Justifica-se a redução do remanescente da taxa de justiça numa acção em que um sinistrado, beneficiando de apoio judiciário formula um pedido de valor muito elevado que não vem a ser procedente na sua grande parte, quando sendo a acção muito complexa as partes foram celebrando acordos sobre parte dos montantes indemnizatórios que muito simplificaram a decisão final.
Recorrente: Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., ré
Recorrido: AA, autor
Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que dispensou a ré de 84% do remanescente da taxa de justiça considerando (art. 6/7 do RCP) que o Tribunal recorrido interpretou indevidamente o disposto no art. 6º, nº 7 RCP, na medida em que deveria ter sido dispensada totalmente do pagamento do remanescente, atenta quer a complexidade da causa (pelos valores envolvidos, danos sofridos e sensibilidade inerente), quer pelos acordos celebrados entre as partes, sem qualquer intervenção do Tribunal (um que contemplou 9 pedidos da acção principal e outro todos os pedidos da acção apensa dos Pais do sinistrado).
A decisão recorrida considerou a este propósito, única questão objecto do recurso, que:
“Custas
Quanto à acção, procede-se, em substituição do tribunal recorrido, à decisão do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art. 614/3 do CPC). O autor tem dispensa do pagamento e por isso a questão não o afecta. A seguradora não tem apoio judiciário…. A acção tem o valor de 34.324.205€. O pedido que está em causa neste recurso só diz respeito a 25.000.000€. Quanto aos outros 9.324.205€ a acção chegou ao fim, por acordo, sem necessidade de julgamento. Em relação aos 25.000.000€ a condenação da ré foi só em 1.000.000€, isto é, 4% do valor. As custas foram fixadas na proporção do decaimento, pelo que, em relação a 25.000.000€ a ré só pagaria 4% das custas. 96% deste pedido, sem qualquer suporte jurisprudencial ou doutrinário, representa um óbvio exagero do autor, que beneficia de apoio judiciário. Pelo que, dele, só se deveria aproveitar o valor de 1.000.000€ para efeitos de custas. Os 9.324.205€ representam, em relação a 34.324.205€, 26,17%, e, dado o acordo, deram origem a, grosso modo, metade do trabalho normal, pelo que só devem ser aproveitados 13,08%. Dos restantes 73,83%, já se viu, só devem ser aproveitados 4%, ou seja, 2,95%. Assim, é como se acção só tivesse o valor de 16,03%. Pelo que, ao abrigo do art. 6/7 do RCP, se vai dispensar 84% do remanescente da taxa de justiça, sendo que a secretaria deverá ter em conta o disposto no art. 14/9 do RCP, tal como entendido pelos acórdãos deste TRL de 24/11/2022, proc. 939/16.1T8LSB-H.L1-2, e do STJ de 1561/19.6T8PDL-A.L2.S1, isto é, de que “II - O n.º 9 do art. 14 do RCP, na redacção da Lei 27/2019, de 28/03, deve aplicar-se aos casos em que haja uma condenação parcial do responsável pelo impulso processual.” Pelo que a secretaria só deverá notificar a ré para efectuar o pagamento da taxa remanescente não dispensada, apenas na parte proporcional ao decaimento da ré.
O recurso da ré só versa o pedido de 1.000.000€ pelo que é este o valor do recurso para efeitos de custas. Em relação ao recurso não há razão para dispensar o remanescente da taxa de justiça (art. 6/7 do RCP, dado que a tramitação do recurso correspondeu à normalidade das coisas, nada tendo de excepcional, nem para mais nem para menos).
Custas, na vertente de custas de parte, do recurso da ré pela ré.
Valor do recurso da ré para efeitos de custas: 1.000.000€.
Sem custas o recurso do autor porque seria responsável por todas elas e está dispensado delas por ter lhe ter sido concedido o respectivo apoio judiciário.
Quanto à acção: dispensa-se a ré de 84% do remanescente da taxa de justiça (art. 6/7 do RCP), sendo que a secretaria só deve notificar a ré para pagar a parte não dispensada do remanescente (16%) na parte proporcional ao seu decaimento (art. 14/9 do RCP), considerando o valor total da acção.»
Na petição inicial foram formulados os seguintes pedidos pelo A,:
a) A pagar aos autores, a título de danos patrimoniais por impossibilidade dos autores se poderem dedicar aos trabalhos agrícolas e criação de gado até aos 80 anos de vida do autor a quantia de €288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil euros)
b) Pagar aos autores, a título de danos patrimoniais por impossibilidade de tratar dos castanheiros e colher as castanhas até aos 80 anos de idade de vida do autor a quantia de €153.600,00 (cento e cinquenta e três mil e seiscentos euros)
c) Pagar aos autores, a título de danos patrimoniais, €25.000,00 (vinte cinco mil euros) devido a empréstimo, crédito pessoal que tiveram de contrair para fazer face às despesas inerentes ao novo modo de vida.
d) Pagar aos autores, a título de danos patrimoniais, verba não inferior a €50.000,00 (cinquenta mil euros) para compra de carro adaptado para transportar o filho para o Souto, ou para ser levado a consultas ou a qualquer passeio que venha a ser possível realizar.
e) Pagar aos autores, a título de danos patrimoniais a quantia de €118.058,40 (cento e dezoito mil e cinquenta e oito euros e quarenta cêntimos) devida pelas deslocações que estes já realizaram para estar junto do filho.
f) Pagar aos autores verba não inferior a €5.000,00 (cinco mil euros) para poderem ser seguidos em consulta de psicologia para que possam saber e aceitar esta nova realidade.
g) Pagar aos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, presentes e futuros, a quantia de €100.000,00. (cem mil euros);
h) Juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento;
Ao longo do processo foram ocorrendo vários acordos quanto a parte dos pedidos formulados na petição inicial tendo o processo continuado os seus termos, em sede de julgamento para decisão das seguintes questões:
A) A existência de responsabilidade civil emergente de acidente de viação por banda do segurado da R. nos termos configurados pelo A.,
B) Existindo responsabilidade do segurado da R., apurar dos danos não patrimoniais e montante indemnizatório, bem como,
C) a responsabilidade de pagar essa indemnização pela R. ao A. decorrente do contrato de seguro.
D) Se aos 2.º e 3.º RR. assiste legitimidade face aos valores que afinal venham a ser fixados na totalidade, em face dos limites do contrato de seguro.
A sentença de 1.ª instância julgou o pedido relativo aos danos não patrimoniais parcialmente procedente por provado, e, em consequência condenou a R., Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA a pagar ao A. AA a quantia de €1.000.000 (um milhão de euros) relativa a danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico enquanto dano não patrimonial) acrescida de juros à taxa legal relativa a juros civis, desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento.
Ambas as partes apelaram da sentença, ambos os recursos foram julgados improcedentes e confirmada a decisão de primeira instância.
1.2.1 - Admissibilidade do recurso
O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto no art.º 671.º, do Código de Processo Civil.
Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:
1. Dispensa do remanescente da taxa de justiça
Para a decisão do recurso ter-se-ão em conta os factos processuais constantes do relatório que antecede
Nos termos do disposto no art.º 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais o remanescente da taxa de justiça pode sofrer reduções ou, ser mesmo dispensado, quando a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, o determinar.
Neste processo foi formulado um pedido de valor excepcionalmente elevado por uma parte que, beneficiando de apoio judiciário, sabia nada ter de pagar em termos de custas. Ao longo do processo foram sendo estabelecidos acordos quanto à indemnização a fixar ao sinistrado que, em virtude do acidente, ficou numa situação de grande dependência e fragilidade carecendo de meios económicos para obter apoio na sua sobrevivência diária. Estes acordos além de contribuírem decisivamente para o bem estar do autor converteram o julgamento e a decisão do processo numa actividade muito menos complexa do que ocorreria se tivessem de ser analisados e decididos todos os pedidos formulados, a significar uma atitude particularmente cooperante das partes e, particularmente da ré, que mantendo em discussão a responsabilidade pela produção do acidente foi desembolsando significativos montantes monetários em favor do autor.
Tendo em conta a complexidade da causa, a conduta processual das partes e o exagero dos valores dos pedidos formulados, e o efectivo custo do serviço público prestado, mostra-se ajustado dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 95% do que seria devido em 1.ª instância, tendo em conta o seu decaimento nos termos do disposto no art.º 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais.
Atenta a especial simplicidade deste recurso de revista impõe-se a dispensa total do pagamento do remanescente nesta instância.
Pelo exposto acorda-se em conceder parcialmente a revista, dispensar 95% do remanescente da taxa de justiça que será devida em 1.ª instância, tendo em conta o seu decaimento nos termos do disposto no art.º 14.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e a dispensa total do pagamento do remanescente, nesta instância.
Ana Paula Lobo (relatora)
Carlos Portela
Fernando Baptista de Oliveira