhorios, não contendo qualquer previsão indemnizatória, designadamente quando tal faculdade seja exercida (como foi).
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I - RELATÓRIO
Os autores, A e A, identificados nos autos, instauraram, em 28-03-2022, contra os réus, “O G - Actividades Hoteleiras Lda”, “Pastelaria H, Lda.”,C, D, E e F, também identificados nos autos, a presente ação declarativa comum, pedindo:
A)-O reconhecimento da invalidade da resolução dos contratos de arrendamento celebrados em 28-02-2019 entre os Autores e as sociedades comerciais Rés e por estas operada, com fundamento na alteração das circunstâncias, datada de 29 de dezembro de 2021;
Subsidiariamente, caso se considere válida a resolução, a condenação da Ré O G e os Réus pessoas singulares, solidariamente, no pagamento aos autores no pagamento de € 7.500,00 por cada um dos meses de janeiro a março de 2022 e meses vincendos até efetiva restituição do locado, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento, e a sociedade Ré Pastelaria H e os Réus pessoas singulares, solidariamente, no pagamento de € 9.000,00 por cada um dos meses, desde janeiro a março de 2022 e meses vincendos, até efetiva restituição do locado, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento, a título de indemnização pela mora na restituição do locado (correspondente ao triplo da renda).
B) O reconhecimento de que os Autores fizeram válida e extrajudicialmente operar a resolução dos contratos de arrendamento dos autos, celebrados em 28-02-2019, por falta de pagamento das rendas vencidas nos meses de dezembro de 2021, janeiro e fevereiro de 2022, com efeitos à data de 9 de fevereiro de 2022.
C) A condenação de todos os Réus na restituição dos locados aos Autores.
D) A condenação das sociedades Rés e dos Réus pessoas singulares, solidariamente, no pagamento aos Autores das quantias não pagas, vencidas e vincendas, conforme acordo de 7 de maio de 2021, que se cifram em € 5.000,00, acrescidos de juros legais.
E) A condenação da sociedade Ré O G e os Réus pessoas singulares, todos fiadores, solidariamente, no pagamento das rendas vencidas, de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022 (no montante de € 7.500,00 acrescidos de juros moratórios legais) e em indemnização pela mora na restituição do locado (em triplo da renda), correspondente a € 7.500,00 por cada um dos meses de fevereiro e março de 2022 e meses vincendos até efetiva restituição do locado, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento.
F) A condenação da sociedade Ré Pastelaria H e os Réus pessoas singulares, todos fiadores, solidariamente, no pagamento das rendas vencidas, de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022 (no montante de € 9.000,00 acrescidos de juros moratórios legais) e em indemnização pela mora na restituição do locado (em triplo da renda), correspondente a € 9.000,00 por cada um dos meses de fevereiro e março de 2022 e meses vincendos até efetiva restituição do locado, acrescido de juros à taxa legal até efetivo pagamento.
Cumulativamente,
G) A condenação da sociedade Ré O G e os Réus pessoas singulares, todos fiadores, solidariamente, no pagamento de indemnização aos Autores, por terem incumprido a cláusula 3.ª n.º 2 dos contratos de arrendamento e, bem assim, incumprirem a sua obrigação de pagamento das rendas e de manutenção do estabelecimento em funcionamento, fazendo cessar o contrato de arrendamento antes de decorridos o período mínimo e obrigatório de vigência dos mesmos de 5 anos, em montante a liquidar em execução de julgado, devendo corresponder à diferença entre as rendas vencidas e vincendas a título de indemnização pela mora na entrega do locado e o valor global que, não fora a sua ilegal atuação, os Autores receberiam a título de rendas até ao final do contrato de arrendamento em fevereiro de 2024, acrescidos de juros à taxa legal.
Subsidiariamente, caso seja entendido diferentemente, sejam os mesmos Réus condenados solidariamente em indemnização aos Autores, a liquidar em execução de julgado, pela diferença entre as rendas que receberiam da Ré sociedade O G até ao final do contrato de arrendamento, em fevereiro de 2024 e as rendas que, eventualmente, venham a receber em tal período, caso logrem arrendar o imóvel.
H) A condenação da sociedade Ré Pastelaria H e os Réus pessoas singulares, todos fiadores, solidariamente, no pagamento de indemnização aos Autores, por terem incumprido a cláusula 3.ª n.º 2 dos contratos de arrendamento e a obrigação de pagamento das rendas e de manutenção do estabelecimento em funcionamento, fazendo cessar o contrato de arrendamento antes de decorridos o período mínimo e obrigatório de vigência do mesmo de 5 anos, em montante a liquidar em execução de julgado, devendo corresponder à diferença entre as rendas vencidas e vincendas a título de indemnização pela mora na entrega dos locados e o valor global que, não fora a sua ilegal atuação, os Autores receberiam a título de rendas até ao final do contrato de arrendamento em fevereiro de 2024, acrescidos de juros à taxa legal. Subsidiariamente, caso seja entendido diferentemente, sejam os mesmos Réus condenados solidariamente em indemnização aos Autores, a liquidar em execução de julgado, pela diferença entre as rendas que receberiam da Ré sociedade Pastelaria H até ao final do contrato de arrendamento, em fevereiro de 2024 e as rendas que, eventualmente, venham a receber em tal período, caso logrem arrendar o imóvel.
I) A execução específica da cessão de quotas das sociedades Rés, dos Réus para os Autores, substituindo-se o douto Tribunal à declaração negocial dos Réus, desde que se mostrem verificadas as condições previstas na cláusula 3.ª do contrato promessa de cessão de quotas, mais se reconhecendo a não verificação do direito dos Réus ao preço de € 20.000,00 por cada uma dessas cessões de quotas das sociedades, nos termos da cláusula 4.ª.
J) Cumulativamente, o reconhecimento de que os créditos emergentes da presente ação, dos Autores sobre todos os Réus, solidariamente, possam ser exercitados apenas sobre os Réus pessoas singulares, sem direito de regresso ou sub-rogação sobre as sociedades Rés, por estas passarem a ser detidas pelos Autores e credores.
K) Subsidiariamente, caso não se mostrem verificadas as condições da cláusula 3.ª ou não se reconheça a limitação do direito de regresso ou sub-rogação sobre as sociedades Rés, o reconhecimento de que os Réus não têm direito ao cumprimento da promessa de cessão de quotas, por não verificação das condições da cláusula 3.ª, extinguindo-se a respetiva obrigação de celebração do contrato de cessão de quotas definitivo.
Fundamentando tais pretensões, invocaram os autores, no essencial, que:
- Entre as partes foram celebrados contratos de arrendamento cuja resolução ocorreu por iniciativa dos autores, por falta de pagamento de rendas, não operando a pretensão dos Réus a tal resolução com fundamento na alteração das circunstâncias decorrente da pandemia por Covid.
- Dado que os Réus continuaram a dispor dos imóveis, ainda que encerrados ao público, é devido o pagamento das rendas respetivas e ainda indemnização por incumprimento contratual (cessação da vigência antes de decorrido o período mínimo de 5 anos);
- Foi também celebrado um contrato promessa de cessão de quotas, que deverá ser executado, verificadas determinadas condições, tendo os Réus perdido o direito ao preço.
*
Regularmente citados, os réus contestaram a ação, pugnando pela sua improcedência e deduzindo reconvenção, na qual peticionaram:
- A declaração da licitude da resolução dos contratos de arrendamento por eles operada com fundamento em alteração de circunstâncias;
- A execução especifica do contrato de promessa de cessão de quotas, condenando-se os Autores a pagar a quantia de € 20.000,00 (x2), correspondente ao preço.
Subsidiariamente:
- A redução, segundo juízos de equidade, das cláusulas penais invocadas pelos Autores, devendo ser tido em conta os montantes recebidos pelos Autores de terceiros a título de rendas na sequência do arrendamento dos locados que efetuaram após a resolução.
- A condenação dos Autores como litigantes de má fé no pagamento aos Réus E e Cde quantia não inferior a € 15.000,00.
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Os autores apresentaram réplica, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional, reconhecendo em tal articulado que os imóveis locados foram dados de arrendamento em julho de 2022.
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Realizada audiência prévia, foi admitido o pedido reconvencional, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e agendada a audiência final.
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Realizada audiência de julgamento, com produção de prova, foi proferida sentença que julgou a reconvenção improcedente e a ação parcialmente procedente, constando do seu dispositivo o seguinte:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, consequentemente, decido: a) declarar válida a resolução dos contratos de arrendamento celebrados entre as partes, operada pelos Autores - relativos às frações autónomas designadas pelas letras “C” e “A”, correspondentes, respetivamente, ao RC… e ao RC-…, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Av. … tornejando para a Rua ..., nº 1 e 1-A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo … - e, consequentemente, condenar: - os Réus “G – Atividades Hoteleiras, Lda.”, C e D, E e F, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia de € 7.500,00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o vencimento de cada uma até integral pagamento; - os Réus “Pastelaria H, Lda.”, C e D, E e F, solidariamente, a pagar aos Autores a quantia de € 9.000,00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde o vencimento de cada uma até integral pagamento; absolvendo-os do mais peticionado; b) julgar improcedente o pedido reconvencional. Mais decido absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé. Custas da ação pelos Autores e pelos Réus na proporção do decaimento.”. *
Não se conformando com a decisão proferida, os autores dela interpuseram recurso, pugnando pela sua alteração, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “A. A sentença ora recorrida julgou a ação parcialmente procedente, incorrendo em graves erros na fixação da matéria de facto, limitando-se a julgar procedente o reconhecimento da resolução dos contratos de arrendamento operada pelos autores e determinou a condenação da ré O G e de todos os réus pessoas singulares a pagar, solidariamente, aos autores a quantia de €7.500,00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde o vencimento de cada uma até integral pagamento, bem como a condenação da ré Pastelaria H e de todos os réus pessoas singulares a pagar, solidariamente, aos autores a quantia de € 9.000,00, a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde o vencimento de cada uma até integral pagamento. B. Aliás, os demais pedidos formulados pelos autores foram absolutamente desconsiderados pelo tribunal, resultando numa decisão que não abrangeu a totalidade das suas pretensões, sem a devida fundamentação que justificasse tal omissão. C. De ressalvar que a douta sentença recorrida não atendeu à prova documental e testemunhal produzida que, insiste-se, foi flagrante e total a favor da verdade que constituiu tudo quanto foi alegado pelos autores, sendo que, nenhuma prova, de coisa alguma, foi produzida pelos réus. D. Por sua vez, o tribunal considerou provado o facto 37, considerando que Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021 nem em qualquer outro momento até à presente data. E. A verdade é que os réus não entregaram as chaves dos imóveis arrendados na data de 31 de dezembro de 2021, vindo a fazê-lo após a resolução dos contratos em 9 de fevereiro de 2022, no dia 8 de abril de 2022, estando comprovado através de prova documental (junta com requerimento de 11/04/2022) e testemunhal por declarações de parte da autora que a devolução das chaves ocorreu em tal data. F. Sendo o facto provado em 37, até contraditório com o facto não provado em r). G. Em face do exposto, é imperioso que o facto 37 seja alterado passando a ser considerado como provado o seguinte: 37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021, fazendo-o apenas em 8 de abril de 2022. H. O Tribunal a quo não andou bem na apreciação dos factos 46 (provado) e f. e f. (não provados) supra reproduzidos, por várias ordens de razões. I. O tribunal recorrido desconsiderou o efeito cominatório e a confissão de factos realizada pelos réus nas suas contestações. Em 32 e 33 da petição os autores alegaram matéria a tal atinente e no artigo 60.º da contestação da Ré pastelaria H e do Réu E e mulher, foram admitidos por estes esses factos como verdadeiros, incluindo que existia um período mínimo de duração do contrato. J. Já no artigo 262.º da contestação da Ré O G e do Réu Ce mulher foi aceite que a renda estipulada pelas partes era o fracionamento daqueles valores de € 150.000,00 e € 180.000,00 alegados em 32 e 33 da petição. K. O que o douto tribunal recorrido desconsiderou, em violação do disposto nos artigos 465.º e 574.º do CPC. L. O tribunal recorrido desconsiderou a experiência comum – dizer-se que uma cláusula não foi negociada entre as partes, quando a mesma é textual e resulta de dois contratos firmados entre as partes, todos experientes comerciantes, deverá ao menos alicerçar-se em (alguma) prova produzida nos autos – os réus nada provaram! Nenhuma testemunha arrolaram a tal matéria e, mesmo, a matéria nenhuma, em bom rigor! Nenhum réu declarou ou depôs de parte! Nenhum documento dos autos permite extrair ou sequer indiciar tal conclusão, como facto impeditivo do direito dos autores que aos réus competiria provar pela distribuição do ónus probatório (v. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil). M. O tribunal recorrido, pura e simplesmente ao considerar como provado o facto em 46 e como não provados os factos b. e f. violou o regime do ónus de prova vertido no artigo 342.º do Código Civil, sendo o seu silogismo judiciário totalmente errante e ausente de fundamentos documentais ou testemunhais (e na fundamentação de facto exposta na sentença nenhuma testemunha o afirmou – pelo contrário). N. Bem assim o tribunal recorrido entrou em contradição, pois de igual modo nenhuma prova foi produzida quanto a outro facto alegado pelos réus – que o acordo de 7 de maio de 2021 não resultou de qualquer negociação das partes – e o tribunal – e bem – soube dar esse facto como não provado em i) dos factos não provados! O. O tribunal recorrido ignorou totalmente a prova testemunhal produzida pelos autores, para contraprova a tal facto alegado pelos réus como impeditivo do direito invocado. P. O tribunal recorrido, mesmo afirmando que as testemunhas e até a autora mulher, falaram com verdade, ao fundamentar a sua decisão sobre a matéria de facto nos seus depoimentos, a verdade porém que que os desconsiderou grosseiramente. Q. Contrariamente ao provado em 46 (na parte em que se refere “tudo sob proposta dos autores”) e ao referido nas alíneas b) e f) dos factos não provados, deverá considerar-se que o fracionamento do pagamento supra resultou de um acordo entre as partes, autores e réus, ora apelantes e recorridos, que garantia não só a viabilidade económica do arrendamento para ambas as partes, como também a exploração dos dois estabelecimentos aos ora recorridos. R. E é essa negociação que justifica e explica a cláusula 3.ª n.º 2, dos contratos de arrendamento, ao impor às partes o respeito pelo período efetivo de duração dos contratos de 5 anos, sem possibilidade de resolução ou denúncia antecipada ou em momentos intermédios – tratando-se de contratos para fins não habitacionais, em que impera – ou devia imperar - a vontade das partes. S. Veja-se os depoimentos prestados pela apelante, B, em duas declarações, bem como as testemunhas I e J, revelam claramente que a intenção real da Autora, ora recorrente, era ceder as quotas. T. Contudo, ficou provado que devido à falta de recursos financeiros dos Réus para pagar imediatamente o valor dessa cessão relativo aos dois estabelecimentos, foi adotada uma solução alternativa que permitia o pagamento fracionado em forma de rendas, o que foi concordado pelos réus Ce E. U. Dado o exposto, deve a decisão do douto tribunal ser reformulada, eliminando a expressão "tudo sob proposta dos autores" do facto 46 e considerando como provados os factos b) e f) na matéria não provada. V. Mais uma vez, no que respeita à apreciação da matéria de facto, andou mal o tribunal recorrido ao ter julgado como provados os factos 68 e 94 a 96 e como não provado o facto constante na alínea c). W. Consta do facto provado 68 que O “Acordo” de 7 de maio de 2021 era referente aos valores que faltavam para atingir o valor da totalidade das rendas. X. E o tribunal considera também como provados os factos 94 “O valor que os Autores fizeram constar nos considerandos e na cláusula primeira do “Acordo” de 07 de maio de 2021 não diz respeito a qualquer perdão de rendas, nem a despesas incorridas pelos Autores.”, 95 “Os €12.880,00 correspondiam ao valor global das prestações acordadas já pago pela 1ª e 2ª Rés aos Autores, por respeito ao diferimento das rendas dos meses de maio, junho e julho de 2020, que não foram pagas na data do respetivo vencimento, em virtude das comunicações que a 1.ª e 2.ª Rés enviaram aos Autores ao abrigo da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril.” e 96 “O intuito do documento seria justificar o recebimento do valor global de €12.880,00 por conta das referidas rendas vencidas, “compensado” a 1.ª e 2.ª Rés com o alegado perdão de parte das rendas nos meses de junho e julho de 2021, sem a emissão dos respetivos recibos.”. Y. Este acordo foi o resultado de uma negociação direta entre autora/recorrente B, e os réus, pessoas singulares, conforme se extrai das declarações prestadas pela autora/recorrente conjugadas com os factos provados 13., 14. e 15., conjugada ainda com os factos não provados em h) e i), ou seja que tal acordo teria sido assinado por forte pressão dos autores ou que não tenha resultado de negociação entre as partes, confrontado com o documento n.º 10 junto com a petição inicial, que abaixo se expõem. Z. Para espanto dos aqui recorrentes, no que respeita ao tema sobre o Acordo de 7 de maio de 2021, o tribunal a quo apenas considerou na sentença proferida o seguinte: No que respeita ao invocado “Acordo”, as “quantias não pagas” reportam-se tão só – às rendas vencidas desde dezembro de 2021. Não cumpre dar pagamento a quaisquer outras “despesas” que, de resto, resultou demonstrado serem “ficcionadas”. AA. Da prova produzida, tanto documental como testemunhal, é evidente que os valores mencionados no acordo visavam o pagamento de despesas suportadas pelos autores com os locados, assim como o pagamento de rendas em atraso, cujo pagamento fora diferido em virtude da pandemia de COVID-19. BB. Acresce que os réus E e F o confessam expressamente nos artigos 3.º a 8.º da sua contestação, o que foi absolutamente desconsiderado na decisão em violação do efeito cominatório da confissão, CC. Assim, não pode ser considerado como provado que o Acordo de 7 de maio de 2021 tenha sido exclusivamente referente ao pagamento da (totalidade) das rendas vencidas ou que as quantias previstas fossem “ficcionadas”. DD. Com base na análise conjunta da prova documental e testemunhal, bem como nas confissões dos réus nos artigos 3.º a 8.º da sua contestação, é evidente que o valor acordado de €12.880,00 incluía despesas incorrida spelos autores com os locados e rendas em atraso, cujo pagamento foi adiado devido à situação extraordinária gerada pela pandemia de COVID-19. EE. Diante dos elementos de prova documental e testemunhal apresentados, bem como das confissões expressas dos réus na contestação, os factos constantes dos pontos 94 a 96 da sentença devem ser considerados como não provados. FF. Adicionalmente, o facto 68, que descreve o “Acordo” de 7 de maio de 2021 como referente apenas aos valores das rendas, deve ser alterado para constar que: 68. O Acordo de 7 de maio de 2021 era referente a despesas suportadas pelos autores e a rendas diferidas com perdão. GG. O facto 68 deve passar a ter a redação acima proposta e os factos 94, 95 e 96 devem ser considerados não provados, devendo ainda ser eliminada a alínea c) dos factos não provados. HH. Na mesma senda, o tribunal dá como provado que “Durante o ano de 2020 e 2021 as Rés procederam ao pagamento total das rendas diferidas.” II. No entanto, os autores afirmam perentoriamente o oposto no artigo 42.º da petição (prestações a pagar pelos réus até maio de 2022), 49.º da petição (os réus só cumpriram o acordado até novembro de 2021) e 51.º da petição (os réus não efetuaram o pagamento das prestações vencidas com referência ao acordo em 42.º da petição, a partir de dezembro de 2021). JJ. Sucede que, a Ré Pastelaria H e o réu E confessam no artigo 70.º da sua contestação que “Está conforme à realidade o aduzido nos artigos 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º e 49.º da petição inicial”. KK. E em 85 afirmam: “Não se impugna, antes sim, se confirma, o aduzido pelos Autores nos artigos 51.º, 52.º, 53.º, 54.º 55.º (com a ressalva que ali se fez “nos termos do contrato de arrendamento”), 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º e 62.º da petição inicial”. LL. Todavia, o tribunal recorrido decide em sentido absolutamente contrário àquilo que os autores alegaram e a própria Ré Pastelaria H e E e mulher confessaram expressa e inequivocamente. MM. Adiante, nem sequer foi produzida prova testemunhal ou documental pelo réu Ce pela ré O G, não obstante, parece que tal foi suficiente para que o tribunal considerasse como provado que as rés procederam ao pagamento total das rendas diferidas. Surpreende. NN. O tribunal recorrido, sem que tenha sido produzida qualquer prova nesse sentido, e provavelmente devido a alguma confusão ou esquecimento resultante do tempo decorrido até a emissão da sentença, considerou como provado que os réus pagaram integralmente as rendas diferidas constantes do acordo de 7 de maio de 2021, o que não corresponde à verdade. OO. O que é certo – e ficou provado – é que os réus pagaram apenas as prestações até novembro de 2021, estando vencidas e em atraso as prestações de dezembro de 2021 a maio de 2022 (num total de 6 prestações de €1.000,00 cada). PP. A própria Ré Pastelaria H, bem como E e sua esposa, admitiram essa situação, ainda assim, tal foi absolutamente ignorado pelo tribunal. QQ. E mais, a Ré O G, por sua vez, em nenhum momento afirmou ou comprovou que efetuou tais pagamentos. A Autora também confirmou esses factos nas suas declarações. RR. Deve, portanto, ser alterado o facto assente em 83, passando a constar o seguinte: No ano de 2021, as Rés pagaram as prestações das rendas diferidas constantes do acordo de 7 de maio de 2021, referentes ao período de agosto a novembro de 2021, não tendo pago as prestações vencidas entre dezembro de 2021 e maio de 2022, no valor de €1.000,00 cada uma. SS. Mais se refira que o tribunal considerou também provados erradamente os factos 78, 79, 80 e 85 a 91, dos quais resulta que, durante o ano de 2020, as 1.ª e 2.ª Rés enfrentaram uma diminuição nas vendas, com a 1.ª Ré registrando um prejuízo de €2.911,67 e a 2.ª Ré de €15.618,86. TT. O tribunal considerou (erradamente) que, em 2021, a 1.ª Ré teve um prejuízo de €12.655,52 e obteve financiamentos de €31.745,80, enquanto a 2.ª Ré registrou um prejuízo de €1.500,96 e obteve financiamentos de €25.000,00. UU. Em concreto, o tribunal aceitou como provado que, em 2020, as sociedades rés tiveram uma redução de vendas e resultados líquidos negativos – €2.911,67 para a 1.ª Ré e €15.618,86 para a 2.ª Ré (factos provados 78, 79 e 80) – sem esclarecer como é que tais prejuízos ocorreram, considerando a grande afluência de clientela. VV. Ademais, o tribunal aceitou como provado que as sociedades rés sofreram prejuízos significativos, mas não justificou tais conclusões face ao contexto de elevada afluência de clientela descrito pela testemunha apresentada pelos apelantes, I, ex-empregada de "O G".WW. Mais uma vez, diga-se, com toda a certeza que o tribunal a quo errou ao considerar tais factos como provados, porquanto nenhuma prova foi produzida quanto a tais factos. XX. Pelo exposto, não foi devidamente ponderada a contradição entre os depoimentos e tais documentos e a prova testemunhal relevante foi ignorada, resultando numa decisão sem suporte factual. YY. Assim, não se compreende como tal volume de negócios possa justificar resultados líquidos negativos, sem que o tribunal tenha procurado interpretar ou questionar os depoimentos das testemunhas relativamente aos documentos contabilísticos. ZZ. No depoimento da testemunha I, foi indicado pela testemunha que o preço médio das refeições no restaurante "G" variava entre 8 e 10 euros, com uma capacidade de acomodação entre 80 a 90 pessoas, sendo comum a esplanada estar cheia. A testemunha estimou que o restaurante servia em média entre 80 a 90 refeições por dia útil, com redução para cerca de 40 refeições aos sábados. AAA. Tais dados permitem estimar uma faturação média diária e anual para as sociedades rés, sugerindo que os valores contabilísticos apresentados nos autos podem estar subestimados, ao indicar uma faturação anual correspondente a menos de um sexto do volume real apurado com base na frequência e no preço médio das refeições. BBB. O depoimento da testemunha I indica que a sociedade "O G" servia, pelo menos, 80 almoços diários em dias úteis e 40 aos sábados, com um preço médio de 8 euros por refeição. Com base nestes dados e considerando 253 dias úteis e 52 sábados no ano de 2021, a faturação mínima anual estimada seria de aproximadamente €178.560,00. CCC. Contudo, os registos contabilísticos das rés indicam apenas €31.606,11 de faturação anual, gerando uma discrepância de cerca de €146.953,89, que levanta sérias dúvidas sobre a fiabilidade dos dados apresentados. Esta diferença sugere que os factos provados pelo tribunal, em particular os pontos 78, 79 e 80, sobre a alegada redução de vendas e prejuízos líquidos, não refletem a realidade material dos rendimentos apurados. DDD. Em suma, é imperativo que todos os factos impugnados (78, 79, 80, 85, 86, 87, 88, 89, 90 e 91) sejam considerados como não provados, quer porque resultam de documentos impugnados na réplica e contrariados por prova produzida em sede de julgamento, quer porque resultam de factos pura e simplesmente não provados pelas rés como os constantes de 89 a 91. EEE. O tribunal recorrido errou ao considerar como provado o facto 97, que afirma que o imobilizado da 1.ª e 2.ª Rés encontrava-se no interior dos locados. FFF. Sucede que, não foi apresentada qualquer prova documental que identificasse ou comprovasse a existência de imobilizado das rés nos imóveis, nem as testemunhas confirmaram tal alegação. GGG. Pelo contrário, os réus, todos eles, incluindo as sociedades, por meio de uma carta junta aos autos (facto assente em 35), afirmaram que os bens que lhes pertenciam estavam retirados dos locados, estando os mesmos livres devolutos de pessoas e bens - o que foi completamente ignorado pelo tribunal. HHH. A prova produzida, incluindo as declarações da autora e as informações constantes nos autos, indicam que o mobiliário e equipamentos pertenciam aos autores, e não às sociedades rés. III. Assim, a conclusão do tribunal, sem respaldo probatório, foi equivocada e deve ser corrigida, considerando o facto 97 como não provado. JJJ. E mais, o tribunal recorrido errou ao considerar como provado apenas que os autores arrendaram novamente os locados em julho de 2022, sem incluir os detalhes essenciais do contrato de arrendamento que são fundamentais para a apreciação da ação, nas diversas soluções plausíveis da questão de direito, especialmente no que diz respeito ao pedido subsidiário dos autores sobre a diferença de renda a ser paga até fevereiro de 2024. KKK. Isto é, o tribunal omitiu a informação crucial sobre a data a partir da qual os autores começaram a receber nova renda e o seu valor, conforme previsto no contrato de arrendamento. LLL. Pelo exposto, o ponto 71 deve ser completado, conforme a cláusula 4.ª do contrato, junto aos autos por requerimento na sequência da audiência prévia, para refletir que os autores arrendaram os locados com moratória no pagamento de renda até novembro de 2022, sendo as rendas de novembro de 2022 a janeiro de 2023 de €3.000,00 e a partir de fevereiro de 2023 de €4.000,00. MMM. De igual forma, o erro do tribunal ao dar como não provado o facto em e) dos factos não provados, de que o encerramento dos estabelecimentos "O G" e "Pastelaria H" se deveu a desentendimentos entre os réus Ce E, irmãos, é evidente. NNN. O tribunal ignorou por absoluto a prova testemunhal que demonstrou que os conflitos pessoais e profissionais entre os réus foram os fatores decisivos para o encerramento dos estabelecimentos. OOO. O tribunal falhou também ao não considerar que, segundo a prova testemunhal, a deterioração da relação entre os réus, que se intensificou após a pandemia e a abertura de um novo estabelecimento pelo réu E, foi a causa direta do encerramento dos estabelecimentos das sociedades. PPP. Como destacam os depoimentos, as disputas não eram apenas privadas, mas públicas, com discussões visíveis para funcionários e clientes, o que confirma que os conflitos familiares foram prejudiciais à atividade comercial. QQQ. Portanto, a decisão do tribunal recorrido contraria as evidências e a fundamentação dos depoimentos, o que configura erro de julgamento. RRR. O tribunal recorrido cometeu igualmente erros de direito como o erro ao desconsiderar as cláusulas contratuais que previam uma indemnização por mora na restituição do imóvel, estipulando o pagamento de três vezes o valor da renda caso o imóvel não fosse devolvido logo após o término do contrato. SSS. No entanto, tal previsão contratual foi ignorada, apesar de estar claramente definida nos contratos de arrendamento, o que resultou numa decisão equívoca perante a recusa face à legitimidade da indemnização e à desconsideração pelos danos causados pela mora na entrega das chaves. TTT. Além disso, ao considerar a cláusula que define a indemnização ao triplo da renda como uma "cláusula coerciva", o tribunal aniquilou, por completo, a liberdade contratual das partes e a necessidade de compensar os danos decorrentes do atraso na devolução do imóvel. UUU. O Código Civil, no seu artigo 1045.º, confere aos senhorios o direito de exigir indemnização pela mora na restituição, o que não foi aplicado corretamente pelo tribunal, que considerou uma cláusula que encontra respaldo legal como «desproporcional» sem, no entanto, ter fundamentado devidamente tal entendimento. VVV. A verdade é que a indemnização visava compensar os prejuízos decorrentes da mora na restituição do imóvel e não constituía uma medida excessivamente onerosa ou abusiva. WWW. Assim, deverá reconhecer-se o direito à indemnização pela mora na restituição do imóvel, conforme previsto no contrato e no Código Civil. XXX. Deste modo, os apelantes deveriam receber a indemnização correspondente ao triplo da renda, no total de €33.000,00 (meses de março e abril de 2022), para compensar os danos causados pela mora na entregadas chaves e os prejuízos financeiros que sofreram devido à impossibilidade de arrendar os imóveis durante o período de mora. YYY. De relevar ainda que a entrega formal das chaves ocorreu em 8 de abril de 2022, conforme ficou comprovado pela prova documental e testemunhal produzida, sendo o envelope com as chaves enviado pelos réus na mesma data. ZZZ. Este erro na matéria de facto é crucial para a correta interpretação do incumprimento por parte dos réus: a demora na entrega impediu os apelantes de retomar a posse do imóvel antes de 8 de abril de 2022, o que se traduz em prejuízos significativos, uma vez que só puderam arrendar os imóveis a terceiros em julho de 2022, com moratória nas rendas até novembro e uma renda reduzida devido à perda de clientela entretanto decorrente do encerramento inopinado dos estabelecimentos em dezembro anterior. AAAA. Ao contrário do que foi indicado pela sentença, os apelantes não se beneficiaram de qualquer incumprimento, mas antes sofreram as consequências da demora na restituição do imóvel, o que impactou negativamente os seus interesses económicos. BBBB. A cláusula contratual que previa a indemnização pelo triplo da renda em caso de mora na restituição do imóvel visava proteger os apelantes e compensá-los pelos prejuízos decorrentes do incumprimento dos réus. CCCC. A decisão do tribunal a quo ao desconsiderar essa cláusula resultou numa interpretação que prejudica os apelantes e favorece os réus sem justificativa adequada, incentivando o incumprimento contratual. DDDD. Além disso, ao considerar que a posse informal (que não tinham) supriria a necessidade de uma entrega formal, o tribunal ignorou o rigor jurídico exigido pela legislação, que estabelece que a devolução do imóvel só se considera cumprida após a entrega formal das chaves. EEEE. Devia, o tribunal ter aplicado o disposto na cláusula contratual que estipula a indemnização pela mora na devolução do imóvel, conforme o artigo 1045.º do Código Civil. FFFF. A indemnização pelo triplo da renda é uma medida compensatória e não coercitiva, que visa proteger o senhorio de prejuízos decorrentes do incumprimento. GGGG. Na mesma senda, o tribunal recorrido considerou nula a cláusula 3.ª, n.º 2, dos contratos de arrendamento, que estabelecia o pagamento das rendas até o final do período contratual em caso de cessação antecipada. HHHH. Ao invés, qualificou-a como uma obrigação coerciva e desproporcional, entendendo que ela impunha aos locatários o pagamento integral das rendas até ao término do contrato, mesmo sem o gozo do imóvel, o que, segundo o tribunal, colocaria os autores numa situação vantajosa indevida. IIII. Invocando com a duplicação com a indemnização por mora correspondente ao triplo da renda, cumulação que não existe nem foi peticionada, incorrendo em erro que conduziu ao seu julgamento incorreto. JJJJ. No entanto, já ficou demonstrado que a cláusula foi livremente acordada entre as partes, com o objetivo de garantir o cumprimento da contraprestação devida pelos réus. KKKK. Assim, o fracionamento das rendas e a estipulação de um período mínimo de vigência contratual de cinco anos tinham como finalidade assegurar que os autores não fossem prejudicados pela cessação antecipada do contrato. LLLL. O erro de julgamento do tribunal reside na interpretação incorreta da cláusula como coerciva e desproporcional. Ao desconsiderar o propósito legítimo da cláusula, que era proteger os interesses dos autores em caso de incumprimento, o tribunal favoreceu indevidamente os réus, deixando os autores em desvantagem infundada. MMMM. Pelo exposto, devem os réus ser condenados ao pagamento das rendas vincendas até fevereiro de 2024, conforme estipulado no contrato, ou, subsidiariamente, a indemnização pelos prejuízos causados pela cessação antecipada. NNNN. Por último, veja-se que a decisão do tribunal a quo, que admite a possibilidade de execução futura do contrato promessa de cessão de quotas, está em plena divergência face às condições expressamente previstas nos documentos 5 e 6 da petição inicial, que estabelecem claramente as condições para a sua eficácia. OOOO. O contrato promessa de cessão de quotas, em conjugação com os contratos de arrendamento (documentos 7 e 8), tinha como pressupostos para a sua concretização condições de verificação contemporânea e que não foram cumpridas, tornando a sua execução impossível. PPPP. A cláusula terceira do contrato promessa, que estabelece as condições para a cessão de quotas, inclui um pressuposto crucial: a continuidade dos estabelecimentos comerciais "Pastelaria H" e "G", que deveriam manter a sua natureza, clientela, grau de satisfação e qualidade de reputação. QQQQ. Este pressuposto deixa claro que a promessa de cessão de quotas estava vinculada à manutenção da operação desses estabelecimentos, e não poderia permanecer válida indefinidamente no tempo, sendo condicionada à situação concreta dos arrendamentos e à manutenção das condições acordadas. RRRR. Com a verificação do incumprimento das condições estabelecidas, a promessa de cessão de quotas extinguiu-se ou perdeu a sua eficácia. SSSS. O incumprimento dessas condições, na data 0065ata da cessação dos arrendamentos, impossibilita a concretização da cessão das quotas, seja quando for no futuro, conforme o estipulado no contrato. TTTT. Além disso, a cláusula quarta do contrato de arrendamento, que trata da perda do direito ao preço e à indemnização, reforça a impossibilidade de execução do contrato promessa. UUUU. Esta cláusula prevê que, caso os contratos de arrendamento sejam cessados antes de completar os cinco anos estipulados, o pagamento do preço acordado pelos promitentes cessionários aos promitentes cedentes não será devido. VVVV. Portanto, a cessação antecipada dos arrendamentos, por incumprimento das condições acordadas, implica a extinção da promessa de cessão de quotas, sem a obrigação de pagamento do preço previamente acordado. WWWW. Em contrário, a decisão do tribunal recorrido, que admite a possibilidade de execução específica do contrato promessa no futuro, mesmo após o incumprimento das condições acordadas, carece de fundamentação sólida. XXXX. As condições para a concretização da promessa de cessão de quotas, como estabelecido nas cláusulas contratuais, não se verificaram na data da cessação dos arrendamentos e não são passíveis de se concretizar no futuro. Algumas dessas condições, inclusive, são objetivamente impossíveis de cumprir, como a recuperação da clientela e a manutenção das condições comerciais dos estabelecimentos após o seu encerramento abrupto. YYYY. A relação entre os contratos de arrendamento e o contrato promessa é clara: a execução do contrato de cessão de quotas depende da verificação de condições que, neste caso, não se concretizaram nem são passíveis de se concretizar. ZZZZ. A decisão recorrida, ao admitir a execução futura do contrato promessa sem base nos pressupostos acordados, deve ser revista, pois não se sustenta à luz da documentação apresentada e das condições contratuais estabelecidas. AAAAA. Em conclusão, a promessa de cessão de quotas não é válida, nem será, uma vez que as condições necessárias para a sua concretização não se verificaram e não são suscetíveis de se concretizar no futuro. NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVERÁ SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO E EM CONSEQUÊNCIA SER ALTERADA AMATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA NOS TERMOS ALEGADOS BEM COMO, A FINAL, JULGADO PROCEDENTE O RECURSO E A AÇÃO, SENDO OS RÉUS SOLIDARIAMENTE CONDENADOS NOS TERMOS PETICIONADOS.” *
Os réus não apresentaram contra-alegações.
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Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
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Questão Prévia – Da inadmissibilidade do recurso quanto aos fundamentos do indeferimento da execução específica do contrato promessa de cessão de quotas
No que se reporta à execução específica do contrato, haverá que ter presentes as pretensões que a tal propósito foram formuladas nos autos.
Assim, os autores requereram:
“I) A execução específica da cessão de quotas das sociedades Rés, dos Réus para os Autores, substituindo-se o douto Tribunal à declaração negocial dos Réus, desde que se mostrem verificadas as condições previstas na cláusula 3.ª do contrato promessa de cessão de quotas, mais se reconhecendo a não verificação do direito dos Réus ao preço de € 20.000,00 por cada uma dessas cessões de quotas das sociedades, nos termos da cláusula 4.ª”
Em reconvenção, todos os réus requereram a condenação dos autores a celebrar o contrato de cessão de quotas pelo preço de €20.000,00, para cada uma das sociedades Rés.
A execução específica foi peticionada relativamente ao “contrato promessa de cessão de quotas” mencionado nos factos provados, celebrado na mesma data dos demais contratos – 28-02-2019 –, pelo qual os cedentes (réus pessoas singulares) prometeram ceder aos autores (cessionários) as quotas da “Pastelaria H” e do “G” quando, por qualquer causa, cessassem os contratos de arrendamento. Nos termos da cláusula terceira de tal promessa, encontrava-se a mesma condicionada à verificação de vários pressupostos cumulativos “a verificar no momento da cessação dos arrendamentos dos imóveis”, designadamente, a inexistência de quaisquer dívidas.
Assim, é manifesto que dos articulados resulta que ambas as partes pediram a execução específica do contrato promessa de cessão de quotas, tendo sido tal pretensão formulada, de forma condicional pelos autores (apenas para a hipótese de estarem reunidas as condições para o efeito) e sem o pagamento dos € 20.000,00 acordados. Já os réus pediram a execução específica da promessa de cessão de quotas, com o acordado pagamento da quantia de € 20.000,00.
Ora, na decisão da primeira instância consignou-se a seguinte fundamentação jurídica:
“Do contrato promessa de cessão de quotas e da (im)possibilidade da sua execução específica Como resulta dos factos assentes, entre Autores e Réus pessoas singulares foi celebrado um contrato promessa (bilateral, obrigando-se ambas as partes) de cessão de quotas das Sociedades Rés. O contrato promessa cria uma obrigação de contratar, uma prestação de facto - celebrar o contrato prometido - cfr. art. 410º do Código Civil. Ao incumprimento do contrato promessa são aplicáveis os preceitos de carácter geral dos artigos 790º e ss. do Código Civil, em virtude da equiparação estabelecida no nº 1 do art. 410º relativamente ao contrato prometido – no caso presente, a compra e venda – “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”. Por outro lado, importa ter presente o que dispõe o art. 830º, nº 1, do Cód. Civil: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”. Assim, são pressupostos para o decretamento da execução específica: - a verificação de incumprimento do contrato promessa; - a inexistência de convenção em contrário; - a compatibilidade da natureza da obrigação assumida com essa forma de execução. Naturalmente, “deve ter-se presente que a sentença nunca poderá obter um efeito jurídico que a vontade consensual das partes não possa validamente atingir. O juiz deverá, por isso, julgar, em cada caso, da possibilidade jurídica da execução específica, como também terá de ponderar se os elementos constantes da promessa são suficientes para elaboração do contrato definitivo” (J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. IV, 1995, p. 14 e 15). Por sua vez, considerando que a execução específica visa o cumprimento do contrato-promessa, pressuporá, apenas, o atraso na prestação, ou seja, a mora. Diferente do incumprimento definitivo é a situação de mora em que se considera constituído o devedor quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (nº 2 do art. 804º do Código Civil), sendo certo que só ocorre depois de o devedor ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – art.º 805º, nº 1 do Cód. Civil. A interpelação para cumprir pressupõe, por sua vez, a exigibilidade da obrigação, o que significa que só pode ter lugar a partir do momento em que ao credor é lícito exigir a realização da prestação devida. In casu, o contrato promessa de cessão de quotas está ligado aos contratos de arrendamento, de tal sorte que a obrigação prometida de compra e venda “nasce” com a cessação destes. Pode dizer-se que existe uma “união interna”, funcional, de contratos. Não obstante, acordaram ainda as partes que a promessa de compra fica condicionada à verificação de determinados pressupostos, consignados na Cláusula 3ª do contrato. Ora, o primeiro pressuposto respeita, desde logo, à inexistência de dívidas, condição que não resultou demonstrada, pelo que, não estão ainda os Autores, promitentes cessionários, obrigados a cumprir o por si prometido, ou seja, não estão em mora e, consequentemente, não se mostrando exigível a sua obrigação, não é (neste momento) possível determinar a execução específica. Tal não significa, todavia, a extinção da obrigação de cumprimento da promessa, verificadas (e demonstradas) que se mostrem as ditas condições. De resto, ao arrendarem novamente os locados com o imobilizado corpóreo pertencente às Sociedades Rés, os Autores estão a dispor de bens que (já/ainda) não lhes pertencem. Refira-se que não existe qualquer fundamento legal para o pretendido “reconhecimento da limitação do direito de regresso ou sub-rogação sobre as sociedades Rés” uma vez (novamente) detidas pelos Autores. A lógica da condição da “passagem” sem dívidas decorre, precisamente, da intenção de eHr essa possibilidade. Já no que respeita à perda do direito ao preço, prevista na cláusula 4ª do contrato, diga-se que, se é certo que, nos termos supra expostos, acabaram por ser os Autores quem fez cessar os contratos antes do período inicial de cinco anos, a verdade é que o fizeram com fundamento no incumprimento contratual dos Réus. Invocam os Réus o estabelecido no art. 282º, nº 1, do Cód. Civil que preceitua que “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.” e bem assim o disposto no art. 334.º do Cód. Civil, nos termos do qual “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”. Sem prejuízo do que ficou dito supra, no que ao contrato promessa de cessão de quotas diz respeito, dos fundamentos de facto não se vê que resulte qualquer situação que se subsuma aos invocados normativos.”
A final, na sentença incluiu-se, no dispositivo, o julgamento como improcedentes dos pedidos de execução específica (obviamente entendendo que não se encontravam reunidos os seus pressupostos).
Ora, os recorrentes, no seu recurso, defendem exatamente a mesma tese que esteve subjacente ao dispositivo da sentença, pois afirmam que no momento da cessação dos contratos de arrendamento não se reuniam os pressupostos contratualmente previstos no contrato promessa em causa. Por outras palavras, os recorrentes aceitam a decisão recorrida, mais concretamente o seu dispositivo, discordando apenas de parte da respetiva fundamentação jurídica.
É que os recorrentes pretendem que fique clarificado que o incumprimento das condições para a cessão objeto da promessa na data da cessação dos arrendamentos impossibilita a sua realização, seja na data atual, seja no futuro. Porém, nos seus articulados, os autores/recorrentes jamais deduziram esse pedido.
Na verdade, os autores/recorrentes pediram, além do mais, a execução específica do contrato promessa de cessão de quotas. Esse pedido veio a ser julgado improcedente pela primeira instância. Logo, os autores/recorrentes ficaram, de facto, vencidos quanto a esse pedido, e podiam ter recorrido em reação à improcedência desse pedido.
Contudo, os autores/recorrentes, nas suas alegações de recurso, afirmam que o pedido que formularam (execução específica do contrato promessa de cessão de quotas) não pode ser julgado procedente, agora e no futuro, concordando a aceitando, no fundo, o dispositivo da sentença de primeira instância. E assim sendo, aceitando tacitamente a decisão proferida, nessa parte, não podem dela recorrer, nos termos do disposto no artigo 632º, nº 2 e 3, CPC.
O que os autores/recorrentes pretendem nesta parte do seu recurso é que o tribunal declare algo que nunca pediram no momento processual oportuno (articulados da ação). Como se postula nos artigos 265º, nº 2, e 552º, nº 1, al. e), CPC, o pedido deve ser formulado na petição ou, no limite, (ampliado) até ao encerramento da discussão em primeira instância, e não em sede de recurso. Assim sendo, nesta parte, os autores/recorrentes não se poderão considerar vencidos para efeitos do disposto no artigo 631º, nº 1, CPC. É que não se pode considerar vencido quem nunca pediu, atempadamente e na fase processual adequada, a providência ou declaração que acaba unicamente por solicitar nas alegações de recurso.
Como refere Abrantes Geraldes (“Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, p. 100), “é parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses (…). Nessa medida, o que sobreleva é o resultado e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir”.
Concluindo, o recurso não é admissível nesta parte (fundamentos do indeferimento da execução específica).
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II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Assim, inexistindo questões de apreciação oficiosa e não tendo sido ampliado o objeto do recurso, constituem questões a decidir as seguintes:
A – Impugnação da matéria de facto
B – Indemnização por mora na restituição das frações
C – Validade e eficácia da cláusula contratual que impunha a obrigação do pagamento de rendas até final do prazo do contrato
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A – Impugnação da matéria de facto
A reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação:
“1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2-No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Incumbe, pois, ao recorrente, por forma a cumprir o que tem vindo a designar-se por “ónus primário de alegação”, e sob pena de rejeição do recurso, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) e indicar a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC). Já o designado “ónus secundário” reporta-se à especificação dos meios de prova que implicariam, na perspetiva do recorrente, diversa decisão da matéria de facto, gerando o seu incumprimento a rejeição do recurso apenas se ficar gravemente dificultado o exercício de contraditório ou o exame pelo tribunal de recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019, proferido no processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt
Afigurando-se que os recorrentes cumpriram os ónus enunciados, procede-se à apreciação da impugnação da matéria de facto que deduziram, dispensando-se a transcrição da motivação do tribunal recorrido que, no essencial, correspondeu à enunciação dos vários meios de prova produzidos e examinados.
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As recorrentes reagiram ao facto provado nº 37 com a seguinte redação:
“37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021 nem em qualquer outro momento até à presente data.”
Para tanto, consideraram os recorrentes que tal facto se apresenta contraditório com o facto não provado exarado em r), com a seguinte redação: “r) antes da entrada desta ação, os Autores já tinham recuperado a posse dos locados;”
Para tal facto, propuseram os recorrentes a seguinte redação:
“37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021, fazendo-o apenas em 8 de abril de 2022”.
Do confronto entre o facto provado nº 37 e o não provado sob a alínea r), não pode concluir-se pela existência de contradição. Efetivamente, o facto de não ter ainda ocorrido a entrega das chaves das frações locadas não implica necessariamente que os autores não tenham recuperado a sua posse. Poderiam ter recuperado tal posse por via da mudança das fechaduras ou pela utilização de chaves que tivessem mantido em seu poder no período de vigência do contrato. Consequentemente, o apuramento da não entrega das chaves, por si, não se mostra em oposição com o não apuramento de que os proprietários tenham recuperado a posse das frações.
Para além da apontada contradição, a impugnação relativamente ao facto nº 37, foi fundamentada em prova documental (junta com o requerimento que os autores apresentaram em 11-04-2022) e nas declarações da autora, nos minutos indicados no corpo das alegações (embora referindo – erroneamente – que se trata de prova testemunhal).
Compulsada a prova documental apresentada em 11-04-2022 (já na pendência da presente ação instaurada em 28-03-2022), verifica-se que acompanhou requerimento apresentado pelos autores/recorrentes a propósito da falta de citação das rés “O G” e “Pastelaria H”, solicitando a sua efetivação nas moradas dos seus gerentes. Fundamentando tal pedido, os autores esclarecem que as cartas de citação foram enviadas para as frações locadas, mas que os respetivos recetáculos se encontravam inacessíveis, pelo que não foi possível deixar aviso. E referem ainda terem recebido no dia 08-04-2022 uma encomenda postal, remetida pelos gerentes das sociedades rés, “em envelope almofadado, com o registo número RH919544335PT sem qualquer escrito no seu interior e contendo um conjunto de chaves”, que verificaram pertencer aos imóveis, naquela mesma data em que dos mesmos tomaram posse.
Comprovando tal alegação, os autores juntaram uma fotografia da embalagem postal, constando do remetente “E” e “D” tendo como destinatários os autores “A” e “B”, sendo a data de registo 2022-03-30 e o seu nº RH91954435PT. Junto da fotografia constam quatro chaves.
Das declarações da autora, nos momentos indicados no corpo das alegações, resultou que:
- Os réus Ce E nunca fizeram quaisquer contactos para a entrega das chaves, designadamente não telefonaram ou contactaram os autores por qualquer forma para esse efeito (minutos 25.00 a 26.30);
- Os autores solicitaram a entrega das chaves, estiveram junto ao locado uma tarde inteira à espera para tal efeito mas os réus não apareceram, só entregaram as chaves quatro ou cinco meses depois, por correio, enviando o envelope que a declarante foi levantar ao correio, sem qualquer escrito (37.30 a 39.00).
Ora, a alegação de que a entrega das chaves ocorreu por correio mostra-se consistente, em face do teor do requerimento apresentado e da prova documental que o acompanhou (fotografia da embalagem postal). E embora se tenha destinado a agilizar a citação das rés pessoas coletivas, constitui meio de prova produzido no processo, que deve ser considerado, por consistir em “prova atendível”, nos termos do disposto no artigo 413º, CPC (princípio da aquisição processual).
A verosimilhança de tal facto (entrega das chaves por via postal em 08-04-2022) decorre ainda da alegação contida no artigo 86º da petição inicial, com a seguinte redação: “As Rés não entregaram ou tentaram por qualquer meio entregar as chaves dos imóveis locados aos Autores, nem em 31 de dezembro de 2021, nem após a receção por estes da sua comunicação de alegada resolução, a 3 de janeiro de 2022, nem em qualquer outro momento até à presente data”. A expressão por nós sublinhada deve referir-se a 28-3-2022, data da instauração da ação, anterior à referida comunicação postal.
Por outro lado, as declarações de parte, não obstante o óbvio interesse da declarante no desfecho da causa, corroboram o alegado quanto à entrega das chaves em data posterior à da interposição da ação e por meio de comunicação postal.
Assim, nesta parte a impugnação revela-se procedente, devendo passar a constar do facto 37 que os réus entregaram as chaves em 8 de abril de 2022, em substituição de: “(…) nem em qualquer outro momento até à presente data.”
Pelo exposto, procedendo a impugnação, ao facto nº 37 será conferida a redação proposta pelos recorrentes:
“37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021, fazendo-o apenas em 8 de abril de 2022”.
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Consideram os recorrentes que o tribunal recorrido incorreu em erro na enunciação do facto provado sob o nº 46, bem como na consideração como não provados dos factos a que se reportam as alíneas b) e f).
Ao facto provado sob o nº 46, atribuiu o tribunal recorrido a seguinte redação: “46. Depois de aceites os valores das rendas, o prazo dos arrendamentos e demais termos do negócio, tudo sob proposta dos Autores, os Réus assinaram os contratos, que passaram a ser executados [n]o início de março de 2019.”
Já às alíneas b) e f) dos factos não provados foi conferida a seguinte redação: “b) A cláusula terceira, nº 2, dos contratos de arrendamento foi incluída por terem sido negociados entre as partes aqueles valores globais de renda durante 5 anos e este ter sido aceite como o período mínimo que justificava o arrendamento nos termos e condições em que foi feito, atenta a idade e necessidade de estabilidade dos Autores, a estabilidade dos Réus na obtenção de lucros e atento o prestígio e clientela dos estabelecimentos que integram as sociedades cujas quotas eram cedidas por igual período, sendo a renda de € 2.500,00 correspondente ao fracionamento do valor de € 150.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do respetivo contrato e a renda de € 3.000,00 ao fracionamento do valor de € 180.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do respetivo contrato; f) o teor da cláusula terceira foi negociado e explicado pelos Autores aos Réus”.
Os recorrentes consideram que do facto 46º deve ser retirada a expressão “tudo sob proposta dos autores” e as alíneas b) e f) devem transitar para os factos provados.
Os recorrentes fundamentam a impugnação, nesta parte, na confissão a extrair dos articulados apresentados, nas declarações de parte produzidas pela autora, nos depoimentos das testemunhas I e J, e nas regras de experiência comum.
Apreciando a impugnação deduzida, verifica-se que na petição inicial, depois de relatarem problemas de saúde que foram determinantes para a decisão de cessarem a exploração dos estabelecimentos comerciais em causa e passarem a viver das respetivas rendas (artigos 17º, 18º e 19º), descrevendo os contratos celebrados, alegam os autores:
“32.º e que pagariam uma renda mensal de €2.500,00 pelo arrendamento da fração identificada em 1.º, correspondente ao fracionamento do valor de € 150.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do contrato, devida pela sociedade Ré O G, 33.º e pagariam uma renda mensal de €3.000,00 pelo arrendamento da fração identificada em 2.º, correspondente ao fracionamento do valor de € 180.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do contrato, devida pela sociedade Ré Pastelaria H, Lda.”
Do artigo 60º da contestação do réu E e “Pastelaria H” resulta expressamente que não impugnam a matéria alegada nos artigos 32º e 33º da petição inicial, “(…) com exceção das partes em que em ambos os artigos se refere “período mínimo obrigatório, termo mínimo obrigatório e período mínimo”.
Do artigo 262º da contestação dos réus G e E resulta que os referidos artigos da petição inicial – 32º e 33º - são expressamente impugnados quanto ao segmento “período mínimo de duração”
Assim, após a sua análise integral, impõe-se concluir que dos articulados não decorre a alegada confissão dos réus que inviabilize o apuramento da iniciativa dos autores quanto à elaboração das propostas contratuais, nem o apuramento da negociação e explicação da cláusula que previa um período mínimo para a vigência do contrato. Aliás, das contestações resulta que todos os réus impugnaram o alegado quanto à negociação da referida cláusula, mostrando-se devidamente cumprido o ónus de impugnação a seu cargo, consagrado no artigo 574º, CPC.
Por outro lado, nas suas declarações de parte, referiu a autora que quer a declarante, quer o marido encontravam-se próximos da idade da reforma, com problemas de saúde, pretendendo vender os estabelecimentos (trespasse). Caso o trespasse não se revelasse viável, iriam cobrar rendas mais altas, por forma a que as rendas correspondessem aos valores que consideravam justos para a cessão do estabelecimento comercial. A declarante propôs ao E uma renda que ele logo aceitou, sem discutir. O valor das rendas estabelecido permitia, caso os contratos fossem cumpridos, ao longo dos 5 anos atingir o valor do trespasse. Para os senhorios era essencial que os contratos tivessem uma duração de cinco anos, facto que a declarante disse ter frisado bem e que foi aceite pelo réu E. O E levou para casa o contrato para “dar a ler” a um irmão que era advogado, considerando a declarante que os réus tinham consciência que o contrato teria que durar cinco anos (minutos 4.10 a 13.00 da sessão de 27-02 e de 6.00 a 14.00 da sessão de 06-02).
Ora, a propósito de tal meio de prova, não deixará de ponderar-se que está em causa uma contratação na qual a declarante esteve diretamente envolvida, assumindo relevância a ponderação das suas declarações. Contudo, tais declarações evidenciam que foram os autores que assumiram a iniciativa de elaborar e redigir as propostas dos contratos, em conformidade com o exarado no facto provado nº 46. Por outro lado, das declarações da autora não pode extrair-se que a cláusula relativa ao prazo mínimo dos contratos tenha sido objeto de expressa negociação entre todos os contraentes. Trata-se, pois, de meio de prova que não consente a alteração pretendida.
Do depoimento da testemunha I, que foi empregada de mesa do “G” e da “Pastelaria H”, resultou ter conhecimento que as partes subscreveram contratos, cujo teor em concreto declarou desconhecer. A tal propósito, referiu que as lojas seriam trespassadas mediante um valor que seria pago mensalmente, mantendo-se a depoente e outros como funcionários (minutos 14.54 a 16.00).
Certo é que esta testemunha não demonstrou ter conhecimento direto das negociações mantidas, nem do teor dos contratos celebrados, revelando-se o seu depoimento também manifestamente insuficiente para fundamentar a alteração pretendida.
Por fim, consultada a gravação da audiência, verifica-se que não ficou gravado o depoimento da testemunha J, não tendo os recorrentes arguido a deficiência da gravação, como lhes era imposto pelo nº 4 do artigo 155º, CPC, no prazo de 10 dias ali previsto. Consequentemente, afigura-se estar-lhes vedada a impugnação da matéria de facto tendo por base tal depoimento.
A este propósito, refere-se no acórdão da Relação do Porto de 17-12-2014 (Proferido no processo nº 927/12.7TVPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) o novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação (…) O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo perentório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação”.
Ainda que se reconheça que tal regime não obstaculiza a iniciativa oficiosa da Relação na apreciação do recurso da matéria de facto, designadamente a possibilidade de anulação da decisão de primeira instância quando não constem do processo todos os elementos que permitam a sua alteração (cfr. artigo 662º, nº 2, alínea d), CPC), não se vê efeito útil em ordenar a repetição de tal depoimento. De facto, ponderando o exposto na motivação da sentença recorrida no que se reporta à análise do depoimento testemunhal em causa, conclui-se que o depoente evidenciou um conhecimento puramente indireto da matéria controvertida. Efetivamente, ali se consignou que o depoente referiu: “(…) que pelo menos 1 vez por mês ia almoçar ao “G” “para pôr a conversa em dia com a AA”; disse que os Autores pediram a sua opinião sobre os contornos do negócio que pretendiam fazer, tendo-lhes recomendado que consultassem um advogado, dizendo que a Autora “queria passar as quotas” das firmas e fazer um “arrendamento em nome pessoal” mas que “as pessoas não tinham o dinheiro todo na altura para poder comprar tudo (as quotas)” e “daí ter sido pensado o fracionamento em termos de rendas”, esclarecendo não saber o que ficou no contrato final; afirmou que a sua amiga AA, entretanto, disse-lhe “os meus pais já venderam”; confrontado com o teor da cláusula 3ª, nº 2, disse então que a Autora dizia que “depois quero que elas voltem para mim” e a ideia era “blindar”/garantir o recebimento do valor de 5 anos”. A reprodução do depoimento desta testemunha operada pelos recorrentes no corpo das alegações (a partir do minuto 25.27) evidencia que a autora lhe comunicou que todos os outorgantes anuíram na inclusão da cláusula que previa um prazo mínimo de cinco anos, manifestando um conhecimento indireto de tal realidade.
Ora, estando evidenciado que o depoente não colaborou na elaboração dos contratos, tendo aconselhado os autores a consultarem advogado, desconhecendo o que ali ficou consignado, constituiria diligência inútil a anulação da sentença recorrida com vista à produção de tal depoimento Assim, na ausência de arguição atempada da deficiência da gravação, não se determina a renovação de tal meio de prova que, consequentemente, não será ponderado na apreciação da impugnação da matéria de facto.
Por fim, dir-se-á que das regras de experiência da vida (regras gerais da experiência comum) não decorre que as cláusulas em questão tenham sido objeto de expressa negociação, nem tal conclusão pode retirar-se da qualidade de comerciantes experientes dos subscritores dos contratos.
Pelo exposto, improcede a impugnação relativamente ao facto provado 46 e alíneas b) e f) dos factos não provados.
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Reagiram os recorrentes ao apuramento dos factos enunciados sob os números 68 e 94 a 96 e ao não apuramento do facto enunciado sob a alínea c).
Ao facto 68 foi atribuída a seguinte redação: “68. O “Acordo” de 7 de maio de 2021 era referente aos valores que faltavam para atingir o valor da totalidade das rendas”.
Aos factos 94 a 96 foi atribuída a seguinte redação: “94. O valor que os Autores fizeram constar nos considerandos e na cláusula primeira do “Acordo” de 07 de maio de 2021 não diz respeito a qualquer perdão de rendas, nem a despesas incorridas pelos Autores. 95. Os € 12.880,00 correspondiam ao valor global das prestações acordadas já pago pela 1ª e 2ª Rés aos Autores, por respeito ao diferimento das rendas dos meses de maio, junho e julho de 2020, que não foram pagas na data do respetivo vencimento, em virtude das comunicações que a 1ª e 2ª Rés enviaram aos Autores ao abrigo da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril. 96. O intuito do documento seria justificar o recebimento do valor global de € 12.880,00 por conta das referidas rendas vencidas, “compensando” a 1ª e 2ª Rés com o alegado perdão de parte das rendas nos meses de junho e julho de 2021, sem a emissão dos respetivos recibos.”
Ao facto não provado enunciado sob a alínea c) da decisão recorrida, foi conferida a seguinte redação:
“c) o “Acordo” datado de 7/5/2021 foi subscrito pelos Autores, contendo um “perdão de rendas”.
Assim os recorrentes defendem que os factos nºs 94 a 96 devem transitar para os factos não apurados e que ao facto 68 deve ser conferida a seguinte redação:
“68. O Acordo de 7 de maio de 2021, era referente a despesas suportadas pelos autores e a rendas diferidas com perdão.”
A discordância dos recorrentes radica no facto de, segundo alegam, o acordo alcançado em 07-05-2021 incluir um perdão parcial de dívidas, bem como valores referentes a despesas de condomínio, seguros e outros encargos, reportando-se a valores ainda não integralmente liquidados pelos réus (dado que cessaram o pagamento prestacional ali acordado em dezembro de 2021).
A tal realidade se referem os factos provados sob os nºs 13 a 15, e os factos não provados sob as alíneas h) e i), com a seguinte redação: “13. Entre abril de 2020 e abril de 2021, os Réus, gerentes das sociedades Rés, por diversas vezes, comunicaram aos Autores dificuldades no pagamento das rendas. 14. Em 7 de maio de 2021 foi subscrito (apenas) pelo Réu Cum “Acordo” para “Reembolso de Despesas” no valor global de € 12.880,00. 15. A quantia de €12.880,00 seria paga em duas prestações, em junho e julho de 2021, no valor de € 1.440,00 cada, e a quantia de €10.000,00 seria paga em dez prestações, entre agosto de 2021 e maio de 2022, no valor de €1.000,00 cada.”
“h) o Réu C assinou o “Acordo” de 7 de maio de 2021 por forte pressão dos Autores; i) tal acordo não resultou de qualquer negociação entre as partes”.
Fundamentam os recorrentes a discordância da decisão, desde logo, na expressa confissão, relativamente ao que alegaram quanto ao acordo de 07-05-2021, que extraem dos artigos 3º a 8 da contestação dos réus E e B.
Porém, compulsado tal articulado, verifica-se que o mesmo se inicia com o título “I – Das confissões dos autores”, no qual é reproduzida parte da matéria alegada na petição inicial, referindo-se os artigos 3º a 8º à alegação dos autores quanto ao acordo de 07-05-2021.
Porém, tal alegação não corresponde à confissão de que os valores incluídos no acordo de 7 de maio visassem também o pagamento de despesas (e não apenas de rendas), e incluíssem qualquer perdão de rendas. Aliás, no artigo 66º da contestação dos réus E e B é expressamente referido que: “(…) os Autores não perdoaram quaisquer rendas aos Réus, mas antes sim as receberam na íntegra, num primeiro momento, parcialmente e em numerário e, num segundo momento, deferindo o pagamento do restante para datas concretas, como o prova o acordo de 07 de Maio de 2021”.
Similarmente, resulta da contestação dos réus Ce “G” que as rendas foram integralmente pagas, mesmo aquelas cujo pagamento foi diferido ao abrigo da Lei 4-C/2020, de 06-04, embora não tenha sido possível considerá-las na contabilidade por falta de emissão de recibos pelos autores, que exigiram os pagamentos em numerário (artigos 68º a 74º e 79º da contestação).
Consequentemente, nesta parte, não procede a impugnação tendo por base a confissão dos réus que tomaram posição definida, manifestando expressamente que o acordo de 07-05-2021 não se refere a despesas, nem a rendas em dívida, convergindo ainda na alegação de que não houve quaisquer rendas que tenham ficado por pagar, cumprindo o ónus de impugnação especificada no que se reporta à alegação dos autores - cfr. artigo 574º, CPC.
Porém, a impugnação também radica nas declarações prestadas pela autora, conjugadas com os factos provados 13, 14 e 15, e não provados sob as alíneas h) e i), com as redações já transcritas.
Das declarações da autora relativas a este acordo de 07-05-2021, nos minutos indicados (30.45 a 36.29), resulta que naquela data já não se justificava uma situação de perdão de rendas. Aludiu a despesas com as lojas a nível de condomínio, seguros, IMI e a dez prestações mensais que seriam relativas a rendas. Porém, não se mostrou segura, depondo de forma imprecisa quanto aos montantes em dívida, tendo confirmado que havia rendas atrasadas.
Compulsados os articulados, nos termos já analisados, verifica-se que quanto ao acordo de 7 de maio de 2021, as partes assumem posições diametralmente opostas. Assim, os autores dizem que as prestações de € 1.000,00 ali convencionadas deixaram de ser pagas em agosto de 2021 em diante e ainda que se trata de montantes relativos a rendas e despesas das frações cuja responsabilidade de pagamento era dos arrendatários.
Os réus referem que pontualmente recorreram à faculdade de diferimento de pagamento de rendas que lhes foi concedida pela legislação promulgada em função da pandemia (designadamente a Lei 4-C/2020, de 6 de abril), e que o referido acordo, apenas assinado pelo réu E, por forte pressão dos autores e sem qualquer negociação, não implicava qualquer perdão de rendas, nem pagamento de despesas, visando justificar contabilisticamente o recebimento de valores pagos pelos réus em numerário, sem que tivesse sido emitido recibo.
Porém, os meios de prova indicados não permitem a alteração proposta, importando não esquecer que se mantêm em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, conferindo um “crédito de fiabilidade” à decisão recorrida pelo que o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2004 (proferido no processo nº 04B4647, disponível em www.dgsi.pt).
Não podendo concluir-se pela existência de erro quanto à apreciação da matéria de facto, improcede a impugnação quanto apuramento dos factos enunciados sob os números 68 e 94 a 96 e ao não apuramento do facto enunciado sob a alínea c).
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Reagiram os recorrentes ao facto provado nº 83 com a seguinte redação: “83. Durante o ano de 2020 e 2021 as Rés procederam ao pagamento total do valor das rendas diferidas”
Porém, alegam os recorrentes que não corresponde à verdade que os réus tenham pago totalmente as rendas diferidas, em conformidade com o por si alegado nos artigos 42º, 49º e 51º da petição inicial (que consideram confessado pelos réus “Pastelaria H” e E nos artigos 70º e 85 da contestação). Aliás, os réus “G” e C não comprovaram esses pagamentos, e resulta das declarações da autora que as prestações não foram pagas entre dezembro de 2021 e maio de 2022.
Assim, propõem os recorrentes a alteração do facto provado nº 83 para:
“83. Durante o ano de 2021 as Rés procederam ao pagamento das prestações a título de rendas diferidas constantes do acordo de 7 de maio de 2021 vencidas entre agosto e novembro de 2021, não tendo pago as prestações vencidas de dezembro de 2021 a maio de 2022, no montante de € 1.000,00 cada uma delas”.
Ora, das declarações de parte da autora, supra analisadas, resultou não estar segura quanto ao pagamento das duas primeiras prestações contempladas no acordo de 7 de maio de 2021 (de € 1.440,00 cada). Relativamente às demais prestações de € 1.000,00, referiu que o seu pagamento terá cessado em dezembro de 2021. Certo é que as suas declarações, no que se reporta às dívidas de rendas, mostraram-se imprecisas, não tendo logrado esclarecer quais os meses que não foram liquidados pelos réus, justificando tal imprecisão com o facto de lhes ter perdoado o pagamento de vários montantes, que não identificou.
Na petição inicial, alegam os autores que em 07-05-2021 entre os autores e as sociedades rés foi estabelecido um acordo para pagamento da quantia de € 12.880,00, que seria paga em doze prestações entre junho de 2021 e maio de 2022, as primeiras duas nos montantes de €1.440,00 cada e as restantes de € 1.000 (artigos 41º e 42º da petição inicial). Alegam ainda que tal plano de pagamento foi cumprido até novembro de 2021, e que a partir de dezembro de 2021 não mais foi cumprido (artigos 49º a 51º da petição inicial).
Da contestação dos réus H e E resulta que;: “70.º Está conforme a realidade o aduzido nos artigos 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º e 49.º da petição inicial.” E como referem no artigo 65º: “Não se impugna o aduzido nos artigos 37.º, 38.º, 39.º e 40.º da petição inicial, estes últimos com exceção da parte em que referem “perdão de rendas”. E no artigo 66º: “Com efeito, os Autores não perdoaram quaisquer rendas aos Réus, mas antes sim as receberam na íntegra, num primeiro momento, parcialmente e em numerário e, num segundo momento, deferindo o pagamento do restante para datas concretas, como o prova o acordo de 07 de maio de 2021.”
Da contestação do G e C resulta que o acordo de maio de 2021 não foi aceite pelas 1º e 2º rés e pelo 3º réu, alegando a falta de assinaturas desse acordo, impugnando o documento, referindo que não diz respeito a qualquer perdão de rendas, nem a despesas, e que serviu para justificar o recebimento de rendas vencidas. A necessidade de justificação de rendas já vencidas (e pagas), de acordo com a alegação destes contestantes, decorreu do facto de os autores exigirem os pagamentos em numerário, não emitirem recibos e anularem outros emitidos relativamente a períodos em que os réus recorreram à faculdade de diferimento do pagamento das rendas (artigos 68º a 79º da contestação).
Certo é que os réus, nos respetivos articulados convergem no sentido da alegação de que todas as rendas foram pagas, pelo que o seu não pagamento não resulta de qualquer confissão. E, nos termos supra expostos, as declarações da autora não se revelam suficientemente consistentes e credíveis para demonstrar realidade contrária.
Pelo exposto, indefere-se a impugnação no que se refere ao facto provado sob o nº 83.
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Reagiram as recorrentes ao apuramento dos factos enunciados sob os números 78, 79, 80 e 85 a 91, da decisão recorrida, considerando que os mesmos devem transitar para os factos não provados.
A tais factos foi atribuída a seguinte redação:
“78. As 1.ª e 2.ª Rés, durante o ano de 2020, viram as suas vendas diminuídas. 79. Em 2020, a 1.ª Ré teve um resultado líquido do período negativo de € 2.911,67; 80. A 2ª Ré registou um resultado líquido do período negativo de € 15.618,86. 81. Em meados do mês de abril de 2020, as Rés informaram os Autores que pretendiam beneficiar da medida de apoio aprovada pelo Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril e que consistia no diferimento no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. 85. No ano de 2021, a 1ª Ré teve resultado líquido do período negativo de € 12.655,52. 86. No ano de 2021, a 1ª Ré contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 31.745,80. 87. A 2ª Ré registou o resultado líquido do período igualmente negativo em € 1.500,96. 88. No ano de 2021, a 2ª Ré contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 25.000,00. 89. Nesse ano apenas foram consideradas na contabilidade da 1ª Ré rendas num total de € 10.000,00, por referência ao locado, porque os Autores não procederam à emissão dos recibos das restantes rendas que foram pagas nesse ano. 90. A 2ª Ré apenas considerou na contabilidade rendas num total de € 12.000,00, por referência ao locado, porque os Autores não procederam à emissão dos recibos das restantes rendas que foram pagas pela 2ª Ré nesse ano. 91. Não obstante o alívio das medidas restritivas impostas à restauração, o medo, a preocupação e o pânico sentidos pela população em geral fez-se sentir durante o ano de 2021.”
Fundamentando a impugnação, os recorrentes consideraram que não foi devidamente ponderada a contradição entre a prova documental (devidamente impugnada) e a prova testemunhal, mormente a produzida por I, evidenciando o depoimento desta que os elementos contabilísticos estarão desfasados da realidade. Mais concretamente, defendem os recorrentes que o depoimento da referida testemunha, relativamente à frequência dos estabelecimentos e preço médio das refeições, contraria os referidos factos.
Procedeu-se à audição do depoimento da testemunha I, que foi empregada de mesa de ambos os estabelecimentos comerciais, nos segmentos indicados (no corpo das alegações, ou seja, nos minutos 5.00 a 8.00 e 18.30 a 21.30).
No essencial, referiu a testemunha que os estabelecimentos possuíam clientela, composta por funcionários da Polícia Judiciária e da Sociedade Portuguesa de Autores e de advogados de escritórios situados na zona. Ambos os estabelecimentos possuíam as maiores esplanadas da zona, e a do “G” estava sempre cheia. Este estabelecimento chegou a servir 80 a 90 refeições (sendo este o número habitual durante a semana, reduzindo-se para metade ao fim de semana).
Da motivação do tribunal resultou que foi ponderada a prova documental, designadamente “prints com “Demonstrações de resultados” referentes às Sociedades Rés, de 2017 a 2021; IES’s das Sociedades Rés”.
Ora, tais elementos objetivos não poderiam deixar de assumir preponderância no apuramento do resultado da exploração dos estabelecimentos em causa. Efetivamente, a prova testemunhal revela-se mais falível e incerta, desde logo não contabilizando com rigor refeições servidas, verbas recebidas, encargos suportados, etc., limitando-se a emitir opiniões genéricas e vagas, desprovidas do rigor que a prova documental (de natureza contabilística) apresenta, tendo em conta a específica matéria controvertida.
Pelo exposto, revela-se improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados nºs 78, 79, 80 e 85 a 91.
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Os recorrentes reagiram ao apuramento do facto nº 97, com a seguinte redação:
“97. O imobilizado da 1.ª e 2ª Rés encontra(va)-se no interior dos locados.”
Para tanto, consideraram não ter sido apresentada prova documental de tal realidade, que também não ficou demonstrada com a prova testemunhal. Aliás, a carta mencionada no ponto 35 dos factos provados evidencia que os bens estavam retirados das frações locadas.
O facto 35 possui a seguinte redação: 35. Os Réus apresentaram resposta, datada de 22 de março de 2022, dizendo “que as chaves dos estabelecimentos estão à vossa disposição desde o final de dezembro de 2021, como também que o mesmo se encontra livre e devoluto de pessoas e dos bens que nos pertenciam”, solicitando “o cumprimento da vossa obrigação de devolução da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e de passagem das quotas desta sociedade, novamente, para a vossa titularidade”.
Defendem os recorrentes que a autora, nas declarações que prestou, nunca afirmou que o equipamento ou mobiliário existente nos estabelecimentos fosse imobilizado das sociedades rés. Assim, perante a ausência de prova que evidencie o que consta do facto nº 97, este deve transitar para os factos não apurados.
Relativamente a imobilizado, alegam os réus “G” e BB:
- No artigo 198º da contestação que a primeira e segunda rés “possuem todos os equipamentos e imobilizado melhor identificados nos documentos que se juntam como Docs. 18 e 19”; no artigo 210º: “Melhor do que os Réus, os Autores sabem qual é o imobilizado da 1.ª e 2.ª Rés, uma vez que todo ele se encontra no interior dos locados”;
- No artigo 211º: “Pelo menos foi lá deixado pelas 1.ª e 2.ª Rés, tal como por exemplo: balcões frigoríficos, mesas, cadeiras, utensílios de cozinha, fogões, entre outros,”;
- No artigo 212º: “ou seja, todos os materiais necessários para que de um momento para o outro, se os Autores assim o pretendessem, as 1.ª e 2.ª Rés pudessem reiniciar a sua atividade comercial”.
Exercendo contraditório relativamente aos documentos juntos com a contestação, alegaram os autores, em requerimento de 14-06-2023:
“17. As Rés ainda juntam como documentos 18 e 19 o imobilizado das sociedades Rés. 18. É falso que os mencionados imobilizados representem todos os bens que pertenciam às sociedades e que o seu estado se mantenha igual. 19. Os equipamentos em causa, por força da passagem do tempo e da sua utilização encontravam-se num estado de degradação acentuado, não funcionando uma parte significativa dos mesmos. Mais, 20. Quando foi efetuada a cessão de exploração das sociedades estas foram entregues com todo o material em funcionamento e preparado para operar. Aliás, 21. No próprio dia em que foi efetuada a cessão de exploração, os Réus iniciaram a sua atividade nas sociedades, explorando os estabelecimentos em causa. 22. Apenas foi possível iniciar de imediato esta exploração uma vez que os dois estabelecimentos foram entregues pelos Autores aos Réus não só com equipamento, mas até com bens para venda e para confeção de refeições, como por exemplo bebidas, queijos, fiambre, café, gelados, barris de cerveja. Por outro lado, 23. Aquando da entrega dos estabelecimentos na sequência da resolução dos contratos de arrendamento, os espaços encontravam-se degradados, não só pelo seu encerramento, mas também pelo uso descuidado a que foram sujeitos pelos Réus, com equipamentos em falta ou os que nele se encontravam sem funcionamento e totalmente desprovidos de bens consumíveis e que permitissem o seu funcionamento de imediato. 24. Pelo exposto, impugnam-se os documentos por não espelharem de forma real os bens detidos pelos estabelecimentos.”
Da motivação da sentença recorrida não é possível descortinar a razão de ser da inclusão do referido facto no elenco dos provados.
E o certo é que a realidade ali afirmada se mostra contraditória com a afirmada pelos réus na comunicação datada de 22 de março de 2022, assente no facto nº 35.
Acresce que a própria dilação que terá decorrido até à entrega das chaves, mostra-se compatível com a recolha de imobilizado pertencente aos réus existente no locado no momento da cessação do contrato.
Todavia, na alegação constante do ponto 23 do requerimento de 14-06-2023, os autores aceitam que existiam alguns equipamentos nos estabelecimentos aquando da sua entrega, pelo que nessa parte se divisa existir consenso que deverá ser traduzido na factualidade provada.
Assim, deferindo-se parcialmente a impugnação da matéria de facto, altera-se o facto provado nº 97 para a seguinte redação:
“97. Alguns equipamentos encontravam-se no interior dos locados”.
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Reagiram os recorrentes ao apuramento do facto provado sob o nº 71, que consideram possuir uma redação incompleta “sem incluir os detalhes essenciais do contrato de arrendamento”, tendo omitido informação sobre a data a partir da qual os autores começaram a receber renda
A tal facto foi atribuída a seguinte redação:
“Os Autores arrendaram (novamente) os locados em julho de 2022”.
Consideraram os autores/recorrentes que a tal facto deve ser atribuída a seguinte redação:
“71. Os Autores arrendaram (novamente) os locados em julho de 2022, com moratória no pagamento de rendas até novembro de 2022, sendo a renda de novembro de 2022 a janeiro de 2023 de € 3.000,00 e a partir de fevereiro de 2022 no valor de € 4.000,00.”
Na tese dos recorrentes, tal complemento resulta do referido contrato de arrendamento, junto aos autos na sequência da audiência prévia, por requerimento de 19-10-2023, e é relevante para apuramento da data a partir da qual os autores começaram a receber nova renda de terceiro arrendatário, e qual o seu valor.
Analisado o documento junto com o requerimento dos autores de 19-10-2023, constata-se que, de facto, dele consta uma moratória ao nível do pagamento de rendas, na cláusula 4ª, que importa refletir na factualidade provada (e que foi omitida, sem fundamentação, na decisão da primeira instância). E dos pontos 1 e 2 dessa cláusula consta os valores das rendas contratualizadas, que importa também refletir na factualidade provada, nos mesmos moldes.
Em consequência, defere-se a impugnação da matéria de facto, no que se reporta ao facto provado sob o nº 71, que passará a ter a seguinte redação:
“Os Autores arrendaram (novamente) frações C e A supra identificadas em julho de 2022, constando da cláusula 4ª do respetivo contrato de arrendamento o seguinte: 1. A renda mensal inicial devida pelo arrendamento das duas frações autónomas é de € 3.000 (…)”. 2. (…) a renda será atualizada para € 4.000 (…) a partir da renda correspondente ao mês de fevereiro de 2023, e que se vence em janeiro de 2023. 3. Os senhorios conferem à inquilina um período de carência no pagamento de rendas, relativos aos meses de julho a outubro de 2022, como compensação pelo período de obras a realizar pela inquilina (…)”.
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Por fim, reagiram os recorrentes ao não apuramento do facto enunciado sob a alínea e), com a seguinte redação:
“Tal encerramento deve-se aos conflitos entre os Réus Ce E, irmãos, e às desconfianças entre estes, designadamente relativas aos seus negócios, às contas e faturação das sociedades”.
Fundamentando tal impugnação, alegam os recorrentes na conclusão RRR que: “O tribunal ignorou por absoluto a prova testemunhal que demonstrou que os conflitos pessoais e profissionais entre os réus foram os fatores decisivos para o encerramento dos estabelecimentos”.
Do corpo das alegações resulta que a prova testemunhal indicada como fundamento para a impugnação ora em análise corresponde à produzida pelas testemunhas I e L.
Do depoimento de I resultou que, tendo sido funcionária (empregada de mesa) de ambos os estabelecimentos, referiu a propósito do mau relacionamento entre ambos os irmãos (réus) que após a pandemia começaram a ter problemas, ouvia-os a conversar, e que foi a “partir daí que aquilo começou a não correr muito bem”. Eles desentenderam-se por motivos profissionais “penso eu”, e nessa sequência ambos deixaram de estar no estabelecimento (o réu E só ali se deslocava pontualmente porque passava mais tempo e dedicava mais atenção a outro estabelecimento que ambos tinham em ..., e o Cé que “estava mais por ali”). As divergências estão relacionadas com a abertura pelo E de um segundo estabelecimento em .... Foi por esse motivo que o Cpassou a estar mais no estabelecimento de .... Também presenciou uma discussão entre as rés, esposas dos réus (22.30 a 28.00). Aludiu à rutura entre os dois irmãos e referiu que foi a partir daí “que as coisas começaram a deteriorar-se um bocado”, considerando que não tem documento que prove que foi o mau relacionamento entre os irmãos que levou aos maus resultados, mas ser essa a sua “compreensão da situação” (minutos 9.20 a 11.00).
O depoimento de L, que explora um estabelecimento de ... ao lado do “G”, confirmou o conflito entre os sócios da “Pastelaria H”, dizendo que se ouvia falar que eles estavam zangados, tendo mesmo um dos irmãos (o mais novo) afirmado ao depoente, dentro da barbearia, que “aquele senhor não é um irmão”, referindo-se ao outro irmão. O depoente via a empregada a chorar, assim notando que as “coisas não estavam bem ali” (17.20 a 20.00). Estranhou o encerramento, depois dos “zuns zuns que existia que as coisas não estavam bem … começou-me a fazer sentido estar fechado…acho que o problema todo foi chatearem-se os dois irmãos (…) penso eu embora não tenha a certeza de nada” (21.30 a 22.10).
Embora os mencionados depoimentos testemunhais confirmem o mau relacionamento entre os irmãos Ce E, não permitem concluir que tenham sido esses conflitos a causa do encerramento dos estabelecimentos, correspondendo o afirmado pelas testemunhas a meras convicções ou até especulações, não comprovadas por quaisquer elementos objetivos. Certo é que à data, com as limitações inerentes à pandemia de Covid 19, o valor elevado das rendas e a quebra da atividade económica, a conjuntura dificultava a exploração lucrativa dos negócios em causa. Não pode, pois, concluir-se que o encerramento se tenha devido ao mau relacionamento entre os irmãos, improcedendo a impugnação da matéria de facto quanto à alínea e) dos factos não provados.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Considerando a decisão que antecede e a prova documental junta aos autos, são os seguintes os factos provados a considerar (assinalando-se as alterações resultantes da impugnação da matéria de facto e da ponderação da prova documental):
1. A Autora é proprietária da fração autónoma “C”, correspondente ao RC.., do prédio sito na Av. ... tornejando para a Rua ..., nº 1 e 1-A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 20...
2. O Autor é proprietário da fração autónoma “A”, correspondente ao RC-…, do prédio sito na Av. ... tornejando para a Rua ..., nº 1 e 1-A, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 20….
3. As duas frações integram o mesmo prédio constituído em propriedade horizontal, correspondendo às lojas desse prédio, que são confinantes, mas independentes entre si, tendo cada uma delas entrada e instalações próprias.
4. Nas referidas frações foram instalados dois estabelecimentos comerciais denominados “Pastelaria H” e “Restaurante O G”, contíguos entre si e com esplanadas.
5. Tendo começado por ser explorados pelos Autores, através das sociedades Rés O G – Actividades Hoteleiras Lda. e Pastelaria H, Lda., de que foram sócios e gerentes.
6. Em 28 de fevereiro de 2019, foram subscritos pelas partes os seguintes contratos:
- Um contrato de cessão de quotas dos Autores para os Réus, pessoas singulares, da sociedade Ré O G – Actividades Hoteleiras Lda.;
- Um contrato de cessão de quotas dos Autores para os Réus, pessoas singulares, da sociedade Ré A Pastelaria H, Lda.;
- Um contrato de arrendamento tendo por objeto a fração autónoma identificada em 1, sendo os Autores na qualidade de senhorios, a Sociedade Ré “O G” na qualidade de inquilina e os Réus, pessoas singulares, na qualidade de fiadores;
- Um contrato de arrendamento tendo por objeto a fração autónoma identificada em 2, sendo os Autores na qualidade de senhorios, a Sociedade Ré “Pastelaria H” na qualidade de inquilina e os Réus, pessoas singulares, na qualidade de fiadores;
- Um contrato promessa de cessão de quotas das sociedades Rés, dos Réus, pessoas singulares, para os Autores, “a ter lugar no momento em que, por qualquer causa, cessem os contratos de arrendamento”.
7. Foi estabelecido que pela cessão das quotas os Réus pagariam aos Autores, por cada uma das sociedades, o montante de € 20.000,00.
8. Pelo arrendamento da fração C era devida a renda mensal de € 2.500,00, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
9. Pelo arrendamento da fração A era devida a renda mensal de € 3.000,00, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
10. Os contratos de arrendamento foram celebrados pelo prazo de 5 anos, com início no dia 1 de março de 2019 e termo no dia 29 de fevereiro de 2024, renovável por igual período na primeira renovação e anualmente nas seguintes.
11. Nos termos da cláusula terceira, nº 2, dos contratos de arrendamento “Sem prejuízo da sua revogação por acordo das partes ou de resolução em caso de incumprimento da INQUILINA, não é possível a denúncia ou rescisão antecipada do contrato antes do termo do prazo inicial de cinco anos de duração.”
12. No dia 6 de abril de 2020 foi publicada a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, que estabeleceu um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19.
13. Entre abril de 2020 e abril de 2021, os Réus, gerentes das sociedades Rés, por diversas vezes, comunicaram aos Autores dificuldades no pagamento das rendas.
14. Em 7 de maio de 2021 foi subscrito (apenas) pelo Réu Cum “Acordo” para “Reembolso de Despesas” no valor global de € 12.880,00.
15. A quantia de € 2.880,00 seria paga em duas prestações, em junho e julho de 2021, no valor de € 1.440,00 cada, e a quantia de € 10.000,00 seria paga em dez prestações, entre agosto de 2021 e maio de 2022, no valor de € 1.000,00 cada.
16. Às Sociedades arrendatárias era concedido “um período transitório de dois meses”, com início em junho de 2021, ficando a “renda mensal global” reduzida para € 3.500,00, dos quais € 1.500,00 devidos pela Ré O G e € 2.000,00 devidos pela Ré Pastelaria H.
17. No mês de julho a “renda mensal global” ficava em € 4.000,00, dos quais € 1.750,00 devidos pela sociedade Ré O G e € 2.250,00 devidos pela sociedade Ré Pastelaria H.
18. Em agosto retomariam as rendas ajustadas nos contratos de arrendamento salvo se “as normas em termos de ocupação do estabelecimento tiverem a essa data um retrocesso em relação á situação atual, caso em que as partes deverão negociar casuisticamente as rendas a pagar nesse período em que tal redução de ocupação se vier a verificar”.
19. As sociedades Rés não efetuaram o pagamento das rendas que se venceram a partir de dezembro de 2021, respeitante ao mês de janeiro de 2022.
20. Nos termos da cláusula sétima dos contratos de arrendamento, “Na falta, total ou parcial, do pagamento pontual da renda e sem prejuízo dos demais direitos que assistem aos SENHORIOS, poderão estes optar entre exigir à INQUILINA, além da renda em atraso:
a) Uma indemnização igual a 50% da renda ou rendas em dívida; ou
b) A resolução do contrato e a desocupação imediata (…)
c) Se a INQUILINA não proceder à desocupação imediata do locado, será responsável pelo pagamento a título de sanção pecuniária compulsória do valor mensal correspondente ao triplo do valor da renda devida nesse momento, até à efetiva desocupação”.
21. As Sociedades Rés foram interpeladas, por carta de 22 de dezembro de 2021, para efetuar o pagamento das rendas vencidas e não pagas no mês de dezembro de 2021, acrescidas de uma indemnização de 50%.
22. Em 29 de dezembro de 2021, as Sociedades Rés (e os Réus assinando como fiadores) remeteram aos Autores, uma comunicação de resposta, que estes receberam no dia 3 de janeiro de 2022, com o seguinte teor:
“(…) a sociedade não tem nem dispõe de meios e recursos para fazer face ao cumprimento pontual e integral das suas obrigações, por efeito da crise pandémica (…)
(…) sem prejuízo de se invocar, desde já, a nulidade da previsão contratual contida no n.º 2 da cláusula 3ª do contrato de arrendamento referido em epígrafe, comunicamos a V. Exas. a resolução do mesmo, com efeitos imediatos, o que faz nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 437º, n.º 1 do Código Civil.
Por conseguinte, informa-se V. Exas. que a entrega do locado, será efetuada no final do dia 31 deste mês.
Por último, procede-se à interpelação de V. Exas. para procederem, de imediato, à devolução da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e, concomitantemente, promoverem a passagem das quotas desta sociedade, novamente para a vossa titularidade.”.
23. No dia 31 de dezembro de 2021, as Rés encerraram os estabelecimentos comerciais.
24. Em 10 de janeiro de 2022, os Autores enviaram a cada uma das Rés uma carta registada com AR, informando não aceitar a resolução, interpelando ao pagamento das rendas vencidas e não pagas acrescidas de indemnização de 50%.
25. As cartas foram devolvidas, do “G”, por não reclamada e, da “H”, com menção de que o estabelecimento se encontra encerrado e não dispõe de recetáculo postal.
26. Os Autores enviaram também cartas aos Réus, fiadores, BB, CC, E e B, informando das quantias que se encontravam em mora pelas Sociedades Rés.
27. No dia 11 de janeiro de 2022, as Sociedades Rés e os fiadores enviaram nova comunicação aos Autores, reiterando o teor da comunicação enviada no dia 29 de dezembro.
28. No dia 26 de fevereiro de 2022, os fiadores E e B responderam à comunicação que os Autores lhes enviaram declinando qualquer responsabilidade no pagamento das quantias em dívida por considerarem que os contratos de arrendamento foram resolvidos.
29. Em 9 de fevereiro de 2022, os Autores enviaram nova carta registada com AR à sociedade Ré O G, comunicando o montante atualizado em dívida e a resolução do contrato de arrendamento, a qual foi devolvida com a menção de objeto não reclamado.
30. Bem como enviaram uma carta registada com AR à sociedade Ré Pastelaria H, a qual foi também devolvida com menção de que o estabelecimento se encontra encerrado e não dispõe de recetáculo postal.
31. Também no dia 9 de fevereiro de 2022, os Autores, por carta registada com AR informaram os Réus fiadores do valor atualizado da dívida e da resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora de três meses no pagamento da renda.
32. No dia 17 de fevereiro de 2022, os fiadores enviaram, em seu nome e de cada uma das Sociedades Rés, cartas registadas aos Autores pugnando pela resolução dos contratos com base na alteração das circunstâncias e exigindo-lhes o pagamento de € 40.000,00.
33. Dada a devolução das cartas que foram enviadas para as Sociedades Rés no dia 9 de fevereiro, os Autores enviaram novas cartas registadas com AR às mesmas em 11 de março de 2022.
34. E ainda no dia 11 de março de 2022, os Autores remeteram para as moradas de cada um dos Réus, sócios gerentes, Ce E cartas com o mesmo teor.
35. Os Réus apresentaram resposta, datada de 22 de março de 2022, dizendo “que as chaves dos estabelecimentos estão à vossa disposição desde o final de dezembro de 2021, como também que o mesmo se encontra livre e devoluto de pessoas e dos bens que nos pertenciam”, solicitando “o cumprimento da vossa obrigação de devolução da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros) e de passagem das quotas desta sociedade, novamente, para a vossa titularidade”.
36. Os Autores enviaram uma carta registada com AR dizendo que no dia 31 de março de 2022, pelas 16.00 horas, os aguardariam junto aos locados para entrega das chaves.
37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021, fazendo-o apenas em 8 de abril de 2022.
37-A – Nos contratos de arrendamento supra mencionados, foi ainda consignado na respetiva 14ª cláusula, relativa à entrega do locado: “No termo do contrato, a INQUILINA entregará o locado, completamente desocupado de pessoas e coisas, no atual bom estado de conservação e limpeza, ressalvado o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização no decurso do tempo, entregando igualmente as respetivas chaves” – facto aditado atenta a sua relevância para a decisão da causa, ao abrigo do disposto nos artigos 607, nº 4 e 663º, nº 2, CPC, tendo por base o conteúdo dos contratos de arrendamento juntos com a petição inicial;
38. Nos termos da cláusula décima quinta, com a epígrafe (INDEMNIZAÇÃO POR MORA), “Findo o contrato, se a INQUILINA não restituir de imediato o locado, pagará, a título de indemnização, por cada mês ou fração que decorrer até à efetiva restituição, a quantia correspondente ao triplo da renda estipulada, bem como as respeitantes a despesas judiciais e/ou extrajudiciais decorrentes desse incumprimento.”.
39. Os estabelecimentos, pela sua localização e qualidade, sempre dispuseram de muita clientela.
40. Nos termos da cláusula primeira do contrato promessa de cessão de quotas, os Réus prometeram vender as quotas das sociedades Rés aos Autores, que as prometeram comprar, “no momento em que, por qualquer causa, cessem os contratos de arrendamento”.
41. Nos termos da cláusula terceira desse contrato, a promessa de compra ficou condicionada aos seguintes pressupostos cumulativos:
“a) Não possuírem quaisquer dívidas a fornecedores ou terceiros e manterem a sua situação regularizada e sem dívidas perante quaisquer credores públicos, nomeadamente a administração tributária e a segurança social;
b) Não possuírem coimas ou serem parte em processos de contraordenação, cíveis ou de qualquer outra natureza, nem terem sido notificados ou haver a possibilidade de tal suceder;
c) Não possuírem trabalhadores, encargos ou quaisquer responsabilidades superiores aos que detinham à data em que ocorreu a cessão de quotas feita pelos agora promitentes cessionários a favor dos agora promitentes cedentes.
d) Possuírem equipamentos e imobilizado de valor equivalente ao que detinham à data da cessão feita pelos agora promitentes cessionários a favor dos agora promitentes cedentes, ressalvado o veículo marca Seat Ibiza matrícula ..-..-PH que erradamente consta na presente data do imobilizado da sociedade Pastelaria H, Lda, mas que os agora promitentes cessionários por acordo retiraram do ativo da sociedade antes da transmissão das quotas aos agora promitentes cedentes.
e) Os elementos contabilísticos a fornecer, a essa data aos promitentes cessionários, refletirem a real situação líquida das sociedades, não havendo diminuições patrimoniais.
f) Os estabelecimentos comerciais Pastelaria H e G explorados pelas sociedades, manterem a sua natureza, a sua clientela e graus de reputação, satisfação e qualidade.
g) Os promitentes cedentes renunciarem à gerência a favor dos promitentes cessionários ou de quem estes indicarem.
h) Não existirem procurações ou outras formas de exercício de responsabilidades ou poderes nas sociedades que diminuam o afetem o exercício da gerência.”.
42. Para o efeito ajustaram que o contrato definitivo da cessão de quotas seria feito “pelo mesmo preço pelo qual os promitentes cessionários cederam as quotas aos agora promitentes cedentes, ou seja, pelo montante global, para cada uma das sociedades, de € 20.000,00”.
43. Nos termos da Cláusula quarta do mesmo contrato:
“1. No caso de se verificar a cessação dos contratos de arrendamento antes do termo do período de vigência inicial de cinco anos, não é devido o pagamento de qualquer preço pelos promitentes cessionários aos promitentes cedentes.
2. No caso de se verificar que à data da agora prometida cessão de quotas os estabelecimentos comerciais estão encerrados ou mudaram de atividade”.
44. No início de 2019, a filha dos Autores contactou o Réu E, no sentido de apurar o interesse deste em passar a explorar os estabelecimentos comerciais denominados “O G” e “Pastelaria H”.
45. Nessa sequência, o Réu E falou com o Réu BB, seu irmão, o qual havia já trabalhado num daqueles estabelecimentos de restauração, conhecendo, por isso, a zona e a clientela.
46. Depois de aceites os valores das rendas, o prazo dos arrendamentos e demais termos do negócio, tudo sob proposta dos Autores, os Réus assinaram os contratos, que passaram a ser executados do início de março de 2019.
47. Em 18 de março de 2020, foi decretado o estado de emergência pelo Presidente da República Portuguesa, pelo período de 15 dias (Resolução da Assembleia da República, nº 15-A/2020, de 18 de março).
48. Em 02 de abril de 2020, o estado de emergência foi renovado por novo período de 15 dias, isto é, até 17 de abril de 2020 (Resolução da Assembleia da República, nº 22-A/2020).
49. Em 16 de abril de 2020, o estado de emergência foi renovado pelo período de 15 dias, isto é, até 02 de maio (Resolução da Assembleia da República, nº 23-A/2020).
50. No início de maio de 2020, Portugal passou para o estado de calamidade, iniciando-se um plano de desconfinamento em 3 (três) fases (04 de maio, 18 de maio e 01 de junho), possibilitando uma gradual reabertura de vários sectores de atividade (Resolução do Conselho de Ministros nº 33-C/2020, de 30 de abril).
51. No que concerne aos estabelecimentos de restauração, estes começaram a poder reabrir, mas apenas até 50% da sua capacidade (Resolução do Conselho de Ministros nº 38/2020 de 17 de maio - 18.05.2020 até 31.05.2020; Resolução o Conselho de Ministros nº 40-A/2020, de 29 de Maio - 01.06.2020 até 14.06.2020; Resolução do Conselho de Ministros nº 43- B/2020, de 12 de Junho - até 28.06.2020; Resolução do Conselho de Ministros nº 51-A/2020, de 26 de Junho - até 14.07.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de Julho - até 31.07.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020, de 31 de Julho – até 14.08.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 68-A/2020, de 28 de Agosto – até 14.09.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2020, de 11 de Setembro – até 30.09.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2020, de 29 de Setembro – até 14.10.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º88-A/2020, de 14 de Outubro – até 31.10.2020; Resolução do Conselho de Ministros n.º92-A/2020, 02 de Novembro de 2020 – até 19.11.2020.
52. Em 06 de novembro de 2020, foi novamente decretado o estado de emergência até 23 de novembro (Resolução da Assembleia da República n.º 83-A/2020).
53. Em 20 de novembro de 2020, o estado de emergência foi renovado pelo período de 15 dias, isto é, até 08 de dezembro (Resolução da Assembleia da República, n.º 87-A/2020).
54. Em 04 de dezembro de 2020, o estado de emergência foi renovado pelo período de 15 dias, isto é, até 23 de dezembro (Resolução da Assembleia da República, n.º 89-A/2020)
55. Em 17 de dezembro de 2020, o estado de emergência foi renovado pelo período de 15 dias, isto é, até 07 de janeiro de 2021 (Resolução da Assembleia da República, n.º 90-A/2020).
56. Em 06 de janeiro de 2021, o estado de emergência foi renovado pelo período de 15 dias, isto é, até 15 de janeiro (Resolução da Assembleia da República, n.º 1-A/2021).
57. Em 13 de janeiro de 2021, o estado de emergência foi renovado até 30 de janeiro (Resolução da Assembleia da República n.º 1-B/2021).
58. Em 19 de janeiro de 2021, o Governo, através do decreto n.º 3-B de 2021, regulamentou a aplicação da prorrogação do estado de emergência.
59. No que tange à restauração, o Governo decretou o seu encerramento ao público, possibilitando o seu funcionamento exclusivamente para efeitos de atividade de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento através de entrega ao domicílio, diretamente ou através de intermediário, bem como para disponibilização de refeições ou produtos embalados à porta do estabelecimento ou ao postigo (take away).
60. Medida essa que viria a ser renovada por efeito da aprovação e publicação dos seguintes diplomas legais: Decreto n.º 3-C/2021, de 22 de Janeiro; Decreto n.º 3-D/2021, de 29 de Janeiro - até 14.02.2021; Decreto n.º 3-E/2021, de 12 de Fevereiro - até 01.03.2021; Decreto n.º 3-F/2021, de 26 de Fevereiro - até 16.03.2021; Decreto n.º 4/2021, de 13 de Março - até 31.03.2021; Decreto n.º 5/2021, de 28 de Março - até 05.04.2021; Decreto n.º 6-A/2021, 15 de Abril - até 30.04.2021;
61. Em 28 de janeiro de 2021, o estado de emergência foi renovado até 14 de fevereiro (Resolução da Assembleia da República, n.º 14-A/2021).
62. Em 11 de fevereiro de 2021, o estado de emergência foi renovado até 01 de março (Resolução da Assembleia da República, n.º 63-A/2021).
63. Em 25 de fevereiro de 2021, o estado de emergência foi renovado até 16 de março (Resolução da Assembleia da República, n.º 69-A/2021).
64. Em 11 de março de 2021, o estado de emergência foi renovado até 31 de março (Resolução da Assembleia da República, nº 77-B/2021).
65. Em 25 de março de 2021, o estado de emergência foi renovado até 15 de abril (Resolução da Assembleia da República, nº 90-A/2021).
66. Em 14 de abril de 2021, o estado de emergência foi renovado até 30 de abril (Resolução da Assembleia da República, nº 114-A/2021).
67. Em 30 de abril de 2021, o Governo declarou o estado de calamidade e limitou o exercício da restauração ao máximo de 50% da sua capacidade (Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril; Resolução do Conselho de Ministros n.º 46-C/2021, de 6 de maio; Resolução do Conselho de Ministros nº 52-A/2021, de 11 de maio; Resolução do Conselho de Ministros n.º 59-B/2021, de 14 de maio; Resolução do Conselho de Ministros n.º 64- A/2021, de 28 de maio).
68. O “Acordo” de 7 de maio de 2021 era referente aos valores que faltavam para atingir o valor da totalidade das rendas.
69. Em 30 de julho de 2021, por efeito da epidemia SARS-CoV-2 e à doença COVID-19, o Governo estabeleceu novas medidas restritivas para a restauração, impondo que em determinados dias da semana se exigisse aos clientes apresentação de um teste negativo (Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, de 30 de julho - até 31.08.202; Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021, de 20 de agosto - até 30.09.2021).
70. Em 27 de novembro de 2021, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157/2021 passou a ser obrigatória, para os estabelecimentos de restauração, a solicitação e verificação de certificado de vacinação ou de teste negativo para a COVID 19.
71. Os Autores arrendaram (novamente) as frações C e A supra identificadas, em julho de 2022, constando da cláusula 4ª do respetivo contrato de arrendamento o seguinte:
1. A renda mensal inicial devida pelo arrendamento das duas frações autónomas é de € 3.000 (…)”.
2. (…) a renda será atualizada para € 4.000 (…) a partir da renda correspondente ao mês de fevereiro de 2023, e que se vence em janeiro de 2023.
3. Os senhorios conferem à inquilina um período de carência no pagamento de rendas, relativos aos meses de julho a outubro de 2022, como compensação pelo período de obras a realizar pela inquilina (…)”.
72. Nos locados encontram-se a funcionar dois estabelecimentos comerciais abertos ao público e dedicados à restauração, explorados pela sociedade .....
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73. Com a celebração dos contratos de arrendamento:
- a 1.ª Ré pagou aos Autores o valor global de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), sendo 5.000,00€ (cinco mil euros) referente às rendas dos meses de março e abril de 2019 e a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) referente à caução que fora prestada;
- a 2.ª Ré pagou aos Autores o valor global de 9.000,00€ (nove mil euros), sendo 6.000,00€ (seis mil euros) referente às rendas dos meses de março e abril de 2019 e a quantia de 3.000,00€ (três mil e quinhentos euros) referente à caução que fora prestada;
74. No ano de 2019, o resultado líquido do período da 1ª Ré foi negativo em € 17.148,07.
75. Contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 19.000,00.
76. No mesmo ano de 2019, a 2ª Ré apresentou um resultado líquido do período negativo em € 13.327,20.
77. Contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 21.300,00.
78. As 1.ª e 2.ª Rés, durante o ano de 2020, viram as suas vendas diminuídas.
79. Em 2020, a 1.ª Ré teve um resultado líquido do período negativo de € 2.911,67;
80. A 2ª Ré registou um resultado líquido do período negativo de € 15.618,86.
81. Em meados do mês de abril de 2020, as Rés informaram os Autores que pretendiam beneficiar da medida de apoio aprovada pelo Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril e que consistia no diferimento no pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente.
82. Ao abrigo daquele diploma legal, as Rés apenas diferiram o pagamento das rendas referentes aos meses de maio, junho e julho de 2020.
83. Durante o ano de 2020 e 2021 as Rés procederam ao pagamento total do valor das rendas diferidas.
84. Todavia, no ano de 2020, apenas foram consideradas na contabilidade da 1ª Ré rendas num total de € 7.500,00, por referência ao locado, e na contabilidade da 2.ª Ré num total de € 9.000,00€, por falta da emissão de recibos
85. No ano de 2021, a 1ª Ré teve resultado líquido do período negativo de € 12.655,52.
86. No ano de 2021, a 1ª Ré contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 31.745,80.
87. A 2ª Ré registou o resultado líquido do período igualmente negativo em € 1.500,96.
88. No ano de 2021, a 2ª Ré contraiu financiamento (“suprimentos e outros mútuos”) no valor de € 25.000,00.
89. Nesse ano apenas foram consideradas na contabilidade da 1ª Ré rendas num total de € 10.000,00, por referência ao locado, porque os Autores não procederam à emissão dos recibos das restantes rendas que foram pagas nesse ano.
90. A 2ª Ré apenas considerou na contabilidade rendas num total de € 12.000,00, por referência ao locado, porque os Autores não procederam à emissão dos recibos das restantes rendas que foram pagas pela 2ª Ré nesse ano.
91. Não obstante o alívio das medidas restritivas impostas à restauração, o medo, a preocupação e o pânico sentidos pela população em geral fez-se sentir durante o ano de 2021.
92. A atividade comercial levada a cabo pela 1ª e 2ª Rés nos locados “vivia” do movimento dos trabalhadores que as grandes empresas albergavam diariamente, dos estudantes, dos funcionários públicos.
93. Com a pandemia, o regime de prestação subordinada de teletrabalho passou a ser determinado pelos empregadores, tendo, sobretudo as grandes empresas aderido em massa a este regime.
94. O valor que os Autores fizeram constar nos considerandos e na cláusula primeira do “Acordo” de 07 de maio de 2021 não diz respeito a qualquer perdão de rendas, nem a despesas incorridas pelos Autores.
95. Os € 12.880,00 correspondiam ao valor global das prestações acordadas já pago pela 1ª e 2ª Rés aos Autores, por respeito ao diferimento das rendas dos meses de maio, junho e julho de 2020, que não foram pagas na data do respetivo vencimento, em virtude das comunicações que a 1ª e 2ª Rés enviaram aos Autores ao abrigo da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril.
96. O intuito do documento seria justificar o recebimento do valor global de € 12.880,00 por conta das referidas rendas vencidas, “compensando” a 1ª e 2ª Rés com o alegado perdão de parte das rendas nos meses de junho e julho de 2021, sem a emissão dos respetivos recibos.
97. Alguns equipamentos encontravam-se no interior dos locados.
98. As 1ª e 2ª Rés dispõem de todos os elementos contabilísticos legalmente obrigatórios.
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São os seguintes os factos não provados a considerar:
a) no início do ano de 2019, o Réu Ccontactou os Autores em conjunto com o Réu E, seu irmão, propondo que aqueles lhes entregassem a exploração dos estabelecimentos;
b) A cláusula terceira, nº 2, dos contratos de arrendamento foi incluída por terem sido negociados entre as partes aqueles valores globais de renda durante 5 anos e este ter sido aceite como o período mínimo que justificava o arrendamento nos termos e condições em que foi feito, atenta a idade e necessidade de estabilidade dos Autores, a estabilidade dos Réus na obtenção de lucros e atento o prestígio e clientela dos estabelecimentos que integram as sociedades cujas quotas eram cedidas por igual período, sendo a renda de € 2.500,00 correspondente ao fracionamento do valor de € 150.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do respetivo contrato e a renda de € 3.000,00 ao fracionamento do valor de € 180.000,00 por cada mês do período mínimo de duração do respetivo contrato;
c) o “Acordo” datado de 7/5/2021 foi subscrito pelos Autores, contendo um “perdão de rendas”;
d) a clientela, com o encerramento “inopinado” dos estabelecimentos, passou a frequentar outros estabelecimentos congéneres, criando novos hábitos e estabelecendo novas relações de confiança;
e) tal encerramento deve-se aos conflitos entre os Réus Ce E, irmãos, e às desconfianças entre estes, designadamente relativas os seus negócios, às contas e faturação das empresas;
f) o teor da cláusula terceira foi negociado e explicado pelos Autores aos Réus;
g) a clientela dos estabelecimentos era constituída, na sua maioria, pelos cerca de 2000 funcionários da ... que trabalhavam nas instalações daquela situadas na Rua ..., como pelos clientes da loja ... ali situada;
h) o Réu C assinou o “Acordo” de 7 de maio de 2021 por forte pressão dos Autores;
i) tal acordo não resultou de qualquer negociação entre as partes;
j) a ... colocou a maioria dos seus funcionários em teletrabalho e tomou a decisão de “abandonar” as instalações sitas na Rua ... e, bem assim, de encerrar a loja da ..., também ali situada (Rua ...);
l) “desapareceu” aquela que constituía a maioria da clientela da “Pastelaria H” e de “O G”;
m) os Autores entregaram as sociedades aos 3.º e 5.º Réus com as contas bancárias completamente vazias, com muito poucas ou quase nenhumas mercadorias em stock;
n) motivo pelo qual as 1.ª e 2.ª Rés se viram obrigadas a adquirir mercadorias para poderem continuar com a respetiva atividade comercial;
o) alguns dias depois da abertura dos estabelecimentos comerciais das 1.ª e 2.ª Rés, veio a constatar-se que a afluência de pessoas aos estabelecimentos comerciais não era aquela que os Autores tinham feito crer aos Réus, o que os Réus, todavia atribuíram à fraca qualidade do serviço e má gestão dos Autores;
p) entre o período compreendido de 18.05.2020 a 19.11.2020, tendo em conta a área destinada a refeições, o limite de pessoas no seu interior e a distância de segurança imposta pelo Governo, em cada um dos estabelecimentos da 1ª e 2ª Rés não seria permitido servir refeições a mais do que 10 pessoas;
q) No dia 31/12/2021, o 3º Réu dirigiu-se à residência dos Autores, sita na Rua ..., n.º 3 – 3.º Esq., em Lisboa, para proceder à entrega das chaves dos dois locados, não tendo sido recebido pelos Autores;
r) antes da entrada desta ação, os Autores já tinham recuperado a posse dos locados;
s) o pagamento das rendas efetuado pelas Rés aos Autores ou a outras pessoas em sua representação, por conta do contrato de arrendamento, foi sempre realizado em numerário.
t) a 1ª e 2ª Rés não dispõem de quaisquer trabalhadores a seu cargo;
u) não têm dividas, nomeadamente à Segurança Social, à Administração Tributária ou a quaisquer entes públicos ou privados.
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B - Da indemnização por mora na restituição das frações locadas
Na decisão recorrida foi considerado que os autores resolveram, de forma válida e operante, os contratos de arrendamento em causa nos autos em face da falta de pagamento das rendas relativamente aos meses de dezembro de 2021 e janeiro e fevereiro de 2022. Nessa parte, a decisão transitou em julgado, não sendo objeto de reapreciação no presente recurso.
Os autores reagiram à decisão recorrida, no segmento em que lhes foi negada a indemnização correspondente ao triplo da renda, conforme previsto na cláusula 15ª (“Indemnização por mora”) dos contratos de arrendamento celebrados.
A tal propósito, consignou-se o seguinte na decisão recorrida:
“Nos termos do nº 1 do art. 1045º, do Cód. Civil, “Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida”. Acresce que foi convencionada uma cláusula contratual que prevê a obrigação de pagamento do valor do triplo da renda mensal pelo atraso na devolução dos locados. Todavia, a verdade é que do conjunto dos factos que resultam apurados – considerando que os Réus nunca entregaram as chaves mas os Autores arrendaram novamente os locados a terceiros – resulta inequívoco que os Autores tiveram a disponibilidade dos locados mesmo sem a entrega das chaves que estavam na posse dos Réus e não deixaram de tomar posse dos mesmos, à revelia de qualquer ação de despejo, o que torna, por um lado, inútil o pedido de restituição feito e, por outro, inexistente o prejuízo subjacente à justificação do pagamento de uma (qualquer) indemnização pela mora nessa restituição. Nesta conformidade, têm os Autores direito (apenas) a haver as rendas vencidas e não pagas até à resolução por si operada, ou seja, as rendas vencidas em dezembro de 2021, janeiro e fevereiro de 2022. Concretamente, quanto à 1ª Ré, o valor global de € 7.500,00. Quanto à 2ª Ré, o valor global de € 9.000,00, conforme peticionado.”
Apreciando a questão suscitada, reitera-se que na decisão recorrida foi considerada válida e juridicamente operante a declaração de resolução do contrato operada pelos autores por cartas registadas de 9 de fevereiro de 2022.
Por outro lado, apurou-se que: “37. Os Réus não entregaram as chaves dos imóveis locados aos Autores em 31 de dezembro de 2021, fazendo-o apenas em 8 de abril de 2022”.
Por fim, ficou demonstrado que: “71. Os Autores arrendaram (novamente) os locados em julho de 2022, constando da cláusula 4ª do respetivo contrato de arrendamento o seguinte: 1. A renda mensal inicial devida pelo arrendamento das duas frações autónomas é de € 3.000 (…)”. 2. (…) a renda será atualizada para € 4.000 (…) a partir da renda correspondente ao mês de fevereiro de 2023, e que se vence em janeiro de 2023. 3. Os senhorios conferem à inquilina um período de carência no pagamento de rendas, relativos aos meses de julho a outubro de 2022, como compensação pelo período de obras a realizar pela inquilina (…)”.
Divergindo da decisão recorrida, afigura-se que os factos apurados não autorizam a conclusão de que os autores tenham obtido a disponibilidade dos locados em momento anterior à entrega das chaves em 08-04-2022, facto esse cuja prova, por impedir a pretensão indemnizatória deduzida pelos autores, incumbia aos réus, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 342º, CC (prova do cumprimento da obrigação de entrega que sobre eles impendia).
Efetivamente, mostra-se legalmente estabelecida a obrigação, a cargo do arrendatário, de entrega do locado após a resolução do contrato (cfr. artigos 1043º, 1045º e 1087º, CC). O não cumprimento de tal obrigação gera para o arrendatário que esteja em mora a obrigação de pagamento, a título de indemnização, do dobro da renda – cfr. artigo 1045º, nºs 1 e 2, CC. Acresce que na cláusula 15ª dos contratos celebrados foi estipulada a título de indemnização, para o caso de mora na restituição do locado, o triplo da renda estipulada “por cada mês ou fração que decorrer até à efetiva restituição”.
Ora, reiterando-se que os factos provados não autorizam a conclusão de que até à data da entrega das chaves – 08-04-2022 – os autores tenham recuperado a disponibilidade sobre as frações, interessa definir se deve operar, e em que termos, a cláusula contratual que fixa no triplo da renda, por cada mês ou fração, até à efetiva restituição do locado.
Tal cláusula (a 15ª de ambos os contratos de arrendamento mencionados nos factos provados) deve qualificar-se como “cláusula penal”, dada a sua acessoriedade relativamente à obrigação principal (a de restituição das frações locadas no termo dos contratos) e o facto de corresponder a estipulação para o caso de não cumprimento de tal obrigação. A tal propósito, refere Nuno Manuel Pinto Oliveira, (“Cláusulas Acessórias Ao Contrato – Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar, Cláusulas Penais”, 2ª. ed., Almedina, pág. 63): “A cláusula penal define-se como estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir perfeitamente a obrigação”. Já Pinto Monteiro (“Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, pág. 86): refere que a cláusula penal “(…) pressupõe a existência de uma obrigação — provindo, em regra, de contrato -, que é costume designar por obrigação principal, a fim de acentuar melhor a acessoriedade da referida cláusula, a sua dependência relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona. Compreende-se que seja assim: a cláusula penal, em qualquer das suas modalidades, é uma estipulação mediante a qual um dos contraentes se obriga a efetuar uma prestação, diferente da devida, no caso de não cumprir ou de não cumprir nos seus precisos termos a obrigação. Trata-se de simples promessa a cumprir no futuro, com carácter eventual, visto que o compromisso assumido só se efetivará - a pena só será exigível - se e na medida em que o devedor não realize, por culpa sua, a prestação a que está vinculado e a que a cláusula se reporta (…)Ao estipular uma cláusula penal, visa-se incentivar o respeito devido à obrigação, de fonte negocial ou imposta por lei, estabelecendo, desde logo, para o efeito, a respetiva sanção, prevenindo a hipótese do seu incumprimento; ou pode ser escopo das partes, tão-só, o de fixar antecipadamente o quantum indemnizatório a que haverá lugar. Seja como for. a existência de uma obrigação surge, assim, via de regra, como pressuposto objetivo da cláusula penal (…).”
Acresce que as cláusulas penais podem assumir uma vertente indemnizatória ou compulsória, sendo que no primeiro caso têm “por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso”, e no segundo têm “por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o incumprimento”- Nuno Manuel Pinto Oliveira (in Ob. cit., págs. 63/65).
Ora, analisadas as cláusulas penais (com redações iguais) inseridas em ambos os contratos de arrendamento em análise nos autos, afigura-se que na concreta disciplina contratual em que foram inseridas assumem uma função indemnizatória, pois regulam a indemnização a atribuir em caso de mora na restituição do locado.
Todavia, a norma do artigo 1045º CC, acima mencionada, reveste caráter imperativo, consagrando um critério especial de quantificação do montante da correspondente obrigação de indemnização, impendente sobre o arrendatário, coincidente com o valor da renda praticada no momento da cessação do contrato, ou com o seu dobro caso exista mora, assim afastando a aplicação das regras gerais previstas nos artigos 562º e seguintes do Código Civil. Como se refere no acórdão da Relação de Évora de 16-06-2016 (proferido no processo nº 2501/14.4TBSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt), a norma do artigo 1045º CC tarifa a indemnização, afastando a possibilidade de cálculo da indemnização com base nas regras gerais, e também a predefinição pelas partes de um valor indemnizatório superior ao previsto imperativamente na lei (em cláusula penal).
Desta forma, quer se opte pela nulidade dessa cláusula (como se defende no acórdão da Relação do Porto de 13-12-2004 (proferido no processo nº 0455951, disponível em www.dgsi.pt), quer se entenda que o valor indemnizatório não pode, por aplicação da norma imperativa do artigo 1045º CC, ultrapassar o valor indemnizatório aí previsto, importa concluir que os autores apenas terão direito ao pagamento do dobro das rendas devidas no período que compreende o mês de março e os primeiros oito dias de abril de 2022.
Assim, relativamente à fração A, sendo a renda mensal de € 3000, operando a referida cláusula quanto ao mês de março e à fração de oito dias do mês de abril, a indemnização seria fixada em € 7.600 (€ 3000 x 2 = € 6000 - março) + [(€3000x2:30=€200) x 8 =€1.600,00 – 8 dias de abril].
Relativamente à fração C, com uma renda mensal de € 2.500,00, a indemnização seria fixada em € 6.333,33 (€ 2.500 x 2 = € 5.000 – março) + [(€ 2500x2:30=€166,67)x8=€ 1.333,33].
Pelo exposto, nesta parte, o recurso revela-se parcialmente procedente sendo devido, a título de indemnização pelo atraso na entrega das frações locadas:
- o montante de € 7.600 quanto à fração A (Pastelaria H);
- o montante de € 6.333,33 quanto à fração C (G);
A tais montantes acrescem os juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde a data de vencimento das respetivas rendas.
Tais indemnizações oneram, para além da respetiva arrendatária e principal obrigada (pessoa coletiva), todos os réus pessoas singulares, por força da fiança que outorgaram.
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C - Da obrigação do pagamento das rendas até final do contrato
Pretendem os recorrentes a alteração da decisão recorrida, por forma a que sejam os réus condenados no pagamento das rendas até final do período contratual acordado. Tal obrigação, na tese dos recorrentes, decorre da disciplina contratual, designadamente da cláusula 3ª, cujo nº 1 prevê um prazo mínimo de 5 anos para os contratos de arrendamento (com início a 1 de março de 2019 e termo a 29 de fevereiro de 2024), dispondo o seu nº 2: “Sem prejuízo da sua revogação por acordo das partes ou de resolução em caso de incumprimento da INQUILINA, não é possível a denúncia ou rescisão antecipada do contrato antes do termo do prazo inicial de cinco anos de duração.”
O tribunal recorrido indeferiu tal pretensão com a seguinte argumentação:
“É também certo que os contratos regem-se pelo contratualmente estabelecido - ao abrigo do princípio da liberdade contratual, consagrado no art. 405º, nº 1, do Cód. Civil. Nesse pressuposto, pretendem ainda os Autores fazer valer o disposto na cláusula 3ª dos contratos de arrendamento em apreço, que prevê em caso de cessação antes do decurso do prazo de cinco anos a possibilidade de exigir o pagamento de todas as rendas até ao fim desse período. Sem prejuízo de a mesma versar sobre o direito de denúncia dos mesmos – quando, no caso, o que ocorreu foi a sua resolução - , sempre se dirá que tal cláusula, conjugada com a obrigação de devolução dos locados e do pagamento de uma indemnização pela mora na sua restituição elevada ao triplo do valor da renda ultrapassa os danos, sendo uma cláusula coerciva: se o locatário não cumprir voluntariamente cumpre à força, já que terá afinal de satisfazer por inteiro o equivalente à sua obrigação de pagamento da contraprestação pelo gozo da coisa, independentemente de os locadores deixarem de lha facultar. Ou seja, os Autores/locadores seriam postos na situação em que estariam se o contrato tivesse sido integralmente cumprido. O que significa que, de um certo ponto de vista, o melhor que poderia acontecer seria o incumprimento das Rés: exercendo a cláusula ficam dispensados de facultar o gozo da coisa, que lhes deve ser restituída, e concomitantemente recebem as rendas que seriam devidas por esse mesmo gozo da coisa até ao termo do contrato. Tal cláusula penal não se relaciona com risco e custos e, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 15/5/2001, in CJ T.II, p.76 e ss., “uma cláusula penal (…) que não se relaciona com o risco nem com os custos deve considerar-se desproporcionada ao dano a ressarcir (art. 19, al. c), DL n.º 446/85)”. E, assim sendo, é nula.”
Os recorrentes reagiram a tal decisão considerando serem devidas as rendas vincendas até fevereiro de 2024 ou, subsidiariamente, a indemnização pelos prejuízos causados pela cessação antecipada.
Numa primeira aproximação à questão, dir-se-á que se relaciona com o âmbito dos danos a ressarcir em caso de resolução, importando decidir se os recorrentes devem ser colocados na situação em que estariam se o contrato de arrendamento não tivesse sido concluído (caso em que o respetivo ressarcimento visará o interesse contratual negativo), ou se deve ser tutelado o interesse contratual positivo, reconhecendo-se que têm direito a receber todas as quantias que receberiam em caso de cumprimento integral do contrato.
Dispõe o artigo 433º, CC, relativo aos efeitos entre as partes da resolução: “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes.”
Por outro lado, o nº 1 do artigo 289º que regulamenta os efeitos da declaração de nulidade e da anulação, estabelece que: “1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Nos termos do artigo 801º do Código Civil: “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.
Já o artigo 802º estabelece que:
“1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.”
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2020 (proferido no processo nº15940/16.7T8LSB.L1.S1): “O problema suscitado pelos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, relaciona-se com o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: O devedor há-de colocar o credor na situação em que estaria se não tivesse concluído o contrato ou deve colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido?; deve indemnizar o devedor pelo interesse contratual negativo ou deve indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo?; deve indemnizar pelo dano da confiança ou deve indemnizá-lo pelo dano do (não) cumprimento? O primeiro termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual negativo — destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual positivo — destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (…) ”.
A posição doutrinária clássica fixou-se no sentido de, no caso de resolução contratual, a tutela do credor restringir-se ao interesse contratual negativo, visando compensá-lo pelas perdas conexionadas com a mera celebração do contrato - cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra, p. 60; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Almedina, pág.104. Consequentemente, é afastada a cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, isto é, o ressarcimento do prejuízo que o contraente fiel não sofreria se o negócio houvesse sido integralmente cumprido pela contraparte.
Milita a favor desta tese o efeito retroativo da resolução (artigo 434º, nº1, do Código Civil) e a atribuição ao credor de uma posição contraditória, dado que, não obstante ter optado por resolver o contrato, pretende exigir a indemnização equivalente ao seu cumprimento.
Contudo, tal tese vem sendo superada, defendendo-se uma aplicação casuística que avalie da adequação da indemnização tendo por referência os contornos do caso em concreto – neste sentido, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018, proferido no processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, sumariou-se o seguinte: “II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a eHr situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. III. No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção. IV. Para tanto, é de considerar, em síntese, que: a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas; b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária (…)”, sendo de rejeitar a existência de um critério abstrato de regra-exceção. Entendeu-se, neste conspecto, que “V - A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa-fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018 (processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2).”
Ora, os contornos do caso concreto, mormente os significativos valores da renda cobrada aos réus, conjugados com a celebração em julho daquele mesmo ano de novos contratos de arrendamento, tornam desajustada a indemnização do interesse contratual positivo.
Acresce que, contrariamente ao que refere o recorrente, e a própria decisão recorrida, tal indemnização também não decorre da concreta disciplina contratual convencionada.
Efetivamente, resulta da citada cláusula 3º nº 2, de ambos os contratos de arrendamento (facto provado nº 11): “Sem prejuízo da sua revogação por acordo das partes ou de resolução em caso de incumprimento da INQUILINA, não é possível a denúncia ou rescisão antecipada do contrato antes do termo do prazo inicial de cinco anos de duração.”
Interpretando tal cláusula tendo por base o critério interpretativo consagrado no artigo 236º CC, verifica-se que não se encontra aí prevista qualquer indemnização, ou sequer algum valor a liquidar em caso de incumprimento. A cláusula limita-se a proibir “a denúncia ou a rescisão antecipada do contrato” pelo arrendatário, não contendo qualquer previsão indemnizatória para a hipótese de a resolução ser realizada pelo senhorio por “incumprimento da inquilina”. Ou seja, não constitui esta cláusula a definição antecipada de qualquer valor indemnizatório, nem sequer o prevendo.
É evidente que a proibição da denúncia ou “rescisão” do contrato pelo arrendatário implicaria o pagamento das rendas devidas até final. Porém, estas apenas seriam devidas caso o contrato perdurasse, não sendo resolvido – como foi – por iniciativa dos senhorios. Por outras palavras, as rendas constituiriam o cumprimento pelo arrendatário da sua obrigação, contrapartida do gozo do locado. Como os contratos foram resolvidos pelos autores/senhorios (faculdade que a referida cláusula salvaguardava), as rendas até final do contrato deixaram de ser devidas (com exceção do anteriormente exposto quanto aos valores devidos até à efetiva entrega do locado), e a aludida cláusula não prevê qualquer valor indemnizatório.
Além disso, cremos que, no exposto quadro (resolução operada pelos senhorios, que entretanto voltaram a arrendar os locados), a indemnização pretendida pelos autores seria geradora de desequilíbrio contratual.
Em conclusão, por ausência de fundamento legal ou contratual, improcede o recurso no que se reporta à indemnização do interesse contratual positivo.
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Procedendo (e improcedendo) parcialmente o recurso de apelação, afigura-se que os autores e os réus deverão ser responsabilizados pelas respetivas custas, na medida do respetivo decaimento, que se fixa em 67/100 para os primeiros e 33/100 para os segundos – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a decisão recorrida, condenando-se os réus, a título de indemnização moratória pelo atraso na entrega das frações locadas após a resolução dos contratos de arrendamento, nos seguintes termos:
- Os réus “... no pagamento da quantia de € 6.333,33 (seis mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento das respetivas rendas;
- Os réus “...”, C, D, E e F, no pagamento da quantia de € 7.600,00 (sete mil e seiscentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento das respetivas rendas;
No demais, mantem-se o decidido em 1ª instância.
Custas do recurso pelos autores/recorrentes e pelos réus na medida do respetivo decaimento, que se fixa em 67/100 para os primeiros e 33/100 para os segundos – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
D.N.
Lisboa, 13 de março de 2025
Rute Sobral
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Paulo Fernandes da Silva