REGISTO CRIMINAL
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NÃO TRANSCRIÇÃO
Sumário


1. A não transcrição de sentença no certificado de registo criminal, enquanto exceção, reporta-se a certificados para fins do exercício de profissão e está associada a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica.2. O deferimento da não transcrição implicaria que a condenação não se reportasse aos crimes previstos nos arts. 152º e 152º-A do C.Penal.3. A inserção social, profissional, económica e familiar do arguido não é suscetível de mitigar a personalidade possessiva, violenta e agressiva espelhada nas condutas constantes dos factos provados, relativas a agressões físicas e insultos, demonstrativos de uma atitude de fácil descontrolo emocional, de acentuada dificuldade em dominar os seus impulsos violentos e de manifesto desrespeito para com a ofendida.

Texto Integral


Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

No Processo nº 10/21.... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Barcelos - Juiz ..., foi proferido, em 26.09.2024, o seguinte despacho:
“(…) Face ao exposto, defere-se ao requerido, determinando-se a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal, nos moldes expressos no citado artigo 13.º, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio.
Proceda-se à inscrição da não transcrição (artigo 6.º, al g), da Lei n.º 37/2015)”.

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O Ministério Público veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

 “1ª A M.issa Juíza “a quo”, acolhendo a pretensão formulada pelo condenado AA em requerimento datado de 09/09/2024, ora constante de fls. 241 a 242 verso, e considerando reunidos os pressupostos formais e material legalmente previstos, ordenou a não transcrição da sentença condenatória que o visou no seu certificado de registo criminal;
2ª Em dissonância, entende o Ministério Público, que se não encontram preenchidos todos os pressupostos previstos no artigo 13.º, n.º 1 da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, que permitem determinar a não transcrição da condenação para o registo criminal;
3ª Aceita-se, neste aspeto em consonância com o despacho recorrido, que se verificam alguns dos requisitos a que se reporta o despacho recorrido, e, nomeadamente, o estar-se em presença de condenação de pessoa singular; de a condenação ser em pena não privativa da liberdade e de não ter o arguido sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;
4ª Contudo, ainda que a questão possa não ter eminente relevo prático, não pode o Ministério Público aceitar que se considere que a condenação, reportando-se a crime previsto no artigo 152º do Código Penal, não integrasse a exceção prevenida na primeira parte do artigo 13º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 5 de maio, por não ser a vítima criança menor, caso a requerida não transcrição se destinasse ao exercício de profissão, função ou emprego que envolvesse contacto regular com menores;
5º Na circunstância, mesmo que verificados os demais requisitos permissivos, seria mister, para viabilizar a não transcrição, que a condenação se não reportasse aos crimes previstos nos artigos 152º e 152º-A, e no capítulo V do título I do livro II, do Código Penal;
6ª Todavia, na lógica do douto despacho sob recurso, o facto de o crime pelo qual o arguido foi condenado ser o de violência doméstica, previsto e punido no predito artigo 152º, seria irrelevante - e, por isso, não obstativo -, dado o facto de a vítima não ser menor de idade;
7ª Ora a asserção em que assenta o despacho não indica qual seja o seu racional, repousando, se bem se aquilata, na singela afirmação de que a exigência de que a vítima de tais crimes seja menor, resulta diretamente do disposto no artigo 1º da Lei 113/2009, de 17 de setembro;
8ª Sucede que o normativo apenas define o âmbito da própria lei, estatuindo que se destina a estabelecer medidas de proteção de menores contra a Exploração Sexual e o Abuso Sexual de Crianças, sendo que uma dessas medidas diz justamente respeito aos certificados do registo criminal destinados a recrutamento e, posteriormente, à aferição anual da idoneidade para o exercício de profissões e atividades cujo exercício envolva contacto regular com menores;
9ª Por isso que apenas é lícito concluir que aquilo que o legislador quis vedar foi a possibilidade da não transcrição das condenações por crimes de violência doméstica, maus-tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual, quando o certificado requerido se destinasse a ser utilizado por candidato a emprego cujas funções envolvessem o contacto regular com menores e não exclusivamente os casos em que tais condenações se referissem a vítimas menores;
10º E nenhuma das normas protetivas editadas pela lei inculca que a exclusão da possibilidade da decisão de não transcrição se refira exclusivamente aos casos em que as vítimas daqueles crimes sejam crianças ou jovens menores;
11º Assim, e contrariamente ao decidido, afigura-se que o regime especial e excecional em apreço não tem apenas aplicação quando as vítimas dos crimes de violência doméstica, maus-tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual sejam menores, mas sim, e ao invés, quando os certificados de registo criminal de pessoas condenadas por tais ilícitos, tenham por finalidade instruir processos de recrutamento de trabalhadores para funções que envolvam o contacto com crianças;
12ª A interpretação acolhida no douto despacho recorrido é pois desconforme com o cânone acolhido no artigo 9º, n.º 2, do Código Civil, posto que se socorre de um pensamento legislativo que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso;
13ª Por outro lado, o conjunto factual tido como provado na decisão condenatória, não viabiliza, ao contrário do decidido, a formulação do juízo de prognose negativa previsto no artigo 13º n.º 1, em apreço, que se constitui como um seu requisito material de aplicação;
14ª Com efeito, por sentença proferida a 8 de novembro de 2021, transitada em julgado, decidiu-se condenar AA como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, al. a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e determinar que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada fosse acompanhada de regime de prova;
15ª Tal requisito material traduz-se em não decorrer das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos ilícitos penais;
16ª No caso, verifica-se que o requerente foi condenado em pena não privativa da liberdade (pena de prisão de 2 anos e 3 meses, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova) e, por outro lado, não apresentava nenhuma condenação averbada no seu certificado de registo criminal;
17ª E daí que nestes aspetos o despacho recorrido não suscite reservas;
18ª Já a apreciação positiva feita pela M.issa. Juíza quanto à verificação do predito requisito material (sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes) não pode, tal como anunciado, ser partilhada;
19ª É que a avaliação das circunstâncias que acompanharam o crime, por si mesmas suscetíveis da indução do perigo da prática de novos crimes, só podem ser - como aliás decorre com nitidez da norma em apreço -, as contemporâneas da prática dos factos - bem como, acrescente-se, em homenagem aos critérios de escolha e determinação concreta da pena, as imediatamente anteriores e posteriores, incluindo as incidências do julgamento;
20ª Todavia, em contraponto, a M.issa Juíza, aderindo embora a acórdão do TRC de Coimbra, datado de 2/2/2022, no qual expressamente se assume que essas circunstâncias são as que acompanham a prática do crime, em vez de nelas centrar a sua atenção, atendeu exclusivamente às condições sociais do arguido tal como existiam na data da sentença, obliterando tudo o resto;
21ª Sucede que a factualidade dada como provada na sentença condenatória, pela sua gravidade e reiteração, implica a formulação de um juízo de prognose desfavorável ao condenado quanto à existência de perigo de prática de novos crimes. Ou seja, das circunstâncias que acompanharam o crime não se induz que não haja perigo de prática de novos crimes;
22ª E, tanto assim se ponderou, que se fez acompanhar a execução da suspensão da pena de um regime de prova, sendo aqui de reter que os factos tidos como provados são reveladores de particular gravidade e que as circunstâncias em que foram cometidos - alguns no interior da residência familiar e à vista de outros familiares - evidenciam um comportamento reiterado, obsessivo, resultado de uma personalidade impulsiva e descontrolada, com perfil controlador e violento, aparentemente indiferente ao sofrimento dos outros e aos seus direitos, e, portanto, avessa ao direito;
23ª Por outro lado, o condenado, para além de negar a prática dos factos, apresentando deles uma versão descabida e inverosímil, não mostrou arrependimento nem evidenciou consciência critica relativamente ao desvalor das suas ações;
24ª Conclui-se, assim, que o comportamento processual do condenado, apreciado em conjugação com o carácter muito gravoso dos factos praticados e o seu modo e tempo de execução, implicam, necessariamente, a formulação de um juízo de prognose desfavorável, no que respeita ao perigo da prática de novos crimes;
24º Por outro lado, a previsão legal que admite a não transcrição das sentenças para o registo criminal não é - nem pode ser - o regime-regra, nem foi pensado para situações com a gravidade da violência doméstica - crime que têm especiais exigências de prevenção geral e especial -, mas sim, ao invés, para casos excecionais, de reduzida danosidade social;
25ª Em suma, o despacho recorrido, ao considerar preenchido o pressuposto material que permite a não transcrição da sentença do condenado para o registo criminal, deferindo a pretensão do requerente AA, violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015 de 5 de maio”.
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O recurso foi admitido, por despacho de 07.11.2024, com subida imediata, em separado dos autos principais e com efeito devolutivo.
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Nesta Relação, a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que “…atentos os factos provados, o tipo de crime, a gravidade e reiteração das condutas, a personalidade do arguido revelada na prática dos factos, a não assunção dos factos, com versões sem sentido dos mesmos, a falta de arrependimento, não permitem um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do arguido. Pelo exposto, concordando com os fundamentos do recurso, entendemos que o mesmo merece provimento”.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido exercido o contraditório.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO

Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal).
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Face ao exposto e às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar se deve (ou não) ser determinada a não transcrição da sentença condenatória no registo criminal do condenado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Com interesse para a apreciação das questões suscitas importa ter presente os seguintes elementos que constam dos autos:

1. Por sentença, proferida em 29.10.2021, foi decidido:“(…) a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão.
b) Suspender a sua execução por igual período, de 2 (dois) anos e 3 (três) meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, mediante regime de prova.
c) Não aplicar ao arguido qualquer pena acessória (artigo 152.º, n.ºs 4 a 6, do Código Penal) (…)”;
2. Em tal sentença foram considerados provados os seguintes factos, com a seguinte motivação (transcrevendo-se as partes com interesse para a decisão do presente recurso):
“(…) 1. Em Março/Abril de 2020, o arguido AA iniciou uma relação de namoro com a ofendida BB.
2. Em Agosto de 2020, o arguido AA e a ofendida BB passaram a viver em união de facto, na habitação dos pais desta, sita na Avenida ..., em ..., juntamente com os dois filhos menores da ofendida, CC, nascido em ../../2012, e DD, nascida em ../../2019, fruto de dois relacionamentos anteriores que esta teve.
3. Todavia, a partir de Setembro de 2020, o arguido AA começou a manifestar para com a ofendida BB comportamentos cada vez mais agressivos, pelo que, sempre que tal acontecia, sem qualquer motivo, insultava, podando-a de “puta”, ameaçava e agredia fisicamente a ofendida, fazendo com que esta vivesse em permanente angústia e receio do comportamento cada vez mais violento e possessivo do arguido.
4. Neste contexto, em dia não apurado, porém situado do mês de Outubro de 2020, num domingo, no interior da sala da habitação referida em 2), o arguido AA iniciou uma discussão com a ofendida BB, no decurso da qual a agarrou pelo pescoço, com uma mão, apertando-o com força.
5. Tais agressões apenas cessaram graças à intervenção da mãe da ofendida.
6. Em data não apurada do mês de Novembro de 2020, no interior do quarto do casal, o arguido AA começou a discutir com a ofendida BB, e no decurso da contenda, começou a desferir-lhe estalos na cara e na cabeça, empurrando-a.
7. Em data que não apurada do mês de Dezembro de 2020, o arguido AA tentou manter relações com a ofendida, ao ar livre, no coberto onde costumavam guardar os carros.
8. Como a ofendida recusou, o arguido tentou abrir-lhe as calças à força, para colocar a mão no seu interior, mas aquela não o deixou.
9. Enervado com tal recusa, o arguido AA agarrou a ofendida pela cabeça, fazendo-a embater com a mesma no capot do carro.
10. No mês de Dezembro de 2020, em data não apurada, a ofendida BB confrontou o arguido AA com um relacionamento que descobriu, nessa altura, que ele vinha mantendo há 5 anos com outra pessoa.
11. Enfurecido com tal confronto, o arguido agarrou a BB, pelo pescoço, apertando-o com força, e de seguida, agarrou na cabeça dela e fê-la embater duas vezes contra o capot do veículo, acabando esta por perder os sentidos.
12. Quando recuperou os sentidos, a ofendida entrou no seu carro e puxou-o para a frente, para o arguido retirar o carro dele para se ir embora de sua casa.
13. Por força das condutas descritas, o arguido AA causou na ofendida BB, de forma direta e necessária, dores, nervosismo, mal-estar e ansiedade.
14. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, conseguido e reiterado, de, no interior da residência do casal, molestar a integridade física da BB, sua companheira, produzindo-lhe as lesões e dores do tipo dos verificados, bem como de a afetar no seu bem-estar psíquico, designadamente, quando lhe dirigiu a expressão referida em 3), não obstante saber que o seu comportamento possessivo e violento desencadeava medo na ofendida, limitava a sua autodeterminação pessoal e que a humilhava e vexava, afetando a sua dignidade pessoal.
15. O arguido AA agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente puníveis.       
- Da contestação
16. O arguido encontra-se familiar e socialmente inserido no meio onde vive.
- Das condições socioeconómicas e antecedentes criminais do arguido
17. O arguido é electricista.
18. Exerce actualmente actividade profissional na empresa EMP01..., iniciando no próximo dia 11 de Novembro, actividade profissional na empresa EMP02..., auferindo cerca de € 700,00 líquidos mensais.
19. Reside com os seus pais, contribuindo com € 150,00 mensais para as despesas domésticas.
20. Despende ainda € 250,00 mensais com um crédito automóvel.
21. O arguido não possui antecedentes criminais.
(…)

C – Motivação da factualidade provada
A convicção do Tribunal sobre a decisão de facto alicerçou-se na análise crítica e ponderada, de harmonia com os princípios que regem a matéria, designadamente segundo as regras da lógica e da experiência comum (cfr. artigo 127.º do CPP), da prova documental constante dos autos, das declarações prestadas pelo arguido, das declarações para memória futura prestadas pela ofendida, bem assim como dos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de julgamento.
(…)
A matéria de facto provada resultou ainda das declarações prestadas pelo arguido, no decurso das quais, embora reconhecendo a relação que manteve com a ofendida – confirmando a factualidade vertida sob os n.ºs 1 e 2 - e o circunstancialismo que envolveu os factos descritos na acusação, negou a prática dos mesmos.
As declarações do arguido foram, porém, pautadas por uma patente inverosimilhança e incoerência (...)”;

3. Por requerimento de 09.09.2024 (Refª ...06), o arguido requereu “a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal” e alegou, para o efeito, o seguinte:
“1º O arguido foi condenado a pena de prisão de 2 anos e 3 meses, suspensa na sua execução pela prática do crime de violência doméstica pelo mesmo tempo.
2º O arguido não tem antecedentes criminais.
3º O crime em que foi condenado - e de cuja prática se encontra, desde logo, arrependido - foi um ato isolado numa vida conforme com o direito.
4º O arguido encontra-se inserido do ponto de vista social e familiar, pelo que é possível arguir que não se consubstancia o perigo de prática de novos crimes.
5º O arguido pretende ingressar numa empresa alemã, a qual exige um certificado de registo criminal limpo.
6º Assim, estão preenchidos os pressupostos do art. º13, nº1 Lei nº37/2015, pelo que requer a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal.”;

4. Em 26.09.2024. o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho (despacho recorrido):
“Requereu o arguido, nos termos e pelos fundamentos que constam do seu requerimento, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a não transcrição da sentença no registo criminal.
A Digna Magistrada do Ministério Público deduziu oposição ao requerido.
O regime da não transcrição está contido no artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, o qual sob a epígrafe “Decisões de não transcrição” nos diz que «1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º».

Assim, a aplicação do instituto da não transcrição de condenação no certificado de registo criminal, como prevista no citado artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, exige que se encontrem preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:
1. tratar-se de condenação de pessoa singular;
2. essa condenação não se reportar a crimes previstos nos artigos 152.º e 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade;
3. a condenação ser em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
4. o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
5. das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.
No caso dos autos o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período mediante regime de prova.
Ora, quanto ao primeiro dos requisitos é inquestionável que se encontra preenchido.
No que respeita ao segundo requisito, cumpre assinalar que a restrição prevista no artigo 2.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, como decorre directamente do artigo 1.º desse diploma, conjugada com os artigos 152.°, 152.°-A e 163.° a 177.°, todos do Código Penal, só se aplica quando as vítimas sejam menores.
Veja-se neste sentido o decidido no Ac. do TRL, de 12/09/2019, proferido no âmbito do processo n.º 171/17.7PBMTA-A.L1-9, «A restrição prevista no art.° 2°/4-a) da L 113/2009, de 17/09, não se aplica às condenações pelos crimes previstos nos art.°s 152.°, 152.°-A ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, quando as vítimas não sejam menores, como decorre directamente do art.° 1° da Lei 113/2009, de 17/09, conjugada com os art.°s 152.°, 152.°-A e 163° a 177° do CP, ou seja da possibilidade da não transcrição no registo criminal do arguido;», bem como o decidido no Ac. do TRC, de 02/02/2022, proferido no âmbito do processo n.º 174/19.7T9CTB-A.C1, «A não transcrição de condenação no certificado de registo criminal exige o preenchimento dos requisitos descritos no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 05-05 (i. não ter o arguido sido condenado por crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade; ii. tratar-se de condenação de pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; iii. o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; iv. das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes).», ambas as decisões disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso em apreço diga-se, desde já, que a vítima se reconduz somente à ex-companheira do condenado/requerente, donde, não sendo a vítima menor, temos por verificado o segundo requisito.
No que concerne ao terceiro dos requisitos assinalados, como apontou o Ministério Público na promoção que antecede, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 13/2016, de 7 de Outubro, fixou jurisprudência no sentido de «(…) a condenação em pena de prisão substituída por pena suspensa na sua execução preencher o requisito de condenação em pena não privativa da liberdade nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 10.08;».
Portanto, à luz da jurisprudência citada a pena de prisão suspensa na execução, ainda que aplicada em medida superior a um ano, deve ser entendida como pena não privativa da liberdade, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, pelo que, igualmente, se encontra verificado o aludido requisito legal.       
Quanto ao quarto requisito, como se depreende da sentença condenatória e do CRC junto aos autos o condenado/requerente não tem antecedentes criminais.
Por fim, no que respeita ao último dos requisitos apontados, salientamos as explicações vertidas no Ac. do TRC, de 02/02/2022 (indicado supra, relatado pelo Sr. JuizDesembargador Paulo Guerra): «Recorramos de novo ao aresto do Tribunal da Relação de Évora atrás citado (sublinhado nosso): «É sabido que o fundamento do juízo de prognose, favorável ou desfavorável, quanto à existência, ou não, do perigo de, no futuro, o arguido cometer novos crimes só pode fundar-se em conclusões extraídas das circunstâncias que acompanharam o crime. Aliás, da fórmula negativa usada pelo legislador, “não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”, deve concluir-se que a lei apenas exige que não seja efectuado um juízo de prognose desfavorável, de aferição das hipóteses de não verificação do perigo, o que é diferente de outras expressões utilizadas, como, por exemplo, a do nº1 do Artº 50 do C.Penal – “concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”- que denunciam a necessidade de um juízo de prognose favorável.
Daí que seja correcto afirmar que este juízo de prognose favorável não se confunde com o que é formulado a propósito da suspensão da execução da pena, não só porque o tribunal não está obrigado a determinar a não transcrição da sentença sempre que esta não seja superior a 1 ano de prisão ou tenha a sua execução suspensa, mas também por tal diferença se compreender por a medida prevista no Artº 13, nº 1, da Lei n.º 37/2015, ser de carácter administrativo e precária, dado o teor do seu n.º 3 onde se diz que ”o cancelamento previsto no n.º1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida decisão”, o que quer dizer que o legislador criou um mecanismo de correcção automática da decisão tomada ao abrigo do nº 1 do Artº 13, em caso de frustração do juízo de prognose efectuado pelo juiz».

Ou seja:
Só não se decide pela não transcrição da sentença, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes.

Dito de outra forma:
Tendo em consideração as circunstâncias da prática do crime, a não transcrição da sentença em certos certificados do registo criminal pode ordenar-se desde que não se conclua que há perigo de o agente praticar novos crimes, o que implica não um juízo valorativo positivo, mas antes que não se faça um juízo negativo sobre o comportamento futuro.
Tentando densificar melhor o conceito, o Acórdão da Relação de Guimarães datado de 20/1/2014 (Pº 1454/00.0TBBRG-A.G1) doutrinou que tal juízo de prognose deverá, assim, ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, isto é, a culpa do arguido, as exigências de prevenção e a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.»         
Aderindo à jurisprudência citada e transcrita, importa apurar se se verifica na factualidade dada como assente nos autos algum elemento que nos permita chegar a um entendimento de que o condenado/requerente irá voltar a prevaricar.

Ora, no que respeita à situação social, profissional, económica e familiar do arguido, ficou assente na sentença proferida nos autos que:
«17. O arguido é electricista.
18. Exerce actualmente actividade profissional na empresa EMP01..., iniciando no próximo dia 11 de Novembro, actividade profissional na empresa EMP02..., auferindo cerca de € 700,00 líquidos mensais.
19. Reside com os seus pais, contribuindo com € 150,00 mensais para as despesas domésticas.
20. Despende ainda € 250,00 mensais com um crédito automóvel.»

Conclui-se, pois, que o condenado/requerente se encontra inserido do ponto de vista social, profissional e familiar.
Ora, atendendo àquelas condições pessoais e olhando à concreta conduta criminal do condenado espelhada na sentença, circunscrevendo-se o comportamento criminoso ao ano de 2020, entendemos que destas circunstâncias não se antevê o perigo da prática de novos crimes, pelo que, o requerente pode beneficiar da não transcrição no registo criminal da condenação em apreço, para os fins a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.

Face ao exposto, defere-se ao requerido, determinando-se a não transcrição da sentença no certificado de registo criminal, nos moldes expressos no citado artigo 13.º, da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio.
Proceda-se à inscrição da não transcrição (artigo 6.º, al g), da Lei n.º 37/2015).
Notifique”.
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Apreciação do Recurso

O recorrente pretende reverter o despacho que deferiu o pedido de não transcrição da condenação sofrida no respetivo registo criminal.
No entender do recorrente não se encontram verificados os pressupostos legais de que depende a procedência do requerido pelo arguido, quer quanto às condicionantes formais quer, ainda, quanto ao requisito material da insusceptibilidade do risco de nova prática criminal pois, por um lado, “contrariamente ao decidido, afigura-se que o regime especial e excecional em apreço não tem apenas aplicação quando as vítimas dos crimes de violência doméstica, maus-tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual sejam menores, mas sim, e ao invés, quando os certificados de registo criminal de pessoas condenadas por tais ilícitos, tenham por finalidade instruir processos de recrutamento de trabalhadores para funções que envolvam o contacto com crianças” (conclusão 11ª). Por outro lado, ” o conjunto factual tido como provado na decisão condenatória, não viabiliza, ao contrário do decidido, a formulação do juízo de prognose negativa previsto no artigo 13º n.º 1, em apreço, que se constitui como um seu requisito material de aplicação” (conclusão 13ª).

Vejamos.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a) do C.Penal, na pena de pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.
Tal como resulta do disposto no art. 10º, nº 1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, a regra é constarem dos certificados de registo criminal todas as condenações de um condenado, com exceção das que cessaram (cfr. art. 11º do mencionado diploma legal) e daquelas que o juiz determinou a respetiva não transcrição (cfr. art. 13º, nº 1 do mencionado diploma legal), visando o registo criminal (numa função de prevenção especial negativa) conferir proteção à sociedade quanto a condenados em sede criminal, permitindo o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes.
A exceção concretiza-se na possibilidade de o Juiz, caso a caso, poder determinar a não transcrição da condenação, tendo em vista a não estigmatização do condenado e o favorecimento da sua reinserção, designadamente laboral, isto é, para fins do exercício de profissão (cfr. arts. 13º, nº 1 e 10º, nº 5 e 6 do mencionado diploma legal).

No despacho recorrido considerou-se que “a aplicação do instituto da não transcrição de condenação no certificado de registo criminal, como prevista no citado artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, exige que se encontrem preenchidos cumulativamente os seguintes requisitos:

1. tratar-se de condenação de pessoa singular;
2. essa condenação não se reportar a crimes previstos nos artigos 152.º e 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, em que as vítimas sejam crianças menores de idade;
3. a condenação ser em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;
4. o arguido não ter sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e
5. das circunstâncias que acompanharam o crime presente não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

No caso dos autos o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152.º do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período mediante regime de prova.
Ora, quanto ao primeiro dos requisitos é inquestionável que se encontra preenchido.
No que respeita ao segundo requisito, cumpre assinalar que a restrição prevista no artigo 2.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, como decorre directamente do artigo 1.º desse diploma, conjugada com os artigos 152.°, 152.°-A e 163.° a 177.°, todos do Código Penal, só se aplica quando as vítimas sejam menores (…)No caso em apreço diga-se, desde já, que a vítima se reconduz somente à ex-companheira do condenado/requerente, donde, não sendo a vítima menor, temos por verificado o segundo requisito.
No que concerne ao terceiro dos requisitos assinalados, como apontou o Ministério Público na promoção que antecede, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão n.º 13/2016, de 7 de Outubro, fixou jurisprudência no sentido de «(…) a condenação em pena de prisão substituída por pena suspensa na sua execução preencher o requisito de condenação em pena não privativa da liberdade nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 10.08;».
Portanto, à luz da jurisprudência citada a pena de prisão suspensa na execução, ainda que aplicada em medida superior a um ano, deve ser entendida como pena não privativa da liberdade, para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, pelo que, igualmente, se encontra verificado o aludido requisito legal.       
Quanto ao quarto requisito, como se depreende da sentença condenatória e do CRC junto aos autos o condenado/requerente não tem antecedentes criminais.
Por fim, no que respeita ao último dos requisitos apontados (…) Só não se decide pela não transcrição da sentença, quando, das circunstâncias que rodearam a prática do ilícito, se não puder concluir que não existe perigo da prática de novos crimes (...) Conclui-se, pois, que o condenado/requerente se encontra inserido do ponto de vista social, profissional e familiar. Ora, atendendo àquelas condições pessoais e olhando à concreta conduta criminal do condenado espelhada na sentença, circunscrevendo-se o comportamento criminoso ao ano de 2020, entendemos que destas circunstâncias não se antevê o perigo da prática de novos crimes, pelo que, o requerente pode beneficiar da não transcrição no registo criminal da condenação em apreço, para os fins a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio”.
No caso vertente, o recorrente aceita “que se verificam alguns dos requisitos a que se reporta o despacho recorrido, e, nomeadamente, o estar-se em presença de condenação de pessoa singular; de a condenação ser em pena não privativa da liberdade e de não ter o arguido sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza”.

O art. 13º da Lei nº 37/2015, de 05 de maio, sob a epígrafe “Decisões de não transcrição”, preconiza que:
“1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º
2 - No caso de ter sido aplicada qualquer interdição, apenas é observado o disposto no número anterior findo o prazo da mesma.
3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão”.

Por outro lado, a Lei 113/2009, de 17 de setembro, estabelece um conjunto de medidas que visam a proteção de menores, em especial a não transcrição das condenações por crimes de violência doméstica, maus-tratos e contra a liberdade e autodeterminação sexual, quando o certificado se destine a ser utilizado por candidato a emprego cujas funções envolvam o contacto regular com menores e não, como parece decorrer do despacho recorrido, que essa exclusão diz respeito aos crimes aí indicados em que as vitimas sejam crianças menores.      

Concordamos com a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta quando afirma no seu parecer que, da conjugação do art. 13º da Lei nº 37/2015 de 05/05 “com os arts. 1º, 2º e 4º nº 1, 3 e 6 da Lei nº 113/2009 – diploma que estabelece medidas de prevenção de contacto profissional com menores, em cumprimento do artigo 5º da Convenção do Conselho da Europa contra a Exploração Sexual e o Abuso de Sexual de Crianças”, é de concluir que a interpretação a dar à 1ª parte do nº 1 do art. 13º da Lei nº 37/2015 é a de que ”a exclusão de não transcrição a que se refere a 1ª parte do art. 13º nº 1 da Lei nº 37/2015 quanto aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, não diz respeito aos casos em que nesses crimes as vitimas sejam crianças menores, mas antes aos casos em que o certificado se destina a emprego cujas funções envolvam o contacto regular com menores”.
Assim sendo, o preenchimento dos requisitos que mereceram o acordo do recorrente não suscitam quaisquer dúvidas pois o condenado é uma pessoa singular que não tem antecedentes criminais e que foi condenado em pena não privativa da liberdade (cfr. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 13/2016, de 07.10, publicado no DR nº 193/2016, Série I de 07.10.2016: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”).
Porém, o deferimento da não transcrição implicaria que a condenação não se reportasse aos crimes previstos nos arts. 152º e 152º-A do C.Penal.
Assim sendo, tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do C.Penal, a lei determina que seja sempre transcrita a condenação, quando esteja em causa o acesso a profissões, empregos, funções ao atividades públicas ou privadas, que envolvam contactos com menores (neste sentido, Acórdão deste TRG de 08.10.2024, Proc. nº 112/22.0GEBRG-A.G1).
No caso em apreço, o arguido sustentou a sua pretensão na circunstância de pretender “ingressar numa empresa alemã, a qual exige um certificado de registo criminal limpo”.
Porém, além de não sustentar a sua pretensão em prova, nomeadamente documental relativa ao referido emprego, nada diz acerca de o emprego envolver (ou não) contacto regular com menores.
Acresce que a não transcrição, enquanto exceção, reporta-se, como vimos, a certificados para fins do exercício de profissão e está sempre associada a crimes de pequena gravidade, o que, manifestamente, não acontece no crime de violência doméstica.
Analisada a factualidade dada como assente na sentença cuja não transcrição para o certificado de registo criminal foi deferida pelo tribunal recorrido, resulta da mesma que o arguido e a ofendida começaram a viver em união de facto, em agosto de 2020, na habitação dos pais desta, e a partir de setembro de 2020, o arguido começou a manifestar para com a ofendida comportamentos cada vez mais agressivos e sempre que tal acontecia apodava a “puta”, ameaçava-a e agredia-a fisicamente, fazendo com que ela vivesse em permanente angústia e receio do comportamento cada vez mais violento e possessivo do arguido; em outubro de 2020, no interior da sala de habitação, agarrou-a pelo pescoço, com uma mão, e apertou-o com força, o que cessou graças à intervenção da mãe da ofendida; em novembro de 2020, no interior do quarto do casal, desferiu-lhe estalos na cara e na cabeça, empurrando-a; em dezembro de 2020, no coberto onde costumavam guardar os carros, tentou manter relações sexuais com a ofendida e, perante a recusa desta, abriu-lhe as calças à força, para colocar a mão no seu interior, agarrou-a pela cabeça, fazendo-a embater com a mesma no capot do carro e, no mesmo mês, quando confrontado pela ofendida com um relacionamento que ele vinha mantendo, há 5 anos, com outra pessoa, agarrou-a pelo pescoço, apertando-o com força, agarrou na cabeça dela e fê-la embater duas vezes contra o capot do veículo, tendo a ofendida perdido os sentidos.
Apesar de também resultar da factualidade provada que o arguido se encontra inserido social, profissional, económica e familiarmente, tal não é suscetível de mitigar a personalidade possessiva, violenta e agressiva espelhada em tais condutas (por ele negadas), relativas a agressões físicas e insultos, demonstrativos de uma atitude de fácil descontrolo emocional, de acentuada dificuldade em dominar os seus impulsos violentos e de manifesto desrespeito para com a ofendida, sendo patente um crescendo de violência física que, na última situação relatada, culminou com a perda de sentidos da ofendida.
Tudo inculca a efetiva existência de níveis de perigosidade latentes, impeditivos da formulação de um juízo de prognose favorável ao não cometimento futuro de novos crimes por parte do arguido, o que obsta à não transcrição da condenação, para efeitos civis e de obtenção de trabalho.
Assim sendo, deve proceder o presente recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, ser substituída a decisão recorrida por outra que indefira a pretensão do condenado de não transcrição da sua condenação, para efeitos civis, mesmo além dos casos em que não esteja em causa o contacto com menores.
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IV- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, substituir o despacho recorrido por outro que indefere o requerimento do condenado AA para que a sua condenação não conste do seu certificado de registo criminal, para efeitos civis e obtenção de emprrego.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 25 de fevereiro de 2025

Luísa Oliveira Alvoeiro
(Juíza Desembargadora Relatora)
Pedro Cunha Lopes
(Juiz Desembargador Adjunto)
Fátima Furtado
(Juiz Desembargador Adjunto)