COMPROPRIEDADE
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO NATURAL
GESTÃO PROCESSUAL
ADEQUAÇÃO FORMAL
Sumário

I – Pese embora a Autora, comproprietária de 47/48 avos do prédio (composto por zona ampla em cave, destinada a parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões), possa reivindicar de terceiros os vários lugares de estacionamento que os Réus vem ocupando, sem que a estes seja lícito opor que tal coisa lhe não pertence por inteiro (cf. art. 1405.º, n.º 2, do CC), já os Réus-reconvintes, na ação principal e sete apensos, não podem, apenas perante aquela comproprietária, peticionar, em reconvenção, que sejam reconhecidos os direitos de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos) do prédio, invocando a sua aquisição por usucapião (que retroage ao momento do início da posse - cf. art. 1317.º, al. c), do CC], bem como o cancelamento dos registos lavrados após o destaque, o que inclui o registo de aquisição de 1/48 avos a favor do outro comproprietário; com efeito, não podiam deixar de demandar igualmente este último, tratando-se de um caso típico de litisconsórcio necessário passivo natural, imposto pela própria natureza da relação jurídica- cf. art. 33.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
II – Está, assim, verificada a exceção dilatória de ilegitimidade plural da Autora-reconvinda, por preterição de litisconsórcio necessário natural do lado passivo da instância reconvencional, a qual não deixa de ser de conhecimento oficioso na fase de recurso interposto da sentença, que julgou improcedentes as ações e procedentes as reconvenções, já que a questão não foi antes apreciada, mormente no despacho saneador.
III – Em consequência, há que absolver a Autora-reconvinda da instância reconvencional, com a consequente anulação, por arrastamento, do processado subsequente ao despacho saneador na medida - e só na medida - em que este processado esteja dependente daquele despacho, uma vez que o Tribunal recorrido não podia ter conhecido do mérito da causa nos termos em que o fez (cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, por analogia), cumprindo ao Tribunal recorrido, ao abrigo dos princípios da gestão processual, adequação formal e processo equitativo, extrair as devidas consequências da decisão de absolvição da instância reconvencional, nos diferentes processos em função da posição que vier a ser adotada pelas partes, mormente pelos Réus-reconvintes, já que ainda poderão vir deduzir o incidente de intervenção principal ao abrigo do art. 261.º do CPC.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
FRASAC - CONSTRUÇÕES E ADMINISTRAÇÃO S.A. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedentes as ações (e procedentes as reconvenções) que intentou contra (1) AA e BB, Réus no processo principal, e ainda contra (2) CC (Ré no apenso A), (3) DD e EE (Réus no apenso B); (4) FF (Ré no apenso C); (5) GG (Ré no apenso D); (6) HH (Ré no apenso E); (7) II e JJ (Réus no apenso F); (8) KK e LL (Réus no apenso G).
Em cada uma das Petições Iniciais, a Autora peticionou que fosse(m) condenado/a(s) o/a(s) Ré(us) a:
a) Reconhecerem que a Autora é legítima comproprietária e compossuidora, na proporção de 47/48 avos, do prédio composto por uma zona ampla em cave, destinada a parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na ..., descrito na ... sob o número ...0...88 da freguesia de ... ... e inscrito na matriz sob o artigo ... da União das freguesias de ... ..., ...,
b) A desocupar o lugar de estacionamento que vêm usando no mesmo prédio;
c) A pagar à Autora a importância mensal de 120 € desde a instauração da presente ação até a entrega à Autora do lugar de estacionamento que vem usando, como indemnização relativa à privação da utilização do espaço pela Autora, correspondendo à receita que poderia obter pela cedência do seu uso a terceiros.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A Autora é comproprietária e legítima compossuidora, na proporção de 47/48 avos, do prédio composto por uma zona ampla em cave, destinada a parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na ..., descrito na ... sob o número 000588 da freguesia de ... ..., tendo adquirido o seu direito de compropriedade em 1993 à sociedade “...”, estando efetuada a respetiva inscrição no registo predial mediante ap. ...1993;
- O outro comproprietário é MM, que adquiriu a sua quota de 1/48 avos a NN, que, por sua vez, a tinha adquirido à referida sociedade ...;
- A Garagem foi construída pela mesma empresa que construiu um prédio urbano contíguo àquela, destinado a habitação, com 48 fogos, descrito na ... sob o n.º 000333, adiante designado por “...”, destinando-se a garagem a ser vendida aos condóminos da ...;
- Os Réus são proprietários de frações autónomas desse prédio;
- Aquela sociedade (entretanto extinta), terá celebrado alguns contratos promessa de compra e venda com proprietários de frações autónomas na ..., mas a Autora não dispõe de exemplares desses contratos e desconhece quais os preços acordados e os sinais recebidos;
- Os Réus vêm usando a garagem para aí parquear os seus veículos;
- A Autora propôs vender aos Réus cada um dos 1/48 que possui, por 5.000 €, um preço que corresponde a metade do seu valor de mercado, descontando os sinais (ou a totalidade do preço) eventualmente pagos àquela sociedade, devendo pagar apenas os encargos que a Autora vem suportando, designadamente com o IMI; como não aceitaram, a Autora viu-se obrigada a intentar uma ação contra cada um dos diferentes condóminos da ... que estão nessa situação.
Os Réus no processo principal apresentaram a sua Contestação, em que se defenderam por impugnação motivada, de facto e de direito, por exceção e reconvenção, requerendo a final o seguinte:
a) Deve ser julgada procedente a exceção da nulidade de registo de destaque, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º 333, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, atualmente descrito sob o n.º 588, devendo ser cancelados os registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque, sendo os Réus absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial;
b) Subsidiariamente, caso não proceda a exceção anterior, deve ser julgada procedente a exceção da nulidade da aquisição do prédio descrito sob o n.º ... de 24-03-1993, registada a favor da Autora em ...-...-1993, por violação de normas imperativas de licenciamento impostas pela entidade camarária, devendo ser cancelados os posteriores registos de aquisição lavrados neste mesmo prédio, sendo os Réus absolvidos dos pedidos formulados na petição inicial;
c) Em todo o caso, deve a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, sendo os Réus absolvidos de todos os pedidos formulados na petição inicial, com a consequente condenação da Autora nas custas do processo;
d) Subsidiariamente, caso não procedam as exceções invocadas, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/ Reconvintes como proprietários de 1/48 avos do prédio atualmente descrito com o número ... da freguesia de ..., retroagindo-se os efeitos da aquisição a 25-06-1991 ou ao ano de 1981, conforme seja, ou não, procedente, a invocação da acessão de posse, ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado procedente o pedido da aquisição do usufruto por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/Reconvintes como usufrutuários de 1/48 avos do prédio atualmente descrito com o número ... da freguesia de ..., retroagindo-se os efeitos da aquisição a 25-06-1991 ou ao ano de 1981, conforme seja, ou não, procedente, a invocação da acessão de posse;
e) Subsidiariamente, caso não proceda o pedido reconvencional a que se reporta a alínea anterior, deve ser julgado procedente o pedido reconvencional de execução específica, por incumprimento do contrato-promessa, devendo o tribunal substituir-se à declaração negocial da Autora/Reconvinda, comprometendo-se os Réus/Reconvintes a depositar o remanescente do preço acordado no prazo que lhes vier a ser fixado para o efeito.
A Autora-reconvinda apresentou a sua Réplica, em que pugnou pela improcedência dos pedidos reconvencionais, requerendo ainda, para o caso de ser julgado procedente o pedido de execução específica, que fosse atualizada a prestação devida pelos Réus com base nos coeficientes de desvalorização monetária.
Notificada para se pronunciar sobre a matéria das exceções, a Autora apresentou ainda articulado de Resposta em 27-04-2022, pugnando pela improcedência das exceções.
Por despacho de 22-08-2022, no seguimento do requerido pela Autora em 03-02-2022, foi determinada a apensação aos presentes autos de sete outras ações intentadas pela Autora, designadamente as que correm termos como:
- Proc. n.º ..., intentada contra CC;
- Proc. n.º ..., intentada contra DD e EE;
- Proc. n.º ..., intentada contra FF;
- Proc. n.º ..., intentada contra GG;
- Proc. n.º ..., intentada contra HH;
- Proc. n.º ..., intentada contra II e JJ;
- Proc. n.º ..., intentada contra KK e LL.
Em todos estes processos a Autora peticionou a condenação dos Réus no reconhecimento de que é comproprietária e legítima (com)possuidora de 47/48 avos do prédio composto por uma cave destinada ao parqueamento de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na ..., em ..., descrito na ... sob o n.º ..., bem como a condenação dos Réus na desocupação de um determinado lugar de estacionamento e pagamento de uma importância mensal até efetiva desocupação, alegando designadamente que todos os Réus nestas ações são proprietários de frações autónomas do prédio urbano, com 48 fogos, destinado à habitação, descrito sob o n.º ..., e utilizam, sem qualquer título, lugares de estacionamento do prédio contíguo descrito sob o n.º ....
Nesses outros processos, os Réus apresentaram a sua Contestação, invocando as mesmas exceções (nulidade do registo de destaque e nulidade do registo de aquisição a favor da Autora); para o caso de improcedência das exceções, deduziram, subsidiariamente, contra a Autora pedidos reconvencionais idênticos de aquisição do direito de compropriedade por usucapião de 1/48 avos e, no caso do apenso D, 2/48; subsidiariamente, peticionaram ainda a execução específica do contrato promessa; alegaram, em síntese, serem proprietários das frações autónomas a seguir indicadas, e que às mesmas está afeto, pelo menos desde o ano 1981, o lugar de estacionamento que indicam, o qual vem sendo ininterruptamente usado pelos proprietários das ditas frações; assim, referem que:
- quanto à fração designada pela letra “T”, propriedade dos Réus no processo principal, está afeto o lugar de estacionamento n.º 6;
- quanto à fração AG (8.º andar-B), propriedade da Ré no apenso A, está afeto o lugar de estacionamento n.º 4;
- quanto à fração F, propriedade dos Réus no apenso B, está afeto o lugar de estacionamento n.º 23;
- quanto à fração Z, propriedade dos Réus no apenso C, está afeto o lugar de estacionamento n.º 3;
- quanto às frações V e X, propriedade da Ré no apenso D, estão afetos, respetivamente, os lugares de estacionamento n.ºs 32 e 31;
- quanto à fração P, propriedade dos Réus no apenso E, está afeto o lugar de estacionamento n.º 44;
- quanto à fração L, propriedade dos Réus no apenso F, está afeto o lugar de estacionamento n.º 19;
- quanto à fração AJ (embora aí, bem como na sentença, indevidamente referida como fração AG, tratando-se do 9.º andar A), propriedade dos Réus no apenso no apenso G, está afeto o lugar de estacionamento n.º 47.
A Autora-reconvinda replicou e respondeu, conforme fez no processo principal.
Realizou-se a tentativa de conciliação, sem êxito.
Em 30-12-2022, foi proferido, com dispensa da audiência prévia, despacho que admitiu as reconvenções (ao abrigo do disposto no art. 266.º do CPC), bem como Despacho Saneador tabelar (em que se referiu designadamente que “As partes são legítimas”) e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, em duas sessões, com produção de prova testemunhal - incluindo da testemunha MM (proprietário de fração autónoma do mesmo prédio dos Réus) – e por declarações de parte (do Réu AA).
Após, foi proferida a Sentença (recorrida) cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto o Tribunal decide:
(principal)
I. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra AA e BB, absolvendo os RR. dos pedidos.
II. Julgar procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os Réus/ Reconvintes AA e BB como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número 588 da freguesia de ....
Apenso A
III. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, CC, absolvendo a R. do pedido.
IV. Julgar procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. CC, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número 588 da freguesia de ....
Apenso B
V. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra DD e EE, absolvendo os RR. do pedido.
VI. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer DD e EE, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número 588 da freguesia de ....
Apenso C
VII. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, FF, absolvendo a R. do pedido.
VIII. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. FF, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número ... da freguesia de ....
Apenso D
IX. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, GG, absolvendo a R. do pedido.
X. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. GG, como proprietária de 2/48 avos do prédio actualmente descrito com o número ... da freguesia de ....
Apenso E
XI. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, HH, absolvendo a R. do pedido.
XII. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer a R. HH, como proprietária de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número ...da freguesia de ....
Apenso F
XIII. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra, II e JJ, absolvendo os RR. do pedido.
XIV. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os RR. R. II e JJ, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número ... da freguesia de ....
Apenso G
XV. Julgar improcedente por não provada a acção proposta por Frasac Construções e Administração SA, contra os RR. KK e OO, absolvendo os RR. do pedido.
XVI. Julgo procedente o pedido reconvencional da aquisição da propriedade por usucapião, sendo a Autora/Reconvinda condenada a reconhecer os RR. KK e OO, como proprietários de 1/48 avos do prédio actualmente descrito com o número ... da freguesia de ....
XVII. Ordeno registo de inscrição de propriedade a favor dos RR.. no registo predial.
Custas a cargo da A. nos termos do 527.º, do CPC. .
Registe e notifique, dando baixa na estatística oficial dos apensos E e F.
Após trânsito, tal como decorre do art.º 2.º, n.º1 al. a) e 3.º, n.º1, a. c) e 8.º do Código de Registo Predial proceda-se ao registo das aquisições a favor dos RR. por usucapião.”
Inconformada com o decidido no despacho saneador e na sentença, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que reproduzimos, retificando os lapsos de escrita; sublinhado nosso):
A - O projecto ... com a licença 1786, aprovado pela entidade camarária, não previa a construção de garagens com lugares de estacionamentos na cave;
B - Só em 1978 e após a aprovação pela DGPU, e depois da construção do edifício de habitação, tal construção foi licenciada;
C - Devem ser eliminados os números 7 e 8 da MP;
D - Não é verdade se possa dar como provado que os condóminos pensavam que tinham comprado um logradouro com 2.000m2 - art 41 da MP; nenhum testemunho dos compradores de 1978, PP e QQ fez tal afirmação e está em contradição com o nº 41, já que a SS iria construir no logradouro os estacionamentos para lhes serem vendidos, era porque não lhe vendia antes esse logradouro, devendo ser eliminados o nº 41 da MP;
E - Não é verdade que em 1978 os condóminos estavam convencidos que o estacionamento era para ser integrado como zona comum no prédio habitacional. PP e QQ, as únicas testemunhas que eram à data condóminos, nada referiram sobre tal situação.
F - Aliás só os condóminos desse prédio podiam, após a compra dos estacionamentos, por deliberação unânime, integrar o edifício como coisa comum do seu condomínio, sem qualquer intervenção da SS, pelo que devem ser eliminados os nº 50, 67 e 68 da MP;
G - O regulamento do nº 51 da MP não se traduz de forma alguma na auto assunção como proprietários dos lugares de estacionamento, não referem qualquer apossamento dos mesmos, não dizem que os utilizam, e tão depressa se dizem proprietários como comproprietários, sempre de fracções autónomas que não existem nem nunca existiram. Ademais à data do Regulamento o prédio não estava concluído, o que só aconteceu em 1982, não sendo possível qualquer acto de posse e uso como proprietários em 1980;
H - O nº 49 da MP apenas deverá dizer “que os condóminos do prédio ..., após a celebração dos cpcv dos respectivo lugar passaram a usar regularmente a garagem em datas e circunstâncias não determinadas;
I - Não é verdade que não tenha havido qualquer contacto com os condóminos desde 1982, embora dada a penhora que durou desde 1996 a 2003 e a morte do administrador das sociedades nesse ano, tenha produzido alguns interregnos;
J - Houve reuniões, conforme testemunharam QQ, RR e SS, pelo que devem ser alterados os nº 69 e 70 da MP, no sentido de terem ocorrido reuniões e negociações embora espaçadas; os condóminos passaram a custear despesas de manutenção e conservação embora sem se determinar a partir de que ano;
K - Não se pode dar como provado que os lugares de estacionamento se encontrem ininterrupta e sucessivamente, à semelhança dos proprietários anteriores, a ser usados pelos consecutivos proprietários dos andares, na convicção que exercem um direito próprio, sem lesar um direito de outrem;
L - Dos testemunhos de PP e QQ, primordiais, proprietários que já o eram em 1978 e são promitentes compradores de estacionamentos, resulta claro que nunca se arrogaram proprietários dos estacionamentos aguardando as escrituras de compra e venda; designadamente o segundo confessa-se devedor de 90 contos, valor que “deve ser transportado para a actualidade”;
M - Refere ainda que após reunião com a Frasac em que lhe pediram a lista dos promitentes compradores, convocou uma reunião tendo os condóminos decidido que não forneciam tal lista, mas que não recusavam fazer as escrituras; mais que a sua posição e a dos restantes condóminos era resolver os problemas regularizando a situação. Mas que queriam fazer as escrituras para poderem fazer obras já que ninguém faz obras de fundo em propriedade que não é dele.
N - Ou seja dos testemunhos relevantes, com conhecimento de causa em 1978 e seguintes anos, não resulta provada nenhuma das características apontadas à posse dos promitentes compradores - não se consideravam proprietários, sabiam não o sê-lo ao quererem outorgar as escrituras e pagar o preço em falta, pelo que não ignoravam que lesariam o direito de outrem;
O - As restantes testemunhas, todos muito posteriores ao início do uso dos estacionamentos dizem, exclusivamente que os actuais proprietários das fracções as usam e que a administração paga as despesas. Nada dizem, nem lhes foi perguntado, se os actuais utilizadores se consideram proprietários dos estacionamentos, se estão convictos que usam um direito próprio, ou se ignoram se lesam o direito de outrem;
P - Assim devem ser retiradas as expressões “como um verdadeiro proprietário, como os proprietários anteriores, na convicção que exerce um direito próprio, ignorando que lesa o direito de outrem” já que nenhum testemunho comprova tais atributos ao uso dos estacionamentos pelos promitentes compradores dos nº 86, 90, 91, 92, 103, 105, 107, 111, 112, 125, 126, 127, 129, 130, 133, 134, 135, 141, 142, 144, 145, 148, 149, 150, 160, 161, 162, 163, 164, 166, 167, 171, 172, 173, 183, 184, 185, 187, 188, 193, 194, 201, 203, 205, 206, 210, 211, 220, 221, 224 , 225, 228, 229 e 230;
Q - Já que resulta claro das doutas considerações de direito da Meritíssima Juíza que considerou provados estes atributos da posse pela consideração relevante do Regulamento sumariado no nº 51 da MP, facto que não se pode aceitar. Diz, “decorre efectivamente do Regulamento...que os comproprietários se arrogam possuidores em nome próprio, autodenominando-se proprietários adquirentes, mesmo perante o anterior gerente da SS ...animus esse que que de resto se presume decorrente dos actos materiais”;
R - Não se podem tirar essas conclusões de um regulamento de 1980, quando os estacionamentos só ficaram concluídos em 1982, não podendo arrogar-se ninguém proprietário de uma coisa que ainda não existe, sem dela ter pois a posse e uso.
S - Por outro lado o Regulamento diz respeito ao condomínio da ..., usam-se expressões de proprietários, a seguir comproprietários, e sempre de fracções autónomas, que nunca existiram nem existem quendo se pensa nos estacionamentos, os termos são pois contraditórios, referem-se a fracções autónomas, que seriam futuras, não actuais.
T - E nada se diz sobre a posse, a sua utilização, podendo até pensar-se que, ao preverem que o estacionamento fará parte da ... os proprietários serão os das fracções habitacionais a que serão adicionados os estacionamentos.
U - Não se pode deste simples Regulamento, anterior à construção do prédio dos estacionamentos, que os nessa data apenas interessados na compra dos estacionamentos, sem ainda existirem já se arrogavam a propriedade dos mesmos, contra o construtor, que inclusivamente até poderia não conseguir concluir o prédio!
V - Igualmente não se pode dar como provado que os proprietários dos andares têm vindo ao longo dos anos as despesas de manutenção, limpeza, conservação porque todos os testemunhos são unânimes: quem suportava esses custos era o condomínio da ..., não havendo identidade de sujeitos entre os condóminos e os utilizadores das garagens.
W - Devem ser alterados no sentido de que as despesas de algumas obras, limpezas, restauros dos estacionamentos foram custeados pela administração do condomínio nos nº 87, 88, 89, 108, 109, 131, 132, 146, 147, 168, 169, 189, 190, 207, 208, 226 e 227 da MP.
DO DIREITO
Z - As reconvenções pedindo a aquisição por usucapião por parte de oito reconvintes de 1/48 avos cada um de um prédio em compropriedade, tem de ser intentada contra todos os comproprietários, porque é um caso de litisconsórcio necessário passivo, o que não aconteceu ao não intervir o comproprietário MM, devendo ser indeferidos os pedidos reconvencionais de usucapião;
AB - Os reconvintes pedem, cada um deles a aquisição de uma quota ideal de 1/48 avos de um prédio em compropriedade, porque cada um deles tem a posse de um lugar de estacionamento marcado no pavimento e o uso das coisas comuns do prédio.
AC - Estes pedidos são na sua formulação de aquisição de fracções autónomas de um prédio que não está em PH, não possuindo esses lugares as características exigidas pelo artº 1415º do CC para poderem revestir a natureza de fracções autónomas. Na verdade ao se invocar o uso concomitante das coisas comuns do prédio, está-se a pensar no regime da PH, uma vez que em compropriedade todo o prédio é dos comproprietários;
AD - Relevemos essa desconformidade, referindo que o que pedem os oito reconvintes se baseia na posse de oito estacionamentos e das coisas comuns desse prédio, com 48 estacionamentos, todos eles com áreas diversas, o qual se encontra no regime da compropriedade.
AE - Admitem decisões judiciais e alguma doutrina a possibilidade de aquisição por usucapião por compossuidores, mas quando os compossuidores exercem a totalidade da posse sobre todo o prédio, embora cada um deles exerça a posse sobre partes distintas. Não é o caso dos autos.
AF- Na verdade os reconvintes invocam apenas a posse sobre oito lugares em 48, ignorando a posse sobre os restantes 40. Ou seja a composse não se exerce sobre todo o prédio, mas só sobre uma parte. Para ser relevante a posse para efeito de usucapião terá de ser exercida sobre todo o prédio. Não acontecendo é inadmissível o pedido de aquisição de oito estacionamentos por posse aquisitiva.
AG - Admite alguma Jurisprudência a aquisição por usucapião de uma quota ideal de uma compropriedade, mas tão somente se já existirem tais quotas, ou se forem delimitáveis, Citamos o douto Acórdão do STJ proferido no processo 1854/13.6TVLSB.L1.S1.
AH - Ora á data do pedido de usucapião a compropriedade era constituída por duas quotas: uma de 47/48 avos a favor da Frasac e outra de 1/48 avos a favor de MM. Não existem outras quotas, designadamente oito de 1/48 avos cada. Assim, não preexistindo, não podem ser adquiridas por usucapião. E não são delimitáveis face às outras, como resulta de matéria provada: os estacionamentos têm áreas diversas, não se podendo reconduzir cada uma delas a 1/48, como também diz o AA: eu não tenho 1/48 avos do prédio, há 48 estacionamentos com áreas diversas.
AI - A Jurisprudência é unânime ou quase, no sentido de que a posse derivada de CPCV não é adequada à usucapião, excepto se houver a inversão do título da posse.
AJ - Não foram alegados factos que nos permitissem deduzir a existência da inversão do título nos oito pedidos de usucapião. Aliás a Meritíssima Juíza, desvalorizou essa situação, já que baseou as características da posse boas para aquisição por usucapião no Regulamento atrás citado, considerações que são de rejeitar em absoluto.
AK - Tal Regulamento como vimos é contraditório em si mesmo, é anterior à conclusão do edifício, não se podendo considerar que se possui uma coisa que não existe. E fala em propriedade, logo a seguir de compropriedade, pelo meio refere as fracções, e tudo isto na pertença a um condomínio de um prédio já construído de que são, verdadeiramente proprietários das fracções autónomas.
AL - E nesse documento não referem que usem os estacionamentos (nem o podiam fazer).
AM - estamos indubitavelmente perante contratos promessa de compra e venda os quais titularam as posses de cada um; sem inversão do título de aquisição da posse não posse boa para usucapião.
Nestes termos e nos demais de direito:
a) Deve ser alterada a matéria provada na forma indicada;
b) deve ser revogada a douta sentença que reconheceu os reconvintes como adquirentes por usucapião cada um deles de uma quota de 1/48 avos do prédio identificados nos autos designadamente nos números 1 e18,
c) Reconhecerem que a Autora é legítima comproprietária e compossuidora, na proporção de 47/48 avos, do prédio identificado no artigo 1º desta peça;
d)A desocuparem os lugares de estacionamento que vêm usando no mesmo prédio.
Foi apresentada alegação de resposta pelos Réus-reconvintes, com requerimento de ampliação do âmbito do recurso, tendo concluído nos seguintes termos (sublinhado nosso):
A) Ampliação do objecto do recurso:
1. Nos termos do disposto no artigo 632º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os ora Recorridos requerem o conhecimento pelo Tribunal ad quem do fundamento jurídico em que decaíram, uma vez que todos eles invocaram a nulidade do registo de destaque de 26.04.1978, com a consequente nulidade da aquisição pela Recorrente da parte do prédio sujeita à desanexação, pretensão esta que não foi considerada pelo Tribunal recorrido.
2. O prédio em causa, descrito sob o n.º .......89 (actualmente descrito sob o n.º ... da freguesia de ...), tinha a área de 2.007,50 m2, tendo sido desanexada uma parte deste prédio, com a área de 452 m2, a qual foi descrita sob o n.º .......02 (prédio actualmente descrito sob o n.º ...) - cfr. doc. 7 junto à contestação dos autos principais e doc. 3 junto à p.i. – factos provados 1.,14. e 15.
3. Esta operação de destaque (ou desanexação) foi realizada sem que tenha sido emitida e concedida a necessária autorização ou licença camarária, (cfr. doc. 8 junto à contestação do processo principal – 19. dos factos provados), sendo que, para a Câmara Municipal de Oeiras, o ... da ... continua a corresponder a um único prédio, desconhecendo a autarquia qualquer iniciativa de destaque sobre o mesmo (cfr. docs. 9 e 10 juntos à contestação do processo principal – 20. e 21. dos factos provados).
4. Nos termos do artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 289/73, em vigor à data dos factos (Abril de 1978), a operação que tivesse por objecto ou por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um prédio, situado em zona urbana ou rural, encontrava-se dependente de licença da câmara municipal competente.
5. E, de acordo com o estatuído no artigo 27º, n.° 1, do referido diploma, “as operações de loteamento referidas no artigo 1º, bem como a celebração de quaisquer negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, só poderão efectuar-se depois de obtido o respectivo alvará, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 21º”.
6. Sendo certo que, no caso em apreço, foi registada a desanexação de uma parte do prédio, sem que se tivesse sido emitida licença e sem o alvará da Câmara Municipal.
7. Considerou, no entanto, o Tribunal “a quo” que o pedido de destaque subscrito pela construtora “...” datado de 24 de Abril de 1978, dirigido à ..., foi instruído com certidão emitida pela competente Câmara Municipal (11. e 12. dos factos provados), sendo o destaque permitido à luz do artigo 169º do Decreto-Lei n.º 47611 (Código de Registo Predial).
8. Ora, a certidão camarária que instruiu o pedido de destaque, datada de 10 de Março de 1978, nada tem a ver com autorização da desanexação, tratando-se de uma certidão, emitida após vistoria realizada ao prédio (lote 10), atestando que o mesmo reunia as condições necessárias para poder ser considerado em regime de propriedade horizontal.
9. A escritura de constituição da propriedade horizontal viria a ser celebrada em 21 de Abril de 1976 (cfr. doc. 6 junto à contestação do processo principal – 13. dos factos provados), ou seja, antes do registo do destaque (e não depois, como erradamente se refere na sentença recorrida), na qual expressamente se menciona que o prédio se encontra construído “em parte do lote de terreno descrito sob o número dezasseis mil setecentos e oitenta e nove...” e que, para além das fracções autónomas, “as restantes partes do prédio e não individualizadas ficam em comum”.
10. O artigo 169º do Decreto-Lei n.º 47611, que aprovou o Código do Registo Predial, invocado pelo Tribunal a quo, apenas se aplica após o destaque ter sido realizado, pelo que, de maneira nenhuma, se dispensa a prévia autorização da entidade camarária.
11. Verifica-se, por conseguinte, que o destaque em causa foi realizado com violação de normas urbanísticas imperativas (artigos 1º, 27º, n.º 1 e 30º do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho), tratando-se, em consequência, de um acto nulo, nos termos do disposto no artigo 294º do Código Civil.
12. É igualmente nulo o registo do mesmo, por ter sido lavrado com base em título insuficiente e ainda por enfermar de omissões ou inexatidões de que resulta a incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto se refere, ao abrigo do disposto no artigo 16º, als. b) e c), do Código do Registo Predial.
13. Assim, sendo nula a operação de destaque do prédio e o respectivo registo, ter-se-á de considerar nula a aquisição da Recorrente de parte do prédio sujeito à desanexação, ocorrida em 24.03.1993 e registada em ........1993, uma vez que a mesma não poderá ser considerada, para os efeitos do disposto no artigo 291º, n.º 1, do Código Civil, um terceiro adquirente de boa fé (cfr. factos provados 54., 55., 56., 62., 63, 64., 65. e 66.), devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º 333, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, actualmente descrito sob o n.º 588, com o cancelamento dos registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque.
14. Ao julgar improcedente este fundamento, a sentença recorrida desconsiderou os artigos 1º, 27º, n.º 1 e 30º do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, bem como o disposto no artigo 16º, als. b) e c), do Código do Registo Predial.
B) Do recurso da Recorrente:
Trânsito em julgado de uma parte da decisão:
15. No presente recurso, a Recorrente não pôs em causa a decisão do Tribunal de 1ª Instância que julgou improcedentes as acções deduzidas contra os Recorridos e que os absolveu dos pedidos contra si formulados, pelo que esta decisão, não tendo sido objecto de recurso dentro do prazo legalmente previsto para o efeito, transitou em julgado, não fazendo, por isso, qualquer sentido os pedidos formulados em c) e d) das suas alegações.
Quanto à impugnação da decisão de facto:
Rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão de facto:
16. A impugnação da matéria de facto inscreve-se como uma prorrogativa de que as partes gozam, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, sendo que o impugnante deve obedecer ao cumprimento de determinadas regras processuais, para que tal impugnação possa ser atendida.
17. No caso em apreço, a Recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, censurando a sentença proferida quanto a vários factos dados como provados, sem dar cabal cumprimento ao disposto no n.º 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil.
18. Ora, como podemos verificar da leitura das conclusões apresentadas pela Recorrente, esta não satisfez integralmente este ónus impugnatório uma vez que, pese embora indique genericamente os pontos da matéria de facto que reputa como incorretamente julgados, não especifica a decisão a proferir quanto a cada um deles, com a indicação da concreta redação pretendida, nem procede à concreta indicação dos respetivos meios de prova que, no seu entender, imponham uma reapreciação e conclusão em sentido distinto daquele que foi o decidido pelo Tribunal de 1ª Instância.
19. Destarte, não tendo a Recorrente indicado quais os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, por referência direta aos termos da decisão proferida e respetiva fundamentação, com indicação das passagens da gravação e sua concreta individualização, o que lhe era imposto pelos artigos 640.º e 662.º do Código do Processo Civil, deverá o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Improcedência do recurso quanto à impugnação da decisão de facto:
20. Mesmo que assim não se entenda, a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, foi precedida de uma apreciação livre, crítica, articulada e rigorosa da prova produzida em audiência, reflectindo a convicção formada no espírito da Mma. Juíza sobre as questões de facto controvertidas.
21. Cabia à Recorrente demonstrar que o Tribunal recorrido, ao avaliar os meios de prova produzidos, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação, fez uma inapropriada análise dos mesmos, incorrendo numa situação de erro de julgamento quanto a um determinado ponto de facto, por a prova produzida, como expressamente diz a lei (artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil), impor decisão diversa.
22. Ora, da análise da impugnação sobre a matéria de facto em causa, verifica-se que a Recorrente, em momento algum, demostra a evidência de um erro de julgamento do Tribunal a quo, limitando-se a invocar alegadas contradições e a sua diferente percepção sobre a prova produzida.
23. Os factos que constam de 7. e 8. foram dados como provados com base na memória descritiva, entregue na Câmara Municipal de Oeiras, no âmbito do processo de construção ..., na qual, efectivamente, se previa o “estacionamento privativo dos inquilinos num total de 42 lugares” e com base na planta entregue no âmbito desse mesmo processo, com localização na cave das arrecadações e garagem com os lugares de estacionamento e sala de reuniões (cfr. docs. 3 e 4 juntos às contestações).
24. Não se compreende, como alega a Recorrente, de que forma o documento 5 (presume-se, que junto à contestação do processo principal) e os factos provados 10., 11., 12., 13., 14., 15. e 16., podem estar em contradição com os factos provados em 7. e 8., já que, uma coisa é o projecto inicial prever a construção de uma garagem com 48 lugares de estacionamento, outra questão diferente é a construção de tal garagem apenas ter tido início alguns anos após a construção do edifício.
25. Quanto ao facto 41., entende a Recorrente que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado este facto, devendo o mesmo ser eliminado.
26. Ora, tal como consta da motivação da decisão, este facto foi dado como provado com base no contrato promessa de compra e venda celebrado em 31.08.1977, com um dos proprietários originários da fracção do 6º-A, quando o prédio ainda não havia sido sujeito à desanexação, registada em 26.04.1978 (cfr. doc. 27 junto à contestação dos autos principais), bem como nas declarações de PP, QQ, AA e RR.
27. Não há dúvidas de que, na data da celebração dos contratos promessa de aquisição das fracções (1977) o prédio tinha, efectivamente, a área de 2.007,50m (cfr. doc. 7 junto à contestação dos autos principais), pelo que os promitentes ficaram convencidos de que iriam comprar uma fracção de um prédio com essa área, tal como resultou dos depoimentos da testemunha QQ (aos 08m56s) e das declarações de AA (aos 8m42s).
28. Inexiste, também, qualquer contradição entre os factos provados em 41. e 42., já que o primeiro se refere às expectativas dos promitentes compradores das fracções, aquando da celebração dos contratos promessa (1977), e o segundo ao momento da celebração das escrituras (1978), em que os adquirentes foram informados pelo vendedor de que seria construído no logradouro do prédio um parqueamento automóvel, sala de reuniões e uma zona de recreio.
29. No que respeita aos factos provados em 50., 67. e 68., devem os mesmos manter-se nos seus precisos termos, já que resulta da vasta documentação junta aos autos que a posição dos condóminos ao longo dos anos sempre foi de que o logradouro, onde se encontra o campo de jogos, a zona de estacionamento e a sala de condomínio, fossem consideradas zonas comuns do lote 10 da ... (cfr. docs. 28 e 29 juntos à contestação do processo principal, doc. 1 do requerimento de 03.10.2023, doc. 7 junto à petição inicial), bem como das declarações de AA, o qual, pese embora apenas tivesse adquirido uma fracção no prédio apenas no ano de 1991, foi várias vezes administrador do condomínio, tendo acesso a todas as actas das assembleias gerais e troca de correspondência entre a construtora e a administração, demostrando um vasto conhecimento sobre a situação.
30. Quanto ao facto provado em 49., não se percebe muito bem o que pretende a Recorrente com esta impugnação, uma vez que conclui apontando num sentido de interpretação para este facto, não pondo, no entanto, em causa que o mesmo tenha sido dado como provado, admitindo, inclusivamente, em 37º das suas alegações, que os condóminos tenham passado a usar os lugares de garagem após o CPCV e que foi esse contrato de titulou a posse/detenção dos parqueamentos.
31. Aliás, sobre a posse e o uso dos lugares de garagem, é a própria Recorrente que, no âmbito das acções que propôs contra cada um dos oito condóminos, aqui Recorridos, veio invocar, no artigo 7º da petição inicial, que há muito vem tentando vender aos condóminos os 47/48 avos de que é titular na garagem, esbarrando sempre com a sua indiferença, embora os Recorridos a venham usado regularmente, parqueando os seus veículos nos lugares da garagem.
32. Os factos 69. e 70. foram dados como provados com base nos docs. 8, 9 e 10 juntos com a contestação, bem como nos depoimentos de QQ, AA e RR, bem como do facto de não constarem dos autos comprovativos de outras diligências durante esse período pela construtora ou pela Recorrente
33. Antes de mais, como bem saliente a Mma. Juíza, não existem quaisquer evidências nos autos de que tenham existido, a partir de 1982 (ano de conclusão da construção da garagem) por parte da construtora “...” ou por parte da Autora/Recorrente quaisquer iniciativas com vista à regularização da situação dos lugares de estacionamento.
34. Sendo que, ao contrário do referido pela Recorrente, que se limita a fazer transcrições isoladas e fora de contexto, a testemunha QQ, não desmentiu esse facto.
35. Esta testemunha, adquirente originário de uma fracção no ... e por vários anos administrador do condomínio, referiu, aos 19m25s do seu depoimento, que todas as despesas de manutenção e limpeza do espaço da garagem, bem como aquisição de um novo portão, arranjo das claraboias ou intervenções para minimizar o problema das infiltrações, sempre foram custeadas pelos condóminos.
36. Também AA, aos 30m10s das suas declarações, quando questionado pela mandatária dos Réus sobre quem é que ao longo de todos estes anos tem pago as despesas relacionadas com a garagem, prontamente respondeu que tais custos sempre foram suportados pelos condóminos.
37. Os factos provados em 81., 82., 83., 86., 90., 91., 92., 103., 105., 107., 111., 112., 125., 126., 127., 129., 130., 133., 134., 135., 141., 142., 144., 145., 148., 149., 150., 160., 161., 162., 163., 164., 166., 167., 171., 172., 173., 183., 184., 185., 187., 188., 193., 194., 201., 203., 205., 206., 210., 211., 220., 221., 224., 225., 228., 229. e 230, impugnados pela Recorrente, respeitam ao processo principal e aos vários apensos e têm a ver com a posse e utilização, regular e contínua, por parte dos condóminos da zona de recreio, campo de jogos e sala de reuniões do prédio, bem como dos lugares de garagem a quem os mesmos foram atribuídos, desde o ano em que ficou concluída a sua construção (1981) e que se iniciou com os adquirentes originários das fracções e, sucessivamente, com os adquirentes posteriores.
38. Foram dados como provados com base no “Regulamento Interno do Parqueamento Automóvel, Sala de Reuniões e Campo de Jogos”, aprovado em Assembleia Geral de condóminos realizada em 1980 (doc. 1 junto pelos Recorridos em 03.10.2023 – facto provado em 51.) – cujo teor não foi impugnado pela Recorrente – do qual resulta, entre outras coisas, quem são os proprietários das fracções usufrutuários de cada um dos 48 lugares de estacionamento, bem como nas certidões prediais de cada uma das fracções em causa, através das quais se confirma quem foram os adquirentes originários das mesmas e os sucessivos posteriores adquirentes, bem como nos depoimentos de QQ, AA, PP e RR.
39. Efectivamente, a utilização regular por parte dos condóminos em causa daqueles espaços sempre foi efectuada à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de exercerem actos correspondentes ao direito de propriedade, ainda que não reconhecido formalmente, nunca tendo a “...” ou, posteriormente, a Recorrente, com excepção feita à propositura das presentes acções judiciais, manifestado qualquer oposição relativamente à posse e utilização daqueles espaços.
40. Os factos provados em 87., 88., 89, 108., 109., 131., 132., 146., 147., 168., 169., 189., 190., 207., 208., 226. e 227., respeitam ao processo principal e aos vários apensos e referem-se ao facto de os Réus/Recorridos terem vindo a decidir e a custear ao longo dos anos todas as despesas de manutenção, limpeza e conservação do espaço relativo ao lugar de estacionamento, bem como os custos de manutenção respeitantes à sala de reuniões, zona de recreio e campo de jogos.
41. Foram dados como provados com base nos depoimentos de QQ, AA, PP, RR e, relativamente a cada um dos processos, pelas testemunhas que foram especificamente indicadas para cada um deles.
42. Nunca a “...” ou a Recorrente suportaram, ao longo de mais de quarenta anos, com excepção do IMI, qualquer despesa relacionada com os referidos espaços.
43. Como é evidente, e ao contrário do que a Recorrente quer fazer crer, estas despesas não foram suportadas pela administração, mas sim, pelos condóminos do prédio, seja através de quotas mensais do condomínio, seja através da cobrança de quotas extraordinárias, sendo que à administração apenas compete fazer a gestão dos pagamentos que têm de ser realizados.
Quanto à impugnação da decisão de Direito:
Litisconsórcio Necessário:
44. Entende a Recorrente que, a ser admissível o pedido de aquisição de uma quota por usucapião em uma compropriedade, tal pedido teria de ser dirigido contra todos os comproprietários, o que não acontece no caso em apreço, face à ausência do comproprietário (1/48 avos) MM.
45. A sentença recorrida reconheceu a cada um dos Recorridos o direito de aquisição, por usucapião, de uma quota de 1/48 avos da parte pertencente à Recorrente, tendo esta sido condenada a reconhecer cada um dos mesmos como proprietários, sendo que os pedidos reconvencionais não se dirigem à quota de 1/48 avos pertencente a MM, nem a decisão se refere a essa mesma quota.
46. Assim, facilmente se percebe que não é exigível, no caso em apreço, a intervenção do proprietário da referida quota de 1/48 avos para que a decisão produza o seu efeito útil normal, na medida em que a mesma respeita apenas à parte (47/48 avos) de que a Recorrente é proprietária.
Usucapião de quota ideal em compropriedade:
47. Considera a Recorrente não ser admissível o pedido deduzido por cada um dos Recorridos de aquisição da propriedade por usucapião de uma quota de 1/48 avos do prédio em causa, tanto mais que não existe posse da totalidade do prédio pelos reivindicantes.
48. Dos factos dados como provados (81. a 83., 85., 87. a 92., 103. a 106. a 112., 125. a 135., 141. a 150., 160. a 173., 183. a 194., 201. a 211., 220. a 230.) resulta demostrada a prática continuada, à vista de toda a gente, de actos materiais, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente da Recorrente, que apenas manifestou oposição com a propositura das presentes acções, reconhecendo a ocupação dos lugares de estacionamento pelos Recorridos e pedindo a sua condenação na desocupação e a entrega dos mesmos, que levaram ao reconhecimento da aquisição pelos Recorridos de 1/48 avos (no caso da Recorrida GG – Ap. D, 2/48 avos) do prédio por usucapião.
49. Sendo certo que a posse dos Recorridos não é, apenas, exercida sobre os lugares de estacionamento, como invoca a Recorrente, mas relativamente a todos os espaços “comuns” do parqueamento automóvel, do logradouro, onde se situa a zona de recreio e o campo de jogos, bem como da sala de reuniões do condomínio.
50. A jurisprudência que se tem pronunciado sobre esta questão, tem vindo a defender que uma quota parte ou uma quota ideal de um prédio é usucapível, sendo que cada um dos compossuidores não tem necessariamente de exercer a posse sobre toda a coisa, basta que cada um utilize materialmente uma parte concreta da coisa (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.01.1998, proferido no Proc. 98B569, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 14.03.2013, no Proc. 1650/09.5TBVRL.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
51. No Acórdão do Supremo, proferido no Proc. 1854/13.6TVLSB.L1.S1, invocado pela Recorrente, estava em causa um pedido de reconhecimento da propriedade por usucapião de uma fracção material do imóvel e não sobre uma quota ideal, tendo havido uma decisão do Tribunal da Relação que acabou por reconhecer e declarar a aquisição pela Autora, por usucapião, da propriedade da quota parte do imóvel que não era delimitável em confronto com as demais quotas (também ideais) dos comproprietários.
Usucapião na sequência de contrato promessa:
52. Sobre esta problemática, ao contrário do que defende a Recorrente, não é verdade que a jurisprudência seja pacífica quanto ao entendimento de que os promitentes compradores não possam adquirir por usucapião (veja-se, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.03.2007, proferido no Proc. 5836/2006-7, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 10.11.2015, no Proc. 3592/13.0TBVIS.C1, ambos disponíveis www.dgsi.pt).
53. Assim, de acordo com a jurisprudência e com doutrina, é certo que o contrato promessa com tradição não transfere, em regra, a posse; contudo, excepcionalmente, a tradição material da coisa a favor do promitente comprador pode conferir a posse, para efeitos de usucapião, como sucede nas hipóteses em que a tradição ocorre após o pagamento da totalidade do preço, acompanhada da intenção de transmitir, em definitivo, o direito prometido e passando o promitente comprador, a actuar uti dominus da coisa entregue.
54. A Mma. Juíza a quo apreciou detalhadamente esta questão, tendo concluído pela verificação circunstâncias excepcionais que, independentemente da celebração das “propostas para elaboração de contrato” (nem sequer estamos perante verdadeiros contratos promessa), foram aptas a demonstrar que os Recorridos adquiriram uma verdadeira posse e que a exerceram em nome próprio, de forma pública, pacífica e continuada, por determinado lapso de tempo, com a consequente aquisição do direito de propriedade por usucapião.
Terminaram os Réus-Apelados requerendo que se conheça do fundamento em que os Réus decaíram, conforme requerido, declarando-se a nulidade do registo de destaque invocada, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeita à desanexação, negando-se provimento ao recurso; ou, caso assim não se entenda, que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
Do recurso interposto pela Autora:
1.ª) Se as reconvenções - atinentes à aquisição, por usucapião, por parte de cada um dos oito Réus-reconvintes, de 1/48 avos (ou 2/48 avos, no caso do apenso D) de um prédio em compropriedade - deviam ter sido indeferidas, por não terem sido deduzidas contra todos os comproprietários, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo;
3.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto;
4.ª) Se deve ser reconhecido o direito de compropriedade da Autora na proporção de 47/48 sobre o prédio em apreço e não ser declarada a aquisição, por usucapião, dos direitos de compropriedade invocados pelos Réus-reconvintes (nas reconvenções deduzidas no processo principal e nos apensos), sendo (ou não) estes últimos condenados a desocuparem os lugares de estacionamento que vêm usando;
Da ampliação do âmbito do recurso:
2.ª) Se deve ser declarada a nulidade da operação de destaque do prédio e o respetivo registo, sendo de considerar nula a aquisição pela Autora-reconvinda de parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º ..., ingressarem na descrição do prédio “mãe”, atualmente descrito sob o n.º ..., com o cancelamento dos registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque.
Da preterição de litisconsórcio necessário
Na sentença recorrida, considerou-se que improcedia a arguida nulidade da aquisição em nome da Autora do prédio 588/19850705, “Falecendo as alegadas excepções a título principal”. Mais se entendeu que os Réus-reconvintes tinham uma posse em nome próprio, caracterizada pelo corpus e o animus, suficientemente duradoura para ser adquirido o direito de propriedade correspondente por usucapião, mesmos contados 20 anos, considerando a posse não titulada e de má fé; e que, apesar de a Autora gozar da presunção decorrente do registo, sendo posterior ao início da posse pelos primeiros adquirentes, os Réus ilidiram tal presunção (art. 1268.º do CC), não tendo a Autora vindo reclamar judicialmente os lugares de estacionamento durante o prazo de prescrição aquisitiva, não praticando ato idóneo a interromper essa prescrição aquisitiva; concluindo o Tribunal a quo terem os Réus adquirido a propriedade de 1/48 avos do imóvel (e 2/48 avos no caso dos Réus que ocupam dois lugares 2/48 - apenso D) “correspondente aos lugares de estacionamento que exercerem poderes de factos, por usucapião, decidindo-se em conformidade, o que implica a improcedência do pedido da acção e a procedência do pedido reconvencional subsidiário, ficando prejudicada a apreciação dos demais pedidos subsidiários” e que «Assim, improcede à acção, porquanto procede a usucapião, da qual resulta a existência de “titulo” legitimando a ocupação dos lugares de estacionamento e espaços comuns do parqueamento automóvel, não sendo de determinar qualquer desocupação e pagamento da quantia relativa a indemnização à A.».
A Autora-Apelante defende que, “a ser admissível o pedido de aquisição de uma quota por usucapião em uma compropriedade tem de ser dirigida contra todos os comproprietários, o que não acontece, face à ausência do comproprietário MM, pelo que deveriam ter sido liminarmente indeferidos, em sede de reconvenção, os pedidos de usucapião.”
Os Apelados discordam, argumentando que: a sentença recorrida reconheceu a cada um dos Recorridos o direito de aquisição, por usucapião, de uma quota de 1/48 avos da parte pertencente à Recorrente, tendo esta sido condenada a reconhecer cada um dos mesmos como proprietários; os pedidos reconvencionais não se dirigem à quota de 1/48 avos pertencente a MM, nem a decisão se refere a essa mesma quota; assim, não é exigível, no caso em apreço, a intervenção do proprietário da referida quota de 1/48 avos para que a decisão produza o seu efeito útil normal, na medida em que a mesma respeita apenas à parte (47/48 avos) de que a Recorrente é proprietária.
Para conhecimento desta questão, relevam, do elenco dos factos provados, os seguintes factos (numeração, sublinhado e destaques nossos; acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos; retificámos alguns lapsos de escrita):
1. Encontra-se descrito na ... sob o n.º .......89 o prédio rústico que consta de um lote de terreno para construção com a área de 2.007,50 m2, designado por lote 10, como resulta da ficha com a respetiva descrição predial (doc. 7 junto com a contestação).
2. Por escritura realizada a 18 de outubro de 1974, no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade “...”, adquiriu à “URBACO – Urbanizações e Construções, Lda.”, um lote de terreno situado na ..., freguesia e concelho de ..., designado por lote 10, conforme resulta dos docs. 1 e 2 juntos com a contestação e certidões prediais juntas aos autos.
3. Pela Ap. 1 de ...7.../08 mostra-se inscrita a aquisição por compra do prédio referido em 1. tendo como sujeito ativo “...” e como sujeito passivo “URBACO - Urbanizações e Construções, Lda.”.
4. No dia 21 de abril de 1978, foi celebrada a escritura de constituição de propriedade horizontal, por TT, da ... como resulta do doc. 6 em que aquele declarou que “a sua representada é possuidora de um prédio urbano que se compõe de cave com cinquenta e uma arrecadações, rés-do-chão vasado e casa de porteira, primeiro...” a “décimo segundo andares com quatro inquilinos por piso, ocupando a área coberta de quatrocentos e cinquenta e dois metros quadrados... e é designado por lote 10, omisso na matriz já pedida a sua inscrição e foi construído em parte do lote de terreno descrito na primeira secção da conservatória do registo predial de ... sob o número ..., com transmissão registada a seu favor pela inscrição número ... que este prédio é constituído por fracções independentes suficientemente distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum e desta para a via pública, reunindo por isso, as necessárias condições para a constituição nele do regime de propriedade horizontal com as fracções autónomas seguintes ... que as restantes partes do prédio e não individualizadas ficam em comum.”
5. Em 26 de abril de 1978, foi averbado à descrição referida em 1. dos factos provados o destaque do prédio já construído, com a área coberta de 452 m2, tal como resulta da Insc. n.º 2, correspondente à Ap. n.º 12, da referida data (26-04-1978), o qual passou a ser descrito sob o n.º .......02 (prédio atualmente descrito sob o n.º ... da freguesia de ... – cfr. doc. 3 junto à p.i.).
6. Consta da referida inscrição predial o seguinte: “O prédio urbano em construção constante da descrição supra n.º .......89, já se encontra concluído, tendo ficado com a composição referida no averbamento anterior, ocupando a área coberta de 452 m2, omisso na matriz mas pedida a sua inscrição, com o valor de 18.000.000,00. Este prédio fica desanexado e vai ser descrito sob o n.º .......02 a fls. ...do Lº ....” (cfr. doc. 7).
7. Mostra-se inscrito na ... com o n.º ...3.../1985 o prédio urbano situado em ... ... n.ºs ..., com área total de 452 m2 inscrito na matriz com o n.º ... da freguesia de ... ..., ..., composto por cave com 52 arrecadações, rés-do-chão vasado e casa da porteira, 1.º a 12.º andares com 4 inquilinos por piso, composto por 48 frações A) a BB) (cfr. certidão de registo predial junta com a PI).
8. O prédio “mãe”, com a descrição .......89, ficou, após destaque, com a área 1.555,50m2 (2.007,50 m2 – 452,00m2), tal como resulta da Insc. n.º 3, referente à Ap. ... (cfr. doc. 7).
9. Pela Ap. 28 de 26 de março de 1982 foi alterada a descrição n.º .......89 com os seguintes dizeres “alteração à descrição n.º ...6...89, natureza urbana, causa construção de um edifício que consta de uma zona ampla destinada a 48 parqueamentos de veículos automóveis ligeiros e uma sala de reuniões a ocupar a área coberta de 1.555m2, omisso na matriz mas pedida a sua inscrição com o valor de 10.000.000.
10. (23 da sentença) Mostra-se descrito na ... da freguesia de ... ... com o n.º ... (descrição em livro: n.º ...6...89), o prédio urbano, denominado ..., situado em ... ......, composto por uma zona ampla, destinada a parqueamento a 48 parqueamentos de veículos automóveis ligeiros, com 48 lugares de estacionamento e uma sala de reuniões, situado na ..., e inscrito na matriz sob o artigo ... da União das freguesias de ... ..., ....
11. A Autora adquiriu em 24 de março de 1993 à “...”, 47/48 do imóvel referido 23., tendo a compropriedade da mesma sido inscrita a favor da Autora pela apresentação ...1993, pagando os impostos e taxas relativos à aquisição, conforme documentos 1 e 2 juntos com a PI.
12. Consta do registo predial junto como doc. 1 com a PI que a Autora adquiriu 47/48 avos do prédio em causa por compra à sociedade “...”, em 24 de março de 1993, conforme certidão da escritura junta como doc. 20 com a PI [da certidão do registo predial junta com a PI como doc. 1 resulta que se encontra inscrita, mediante ap. 18, datada de 1993/04/12, a aquisição, a favor da Autora, por compra, da quota de 47/48 do prédio descrito na ... sob o n.º ... da freguesia de ... Julião da Barra].
13. A ... vendeu a um então condómino da ..., NN 1/48 da Garagem a que corresponde a utilização de um lugar de estacionamento, sendo atualmente o seu titular, MM, também ele condómino na ... (documentos n.º 1 e 5).
14. Pela Ap. 4342 de 2018/02/27 mostra-se inscrita a aquisição de 1/48 [do aludido prédio descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º ...] por compra a favor de UU casado com VV no regime da separação de bens, tendo como sujeito passivo NN e WW.
Constituindo a legitimidade das partes um pressuposto processual, de determinação prévia ao conhecimento do fundo da causa, veio o legislador nacional consagrar, no art. 30.º do atual CPC (e já antes no CPC de 1961 – cf. art. 26.º na redação do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12), o entendimento jurisprudencial maioritário (na esteira da doutrina sustentada por Barbosa de Magalhães - cf. “Gazeta da Relação de Lisboa”, vol. 32, pág. 274), de que tal pressuposto deve, em regra, ser aferido em função da forma como o autor configura a relação material controvertida: “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
No caso da legitimidade plural, importa não perder de vista o preceituado no art. 33.º do CPC, atinente ao “Litisconsórcio necessário”, estando previsto que:
“1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”
A ilegitimidade processual é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, conducente ao indeferimento liminar da petição/requerimento inicial ou, findos os articulados, à absolvição da instância; quando decorrente da preterição de litisconsórcio necessário, tal exceção é sanável mediante a intervenção principal provocada da parte em falta - cf. artigos 6.º, 30.º, 33.º, 260.º a 262.º, 278.º, n.º 1, al. d), 316.º, n.º 1, 318.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. e), 578.º e 590.º, n.º 1, do CPC.
Numa situação como a dos autos, em que a questão é apreciada já numa fase adiantada do processo, a concluir-se pela preterição de litisconsórcio necessário natural do lado passivo das reconvenções, por não ter sido demandado o outro comproprietário (cuja intervenção principal como associado da Autora-reconvinda não foi requerida pelos Réus-reconvintes), a consequência será a procedência da exceção da ilegitimidade processual (plural), conducente à absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional, e não ao indeferimento da reconvenção, nos diferentes processos.
Vejamos se uma tal exceção se verifica.
Antes de mais, importa salientar que, contrariamente ao alegado pelos Réus-Apelados, a sentença recorrida não reconheceu a cada um deles o direito de aquisição, por usucapião, de uma quota de 1/48 avos da parte pertencente à Autora, de nada adiantando afirmarem que os pedidos reconvencionais e a decisão recorrida não se referem à quota de 1/48 avos pertencente a MM.
Na verdade, não foi peticionado que se declarasse que os Réus-reconvintes são titulares de parte da quota de 1/47 avos da Autora (não é esse o objeto do litígio), sendo, ao invés, claríssimo terem sido julgados procedentes os pedidos de aquisição, por usucapião, do direito de compropriedade de 1/48 (ou 2/48, no caso do apenso D) do prédio atualmente descrito na ... com o n.º ... da freguesia de ....
Ou seja, o que está em causa nas reconvenções, como aliás resulta do despacho de identificação do objeto do litígio, é saber se foi adquirido pelos Réus, em cada um dos diferentes processos, por usucapião, o direito de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos no apenso D) do referido prédio.
De salientar que a própria retroatividade da aquisição dos direitos de compropriedade, por cada um dos Réus, ao momento do início da posse, porque fundada na usucapião, [cf. art. 1317.º, al. c), do CC] não se coaduna com a perspetiva que ora avançam, parecendo-nos evidente que o reconhecimento dos direitos de compropriedade tal como peticionado nas reconvenções não pode deixar de afetar os direitos de compropriedade da Autora e do outro comproprietário MM, “comprimindo-os”.
Ademais, os Réus-reconvintes vieram, no seu requerimento de ampliação do âmbito do recurso, lembrar que também peticionaram que fosse declarada a nulidade de registo de destaque, com a consequente nulidade da aquisição pela Autora da parte do prédio sujeito à desanexação, devendo os sucessivos registos de aquisição e outros lavrados no prédio descrito sob o n.º 333, ingressarem na descrição do prédio “mãe”, atualmente descrito sob o n.º ..., e serem cancelados os registos lavrados neste mesmo prédio após o destaque.
Assim, pese embora a Autora, comproprietária, possa, sem dúvida, atento o disposto no art. 1405.º, n.º 2, do CC, reivindicar de terceiros a coisa comum (ou uma parte da mesma), sem que a estes seja lícito opor que tal coisa lhe não pertence por inteiro, já os Réus-reconvintes não podem arrogar-se apenas perante aquela comproprietária serem também (com)possuidores e titulares de direitos de compropriedade, adquiridos por usucapião, sendo este um caso típico de litisconsórcio necessário passivo natural, imposto pela própria natureza da relação jurídica - cf. art. 33.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
Efetivamente, pretendendo os Réus-reconvintes verem reconhecidos os seus direitos de compropriedade de 1/48 avos (ou 2/48 avos) do prédio em apreço, com fundamento na sua aquisição por usucapião, com o cancelamento dos registos lavrados após o destaque, o que inclui, como resulta dos factos provados, o registo de aquisição de 1/48 avos a favor de UU, não podiam deixar de demandar igualmente este último, já que o seu direito ficará posto em causa ou, pelo menos, sofrerá uma “compressão”, perspetivando-se, pois, que a decisão a proferir a este respeito (agora já neste Tribunal da Relação) não poderá produzir o seu efeito útil normal, na medida em que não poderá regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, podendo a discussão sobre o objeto do litígio vir a ser reaberta numa ação a intentar por este outro comproprietário.
A circunstância de o Tribunal a quo não ter suscitado esta questão no despacho pré-saneador, limitando-se a proferir saneador tabelar não obsta a que da mesma ora se conheça, já que se trata de exceção de conhecimento oficioso (cf. art. 573.º, n.º 2, do CPC), inexistindo caso julgado formal a este respeito. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 22-09-2010, proferido no proc. n.º 555/2002.E1, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do respetivo sumário:
“I - A excepção de ilegitimidade é uma excepção dilatória, é de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância ( arts.288 nº1 d), 493 nº2, 494 e), 495 e 660 nº1 do CPC ). Muito embora não tenha sido arguida na contestação, nem na réplica, quanto ao pedido reconvencional, o Tribunal pode dela conhecer enquanto não a apreciar em concreto.
II - A declaração genérica no saneador, sobre a legitimidade das partes não faz hoje caso julgado, como se extrai do art. 510 nº3 do CPC, caducando, assim, a doutrina do Assento do STJ de 1/2/63, entretanto transformado em acórdão de uniformização de jurisprudência.”
Na mesma linha de pensamento, se pronunciou o acórdão da Relação do Porto de 11-01-2024, no proc. n.º 2003/22.5T8PRD-A.P1, disponível em www.dgsi.pt: nesse processo tinha sido proferido despacho saneador que, entre o mais, declarou serem as partes legítimas, vindo posteriormente a ser requerida pela autora, no decurso da audiência de julgamento, a intervenção principal provocada de outros comproprietários, o que foi indeferido, por “extemporaneidade da dedução do incidente”; no acórdão, afirma-se designadamente o seguinte:
«Trata-se, porém, de despacho saneador tabelar, que não apreciou, em concreto, nenhum dos pressupostos processuais, designadamente, o da legitimidade das partes.
Constitui dado pacífico que actualmente o despacho saneador só forma caso julgado formal quanto às excepções e nulidade nele concretamente apreciadas, pelo que a declaração genérica sobre a legitimidade das partes não é abrangida pelo caso julgado.
A Autora propôs a acção apenas contra o Réu BB, reclamando deste a restituição, livre de pessoas e bens, do prédio que reivindica como seu, alegando ter sido o demandado a praticar os actos que a Autora considera lesivos do direito de propriedade de que se arroga titular.
Na contestação invoca, porém, o Réu que o anexo foi construído em prédio rústico que não é propriedade da Autora, antes pertencendo ao Réu e demais comproprietários, os quais identifica no artigo 12.º do seu articulado, referindo ainda não ter sido ele quem construiu o anexo, mas antes o seu irmão CC, também comproprietário do prédio rústico onde tal anexo foi edificado, com a anuência dos demais comproprietários.
Veio a Autora, face à aludida factualidade invocada pelo Réu BB, deduzir incidente de intervenção principal provocada contra as pessoas identificadas pelo Réu como comproprietárias do prédio onde foram realizadas as obras alegadamente ofensivas do direito de propriedade de que a demandante se arroga titular. (…)
A confirmar-se a versão apresentada pelo Réu BB, a acção findará com uma sentença que absolva da instância o Réu, por, desacompanhado dos demais comproprietários do prédio objecto da disputa judicial, ser considerado parte ilegítima, ou, não enveredando por tal solução e conhecendo-se de mérito da causa, a mesma não produzirá o seu efeito útil normal por não vincular quem não foi demandado na acção.».
Ainda numa situação próxima da que nos ocupa, destacamos o acórdão da Relação de Guimarães de 30-04-2020, proferido no proc. n.º 2052/18.8T8CHV.G1, disponível em www.dgsi.pt (embora não acompanhando inteiramente o aí decidido): tratava-se de ação intentada por uma comproprietária peticionando a condenação dos Réus a reconheceram-na como legítima comproprietária, na proporção de 1/18 do prédio urbano, bem como na restituição do imóvel, devendo abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou restrinjam o uso a que os demais consortes, designadamente a autora, têm direito; já os réus arrogavam-se como únicos proprietários do imóvel; realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos contra si formulados e julgou procedente a reconvenção, declarando os réus-reconvintes únicos e exclusivos proprietários do prédio; na fundamentação desse acórdão, considerou-se que a sentença não tinha condições para atingir o seu efeito útil normal, que é a composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado, referindo-se precisamente que:
“Não existindo o obstáculo do caso julgado, amanhã poderia qualquer um dos outros comproprietários vir demandar os ora reconvintes, pondo em causa o seu direito de propriedade sobre o imóvel, e a acção ter um desfecho oposto ao desta, bastando para o efeito os aqui reconvintes não conseguirem demonstrar a inversão do título da posse (art. 1406º,2 e 1265º CC). Essa sentença iria ter influência na posição jurídica da aqui autora/recorrente. E, daí, não se pode afirmar que a primeira sentença se manteria útil porque pelo menos regulava definitivamente o litígio entre os ora reconvintes e reconvinda, pois uma posterior sentença que viesse a ser proferida poderia alterar esse estado de coisas. Que vale por dizer que nenhuma dessas sentenças atingiria o seu efeito útil normal, pois basta que haja um só comproprietário que não tenha sido vencido e convencido em juízo sobre essa questão, para que ele possa fazer renascer a questão em juízo. Perda de tempo, de recursos, e de prestígio do sistema judicial, que é justamente o que a figura do litisconsórcio necessário visa impedir.
Donde, uma sentença favorável que recaia sobre a pretensão agora formulada por via reconvencional só produz o seu efeito útil normal se estiverem no lado passivo dessa instância todos os herdeiros de J. R. e de M. P..
Pode ver-se, no mesmo sentido, o Acórdão deste TRG de 17 de Outubro de 2019 (Maria Luísa Ramos): “I. Impõe-se a intervenção de todos os interessados, no lado passivo, quando se pretende o reconhecimento por um deles, e relativamente aos demais comproprietários, do direito de compropriedade de imóvel, ocorrendo a situação de litisconsórcio necessário passivo. II. In casu, ocorre a situação de litisconsórcio necessário passivo pois que da própria natureza da relação jurídica resulta a necessidade da intervenção de todas as comproprietárias do imóvel para que a decisão produza o seu efeito útil normal e a possibilidade de o Tribunal regular de forma definitiva o direito, formando caso julgado relativamente à concreta situação dos autos”.
E, ainda deste TRG, o acórdão de 15.12.2016 (Carvalho Guerra): “1. Em acção em que se pretende a afirmação de direitos determinados em relação a imóvel em compropriedade, para que a legitimidade das partes seja assegurada é mister que todos estejam na acção pois esta só produzirá o seu efeito útil normal, só regulará definitivamente as situações concretas das partes relativamente aos pedidos formulados se estiverem na acção todos os comproprietários uma vez que, caso contrário, qualquer decisão não será oponível àqueles que não intervierem na acção. 2. Encontrando-se findos os articulados, face ao disposto no artigo 590º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil importará dar cumprimento àquela disposição, proferindo-se despacho destinado a providenciar pelo suprimento da excepção da ilegitimidade das partes, sendo prematuro afirmar sem mais tal ilegitimidade”.
Posto isto, importa agora extrair a consequência legal da verificação da exceção dilatória de ilegitimidade plural, com a absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional, em conformidade com o acima referido, não nos parecendo possível, face ao estado do processo e ao objeto do recurso, a solução adotada no citado acórdão da Relação de Guimarães de 30-04-2020, em que se considerou, conforme consta do respetivo sumário, que “não tendo o reconvinte suscitado a intervenção dos restantes interessados, não tendo o Juiz da causa, findos os articulados, interpelado os réus no sentido deles suscitarem a intervenção dos restantes interessados, ao lado da autora (art. 6º,2 e 590º,2,a CPC), resta agora declarar a nulidade que tal omissão constituiu, a fim da mesma ser sanada.
É bem certo que, conforme aí se afirma, a ilegitimidade passiva decorrente da preterição de litisconsórcio necessário é sanável pela intervenção dos interessados que não estão na ação/reconvenção. Todavia, já tendo sido proferida sentença condenatória é agora forçoso, em sede de recurso, revogar essa decisão, absolvendo a Autora-reconvinda da instância reconvencional, sem prejuízo do disposto no art. 261.º do CPC.
Com efeito, não é objeto do recurso um despacho saneador de absolvição da instância ferido de nulidade por omissão de convite à sanação dessa exceção, nem as partes invocaram, aliás, nenhuma nulidade processual a este respeito (cf. artigos 199.º e 200.º do CPC), não sendo oportuno, em face da prolação da sentença que conheceu (indevidamente) do mérito da causa, que este Tribunal da Relação viesse convidar os Réus-reconvintes a requererem a intervenção principal provocada do outro comproprietário para sanar tal exceção dilatória, “deixando em aberto” a revogação da decisão recorrida, antes se impondo absolver a Autora da instância reconvencional e, com isso, por arrastamento, ante a conexão ação/reconvenção, anular o que indevidamente (atenta a falta do pressuposto processual da legitimidade processual plural) foi processado (cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, aplicável por analogia).
Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 28-05-2020, proferido no proc. n.º 4278/19.8T8GMR.G1, e acórdão da Relação do Porto de 19-10-2006, proferido no proc. n.º 0634126, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, referindo-se neste último designadamente o seguinte:
«O A. instaurou a presente acção de reivindicação do imóvel que identifica contra os RR. invocando que ele lhe foi doado pelos anteriores proprietários, se encontra registado a seu favor e que sempre o teria adquirido por usucapião.
Contestaram os RR. e, para além de impugnarem os factos alegados pelo A., invocam a nulidade da doação, por simulação, e deduzem pedido reconvencional em que pedem, além da declaração de nulidade da doação e o cancelamento do registo com base nela efectuado a favor do A., o reconhecimento de que gozam de direito de retenção sobre o imóvel.
Tendo a sentença julgado improcedente a acção e procedente a reconvenção, defende o A. que, relativamente ao pedido reconvencional, a falta dos doadores na acção é fundamento de ilegitimidade, por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo e que a acção deve, portanto, proceder.
Em primeiro lugar há que referir que, apesar de no despacho saneador se terem declarado as partes legítimas, ele não faz caso julgado formal.
É que o despacho saneador só constitui caso julgado relativamente às excepções e nulidades referidas na alínea a) do nº 1 do artº 510º do CPCivil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem), como é o caso da legitimidade, se tais questões forem concretamente apreciadas, isto nos termos do nº 3 do mesmo artº 510º.
Ora nesse despacho, a fls. 148, a legitimidade das partes é tratada genericamente (“as partes são legítimas”), pois não foi suscitada pelo A., relativamente ao pedido reconvencional, a questão da preterição do litisconsórcio necessário passivo, por não terem sido demandados os doadores, e o juiz também se não pronunciou expressamente sobre ela.
(…) Portanto, nada impede que seja apreciada a excepção dilatória em causa.
O artº 28º coloca-nos perante a figura do litisconsórcio necessário, que pode ser activo (pluralidade de autores) ou passivo (pluralidade de réus).
No caso dos autos interessa a figura do litisconsórcio passivo porquanto é relativa à reconvenção, que configura uma contra-acção do réu contra o autor, por virtude da qual a relação processual adquire um conteúdo novo, em que o último assume a posição de réu e o primeiro a de autor.
Desde que a relação jurídica em si se acha estabelecida entre uma pluralidade de sujeitos passivos, o que é normal é que, em caso de conflito, surja a figura do litisconsórcio, ou seja, que a acção seja proposta contra todos os interessados do ponto de vista passivo.
Sempre que a lei, o contrato ou a própria natureza da relação jurídica, exigir a intervenção de todos os interessados, tem a acção de ser proposta contra todos os interessados sob pena de ilegitimidade. As partes são ilegítimas, não por falta de interesse mas por o interesse não poder ser declarado sem o concurso de todos os titulares. E, precisamente por se tornar indispensável a presença de todos os interessados, sob pena de ilegitimidade, é que o litisconsórcio reveste, nos casos referidos, a feição de necessário.
Portanto, a exigência da intervenção de todos os interessados pode resultar da lei, do negócio (contrato) e da natureza da relação jurídica, neste último caso desde que ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal.
O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando o caso julgado material. Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estamos em presença dum caso de litisconsórcio necessário, emanado da própria natureza da relação jurídica.
Não se trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais.
No caso dos autos e no tocante à reconvenção, estamos perante uma verdadeira situação de litisconsórcio necessário passivo, na modalidade descrita no nº 2 do artigo 28º.
Dispõe este preceito que “(…)”.
Esclarecendo o sentido e alcance da expressão “efeito útil normal”, Alberto dos Reis, escreve que “o efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material (...). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanada da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza, que, para se formar caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção” (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs. 95-96).
O litisconsórcio necessário em razão da natureza da relação jurídica surge, como se pode concluir, no domínio das acções constitutivas, que visam modificar um estado ou um acto jurídico que se apresenta com carácter de unidade em relação a várias pessoas (idem, pág. 95).
“A pedra de toque do litisconsórcio necessário é, pois, a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o, ... sem a presença de todos os interessados, por o interesse em causa não comportar uma definição ou realização parcelar” – J. Lebre de Freitas, obra citada, pág. 58.
É uma acção desse tipo que está em causa na reconvenção deduzida nos presentes autos: os réus pretendem a declaração de nulidade da doação do imóvel ao A., por simulação, e, desse modo, a acção visa alterar esse acto jurídico, o que implica que o imóvel regresse à titularidade dos doadores. Estamos, portanto, perante uma relação jurídica cuja natureza pressupõe uma solução unitária ou, dito de outro modo, perante uma relação jurídica bilateral, cuja resolução exige necessariamente a presença do seus titulares (doadores e donatário).
Ora, os doadores, que não foram chamados à acção, não tiveram oportunidade processual de se pronunciar sobre questão que lhes dizia directamente respeito e afectava a sua esfera jurídica.
As consequências que, no plano jurídico, a decisão da primeira instância acarreta bem revela que estamos perante um caso de litisconsórcio necessário.
Como prevê o artigo 28º, n.º 1, do CPC, a falta de um dos interessados na relação controvertida, em caso de litisconsórcio necessário, é motivo de ilegitimidade.
O juiz poderia ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando a parte a corrigir a deficiência [artºs 265º, n.º 2, e 508º, nº 1, al. a)], mas não o tendo feito, não é agora possível.
Resta, pois, declarar a absolvição da instância do apelante por ilegitimidade passiva, no que se refere aos pedidos reconvencionais deduzidos pelos apelados.»
Concordamos com esta perspetiva, não vendo na absolvição da instância uma “solução drástica”, já que, em fase de recurso, numa situação como a dos autos, o art. 261.º do CPC propicia ainda aos Réus-reconvintes a possibilidade de sanação da exceção dilatória da ilegitimidade processual, sendo precisamente a procedência dessa exceção - obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância - que constitui o fundamento legal para revogação da decisão recorrida, estando previsto na lei um mecanismo legal para possibilitar (ao autor ou reconvinte, consoante os casos) a sanação da falta daquele pressuposto processual.
Assim, estando verificada a exceção dilatória de ilegitimidade plural da Autora-reconvinda, por preterição de litisconsórcio necessário natural, do lado passivo da instância reconvencional, e não tendo sido proferido despacho pré-saneador a convidar os Réus-reconvintes a deduzirem o adequado incidente de intervenção principal provocada do referido comproprietário, MM, como associado da Autora-reconvinda, já tendo sido julgadas procedentes as reconvenções, resta-nos agora revogar a sentença recorrida nessa parte, decidindo-se, em substituição, absolver a Autora-reconvinda da instância reconvencional, com a consequente anulação, por arrastamento, do processado subsequente ao despacho saneador na medida - e só na medida - em que este processado esteja dependente daquele despacho, uma vez que o Tribunal recorrido não podia ter conhecido do mérito da causa nos termos em que o fez (cf. art. 195.º, n.º 2, do CPC, por analogia), cumprindo ao Tribunal recorrido, ao abrigo dos princípios da gestão processual, adequação formal e processo equitativo, extrair as devidas consequências da decisão de absolvição da instância reconvencional, nos diferentes processos em função da posição que vier a ser adotada pelas partes, mormente pelos Réus-reconvintes, já que ainda poderão vir deduzir o aludido incidente.
Impõe-se, pois, julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade processual, por preterição de litisconsórcio necessário, absolvendo-se a Autora-reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, sem prejuízo da eventual dedução do incidente de intervenção principal provocada do comproprietário MM, como associado da Autora-reconvinda, incidente que ainda poderá ter lugar ao abrigo do disposto no art. 261.º do CPC, com a consequente renovação da instância reconvencional.
Ao Tribunal recorrido incumbirá conhecer do eventual incidente de intervenção principal provocada e dos ulteriores termos processuais, conforme se mostrar adequado em face das posições adotadas pelas partes (incluindo no caso de os Réus-reconvintes não pretenderem deduzir o aludido incidente, conformando-se com a decisão de absolvição da Autora-reconvinda da instância reconvencional).
Nesta conformidade, fica prejudicado o conhecimento das demais questões objeto do recurso e do requerimento de ampliação do seu âmbito, procedendo em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcial provimento.
Ficam vencidos os Réus-reconvintes, que deram causa à aludida exceção, sendo assim responsáveis pelo pagamento das custas do presente recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição, julga-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo nas reconvenções, absolvendo-se a Autora-reconvinda da instância reconvencional nos diferentes processos, anulando-se a tramitação subsequente ao despacho saneador, sem prejuízo do disposto no art. 261.º do CPC, e, ouvidas as partes, do aproveitamento dos termos processuais subsequentes que não dependam absolutamente das reconvenções.
Decide-se ainda condenar os Réus-reconvintes/Apelados no pagamento das custas do presente recurso.
D.N.

Lisboa, 13-03-2025
Laurinda Gemas
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins