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CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
CONSENTIMENTO DO ARGUIDO
Sumário
1 – No crime de ameaça, a invocação de um mal iminente cabe ainda na previsão do tipo, não sendo necessário que seja utilizado o tempo futuro, do Indicativo. 2 – Assim, este crime pode estar presente mesmo se utilizado o tempo presente, desde que isso não constitua o início da execução de um outro crime. 3 – Estando em causa crimes de injúria quase diários desde há cerca de quarenta anos, de ofensa à integridade física com lesões já com alguma relevância e que determinaram dias de doença e de ameaças de morte, com machado e espingarda, também repetidos, pôs-se em causa a saúde física e psíquica da ofendida. 4 – Tal como a mesma é colocada num quadro de completa subalternidade e subordinação, relativamente ao arguido. 5 – Assim, este conjunto de factos integra o crime de violência doméstica e não qualquer dos outros ilícitos menores, que o podem integrar. 6 – Os critérios para a suspensão da execução da pena não são convergentes com os de aplicação de penas acessórias nos crimes de violência doméstica, pois nestes casos está apenas em causa a necessidade de proteção da vítima, o que não acontece nos casos de suspensão da execução da pena. 7 – Assim, a suspensão da execução da pena não exclui a respetiva aplicação. 8 – Dadas as atuais redações dos arts.º 152º/5 C.P. e do art.º 35º/1, L. n.º 112/09, 16/6, impostas pela L. n.º 19/2 013, 21/2, o regime regra é o de que a pena acessória de proibição de contactos deve ser fiscalizada por meios de controlo à distância. 9 – Essa mesma Lei n.º 19/2 013, criando o art.º 35º/7 da referida L. n.º 112/09, permitiu ao Juiz aplicar esta medida de controlo mesmo sem o consentimento do arguido, desde que o Juiz fundamente a imprescindibilidade da medida, para a proteção da vítima. 10 – Assim e mesmo nestes casos, não deixa de estar em causa a aplicação de um regime geral, que assim exige um menor esforço argumentativo e que não tem de ser prolixo. 11 – Fazendo-se referência ao comportamento pregresso do arguido, indiciador de perigosidade, e à imprescindibilidade do controlo à distância estão cumpridas as necessidades de fundamentação para aplicação desta medida, mesmo sem o consentimento do arguido.
Texto Integral
1 – Relatório
Por sentença proferida nestes autos em 8 de Fevereiro de 2 024, foi proferida a seguinte decisão,nestes autos em que é arguido AA:
a) foi o mesmo condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º/1, a), 2), 4) e 5), C.P. e art.º 86º/3, L. n.º 5/06, 23/2, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- esta pena de prisão foi suspensa por igual período de 3 (três) anos e 8 (oito) meses, subordinada a regime de prova, que assentará em “Plano Individual de Readaptação” a elaborar pela D.G.R.S.P., sujeitando-se ainda o arguido às seguintes obrigações e deveres, que se revelarem com interesse na execução do “P.I.R.”:
- frequência de programa de prevenção da violência doméstica, ministrado pela D.G.R.S.P.;
- proibição de contactos com a assistente;
- sujeição a tratamento médico de desabituação alcoólica, com coordenação da D.G.R.S.P., durante o período de suspensão da execução da pena.
b) Foi o mesmo arguido também condenado pela prática de 5 (cinco) crimes de ameaça agravada, p(s). e p(s). pelos arts.º 153º e 155º/1, a), C.P., cada um na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 5.50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos).
c) O mesmo arguido AA foi ainda condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.º 86º/1, c) e n.º 2), por referência ao art.º 2º/1, als. s), ar) e aj), 3º/6, c), L. n.º 5/06, 23/2, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5.50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos).
d) Feito o cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas e referidas em b) e c) é o arguido condenado na pena única de 440 (quatrocentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5.50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o total de 2 420€ (dois mil, quatrocentos e vinte euros) de multa.
e) Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, incluindo da sua residência, devendo o cumprimento de tal condição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
f) Decidiu-se ainda arbitrar oficiosamente à vítima a quantia de 800€ (oitocentos euros), para reparação dos prejuízos causados pelo arguido.
g) Declarou-se também o perdimento a favor do Estado do machado e arma de caça apreendidos.
Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso o arguido AA, peça que sintetizou nas seguintes conclusões e pedidos: “1.Pese embora a confissão do recorrente, de forma consciente e sem reservas, entende o mesmo que não praticou os crimes por que vem condenado, designadamente o de violência doméstica e os 5 crimes de ameaça agravada, 2.Tal qual entende que, quer a pena de prisão, suspensa na execução, quer a pena de multa, aplicadas, se mostram exageradas. 3.Por outro lado, a pena acessória aplicada, designadamente a utilização de meios técnicos de controlo à distância, não tem justificação. 4.No que concerne ao crime de violência doméstica, de acordo com a Jurisprudência citada, entende-se que deve ser revogada a decisão por não estarem evidenciados maus tratos que revelem “coisificação” da vítima, a sua degradação a objeto ou a sua instrumentalização em função de fins do recorrente, nem tampouco uma relação assimétrica ou subordinação existencial da vítima em relação ao agressor. 5.Pelo que, o Tribunal terá violado os artigos 152º, bem como os artigos 143º, 153º e 181º do Código Penal. 6.No que respeita ao crime de ameaça, nem está provado a cominação com mal futuro, nem tampouco factualidade que permita concluir pela prática de cinco crimes, pelo que o Tribunal errou fez aplicação do artigo 153º e 155º do Código Penal (cfr. Ac. de 31/10/2018, da Relação do Porto, proc. 423/16.3PBVLG.P1). 7.No que toca à medida da pena de prisão aplicadas, o Tribunal não considerou a confissão, o arrependimento e colaboração com a Justiça, nem a culpa, nem o conjunto de circunstâncias previstas no artigo 71º do CP e a ponderação que levou a cabo, não lhe permitia ultrapassar o mínimo legal, pelo que o Tribunal violou o artigo 71º n.º 1 e 2 do C.P.. 8.No que toca à pena de multa, o Tribunal não ponderou os factos provados 30, 32, 33, 36 e 38, que versam sobre a saúde, o consumo de bebidas, a doença psiquiátrica e os rendimentos do recorrente, aliados às suas despesas, colocando o quantum respetivo num patamar exagerado quando o devia colocado no mínimo, assim violando o mesmo 71.º, nº 1 e 2 do Código Penal. 9.No que respeita à pena acessória de contacto com a ofendida fiscalizado por meios de controlo técnico à distância durante 18 meses, parece que o Tribunal entra em contradição com a própria motivação, como supra se evidenciou. 10. Verifica-se, assim, que errou na aplicação do artigo 152º n.º 5 do C.P., violando também os artigos 374º n.º 2 e 375º n.º 1 do CPP, por manifesta falta de fundamentação do recurso aos meios de controlo a distância, o que importa a sua nulidade. Termos em que, sempre com mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, acolhendo a motivação e conclusões que antecedem, farão a costumada JUSTIÇA!” Respondeu, ainda em 1ª instância, o M.P., ao recurso interposto. Em sua opinião, estão preenchidos os pressupostos de punição pelo crime de ameaça agravada, sendo que nenhum problema decorre da não existência de queixa, já que este crime é público. Quanto à tipicidade do crime de violência doméstica considera que as ações agressivas do arguido pelo seu extenso lapso temporal, frequência e gravidade justificam a imputação. Quanto à pena pelo crime de violência doméstica, que é agravada nos termos do disposto no art.º 86º/3, L. n.º 5/06, 23/2, considera que existem especiais exigências de prevenção geral, que o dolo é intenso e que é elevado, o grau da ilicitude, tal como as consequências da conduta, já que a vítima necessitou de tratamento hospitalar. Assim, considera a pena adequada. Quanto às penas de multa pelos crimes de ameaça agravada e de detenção de arma proibida, considera-as ajustadas. Tal como a pena única, abaixo do meio da pena abstratamente aplicável, não merece reparo. O mesmo sucede quanto à taxa diária da multa aplicada, muito próxima do mínimo legal. No que se refere à pena de proibição de contactos aplicada ao recorrente, considera que a mesma está devidamente fundamentada. Já quanto ao controlo à distância aplicado à pena acessória de afastamento, considera que falta na sentença recorrida um juízo de ponderação de interesses, necessário quando o arguido não deu o seu consentimento à sua aplicação, o que leva a uma insuficiente fundamentação da sentença. Daí, retira ocorrer nulidade da sentença nesta parte, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 379º/1, c), C.P.P., que deve ser suprida pelo Tribunal “a quo”. Sustenta pois, a final, que se deve reconhecer esta nulidade parcial da sentença, no mais devendo ser julgado improcedente o recurso e mantida a sentença recorrida..
A Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta, já neste Tribunal da Relação, teve vista nos autos. Considera fundamentada a necessidade da pena acessória de proibição de contactos, bem como a imprescindibilidade da utilização de meios de controlo à distância. Estando elencadas as razões de ambas as necessidades, não há também qualquer omissão de pronúncia. Quanto ao enquadramento jurídico dos crimes cometidos, assinala que o recorrente não opõe tese de direito, ao que consta da sentença. No que se refere à medida das penas aplicadas, regista que foi alta, a ilicitude dos atos praticados pelo arguido, que o dolo com que agiu foi direto e que são acentuadas, as razões de prevenção geral. Assim, considera justas e equilibradas, as penas parcelares de multa e de prisão aplicadas.Sustenta assim, que o recurso deva ser julgado improcedente. Notificada o recorrente nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesma nada disse.
Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.
2 – Fundamentação
A fim de melhor se percecionar a questão em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a sentença recorrida:
1. “RELATÓRIO
Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público deduziu acusação contra AA, nascido em ../../1962, filho de CC e de DD, residente na Rua ..., ..., ..., ..., imputando-lhe, pelos factos descritos na acusação pública, cujo exato teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, a prática de:
- Um (1) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alíneas a) e c), 4 a 6, do Código Penal, e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/06, de 23 de fevereiro, por referência aos artigos 86.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), e 2, 2.º, n.º 1, alíneas s), ar), e aj), 3.º, n.º 6, alínea c), e 3.º, n.º 2, alínea ab), todos do mesmo diploma legal;
- Cinco (5) crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao 131.º, todos do Código Penal;
- Um (1) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), e 2, por referência ao 2.º, n.º 1, alíneas s), ar), e aj), 3.º, n.º 6, alínea c), e 3.º, n.º 2, alínea ab), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (RJAM).
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No despacho de recebimento da acusação foi determinada a notificação do arguido para se pronunciar, querendo, sobre a possibilidade de fixação oficiosa de uma indemnização à ofendida e a notificação desta para, querendo, deduzir oposição à possibilidade de lhe ser fixada oficiosamente uma indemnização, o que a ofendida não fez.
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O Arguido não apresentou contestação.
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Após o despacho que designou data para a audiência de julgamento, não ocorreu qualquer nulidade.
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Procedeu-se ao julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, em estrito cumprimento do formalismo legal, conforme se alcança da ata respetiva e efetuando-se a documentação das declarações oralmente prestadas em audiência nos termos do artigo 364.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Saneamento
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância, presentes aquando da prolação do despacho que designou dia para julgamento e nada obsta ao conhecimento do mérito da ação penal.
I. FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO 1.1. Factos provados
Da audiência de julgamento, e com relevo para a decisão a proferir, resultam provados os seguintes factos:
Constantes da acusação pública:
1. AA (doravante, AA) e BB (doravante, BB), são casados entre si, desde ../../1984, e viviam em comunhão de cama e mesa, na habitação sita na Rua ..., ..., ..., ..., ..., tendo três filhos em comum, todos maiores de idade.
2. O arguido ingere, frequentemente, bebidas alcoólicas em excesso, ficando etilizado.
3. Desde o início do relacionamento, na residência do casal, e sobretudo quando se encontrava alcoolizado, o que sucedia quase diariamente, o arguido dirigia-se à vítima, apelidando-a de «puta», «badalhoca e «vaca», e, dizia-lhe «puta, roubas-me o dinheiro, não vales nada».
4. E, ainda, desferia-lhe, empurrões, causando-lhe dores e hematomas no corpo da vítima.
5. No dia 12 de fevereiro de 2023, pelas 08:15 horas, quando a vítima BB se encontrava no interior do quarto do casal, a preparar-se para sair, o arguido apelidou-a de «puta» e «vaca»;
6. De seguida, o arguido desferiu-lhe uma cabeçada, atingindo o rosto da vítima.
7. Como consequência direta e necessária da atuação do arguido, a vítima BB sentiu dores, e sofreu as seguintes lesões: hematoma de coloração roxo azulado, com 5 cm x 4 cm, localizado na região supraciliar esquerda da face, que lhe demandaram catorze (14) dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
8. Nesse dia, BB careceu de tratamento médico, tendo sido assistida no Serviço de Urgências do Hospital ..., em Guimarães.
9. No dia 15 de fevereiro de 2023, cerca das 21:00 horas, na cozinha da habitação do casal, o arguido, deu um pontapé na tigela que a vítima segurava, e empurrou-a com força, provocando a sua queda.
10. Como consequência direta e necessária da atuação do arguido, a vítima BB sentiu dores, e sofreu as seguintes lesões: equimose na face posterior do cotovelo direito, de coloração azul esverdeada, com 4 cm de diâmetro, que lhe demandaram sete (7) dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
11. De seguida, dirigiu-se à vítima, BB, disse que a matava, ao mesmo tempo que lhe exibiu um machado, com cabo de madeira de 1 metro de comprimento (aproximadamente).
12. Nesse instante, BB, temendo pela sua vida, com receio de que o arguido concretizasse as ameaças proferidas, saiu para o exterior da habitação, e pediu auxílio aos vizinhos e familiares.
13. Tendo o arguido seguido a vítima até à rua, empunhando o referido machado, ao mesmo tempo, que proferiu vários impropérios, nomeadamente, apelidou-a de «puta», e disse que a matava.
14. Seguidamente, o arguido acedeu ao interior da habitação, e volvidos poucos minutos saiu, empunhando uma arma de fogo longa, espingarda de tiro a tiro, da classe D, sem marca, modelo e n.º de série, de calibre 16 GA, de origem desconhecida, sem depósito ou carregador, de dois canos de alma lisa, sem número, com 72 cm de comprimento, com coronha em madeira, com carregamento e comprimento total de 117 cm, que é carregada mediante introdução manual de uma munição na câmara situada à entrada dos canos; de percussão central, sendo o sistema de ignição de uma munição, em que o percutor atua sobre o fulminante aplicado no centro da base do invólucro, com o cano esquerdo apto a disparar, e o cabo direito está com a câmara rebentada, encontrando-se ao mau estado de conservação.
15. Ato contínuo, aproximou-se da vítima, apontou-lhe a mencionada espingarda, e disse-lhe que a matava.
16. Entretanto, chegaram ao local, em auxílio da vítima, o filho do casal, EE; o seu cunhado, FF; a sua sobrinha, GG; bem como as vizinhas HH e II, que alertaram as autoridades policiais.
17. Enquanto, aguardavam pela chegada das forças de segurança, o arguido dirigindo-se a EE, FF, GG, HH e II, que aí se encontravam, disse-lhes que os matava.
18. Já na presença dos Srs. militares da GNR, JJ e KK, o arguido dirigindo-se à vítima disse-lhe: «BB vou-te matar, vou-te dar um tiro na cabeça, deixa-os ir todos embora, que vais ver».
19. Nesse dia, pelas 22.00 horas, foi encontrado na posse do arguido, a arma de fogo referida em 14, que se achava no seu quarto; e o machado referido em 11 que se encontrava no chão do pátio, próximo da entrada da habitação do casal.
20. O arguido não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma de fogo ou de autorização de detenção de arma no domicílio, nem tem armas registadas em seu nome.
21. Mercê do comportamento do arguido, a vítima viveu um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação, ficando receando que este voltasse a tratá-la da forma descrita.
22. O arguido, ao agir da forma descrita, quis e logrou ferir a ofendida na sua honra e consideração, saúde física e psíquica, humilhá-la, provocar-lhe medo, ansiedade e inquietação, afetar o seu equilíbrio emocional, tudo por forma a afetar a sua dignidade pessoal, não se coibindo de assim atuar na residência desta e apesar de a vítima ser sua esposa e ser mãe dos seus filhos e, como tal, lhe merecer especial respeito.
23. O arguido quis causar dor e sofrimento à ofendida, humilhando-a e desprezando-a como ser humano.
24. O arguido quis com as condutas descritas intimidar EE, FF, GG, HH e II, e provocar-lhes receio de virem a sofrer atos atentatórios da sua integridade física e vida, bem sabendo que essas suas condutas eram adequadas a causar-lhes tal receio, como efetivamente causaram.
25. O arguido conhecia as caraterísticas da arma de fogo, sabia que não poderia deter a referida arma por não possuir em seu nome a respetiva licença, registo e manifesto e não estar legalmente autorizado a detê-la e, não obstante, quis detê-la nas circunstâncias descritas.
26. Acresce que o arguido era conhecedor da natureza e características do machado, bem sabendo que não o podia deter naquelas circunstâncias e que o mesmo era idóneo, a ser utilizado e a causar graves lesões físicas ou a criar risco para a vida, como era o seu propósito.
27. Mais sabia que, ao utilizar as referidas armas na prática dos factos, mais grave e censurável era a sua conduta.
28. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou que:
29. O Arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.
Quanto à situação económica, social, profissional e familiar do Arguido:
30. O Arguido é funcionário de uma serração, encontrando-se, desde 2022, incapacitado para o trabalho no seguimento de uma cirurgia à coluna (hérnias).
31. Tem o 4.º ano de escolaridade.
32. Limitado nas suas rotinas diárias e vivenciando um período de maior inatividade, o arguido aumentou o consumo de bebidas alcoólicas.
33. Ademais, já vinha o arguido sofrendo de perturbação psiquiátrica do foro ansio depressivo há mais de vinte anos, efetuando toma de medicação diária.
34. Atualmente o Arguido reside em casa de um filho e respetivo agregado familiar, em ..., situação que mantém até atualmente. Deste agregado fazem parte o filho (encarregado fabril e prestador de serviços de carpintaria), a nora (educadora de infância) e dois netos menores, de doze e quatro anos de idade.
35. Habitam uma moradia titulada pelo filho e pela nora do arguido, que regularizam mensalmente uma prestação de crédito à habitação que ronda os duzentos euros mensais. As despesas para consumos domésticos rondam os cento e cinquenta euros.
36. O arguido beneficia de subsídio de apoio à doença (no valor aproximado de quatrocentos e cinquenta euros) e comparticipa a sustentabilidade financeira do agregado, fornecendo géneros alimentares semanais.
37. Na moradia o arguido reside no andar inferior, tipo estúdio, com alguma independência relativamente aos restantes espaços habitacionais.
38. Além de consultas de psicologia, o arguido comparece a consultas de medicina geral e enfermagem e encontra-se sujeito a plano farmacológico que inclui medicação psiquiátrica e que cumpre regularmente.
39. Em agosto de 2023, AA foi submetido a uma segunda cirurgia à coluna, da qual se encontra em recuperação. Tem vindo, recentemente, a efetuar tratamentos de fisioterapia, mantendo-se incapacitado para o exercício profissional.
40. Não obstante, o arguido é autónomo e independente, tendo preservado a capacidade de conduzir. Desloca-se com frequência aos campos e terrenos para efetuar algumas tarefas, adequadas à sua capacidade física.
Quanto aos antecedentes criminais:
41. O Arguido não tem antecedentes criminais.
1.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados
1.3. Motivação da decisão da matéria de facto
A consideração da factualidade supra referida como provada resulta das declarações confessórias do Arguido, bem como das suas restantes declarações e da demais prova documental junta aos autos.
Concretizando, a afirmação da realidade dos factos imputados (factos 1 a 28) assenta, essencialmente, na confissão livre, integral e sem reservas do Arguido, que assumiu os factos que lhe são imputados, conjugada com a certidão de casamento de fls. 79 e certidões de nascimento de fls. 281 a 284 (que permitiram assentar o facto 1), os relatórios dos exames periciais realizados pelo INML, constantes de fls.33 e 167 dos quais decorrem as lesões da ofendida e o relatório do episódio de urgência de fls.37 a 38 (que, conjugados, permitiram assentar os factos 7, 8 e 10). Especificamente quanto aos factos 11, 14 e 20, o Tribunal valorou ainda o auto de apreensão de fls.125, o relatório da PSP de fls.186, relativo à análise da arma apreendida e, ainda, a informação de fls.39, da qual decorre que o Arguido não tem armas registadas nem licenciamentos em seu nome.
No que concerne às suas condições sociais, económicas, profissionais e familiares, O Tribunal alicerçou-se no relatório social junto aos autos a 29/01/2024 e nas declarações do Arguido prestadas em audiência, que, pena espontaneidade e sinceridade que se afigurou que encerravam, foram acolhidas pelo Tribunal.
A ausência de antecedentes criminais resultou da análise do CRC junto aos autos, constante de fls.306.
2. DO DIREITO
2.1. Enquadramento jurídico-penal
Face aos factos apurados, impõe-se agora proceder à subsunção daquela factualidade ao direito.
Do crime de violência doméstica
Nos presentes autos é imputada ao Arguido a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) e c), n.º 4 e 5, do Código Penal e pelo artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/06, de 23 de fevereiro.
Nos termos do artigo 152.º, n.º1, do Código Penal, comete o crime de violência doméstica “quemde modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comum: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;”
Além disto, o crime de violência doméstica torna-se agravado, o que altera a moldura penal aplicável ao crime, sempre que o Arguido “a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;” (cf. artigo 152.º, n.º2, do Código Penal) e, ainda, sempre que o crime seja cometido com arma, conforme dispõe o artigo 86.º, n.º3, da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
O aprofundamento da consciência social e do despertar para a realidade, gravidade e frequência das situações de violência levada a cabo entre cônjuges, ex-cônjuges, namorados ou casais que residam em condições análogas às dos cônjuges é fruto da exposição e da discussão de que são objeto, na sociedade atual, pautada por valores já muito distantes daqueles que regiam a sociedade tradicional, onde a violência perpetrada no seio da família era normalizada e quotidiana. Cada vez mais se debate e se combate aquele que é tido como um dos grandes flagelos da atualidade, atuais não por serem um fenómeno recente, mas por só agora serem mais facilmente denunciados, e assim, conhecidos. A proliferação de campanha, a frequente adoção de medidas legislativas tendentes a facilitar a localização destas situações e o aumento da rede de proteção das vítimas são alguns dos fatores que contribuem para a exposição das diferentes situações.
Foi com base no progressiva consciencialização da dimensão da violência doméstica em Portugal e no mundo que o legislador despertou para a necessidade de se atacar de forma mais incisiva a lacuna legislativa que se vivia antes de 2007 e autonomizou o crime de que ora o Arguido vem acusado.
A violência doméstica é definida, pela Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica como abrangendo “todos os atos de violência física, sexual, psicológica ou económica que ocorrem na família ou na unidade doméstica, ou entre cônjuges ou ex -cônjuges, ou entre companheiros ou ex- -companheiros, quer o agressor coabite ou tenha coabitado, ou não, com a vítima; - cf. artigo 3.º, alínea b), do referido diploma internacional, vigente no ordenamento jurídico português por força do artigo 8.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa.
Com a incriminação da violência doméstica o legislador português procurou tutelar um bem jurídico complexo, composto pela saúde, pela integridade física e psíquica, pela liberdade pessoal, pela liberdade e a autodeterminação sexual e pela honra, como manifestações que são da dignidade humana.
Quanto às suas classificações principais pode qualificar-se este tipo de ilícito como um crime de específico, uma vez que pressupõe uma especial relação com a vítima, um crime de resultado, atendendo a que o tipo incriminador reclama a produção de um evento como consequência da atividade do agente, e como um crime de dano, por se consumar com a efetiva lesão dos bens jurídicos protegidos. Quanto a esta última classificação, PINTO DE ALBUQUERQUE, faz, contudo, uma ressalva, dizendo que “a ressalva é: o crime de violência doméstica na modalidade de ofensas sexuais é um crime de mera atividade, e, portanto, não lhe é aplicável a teoria da adequação do resultado à conduta” (PINTO DE ALBUQUERQUE, p.591).
O tipo objetivo do crime de violência doméstica é preenchido com uma ou várias condutas de entre as previstas na lei e que podem assumir as mais diferentes formas. Desde logo, são abrangidas pelo tipo legal as agressões físicas, traduzidas, essencialmente, naquilo que normalmente é atribuído ao crime de ofensas à integridade física, ou seja, condutas destinadas a atingir o corpo e a saúde de outrem. Por outro, abrange-se ainda as agressões sexuais, assentes na prática de atos que limitem a liberdade e a autodeterminação sexual da outra pessoa através, designadamente, do constrangimento a atos sexuais ou da prática dos mesmos sem consentimento. Relevam também as agressões psíquicas atinentes à afetação psicológica de outrem, que se desdobram num sem número de comportamentos como a humilhação, a desvalorização, a provocação de insegurança e de temor, a contribuição para a diminuição da auto-estima, a insistência, a manipulação, o controlo das atividades diárias e a aniquilação da liberdade. Este último comportamento, além de ser suscetível de consubstanciar uma agressão psicológica, serve, por si só, como elemento objetivo do crime, conquanto a limitação da liberdade é uma das condutas tipificadas que integram, de forma direta o tipo legal de crime.
No entanto, apesar do que se deixa dito, importa sublinhar que não é a “simples” ofensa à integridade física ou psíquica ou a “simples” ameaça que, repetindo-se muitas vezes e de forma conjugada fazem verificar a violência doméstica. Isto porque do quadro factual tem de ser possível retirar que a prática daqueles atos, consubstanciadores de ofensas, ameaças ou outros, afetou a dignidade da pessoa contra quem eles são praticados. Todas as condutas que preenchem o tipo objetivo do crime são idóneas a afetar a dignidade da pessoa contra quem elas são perpetradas. No fundo, aquilo que se exige para a verificação do crime, e que o distingue dos diferentes tipos que também o integrem e que por ele são consumidos, é que as situações em causa “evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto de perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima” – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/09/2011.
Outro elemento do tipo objetivo está relacionado com a própria vítima, uma vez que o crime pressupõe que o agente tenha com ela uma especial relação. O tipo de relações que é abrangido pelo crime de violência doméstica tem vindo a ser alargado ao longo do tempo, sendo inicialmente contemplados (ainda quando se encontrava consumido no crime de maus tratos) os cônjuges ou casais que vivam em condições análogas, tendo depois, com a autonomização do crime de violência doméstica, sido incluídos o ex-cônjuge e o progenitor de descendente comum, e, em 2013, as pessoas que mantenham uma relação de namoro. Pode, ainda, ser vítima deste crime a “pessoa particularmente indefesa” – cf. alínea d) do n.º1, do artigo 152.º, do Código Penal -, tendo a Lei 57/2021, que alterou o Código Penal destacado desse conceito o “menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c)” – cf. alínea e), do n.º1, do artigo 152.º, do Código Penal. Daqui resulta que o sujeito passivo deste ilício penal terá, com o agente, uma das relações a que aludem as alíneas do n.º1, do artigo 152.º, do Código Penal.
Por fim importaria realçar que, para a configuração do crime em causa, que o legislador não exigiu que as condutas típicas do crime tenham carácter reiterado. Na verdade, tais comportamentos podem assumir uma gravidade tal que a sua consumação, pela intensidade da atuação, se verifica com uma única conduta. No entanto, é frequente que este tipo de ilícito se apresente com um carácter reiterado e continuado sendo essa reiteração que produz a ofensa da dignidade da vítima.
O elemento subjetivo deste tipo legal assenta na verificação do dolo, em qualquer uma das suas modalidades – cf. artigo 14.º, do Código Penal - circunscrevendo-se ao conhecimento e à representação correta dos elementos objetivos do tipo e à vontade de os realizar. Com efeito, deve o agente conhecer a identidade da vítima, representando a relação que ambos mantêm ao mesmo tempo que represente e quer a prática dos factos contra a mesma. Transpondo todas estas consideraçõespara o caso dos autos e procurando descortinar se a factualidade é enquadrável no que se deixou dito, começa-se pela análise do elemento objetivo relativo à especial relação entre o agente e a vítima.
Como ficou demonstrado, o Arguido e a ofendida são casados sendo tal situação é subsumível à hipótese prevista na alínea a) pelo que se encontra verificada a relação exigida pelo tipo legal. Além disso, têm descendentes comuns, o que preenche igualmente a relação prevista na alínea c) do preceito.
Examinando, agora, na perspetiva do preenchimento dos restantes elementos do tipo objetivo, as diferentes condutas adotadas pelo Arguido durante esse período, é possível agrupá-las em diferentes segmentos.
Em primeiro lugar, realçam-se as expressões injuriosas, proferidas quase diariamente pelo Arguido à ofendida, apelidando-a de “puta”, “badalhoca” e “vaca”, e dizendo-lhe “puta, roubas-me o dinheiro, não vales nada”.
Em seguida, realçam-se as ameaças proferidas, onde o Arguido disse à ofendida que a mataria, exibindo-lhe um machado, numa das vezes, e uma espingarda, condutas aptas a fazer a ofendida recear que as ameaças se consumassem.
Ora, a atitude ameaçadora e a utilização de expressões injuriosas e ofensivas da honra e consideração da ofendida, afetam, naturalmente, o equilíbrio psicológico, são suscetíveis de causar sentimentos de vergonha, humilhação e inculcam numa degradação da dignidade da pessoa, que se diminui perante cada um dos insultos que ouve e que vê a sua liberdade limitada perante as ameaças. Como tal, tem de se concluir que estas condutas consubstanciam agressões psíquicas e por isso são subsumíveis ao tipo objetivo do crime, na vertente dos maus tratos psíquicos e das privações da liberdade.
Além destes comportamentos, destacam-se, ainda, os empurrões quase diários e, ainda, mais duas agressões físicas que assumiram uma gravidade mais elevada, a saber, uma cabeçada que levou a que a ofendida tivesse de ser assistida no Serviço de Urgência e um pontapé na tigela que esta segurava, o que provocou a sua queda.
Estas condutas consubstanciam ofensas à integridade física e, por isso, também integram o tipo objetivo do ilícito.
Conjugando estes segmentos e todos os comportamentos que os integram, é possível concluir que o quadro factual em que são praticados evidenciam uma degradação da dignidade da ofendida, um enfraquecimento da sua posição como ser humano individual e livre, que se vê subjugada e exposta a repetidos comportamentos humilhantes e ofensivos. E é, em virtude desta afetação da dignidade da ofendida que as ofensas físicas e psíquicas, à sua honra e a limitação da sua liberdade, podem ser subsumidas ao crime em causa e permitem assim, a conclusão de que se encontra preenchido o tipo objetivo do ilícito.
Quanto ao elemento subjetivo em causa, o Arguido quis infligir e infligiu maus tratos físicos e psíquicos à ofendida, agindo com intenção de lhe molestar o corpo, de perturbar o seu equilíbrio emocional e de a amedrontar, o que fez, bem sabendo e conhecendo a relação que com ela estabelecia. Como tal, também o tipo subjetivo está preenchido.
Assim, encontram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito.
Note-se que também se verifica o fator agravante do ilícito, previsto no artigo 86.º, n.º3, da Lei 5/2006 de 23/02, porquanto, por duas vezes, o Arguido utilizou armas no cometimento deste crime (armas que não podia deter nos termos da referida lei e conforme se analisará infra), o que significa que a moldura penal aplicável ao caso será dada pelo agravamento previsto no mencionado preceito legal. Não sendo o uso de arma elemento típico do crime de violência doméstica, apenas funcionará como fator agravante da pena aplicável ao ilícito pelo que apenas será tido em consideração no momento seguinte, de determinação da pena concreta.
Por tudo considerado, atendendo a que não se apuraram causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa do arguido, conclui-se que o Arguido praticou o crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º1, alínea a) do Código Penal. Do(s) crime(s) de ameaça agravada
De harmonia com o disposto no artigo 153.º, do Código Penal, comete o crime de ameaça “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
A incriminação desta conduta visa tutelar, como bem jurídico, a liberdade de decisão e de realização da vontade, a liberdade de ação. Subjacente a esta proteção está a ideia de que a insegurança provocada por uma ameaça afeta, necessária e consequentemente, a liberdade de atuação, por determinar a adoção de comportamentos que não o seriam não fosse o sentimento de intranquilidade experienciado.
Sem prejuízo, o legislador procurou, no crime de ameaça, alcançar o ponto de equilíbrio entre a salvaguarda deste bem jurídico e o interesse em não limitar excessivamente a liberdade de ação de terceiros, de modo a que “não caia numa numa excessiva criminalização de condutas que, apesar de afetarem, em alguma medida, a liberdade individual, são socialmente inevitáveis” (cf. AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Comentário Conimbricense, Tomo I, Coimbra Editora, 1998, p.341). Este equilíbrio entre os dois interesses manifesta-se na opção legislativa de considerar que não é a ameaça com um qualquer mal que integra o ilícito, nem mesmo a ameaça de um mal importante (como no crime de coação), mas tão só a ameaça de um mal que constitua um crime.
O tipo objetivo do crime de ameaça é preenchido pela “comunicação de uma mensagem a um destinatário com um significado da prática futura de um mal ao destinatário ou a um terceiro” (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p.601).
Daqui decorre que a mensagem comunicada deve revestir-se de três características essenciais: ameaça de um mal (mal esse que tem necessariamente de constituir a prática de um crime); futuro (a ameaça da prática de um ato iminente não é ameaça mas sim já um ato de execução do respetivo mal); que dependa da vontade do agente (não constitui ameaça a comunicação da intenção de um terceiro, alheio aos dois sujeitos, de prejudicar um deles).
Além disto, é elemento do tipo objetivo do crime a verificação da adequação daquela mensagem a provocar medo, inquietação, intranquilidade ou insegurança. Este critério deve ser aferido numa perspetiva de potencialidade daquelas palavras ou atos de influenciarem negativamente o seu destinatário, não se exigindo que, efetivamente, o ameaçado tenha experienciado algum daqueles sentimentos ou que tenha ficado, de facto, afetado na sua liberdade (neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob.cit. e CASTELA RIO e MIGUEZ GARCIA, Código Penal – Parte Geral e Parte Especial, com notas e comentários, 2ª edição, Almedina, 2015, p. 664).
O tipo subjetivo circunscreve-se ao dolo traduzido na representação e no conhecimento dos elementos objetivos do tipo e na vontade de os realizar, sendo certo que se admite o dolo em qualquer uma das suas modalidades plasmadas no artigo 14.º, do Código Penal. Sublinhe-se, contudo, que é irrelevante que o agente tenha efetiva intenção de concretizar o mal com o qual ameaça.
Importaria ainda referir que quando a ameaça seja realizada com determinadas especificidades, elencadas no artigo 155.º, do Código Penal, a moldura aplicável ao crime de ameaça é agravada. Com relevância para o caso dos autos, autonomiza-se o disposto na alínea a), do mencionado preceito, que determina o agravamento do crime de ameaça quando for realizado “Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos”.
Transpondo estas considerações para o caso concreto verifica-se que o Arguido se dirigiu a EE, FF, GG, HH e II, dizendo que os matava. Esta afirmação configura a comunicação de uma mensagem que contém a ameaça de um mal que constitui a prática de um crime de homicídio, pelo que se encontra verificada a primeira característica acima elencada quanto ao crime de ameaça.
No que concerne à exigência de que o mal ameaçado seja o mal futuro, impõe-se tecer algumas considerações, uma vez que a defesa propugnou pela tese de que este crime não foi cometido por lhe faltarem algumas características.
Como se disse, o mal futuro opõe-se ao mal iminente. Não comete o crime de ameaça quem ameaça com um mal iminente pois, nesse caso, aquilo que se verifica é já um ato de execução daquilo que o agente comunica que irá realizar.
No caso sub judice, inexistem elementos factuais que permitam ao Tribunal afirmar que a comunicação feita pelo Arguido é já um ato de execução e que, por isso, deve ser configurada como uma tentativa e não como um crime de ameaça. Sem essa contextualização não é possível ter este mal ameaçado como um mal iminente e afastar a prática do crime de ameaça. Assim decidiu, aliás, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2/06/2021, proferido no processo 163/18.9T9CNF.C, onde se sumariou que “Estaremos perante mal futuro, indispensável à ocorrência do crime de ameaça, sempre que nada – na descrição factual – permita assentar numa execução iminente, ou seja, desde que não se assista já à “tentativa”, tal como configurada no artigo 22.º do CP. II – O vocábulo “mato-te”, surgindo, nas circunstâncias ocorridas, desgarrada de conduta reveladora de iminência de ação (mal anunciado), deve ser entendido como projetando uma intenção futura da prática de um mal”.
Deste modo, seguindo o referido entendimento, com o qual se concorda inteiramente, tem de concluir-se que se encontra preenchida a segunda característica já apontada deste crime, e que o mal ameaçado é um mal futuro.
Por fim, a concretização dessa ameaça depende da vontade do Arguido e é, ainda, adequada a provocar medo e inquietação, principalmente considerando que o Arguido se encontrava com uma espingarda de tiro a tiro.
Acresce que o mal com que o Arguido ameaça constitui a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos (cf. artigo 131.º, do Código Penal) pelo que se verifica o preenchimento dos elementos objetivos do tipo fundamental do crime e, ainda, da agravação prevista no artigo 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal.
Por fim, verificou-se ainda que o Arguido agiu livremente ao proferir esta expressão, querendo intimidar e provocar receio nas pessoas a quem a dirigiu, o que sabia ser suscetível de causar de medo, e que não o inibiu de, ainda assim, a proferir.
De referir, ainda, que o Arguido preencheu estes elementos objetivos e subjetivos do crime relativamente a cinco pessoas distintas, EE, FF, GG, HH e II. Ora, considerando que a unidade ou pluralidade de infrações deve ser determinada pelo número de tipos legais de crime violados com a conduta ou pelo número de vezes que o agente viola o mesmo tipo legal de crime (cf. artigo 30.º, n.º1, do Código Penal), tem de se concluir que o Arguido praticou 5 crimes de ameaça agravada. Assim é, pois, com a sua conduta, o Arguido ofendeu por 5 vezes o bem jurídico protegido pela norma. Ofendeu a liberdade de ação de EE, de FF, de GG, de HH e de II e por isso, praticou 5 (cinco) crimes, em concurso efetivo. A este propósito, veja-se o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/02/2017, proferido no processo 696/16.1PSLSB.L1-3 que concluiu que “Se com a conduta empreendida, no crime de injúria, o arguido se dirige a duas pessoas, ofendeu por duas vezes o bem jurídico protegido pela norma- a honra e consideração de que goza cada pessoa- incorrendo na prática de dois crimes em concurso efectivo (homogéneo)”.
Assim, por todo o exposto, não se tendo apurado causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa do Arguido, e considerando que a sua conduta preenche quer os elementos objetivos quer subjetivos do tipo legal de crime agravado, conclui-se que o Arguido praticou, em concurso efetivo, 5 (cinco) crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º, alínea a), do Código Penal.
Do crime de detenção de arma proibida
Vem o arguido acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.ºs 1, alíneas c) e d), e 2, por referência ao 2.º, n.º 1, alíneas s), ar), e aj), 3.º, n.º 6, alínea c), e 3.º, n.º 2, alínea ab), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (RJAM).
Comete tal crime “quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objeto, arma de fogo fabricada sem autorização ou arma de fogo transformada ou modificada, bem como as armas previstas nas alíneas ae) a ai) do n.º 2 do artigo 3; d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, º”
O crime de detenção de arma proibida é um crime de perigo comum e abstrato, pois as condutas que contempla não carecem de lesar, de forma direta e imediata, qualquer bem jurídico, bastando a probabilidade de ocorrência de um dano contra um objeto indeterminado.
O bem jurídico protegido é a segurança da comunidade face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas, de forma a evitar perturbação da ordem e segurança públicas, atentando particularmente contra a vida e a integridade física (cf. Anotação ao artigo 275.°, Comentário Conimbricense, Tomo II, 891).
Em conformidade com a orientação da Directiva n.º 91/477/CEE, de 18 de Junho de 1991, o legislador nacional classificou as armas por classes, de A a G, em função do seu grau de perigosidade, do fim a que se destinam e do tipo de utilização que lhes é permitido.
O preenchimento do tipo objetivo do ilícito verifica-se sempre que o agente, sem para isso estar autorizado, fora das condições ou em contrário das prescrições da autoridade competente, adotar uma das condutas tipificadas no artigo, relativamente a uma das armas ali elencadas. Daqui resulta que, como um verdadeiro crime de perigo que é, o tipo objetivo se preenche com a mera detenção daquele tipo de arma em concreto sem que para isso esteja autorizado.
A estrutura subjetiva do crime circunscreve-se ao conhecimento e à representação correta dos elementos objetivos do tipo e à vontade de os realizar, sendo o mesmo preenchido pela atuação dolosa da conduta, em qualquer uma das suas modalidades.
Deste modo, impõe-se analisar, em primeiro lugar, se os objetos em causa integram algum tipo de armas previsto no artigo 86º, da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
Foi encontrado na casa do Arguido “uma arma de fogo longa, espingarda de tiro a tiro, sem depósito ou carregador, de dois canos de alma lisa, sem número, com 72 cm de comprimento, com coronha em madeira, com carregamento e comprimento total de 117 cm”.
De acordo com o artigo 2.º, n.º1 da Lei 5/2006 “Arma de fogo longa” é “qualquer arma de fogo com exclusão das armas de fogo curtas” (alínea s)), “Arma de tiro a tiro” é definida como “a arma de fogo sem depósito ou carregador, de um ou mais canos, que é carregada mediante a introdução manual de uma munição em cada câmara ou câmaras ou em compartimento situado à entrada destas” (alínea aj)) e “Espingarda” define-se como “a arma de fogo longa com cano de alma lisa” (alínea ar)).
Considerando estes conceitos, é possível verificar que a referida arma pertence à categoria D, conforme estabelece o artigo 3.º, n.º6, da Lei 5/2006.
Ora, sendo uma arma desta categoria, integra a proibição de detenção prevista no artigo 86.º, n.º1, alínea c), do já mencionado diploma.
Além desta arma, foi também encontrado um machado com cabo de madeira de 1 metro de comprimento.
De acordo com o artigo 2.º, n.º1 alínea m), da Lei 5/2006 este objeto que é qualificado como uma “arma branca”. Com efeito, o mencionado preceito esclarece que “«Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento superior a 10 cm, as facas borboleta, as facas de abertura automática ou de ponta e mola, as facas de arremesso, as estrelas de lançar ou equiparadas, os cardsharp ou cartões com lâmina dissimulada, os estiletes e todos os objetos destinados a lançar lâminas, flechas ou virotões”.
Ora, analisada a factualidade concreta, constata-se que as características apuradas do machado cingem-se ao seu comprimento (1m), não constando dos factos provados o comprimento da lâmina.
Como tal, não é possível fazer subsumir o machado apreendido ao conceito de arma previsto no artigo 2.º, n.º1, alínea m), da Lei 5/2006, pelo que apenas se pode concluir que o Arguido detinha uma única arma, a saber, a espingarda.
Estando assente que o referido objeto – espingarda - integra a proibição prevista no mencionado artigo 86.º, do diploma, importa referir que o n.º2 do artigo 86.º, estabelece que “A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.”
A detenção da espingarda carece de registo ou manifestação, nos termos do artigo 8.º e 12.º do diploma. Conforme resulta da factualidade provada, o Arguido não é titular de qualquer licença (cf. facto provado 20).
Face ao exposto, conclui-se que o Arguido preencheu o tipo objetivo do ilícito com a detenção daquela arma proibida – espingarda. Além disso, o Arguido agiu com a intenção de deter a arma que sabia não poder manter, sem licença e sem qualquer justificação para o efeito.
Sem prejuízo, é de referir que, ainda que se entendesse que o machado detido pelo Arguido constitui uma arma proibida para efeitos da prática do crime de que vem acusado, a conclusão não seria distinta da que agora se alcançou, pois, ainda que o Arguido possuísse duas armas de natureza diversa, estaria em causa a prática de um só crime, pois há, somente uma unidade resolutiva criminosa e uma identidade do bem jurídico protegido. “Considerando o disposto no artigo 30° do Código Penal, o número de armas e lote de munições detidas pelo arguido não pode constituir o critério determinante para a contabilização do número de crimes de detenção de arma proibida, uma vez que não podemos afirmar mais que uma resolução criminosa, cuja conduta deverá, por isso, apenas integrar um único crime de detenção ilegal de armas, por apenas ser susceptível de um juízo de censura” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/11/2019, proferido no processo 100/18.0PCPDL.L1-5). Deste modo, tendo em conta que o bem jurídico protegido é o mesmo, que não se apura uma pluralidade de resoluções criminosas não podia deixar de se afirmar que existe apenas um crime – o de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º1, alínea c), do diploma – que se encontraria em concurso aparente com o mesmo crime, punido pela alínea d) daquele preceito legal, que com ele se encontra numa relação de especialidade.
De todo o modo, apenas se pode afirmar a prática do crime de detenção de arma proibida por força da detenção da espingarda referida no facto 14.
Por conseguinte, considerando que não se apuraram causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa do Arguido, e que a sua conduta preenche quer os elementos objetivos quer subjetivos do tipo legal de crime, conclui-se que o Arguido praticou o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.ºs 1, alíneas c) e 2, por referência ao 2.º, n.º 1, alíneas s), ar), e aj), 3.º, n.º 6, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
2.2. Da determinação da pena concreta
Feito o enquadramento jurídico-penal das condutas em causa, importa agora proceder à determinação da espécie e da medida da reação penal a aplicar ao Arguido. 2.2.1. Da escolha da espécie da pena (do crime de detenção de arma proibida)
O crime de ameaça agravada e de detenção de arma proibida é punível com pena de prisão ou multa, conforme se retira do disposto no artigo 86.º, n.º1, alínea d), da Lei 5/2006.
A previsão alternativa das duas penas impõe como primeira operação no processo de determinação da medida da pena a escolha da sua espécie.
Nos termos do artigo 70.º, do Código Penal, o Tribunal, perante uma situação destas, deve dar prevalência às medidas não privativas da liberdade se estas forem suscetíveis de “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Assim, perante o comando do legislador, e de acordo com o princípio da intervenção mínima e com a consideração de que a pena de prisão deve ser uma reação de última ratio, só aplicável quando outras se revelem inadequadas a responder às exigências de prevenção, importa determinar se a aplicação de uma pena de multa, no caso concreto, poderá ainda efetivar a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente, ou seja, os fins visados pela aplicação das penas, diretamente relacionados com a concretização de exigências de prevenção geral e de prevenção especial positiva referidos pelo artigo 40.º do Código Penal.
No caso concreto, apesar do número de crimes que o Arguido praticou, sendo que, 5 deles praticou com uma só ação (os crimes de ameaça), afigura-se, perante à ausência de quaisquer antecedentes criminais do Arguido, que é ainda verosímil que a aplicação de uma pena de multa tenha a virtualidade de o sensibilizar e de o fazer interiorizar o desvalor da sua conduta, prevenindo-se o cometimento de novos crimes e assegurando a tutela dos bens jurídicos ao mesmo tempo que se evita a reclusão e os efeitos prejudiciais que a mesma representa em termos de ressocialização.
Na verdade, ponderadas as penas que terão de ser aplicadas no caso concreto, afigura-se que a aplicação de uma pena de prisão (relativa ao crime de violência doméstica, ainda que venha a ser substituída) e de penas de multa relativas aos crimes que a admitem realiza de forma adequada as exigências de prevenção especial.
A própria confissão do Arguido dos factos demonstra isso mesmo pois traduz uma responsabilização e consciencialização que torna possível o juízo de adequação e suficiência da pena de multa no caso concreto.
Assim, quanto ao crime de detenção de arma proibida e aos crimes de ameaça agravada o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa. 2.2.2. Da determinação da medida concreta da pena
A moldura penal aplicável ao crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) Código Penal, tem como limite mínimo 1 ano de prisão e o limite máximo de 5 anos de prisão.
No entanto, este crime foi cometido com a utilização de uma arma pelo que os limites mínimos e máximos terão de ser agravados de 1/3 – cf. artigo 86.º, n.º3, da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro.
Assim, a moldura concreta aplicável será de 1 ano e 4 meses a 6 anos e 8 meses.
Quanto ao crime de ameaça agravado, a moldura da pena de multa vai de 10 a 240 dias de multa em conformidade com os artigos 47.º, n.º1, 153.º n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida, a moldura da pena de multa vai de 10 a 600 dias de multa (cf. artigo 41.º, do Código Penal e 86.º, n.º1, alínea c) da Lei 5/2006).
Para a determinação da medida concreta de cada uma das penas, é de referir que a primeira operação atinente a achar o quantum da pena a aplicar é idêntica para a determinação da pena de prisão e da pena de multa.
É que, para a determinação da medida concreta da pena de multa, o legislador português, inspirado no modelo escandinavo, acolheu o sistema dos dias de multa. Este sistema, assenta na realização de duas operações sucessivas às quais presidirão critérios distintos. Num primeiro momento, o julgador será chamado a determinar o número de dias de multa, convocando os mesmos critérios que utiliza na determinação da pena de prisão pressupostos pelo artigo 71.º, do Código Penal. Num segundo momento, terá que ser fixada, dentro dos limites legais, o quantitativo de cada dia de multa, atendendo já não a critérios de prevenção e de culpa do agente mas sim à sua situação económico-financeira e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º, n.º1 e n.º2, do Código Penal
Assim, a determinação da medida concreta da pena deve ser feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, conforme dispõe o artigo 71.º n.º1, do Código Penal. Estes critérios deverão ser, igualmente, atendidos para a primeira operação do processo de determinação da pena de multa.
A referência à culpa terá de ser conjugada com a imposição de que a pena não ultrapasse, em caso algum, a medida da culpa – cf. artigo 40.º n.º2, do Código Penal-, enquanto que a referência a que se atendam às exigências de prevenção traduz a necessidade de reafirmação contrafáctica da norma violada junto da comunidade.
A culpa e a prevenção funcionarão assim, como os dois vetores que oferecem os limites dentro dos quais deve ser achado o quantum da condenação, e que sempre terá de ser determinado com vista à realização das finalidades da punição, correspondendo o ponto dado pela culpa o limite máximo inultrapassável e sendo o limite mínimo desta operação dado pelo quantum da pena, imprescindível para a tutela dos bens jurídicos e para a estabilização da crença comunitária na norma violada, isto é, pelo limite abaixo do qual já não é suportável a fixação de uma pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função.
Dentro destes limites atuam os pontos de vista de prevenção especial positiva, virados para a ressocialização do agente e para a necessidade desta que serão os que determinarão, em último termo, a medida da pena.
No que concerne às exigências de prevenção geral, os crimes em causa apresentam graus diferentes de exigência. Em primeiro lugar importa sublinhar as elevadíssimas exigências de prevenção geral que o crime de violência doméstica convoca atendendo à incessante verificação e proliferação de situações de violência doméstica, um crime que se aproveita da intimidade conferida pela natureza da relação estabelecida entre o agente e a vítima e pelas 4 paredes onde a mesma se desenrola e onde, normalmente, o crime é perpetrado. Esse circunstancialismo específico, que permite que estas situações ocorram com absoluto desconhecimento da comunidade, favorece a sua perpetuação e, consequentemente, desfechos, muitas vezes, gravíssimos. Daí que a punição da violência doméstica deva sempre levar em conta a necessidade gritante de reafirmar a validade da norma violada e de tutelar os bens jurídicos que este crime ofende.
Quanto às exigências de prevenção geral atinentes ao crime de ameaça agravada, são acentuadas, quer pela facilidade com que este crime perpetrado, o que impulsiona a sua frequência, quer pela leviandade com que o mesmo é perspetivado pelos agentes que o cometem.
Por fim, também as exigências de prevenção geral quanto ao crime de detenção de arma proibida são elevadas, face à frequência e à difícil interseção da sua prática por as armas se encontrarem frequentemente escondidas.
Quanto à culpa, determinante do limite máximo inultrapassável, está assente que o Arguido agiu com dolo direito, a forma mais grave da culpa, tendo atuado livre e conscientemente em todas as suas condutas e sendo, por isso, legítimo exigir-lhe que tivesse agido de outra forma.
No que concerne às exigências de prevenção especial, verifica-se que o Arguido, não apresenta elevadas necessidades de intervenção no âmbito da prevenção da prática de novos crimes, face aos seus antecedentes criminais e às suas circunstâncias pessoais.
Devem, agora, apurar-se, no caso concreto, as circunstâncias do complexo integral do facto que possam contribuir para a concretização das mencionadas culpa e prevenção. Para esta operação, devem ser consideradas as circunstâncias concretas que possam militar contra ou a favor do arguido e que não integrem já o tipo de ilícito (de forma a respeitar o princípio da proibição da dupla valoração), tendo o legislador auxiliado o julgador através de uma concretização exemplificativa de alguns elementos que podem ser tidos em consideração – cf. artigo 71.º, n.º2, do Código Penal.
O grau de ilicitude da conduta do Arguido integradora do crime de violência doméstica é alto, atendendo ao período de tempo em que atuou (com sucessivas injurias e empurrões desde o início do relacionamento) e ao conteúdo das condutas autonomizadas, a cabeçada e o pontapé que fez a ofendida cair, bem como as ameaças que lhe dirigiu, socorrendo-se de um machado e de uma espingarda para as tornar mais robustas e com maior aptidão para atemorizar a ofendida. O modo de execução reiterado e persistente na prática do crime agrava igualmente o juízo de censura dirigido.
São também de convocar, em desfavor do Arguido, as consequências das suas condutas, que levaram a ofendida a ter de ser assistida no hospital e lhe causaram, numa das ocasiões, 14 dias para a cura e noutra, 7 dias para a cura, e, no mesmo passo, os sentimentos revelados no cometimento do crime, de indiferença, desrespeito, insensibilidade, menosprezo e desprezo para com a sua esposa.
Em relação ao crime de ameaça agravada pondera-se o grau de ilicitude considerável atendendo ao conteúdo da ameaça e à circunstância de o Arguido ter saído de casa com uma espingarda, antes de proferir esta ameaça. Pondera-se também a circunstância de o Arguido, com apenas uma conduta e uma expressão, ter praticado 5 crimes distintos.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida, pondera-se o grau de ilicitude médio baixo, por estar em causa uma única arma proibida.
Circunstâncias comuns a todos os crimes são a intensidade do dolo uma vez que o Arguido atuou, em todas as condutas, com dolo na sua modalidade mais intensa, o dolo direto e as circunstâncias que militam a seu favor, a saber a ausência de antecedentes criminais e, de forma muito significativa a confissão integral e sem reservas dos factos, que, atentos os factos em causa, é uma confissão relevante e revela responsabilização e interiorização do desvalor da sua conduta.
Assim, ponderados todos os fatores e as exigências de prevenção geral e especial que o caso convoca, considera-se adequado às finalidades da punição, justo proporcional e pedagógico, aplicar ao Arguido:
- Pela prática do crime de violência doméstica a pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
- Por cada um dos 5 (cinco) crimes de ameaça agravada a pena de 110 (cento e dez) dias de multa;
- Pelo crime de detenção de arma proibida 200 (duzentos) dias de multa.
Quanto à pena aplicável pela prática dos crimes de ameaça agravada e de detenção de arma proibida é necessário realizar, agora, a segunda operação integrante do processo de determinação da medida concreta da pena de multa e que se traduz na fixação do montante a que corresponderá o quantitativo diário da pena. Esta exigência legal justifica-se uma vez que o legislador procurou que a pena de multa fosse compreendida pelo arguido como uma verdadeira sanção pela conduta ilícita, o que só acontecerá se a multa for proporcional e adequada aos seus rendimentos, correndo-se o risco de uma mesma pena encerrar em si um quantum de sacrifício mais elevado para um arguido do que para outro que tivesse uma condição económica mais elevada.
O quantitativo diário fixado deve situar-se entre os limites legalmente impostos de Eur.5,00 e Eur.500,00 e para a sua determinação deve atender-se à situação económica do arguido e aos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º nº2, do Código Penal.
Das circunstâncias demonstradas relativamente à situação económica do Arguido, verifica-se que não se encontra a trabalhar em virtude da sua situação de saúde, auferindo um subsídio no valor de Eur.450,00.
Traduzindo este valor uma situação económica precária não pode olvidar-se que o limite mínimo dos Eur.5,00 (cinco euros) estão reservados para situações de indigência o que não configura o caso concreto.
Assim, afigura-se adequado à sua situação económica, e, ao mesmo tempo, à salvaguarda do caráter sacrificial da pena, a fixação do quantitativo diário em Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
Nestes termos, decide-se aplicar ao Arguido:
- Por cada um dos crimes de ameaça agravadaa pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de Eur.605,00 (seiscentos e cinco euros), por cada um dos crimes;
- Pelo crime de detenção de arma proibida, a pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de Eur.1.100,00 (mil e cem euros).
2.2.3. Do cúmulo jurídico
Encontrando-se estabelecida a condenação do Arguido pela prática de 7 (sete) crimes, todos praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer um deles, impõe-se a determinação do modo de punição deste concurso de crimes.
Esta operação depende da identidade na espécie das penas concretamente aplicáveis uma vez que, tendo sido aplicadas penas da mesma espécie, o sistema que subjaz à determinação da punição do concurso será o da pena única.
Daqui resulta que se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, esta diferente natureza mantém-se.
É o que ocorre no caso dos autos, pelo que apenas será apurada a pena única relativamente aos crimes em que foram aplicadas penas de multa.
A determinação da pena única aplicável a este concurso de crimes é realizada através do sistema do cúmulo jurídico consagrado no artigo 77.º do Código Penal.
A operação do cúmulo jurídico visa a determinação da pena única aplicável ao agente através da construção de uma moldura penal de concurso, que leva em conta as penas parcelares aplicadas, tendo como limite mínimo o correspondente à pena mais grave aplicada aos crimes que integram o concurso e como limite máximo, o correspondente à soma das penas concretamente aplicadas.
No caso concreto, a moldura dentro da qual o Tribunal irá encontrar o quantum da pena única tem como limite mínimo a pena de 200 (duzentos) dias de multa e como limite máximo 750 (setecentos e cinquenta) dias.
Fixados os limites dentro dos quais o Tribunal se irá mover, a determinação da medida da pena deve ser feita com especial apelo aos critérios relacionados com a personalidade do agente e com os factos – cf. artigo 77.º, n.º1, 2ª parte. Deste modo, impõe-se, por um lado, a avaliação da ilicitude global do facto perpetrado e, por outro, a análise quanto à caracterização dos factos como uma tendência criminosa ou como uma situação de pluriocasionalidade.
Para este efeito, importa reparar que os crimes que agora se estão a analisar foram praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo sendo, assim, na sua globalidade, a ilicitude média, revelada pelo modus operandi no cometimento do crime, quer na ameaça única proferida quanto às pessoas que ali se encontravam quer na detenção da arma em causa. Por outro lado, quanto à análise da personalidade do arguido, os elementos demonstrados nos autos inculcam na conclusão de que está em causa uma situação de pluriocasionalidade, não apresentando o Arguido aquilo que comummente se apelida de “carreira criminosa”.
Considerando todos estes elementos, afigura-se adequada a aplicação ao Arguido de uma pena única de 440 (quatrocentos e quarenta) dias de multa, ao sobredito quantitativo diário de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz uma pena de multa no valor de Eur.2.420 (dois mil quatrocentos e vinte euros).
2.3. Da substituição da pena de prisão
No processo de determinação da pena concretamente aplicável, o legislador português procurou, inspirado pela constatação das consequências negativas da pena de prisão aplicável à pequena e média criminalidade, dotar o ordenamento jurídico-criminal em matéria de consequências jurídicas do crime, de alternativas que permitam obviar aos efeitos dessocializadores da reclusão e aos eventuais efeitos criminógenos das penas de prisão, ao mesmo tempo que asseguram as finalidades da punição, realizando-as sem as pôr em causa.
Este intento é alcançado através da consagração das penas de substituição e do critério geral que lhes está subjacente: sempre que se verifiquem os pressupostos de aplicação e a pena de substituição se revele adequada às finalidades da punição então a pena de prisão deve ser substituída por uma pena não privativa da liberdade.
Destarte, aquando a aplicação de uma pena de prisão que possa, em abstrato, ser substituída, por cumprir os pressupostos formais dessa operação, impõe-se a realização de um juízo de ponderação no qual se analisará se a aplicação de uma pena de substituição, no caso concreto, satisfaz cabalmente as exigências preventivas quer de prevenção geral quer de prevenção especial que o caso convoca. Não entra para esta ponderação considerações relacionadas com a culpa do agente uma vez que a sua função se esgotou na operação antecedente, ao constituir o limite inultrapassável do quantum da pena.
No fundo, como critério, “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação” (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, pág. 331).
No caso concreto foi aplicada ao arguido uma pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Este limite admite, em abstrato, a suspensão da execução da pena de prisão (cf. artigo 50.º do Código Penal).
A suspensão da execução da pena de prisão assenta na ideia de que, em determinados casos, a simples ameaça da prisão, ou pelo menos, a ameaça da prisão integrada com a imposição de alguns deveres, pode bastar para o cumprimento das finalidades da punição ou, pelo menos, a ameaça.
Deste modo, além do requisito formal da aplicação de uma pena de prisão não superior a 5 anos, impõe-se, para a suspensão da execução da pena, que seja efetuado um juízo de prognose favorável no sentido de considerar que a simples censura do facto e a ameaça de prisão, acompanhadas ou não de outras imposições, realizam as finalidades da punição. Para a realização deste juízo devem convocar-se particularmente, além de outras exigências de prevenção, as condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao facto e verificar se, por esta via, se realizam as finalidades da punição.
No caso dos autos, considerando que o Arguido não tem averbada qualquer condenação no seu registo criminal é possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos seus comportamentos futuros e concluir pela realização das finalidades da punição. Com efeito, é expectável que será sensibilizado pela pena e que por ela seja influenciado, sendo, assim, a ameaça da pena de prisão suficiente para as exigências que o caso convoca. Além disso, todos os elementos permitem assim ao tribunal concluir que a aplicação da pena de substituição em análise exprime o desvalor ético-social da conduta do arguido.
No fundo, considera-se que a suspensão da execução da pena de prisão conduzirá o Arguido à integração na sociedade através da adoção de uma conduta fiel ao direito.
Assim, nos termos do artigo 50.º, do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão.
Sem prejuízo, quando se entenda que o juízo favorável quanto à satisfação das finalidades da punição através da suspensão da execução da pena de prisão necessita de ser condicionada, pode o Tribunal determinar que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado, de regras de conduta ou sujeita a regime de prova (cf. artigo 51.º, 52.º e 53.º do Código Penal). Caso se opte pela sujeição a regime de prova, o tribunal pode ainda impor deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado.
No caso concreto, afigura-se que a suspensão da execução da pena de prisão deve ser acompanhada de regime de prova, por se entender que o mesmo será adequado e conveniente no sentido de facilitar a reintegração do arguido no meio social.
Esse regime de prova será constituído por plano individual de readaptação e por uma assistência especializada ao arguido, que se afigura imprimir um carácter corretivo e educativo necessária à ressocialização do Arguido e que deverá ser levada em consideração na elaboração do referido plano, cuja elaboração será solicitada aos serviços da DGRSP, com as diretrizes vindas de definir, nos termos do n.º 3 do artigo 494º Código de Processo Penal, uma vez que o tribunal não dispõe, neste momento, de todos os elementos necessários à organização do referido plano.
Além do regime de prova, sujeita-se ainda o arguido, nos termos previstos no artigo 52º. n.º 3 do Código Penal, a tratamento médico de desabituação alcoólica, com coordenação da DGRPS, durante o período de suspensão de execução da pena, para a qual já prestou consentimento e, bem assim, à frequência de programas de prevenção de violência doméstica, ministrados pela DGRSP e à proibição de contactos com a Assistente.
Afigura-se que as ditas condições são, nos seus exatos contornos, razoáveis, sendo que uma suavização das mesmas seria desacreditar a própria suspensão da execução da pena de prisão e criar no espírito do arguido e na comunidade em geral, um mau sentimento de impunidade. Por outro lado, as exigências de prevenção geral e os perigos que existem, e acima apontados, demandam que o arguido sinta algum sacrifício para que de futuro manifeste cautelas, evitando a adoção de comportamentos censuráveis como aqueles em causa nestes autos. Além disso, perspetiva-se que o tratamento de desabituação alcoólica, cumpra um importante papel no processo da reintegração do Arguido.
Assim, em suma, decide-se suspender a execução da pena de prisão, subordinando a suspensão a regime de prova, nos termos do artigo 53.º, do Código Penal, que assentará em plano individual de readaptação a elaborar pela DGRSP (cf. artigo 494.º, n.º3 do Código de Processo Penal), sujeitando-se ainda o Arguido às seguintes obrigações, que se revelam com interesse na execução do plano individual de readaptação:
- Frequência de programa de prevenção de violência doméstica, ministrado pela DGRSP;
- Proibição de contactos com a Assistente;
- Sujeição, nos termos previstos no artigo 52º. n.º 3 do Código Penal, a tratamento médico de desabituação alcoólica, com coordenação da DGRPS, durante o período de suspensão de execução da pena.
2.4. Da pena acessória
O crime de violência doméstica é também punido com as penas acessórias previstas no artigo 152.º, n.º4, do Código Penal.
A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se, pelo menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime).
As penas acessórias não se apresentam como efeitos automáticos da prática do crime, tendo as mesmas de ser aplicadas por sentença, tal como a pena principal, sob pena de violação do disposto no artigo 30.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa. É certo que a pena acessória depende da pena principal, mas tem também outras preocupações dirigidas às exigências de prevenção e à culpa do agente. Como tal, a sua acessoriedade não tem a virtualidade de afastar a ponderação, quanto à determinação da medida, dos critérios dos artigos 70.º, 71.º e 40.º do Código Penal, devendo, no entanto, ter-se presente que a finalidade a atingir com esta pena é mais restrita uma vez que é dirigida a prevenir a perigosidade do agente.
A determinação da medida concreta da pena acessória é efetuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no artigo 71º do Código Penal – cf. MAIA GONÇALVES, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237. Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respetiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso.
No caso concreto, tendo o Arguido sido condenado na prática deste crime, para a situação concreta é relevante ponderar a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.
O comportamento do Arguido para com a ofendida sugere a existência de um perigo que este volte a tentar contactar a ofendida. Desse modo, conclui-se que é adequado a prevenir a perigosidade e a inibir a prática de novos crimes contra a ofendida a medida de proibição de contactos, nos termos do artigo 152.º, n.º5, do Código Penal. Ao abrigo do mesmo preceito, conjugado com o disposto no artigo 36.º n.º5 da Lei 112/2009, o cumprimento desta pena será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
A pena acessória em causa pode ser aplicada, de acordo com os critérios já referidos, entre os limites de 6 meses a 5 anos. No caso dos autos afigura-se adequada a fixação de uma pena acessória de proibição de contacto com a ofendida de 18 (dezoito) meses.
Ao abrigo do artigo 152.º, n.º5, do Código Penal conjugado com o disposto no artigo 35.º n.º1 da Lei 112/2009, o cumprimento desta pena será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, não se colhendo o consentimento previsto no artigo 36.º, n.º1, da Lei 112/2009 por se considerar imprescindível a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a proteção dos direitos da vítima (cf. artigo 35.º, n.º7 da Lei 112/2009).
Por tudo considerado, deve ser aplicada a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 18 (dezoito) meses. 3. DO ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA
Dispõe o artigo 82-A, n.º1, do Código de Processo Penal que “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham”.
A Lei 119/2009, de 16/09, que veio consagrar o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Proteção e Assistência das suas Vítimas, estabeleceu, no seu artigo 21.º e adotando uma perspetiva protetora e garantística das vítimas de violência doméstica que “À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável” e, no seu n.º2 que “Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.
Preceitua o artigo 16.º (Direito a uma decisão relativa a indemnização e a restituição de bens), do Estatuto da Vítima (EV), aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 04/09, que “1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.
De acordo com o preceituado no artigo 67.º-A, n.º 1, al. a), subalínea i), do Código de Processo Penal, considera-se «Vítima» a “pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime”.
As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, conforme estatuído no n.º 3, do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.
Nesta sequência, considera-se criminalidade violenta “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos” (cf. artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal), o que leva a concluir que o crime em causa nos presentes autos, a violência doméstica, constitui criminalidade violenta pelo que a sua vítima é sempre considerada vítima especialmente vulnerável nos termos do artigo 67.º-A, n.º3, do Código de Processo Penal.
Além disto, nos casos de violência doméstica é sempre atribuído o estatuto de vítima, nos termos do artigo 14.º, da Lei 112/2009.
Ora, da conjugação dos sobreditos preceitos legais resulta que, nos casos de violência doméstica, deve, necessariamente, ser arbitrada uma quantia pecuniária à vítima, destinada a ressarci-la dos danos que o crime lhe provocou, ainda que esta não tenha deduzido pedido de indemnização civil nesse sentido, por se presumir a existência de particulares exigências da sua proteção. Só assim não será, e como resulta do n.º2 do artigo 21.º da Lei 112/2009, quando a vítima a isso se opuser expressamente.
No caso concreto, a ofendida não se opôs ao arbitramento.
Da análise dos factos provados constata-se que o arguido ao praticar os referidos factos ilícitos, dolosos e danosos está obrigado a reparar/indemnizar os danos causados que, no caso concreto, são os sentimentos que a ofendida experimentou (facto provado 21). Ponderados todos os factos provados supra referidos, o grau de culpa, a duração e repetição das ofensas, a diversidade de conteúdo das mesmas, assentes em agressões físicas, injúrias e ameaças, as consequências mentais e físicas, o modo de execução, a concreta situação económica do arguido e, ainda, a medida jurisprudencial deste Tribunal em casos idênticos, afigura-se equitativo e justo arbitrar, oficiosamente, à ofendida, a quantia de Eur.800,00 (oitocentos euros), a título de reparação pelos prejuízos à vítima, prevista no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal.
4. DO DESTINO DOS OBJETOS APREENDIDOS
Nos presentes autos encontra-se apreendida:
- Um machado com cabo de madeira com cerca de 1m;
- Uma arma de caça de dois canos paralelos de marca e calibre desconhecidos;
Da análise do disposto no artigo 374.º, n.º 3, al. c), em conjugação com o disposto no artigo 186.º, n.º 2, ambos do Código do Processo Penal, resulta que o momento correto para dar destino aos objetos que, até esse momento continuam apreendidos, é a sentença.
Constituem instrumentos do facto ilícito “todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática”. Os instrumentos devem ser declarados perdidos a favor do Estado “quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos” (cf. artigo 109.º, n.º1, do Código Penal).
No caso dos autos, verifica-se que a arma apreendida serviu a prática de um crime, porquanto a sua detenção é ilícita, e, bem assim, que ambos os objetos foram usados para a prática de crimes. Verifica-se, ainda, que a sua utilização coloca em perigo a segurança das pessoas, pela própria natureza destes objetos, e oferecem sérios riscos de serem utilizadas para o cometimento de outros factos ilícitos.
Como tal, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º1, do Código Penal, declara-se perdido a favor do Estado o objeto apreendido.
Determina-se a destruição do machado, nos termos do artigo 109.º, n.º4, do Código Penal, e, quanto à espingarda apreendida, deverá o destino ser promovido pela PSP, nos termos do disposto no artigo 78.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
5. RECOLHA DE AMOSTRAS ADN
Estabelece o artigo 8.º (Recolha de amostras com finalidades de investigação criminal), da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (na redação dada pela Lei n.º 90/2017, de 22/08), que “1 - A recolha de amostra em arguido em processo criminal pendente, com vista à interconexão a que se refere o n.º 2 do artigo 19.º-A, é realizada a pedido ou com consentimento do arguido ou ordenada, oficiosamente ou a requerimento escrito, por despacho do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado. 2 - A recolha de amostra em arguido condenado por crime doloso com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos, ainda que esta tenha sido substituída, com a consequente inserção do respetivo perfil de ADN na base de dados, é sempre ordenada na sentença”.
No caso concreto, considerando a pena concretamente aplicada, o tipo de crime em causa, as finalidades da investigação criminal e a prevenção de futuros crimes, atendendo ainda à circunstância da recolha da amostra de ADN implicar uma diminuta invasão da integridade pessoal e da reserva da intimidade do visado, determina-se a recolha da amostra de ADN ao arguido nos termos do sobredito normativo.
ESTATUTO COATIVO
As medidas de coação aplicadas no interrogatório judicial a que o Arguido foi sujeito e mantidas no despacho que recebeu a acusação mantêm-se até ao trânsito em julgado da presente sentença (cf. artigo 214.º, alínea e), do Código de Processo Penal).
DAS CUSTAS
No que tange às custas criminais, dispõem os artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, que, em caso de condenação, o arguido é condenado nas custas e nos encargos processuais. Nos termos do artigo 8.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, o juiz fixa a taxa de justiça, tendo em vista a complexidade da causa, e dentro dos limites constantes da Tabela III que se fixam entre 2 a 6 UCs.
Tenho havido condenação, é o Arguido responsável pelo pagamento das custas criminais sendo que, atendendo à atividade processual e à causa, o Tribunal fixaria a taxa de justiça em 3 UCs. No entanto, atendendo à confissão do Arguido, será a taxa de justiça reduzida a metade sendo a mesma fixada em 1 e 1/2 UC – cf. artigo 344.º, n.º2, alínea c), do Código de Processo Penal.
III. DISPOSITIVO
Em face do exposto decide-se: a) Condenar o Arguido AA, como autor material, na forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/06, de 23 de fevereiro, numa pena de prisão de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão; a. Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao Arguido, por igual período de 3 (três) anos e 8 (oito) meses, subordinada a regime de prova, conforme o previsto no artigo 53º do mesmo código, que assentará em plano individual de readaptação a elaborar pelos serviços da DGRSP, conforme o disposto no artigo 494º, n.º 3 do CPP, sujeitando-se ainda o arguido, nos termos dos artigos 52º, n.º 2 e 54º, n.º 2 do Código Penal, às seguintes obrigações e deveres, que se revelam com interesse na execução do plano individual de readaptação: i. Frequência de programa de prevenção de violência doméstica, ministrado pela DGRSP; ii. Proibição de contactos com a Assistente; iii. Sujeição, nos termos previstos no artigo 52º. n.º 3 do Código Penal, a tratamento médico de desabituação alcoólica, com coordenação da DGRPS, durante o período de suspensão de execução da pena. b) Condenar o Arguido AA pela prática de 5 (cinco) crimes de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, cada um deles na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de Eur.605,00 (seiscentos e cinco euros), por cada um dos crimes; c) Condenar o Arguido AA pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelos artigos 86.º, n.ºs 1, alíneas c), e 2, por referência ao 2.º, n.º 1, alíneas s), ar), e aj), 3.º, n.º 6, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (RJAM), na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante global de Eur.1.100,00 (mil e cem euros). d) Operar o cúmulo jurídico entre as penas de multa referidas em b) e c) e condenar o Arguido AA na pena única de 440 (quatrocentos e quarenta) dias de multa, ao sobredito quantitativo diário de Eur.5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz uma pena de multa no valor de Eur.2.420 (dois mil quatrocentos e vinte euros). e) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contacto com a ofendida BB incluindo da sua residência e devendo o cumprimento de tal condição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do artigo 152.º, n.º 4 e 5 do Código Penal. f) Condenar o arguido AA nos termos conjugados dos artigos 82.º-A, do Código de Processo Penal e ainda do artigo 16.º, n.º 2 do Estatuto da Vítima, no pagamento de Eur.800,00 (oitocentos euros) à ofendida BB, a título de reparação pelos prejuízos que lhe foram causados pelo arguido. g) Declarar perdida a favor do estado o machado e a arma de caça apreendidos, nos termos do artigo 109.º, do Código de Processo Penal h) Determinar que se proceda à recolha da amostra de ADN ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro. i) Condenar o Arguido nas custas processuais, cuja taxa de justiça se fixa 1 UC e ½, nos termos do artigo 344.º, n.º2, alínea c) e 513.º, do Código de Processo Penal e artigos 8.º n. º 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao mesmo. j) Manter, até trânsito em julgado da condenação, a sujeição do arguido às medidas de coação aplicadas 16/03/2023, sendo que as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência subsistirão até extinção das penas (artigo 214°, n.° 1, al. e), do Código de Processo Penal
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Notifique e Deposite (artigo 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal).
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Após trânsito:
- Remeta boletins à D.S.I.C. (artigo 374º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal e 6.º, n.º1, alínea a), da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio).
- Solicite à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social a que alude o artigo 494.º, do Código de Processo Penal, com a menção de que o mesmo deverá contemplar os deveres fixados na presente sentença (frequência de programa para agressores de violência doméstica e proibição de contactos).
- Comunique à PSP para efeitos do disposto no artigo 78.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
- Comunique à SGMAI nos termos do artigo 37º da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro.
- Diligencie pela recolha de amostras biológicas ao arguido, para inserção na base de perfis de ADN, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12/02, a solicitar à entidade competente.” 3 – Questões a Resolver 3.1. – Dos Cinco Crimes de Ameaça Agravada 3.2. – Do Tipo de Crime de Violência Doméstica 3.3. – Da Medida das Penas Aplicadas 3.4. – Das Penas Acessórias de Afastamento e de Proibição de Contactos e do seu Controlo à Distância 3.1. – Dos Cinco Crimes de Ameaça Agravada
O recorrente AA inicia a motivação do seu recurso, referindo ocorrer erro de direito na sua condenação por cinco crimes de ameaça agravada, p(s). e p(s). e p(s). pelos arts.º 153º e 155º/1, a), C.P.
Para isso, utiliza vários tipos de argumentos:
- que as expressões não se referem a um momento futuro;
- que se desconhece a quem foi dirigida a expressão;
- que se desconhece se se dirigiu a todos os ofendidos ou em separado, a cada um;
- que não se refere nos factos, a expressão concreta que proferiu.
A situação é a que decorre dos pontos 15. a 17. da matéria de facto provada, que ora se transcrevem:
15. “Ato contínuo, aproximou-se da vítima, apontou-lhe a mencionada espingarda, e disse-lhe que a matava.
16. Entretanto, chegaram ao local, em auxílio da vítima, o filho do casal, EE; o seu cunhado, FF; a sua sobrinha, GG; bem como as vizinhas HH e II, que alertaram as autoridades policiais.
17. Enquanto, aguardavam pela chegada das forças de segurança, o arguido dirigindo-se a EE, FF, GG, HH e II, que aí se encontravam, disse-lhes que os matava.”
Ora, da análise desta matéria de facto e, nomeadamente dos referidos pontos 16. e 17. da matéria de facto provada, resulta claramente que o arguido disse aos cinco familiares e vizinhas que acorreram ao local em auxílio da ofendida BB que os matava.
É pois nítido que se dirigiu aos cinco, ameaçando-os de morte.
Através de uma única ação atingiu os cinco, o que é típico do concurso efetivo homogéneo (cometimento de vários crimes, através de uma única ação), que se distingue do heterogéneo (em que se cometem vários crimes, em resultado de diversas ações).
Quanto à questão do “momento futuro”.
É óbvio que não se exigirá, para este requisito, que a ameaça seja proferida no futuro do indicativo, enquanto termo verbal – o que, aliás, o tipo previsto no art.º 153º/1 C.P. não consente.
A primeira questão que se nos põe, tem a ver com a tipicidade do crime de ameaça.
A noção é quase empírica, mas diz a lei que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo e inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 (cento e vinte) dias”.
O tipo de crime continha um pleonasmo (o crime de ameaça consiste em ameaçar), mas não era de difícil interpretação.
Até que, no “Comentário Conimbricense”, Tomo 1, “Coimbra Editora”, 1ª Edição, Coimbra, 1 999, Taipa de Carvalho definiu o crime de ameaça como um “mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. (…). O mal ameaçado tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar- se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal”.
A partir daqui, surge na Jurisprudência a necessidade de o referido mal ser futuro, tendo havido uma corrente jurisprudencial, sobretudo no Tribunal da Relação do Porto, para quem e essencialmente, sendo a expressão ameaçatória proferida no presente do indicativo, não ocorreria o citado crime de ameaça – de entre outros, os Acs. da Relação do Porto de 28/5/2 008, Ernesto Nascimento, 28/11/2 007, Élia São Pedro e de 20/12/2 006, Guerra Banha. Sem que no entanto, esta corrente fosse a única naquele Tribunal da Relação, como se depreende da leitura do Acórdão da Relação do Porto de 23/2/2 005, Fernando Monterroso – todos estes Acórdãos estão acessíveis em www.dgsi.pt.
Aqui, surge de facto a confusão e que, no nosso entender, vai até contra as palavras daquele distinto Professor – se bem que a linguagem por si utilizada tenha sido muito hermética, de difícil compreensão e apta a gerar a confusão.
É que, o que aquele Professor quis dizer foi que, quanto à ameaça presente ou iminente, poder-se-á já não estar no campo da ameaça, mas no início da execução (art.º 22º/2, c), C.P.) de um outro crime mais grave, como por hipótese os de coação, ofensa à integridade fica ou homicídio. Mas, isto não quer dizer que se esteja sempre. Tudo depende da intenção do agente – se só de ameaçar ou de iniciar um crime mais grave e de resultado (neste sentido e expressamente, os Acórdãos deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/3/2 009, Estelita de Mendonça e de 18/11/2 013, Ana Teixeira e Silva).
Por outras palavras: quando a ameaça é iminente, não é obrigatório que se esteja já, perante um ato de execução (art.º 22º/2, c), C.P.) do crime ameaçado, podendo ainda o arguido tão-só querer ameaçar. Tudo depende da sua intenção última.
E, por outro lado e em termos lógicos, uma ameaça iminente é ainda um “mal futuro”. Como expressamente se refere no citado Acórdão da Relação de Guimarães de 18/11/2 013, “por isso, o mal iminente é ainda um mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer”.
No mesmo sentido ainda, o Acórdão da Relação do Porto de 20/11/2 013, Elsa Paixão, também em www.dgsi.pt.
Assim, ou há ameaça no passado que, de facto, não constitui crime, até porque não é apta a criar medo ou receio – “quando nos zangámos, na semana passada, eu tive a intenção de te matar” – ou ameaça iminente ou futura, em que nenhuma é uma ameaça no presente, mas já no futuro.
A ameaça iminente é que pode constituir-se já na prática de um crime mais grave de resultado ou não, dependendo isso da intenção do agente, de simplesmente ameaçar ou passar já à prática do referido crime mais grave, praticando os respetivos atos de execução (art.º 22º/2, c), C.P.).
O crime de ameaça é ainda e atualmente, um crime de mera atividade ou de execução vinculada e não de resultado, em que apenas se exige a aptidão do meio, para criar medo ou receio e já não que estes estados de espírito tenham sido efetivamente criados.
O que se disse, serve para bem interpretar e subsumir, as expressões que constam dos autos. Com efeito, foi considerado como provado, que, :
- o arguido recorrente muniu-se de uma espingarda;
- aproximou-se da ofendida BB, apontou-lhe a mencionada arma e disse-lhe que a matava;
- entretanto, em seu auxílio chegam cinco familiares e vizinhas;
- reagindo a esta chegada, o arguido diz também que os mata.
Ora, esta expressão inserida no contexto, só pode ser entendida como o anúncio de uma futura ou iminente agressão mortal aos mesmos. Assim, tem a mesma ainda e naturalmente, um cunho ameaçatório.
E, embora a ameaça seja proferida no Presente do Indicativo, trata-se de ameaça iminente ou futura, não se verificando que o arguido pretendesse passar de imediato à prática do ato ameaçado, ficando-se tão-só pela intenção de ameaçar. Não ocorre pois a prática de qualquer ato de execução do crime de homicídio, situação que o referido Professor pretendia distinguir.
É óbvio que a expressão proferida era apta a gerar medo, tanto mais quanto o arguido também já ameaçara a ofendida BB de morte, munido até de uma espingarda que lhe apontou.
Neste caso, o que se indicia é pois, o crime de ameaça agravada (arts.º 153º/1 e 155º/a, C.P.), por estar em causa crime de homicídio/homicídio qualificado.
Porque cinco foram os visados/ameaçados, cinco foram os crimes praticados – art.º 30º/1 C.P.
Improcede pois e na íntegra, este segmento recursório do arguido AA, já que nenhum erro de direito foi cometido na sentença recorrida.
3.2. – Do Tipo de Crime de Violência Doméstica
Considera também o recorrente, que o tipo de crime de violência doméstica não está preenchido. Com efeito, entende que a ofendida não foi afetada na sua dignidade, nem ocorreu qualquer relação de subordinação, entre si e o arguido.
Do que retira, que só poderá ser condenado pelos crimes de injúria e de ofensa à integridade física.
Deve desde já dizer-se, como o fez a Dignm.ª Procuradora Geral Adjunta que o recorrente tão-só faz esta afirmação, sem se preocupar em rebater o que consta da sentença, em que fundamentadamente se defendeu que os atos praticados pelo arguido afetaram a ofendida na sua dignidade, para além do que poderia resultar da simples prática dos crimes de ofensa à integridade física ou injúria.
O recorrente apenas fez a referida alegação genérica, sem se preocupar em refutar ou debater os argumentos que constavam já, da sentença proferida.
Ora, como bem diz o M.P. em 1ª instância, os factos foram praticados durante extenso lapso temporal, com frequência e gravidade.
Assim:
- desde o início do relacionamento e na residência do casal, o arguido quase diariamente se dirigia à vítima, chamando-a de “puta”, “badalhoca” e “vaca” e dizendo-lhe “puta, roubas-me o dinheiro, não vales nada” – ponto 3. da matéria de facto provada;
- desferia-lhe ainda empurrões, causando-lhe dores e hematomas – ponto 4., da matéria de facto provada;
- no dia 12 de Fevereiro de 2 023, no interior do quarto de casal, chamou-lhe “puta” e “vaca” e desferiu-lhe uma cabeçada, atingindo-a no rosto, que lhe causou hematoma na face, com 5 (cinco) x 4 (quatro) cms., o que lhe causou 14 (catorze) dias de doença e que careceu de tratamento hospitalar – pontos 5., 6. e 7. e 8., da matéria de facto provada;
- no dia 15 de Fevereiro de 2 023, na cozinha da habitação do casal, o arguido deu um pontapé na tigela que a vítima segurava e empurrou-a com força, levando-a a cair, com o que lhe provocou equimose do cotovelo direito, com 4 (quatro) cms. de diâmetro, o que lhe determinou 7 (sete) dias de doença – pontos 9. e 10., da matéria de facto provada;
- de seguida, disse-lhe que a matava, exibindo um machado com cabo em madeira, de cerca de 1 (um) metro de comprimento, fugindo a ofendida para a rua e invetivando-a o arguido de “puta” e dizendo-lhe novamente que a matava – pontos 11./13. da matéria de facto provada;
- foi ainda ao interior da sua habitação, de onde saiu com uma espingarda na mão, apontando-lha e dizendo de novo que a matava – pontos 14. e 15. da matéria de facto provada;
- ainda nesse dia e já perante Militares da G.N.R., dirigindo-se à vítima, disse-lhe “BB vou-te matar, vou-te dar um tiro na cabeça, deixa-os ir todos embora, que vais ver” – ponto 18. da matéria de facto provada.
Estão em causa crimes de injúria quase diários desde há cerca de quarenta anos, de ofensa à integridade física com lesões já com alguma relevância e que determinaram dias de doença e de ameaça de morte, com machado e espingarda, também repetidos.
É óbvio, que todo este quadro põe em causa a saúde física e psíquica da ofendida de uma forma mais grave que aquela que resulta dos referidos tipos menos graves e que põe em causa a sua dignidade como Mulher, tal como a coloca num quadro de completa subalternidade e subordinação relativamente ao ofendido.
Os referidos argumentos do recorrente, já de si genéricos e infundamentados são assim, de todo improcedentes.
Pelo que, também esta parte do recurso apresentado é totalmente improcedente.
3.3. – Da Medida das Penas Aplicadas
Insurge-se ainda o recorrente, contra a medida das penas que lhe foram aplicadas – quer de prisão, quer de multa.
Quanto à primeira – naturalmente, aplicada por via da condenação pelo crime de violência doméstica – o recorrente considera-a exagerada, referindo que deveria ter sido fixada junto do seu mínimo legal, que é de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão (arts.º 152º/1, a), C.P. e 86º/3, L. n.º 5/06, 23/2).
Para tal, refere as seguintes atenuantes:
- a ausência de antecedentes criminais e arrependimento demonstrado (este, constante da motivação da decisão de facto);
- a perturbação psiquiátrica de que padece e alcoolismo, potenciado pela inatividade do arguido e o facto de o mesmo estar a cumprir consultas de Psicologia e plano farmacológico.
Como se sabe, foi aplicada ao arguido a pena de 3 (três) anos e (8) oito meses de prisão, numa moldura penal abstrata de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses e 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão – dada a agravação de um terço nos limites mínimo e máximo da pena, nos termos do referido art.º 86º/3, Lei das Armas.
Logo, foi aplicada pena entre o respetivo terço e meio da pena, embora mais próxima deste.
Para melhor concretizar a pena concreta a aplicar, importa antes fazer referência ao que visa o Direito Penal com a aplicação de uma pena e depois, melhor concretizar as atenuantes e agravantes que se verificam no caso concreto.
Ora, está hoje ultrapassada a visão retribucionista da pena, segundo a qual esta varia apenas em função da culpa do agente. Ela estabelece antes, o limite máximo da pena a aplicar.
Considerações de prevenção geral, devem determinar o seu limite mínimo; senão, a pena seria considerada laxista pela comunidade social, e serviria como foco impulsionador de outras condutas desviantes.
Dentro destes parâmetros, são as exigências de prevenção especial ou, dito de outra forma, a necessidade de reinserção social do agente que há-de determinar a medida da pena a aplicar (neste sentido, F. Dias, "Direito Penal Português", Ed. Notícias, 1993, págs.214 e segs.; Robalo Cordeiro, "Escolha e Medida da Pena", em "Jornadas de Direito Criminal", págs. 235 e segs.; Anabela M. Rodrigues, "Rev. Port. Ciência Criminal", Ano1, Nº2, págs. 248 e segs.).
Na linguagem de Figueiredo Dias, op. cit., pág. 227, “As finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.”
Como refere na mesma obra, pág. 230, “A culpa traduz-se numa incondicional proibição de excesso: a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”.
Ou ainda, a págs. 231, “Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (…) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”
São agravantes, no caso concreto:
- a multiplicidade de atos ilícitos e agressivos cometidos, decorrente da prática de pelo menos três tipos de crime (art.º 71º/2, a), C.P.);
-. a sua reiteração, tendo surgido o crime de injúrias logo no início do relacionamento há cerca de quarenta anos e quase diariamente (art.º 71º/2, a), C.P.);
- a sua gravidade, sendo que por duas vezes foram causadas lesões que determinaram dias de doença, um,a delas até com necessidade de internamento hospitalar (art.º 71º/2, a), C.P.);
- o alcoolismo de que o arguido padece, que embora se trate de doença psiquiátrica mitigante da culpa, não deixa também de constituir fator de maior perigosidade, estabelecida que está a relação entre o consumo excessivo de álcool e a maior agressividade e impulsividade (art.º 71º/2, d), C.P.)
E constituem atenuantes:
- a ausência de antecedentes criminais registados (art.º 71º/2, d), C.P.);
- a confissão e arrependimento demonstrados – embora não constem dos factos provados (mal), decorrem indubitavelmente da fundamentação da decisão de facto (art.º 71º/2, e), C.P.);
- estar familiarmente inserido (art.º 71º/2, d), C.P.);
- estar a frequentar consultas de Psicologia e a cumprir plano de medicação farmacológica na vertente da Psiquiatria (art.º 71º/2, d), C.P.).
Quanto à dosimetria das penas e por razões de oralidade e imediação, a comparação é feita com um intervalo tido por adequado, deixando-se alguma álea à 1ª instância, que é o Tribunal que tem maior imediação, com o caso concreto.
Estão em causa atos subsumíveis, isoladamente, a múltiplos tipos legais, atuação reiterada no tempo e já com bastante gravidade, sendo de destacar as ameaças de morte, uma com arma de tiro e as ofensas à integridade física, que deixaram marcas e causaram dias de doença.
Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais registados, tem apoio familiar, confessou os factos na íntegra e demonstrou arrependimento e sobretudo, tem seguido programa de apoio psicológico e de medicação psiquiátrica, de modo a tentar debelar as suas fragilidades psicológicas e, sobretudo, o alcoolismo de que padece.
Este, se bem que patologia aditiva, funcionará sobretudo como foco de impulsividade e de comportamentos agressivos e fundamento de maior perigosidade – atenuada porém, pelos tratamentos que o arguido vem seguindo em termos psicológicos e psiquiátricos. É que os resultados destes tratamentos também dependem e sobretudo, da própria vontade do arguido.
É porém importante que o arguido perceba que não pode repetir este tipo de ilícitos, sobretudo quando está em causa a companheira de uma vida.
A pena de prisão deve assim refletir toda esta multiplicidade de fatores, com especial ênfase na prevenção especial e necessidade de tratamento do alcoolismo – basta ver que o arguido teve momentos de grande agressividade, incluindo com armas, sendo que quando assim é existe sempre risco de passagem ao ato.
Tal como deve acautelar as necessidades de prevenção geral, tão presentes neste tipo de crime.
Assim, a pena de prisão aplicada de três anos e oito meses de prisão, concretizada entre o primeiro terço e o meio da pena, parece-nos inserida no intervalo tido por razoável, equitativo e proporcionado para o caso dos autos. Concorda-se assim, com a pena de prisão aplicada ao crime de violência doméstica, agravado pela detenção de arma proibida, aplicada nos termos referidos – até porque suspensa na sua execução com regime de prova e obrigação de sujeição a tratamento médico de desabituação alcoólica. Improcede pois e nesta parte, o recurso do arguido AA.
No que se refere às penas de multa aplicadas (pelos cinco crimes de ameaça agravada e pelo de detenção de arma proibida), considera-as também o recorrente como excessivas.
Com efeito, considera o recorrente que, quer quanto à fixação dos dias de multa, quer quanto ao respetivo quantitativo diário, não teve o Tribunal em conta a situação económica do recorrente.
No que labora num erro de direito – é que, quanto ao período da multa não devem estar apenas em causa as possibilidades económicas do arguido, mas todas as agravantes e atenuantes enquadráveis no art.º 71º C.P.
Ora, aqui deve também atender-se à gravidade, reiteração e gravidade das condutas, bem como ao alcoolismo do arguido, fator sempre de alguma acrescida perigosidade – embora o arguido esteja em tratamento do mesmo.
O arguido foi condenado na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, por cada um dos cinco crimes de ameaça agravada praticados, puníveis em abstrato com penas de 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão ou de 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa.
Entende-se que, no caso, a situação é até já de fronteira entre a aplicação de pena de multa e de prisão.
Considera-se pois que a pena por cada um dos cometidos crimes de ameaça agravada e concretizada um pouco abaixo do meio da pena menos grave – a de multa – é tudo, menos excessiva.
A moldura penal do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts.º 86º/1, c) e n.º 2), por referência aos arts.º 2º/1, s), ar) e aj) e 3º, n.º 6), c), L. n.º 5/06, 23/2, varia entre 1 (um) e 5 (cinco) anos de prisão e 10 (dez) e 600 (seiscentos) dias de multa.
De novo a opção pela pena de multa é feita nos limites, sendo que em concreto foram aplicados 200 (duzentos) dias de multa, logo em cerca do primeiro terço da pena de multa. Lembre-se que, além de uma espingarda com o comprimento total de 110 (cento e dez) cms., com o canio esquerdo apto a disparar, o arguido tinha também consigo um machado, com cabo de madeira de cerca de um metro de comprimento, ambos utilizados em atos de ameaças de morte.
A aplicação da referida pena de multa, concretizada junto do primeiro terço da pena é assim, tudo menos excessiva ou irrazoável, podendo até considerar-se como benevolente. Deve assim manter-se.
Pelo que, também nesta parte improcede o recurso do arguido.
O recurso do arguido é extremamente árido quanto á questão da medida das penas de multa, falando sempre da aplicação de penas de multa “junto dos mínimos legais” e nunca se referindo, expressamente, à pena aplicada em cúmulo ou pena única.
Ora, a pena única ou aplicada em cúmulo jurídico deve ter em conta a gravidade dos factos e a personalidade do agente – art.º 77º/1 C.P.
Já se referiu que os factos refletem alguma gravidade e o arguido revela uma personalidade dominada pelo alcoolismo, por isso com alguma perigosidade pela sua impulsividade e agressividade.
Em cúmulo e nos termos do disposto no art.º 77º/2 C.P. quanto às penas de multa, teremos pois uma moldura abstrata entre os 200 (duzentos) e os 750 (setecentos e cinquenta) dias de multa.
Ao arguido foi aplicada a pena única de 440 (quatrocentos e quarenta) dias de multa, concretizada abaixo do meio da pena abstratamente aplicável.
Também esta pena que, relembre-se é a de tipo menos grave aplicável, não se pode considerar excessiva, mas uma vez mais como benevolente. Deverá pois e também manter-se.
Também nesta parte, improcede pois o recurso do arguido.
Ataca ainda este, a taxa diária aplicada, que foi de 5.50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos)/dia.
Nos termos do disposto no art.º 47º/2 C.P., a taxa diária da multa pode variar entre os 5€ e os 500€/dia(cinco e quinhentos euros/dia).
Ou seja, no caso o recorrente põe em causa a sentença recorrida por, em seu entender, a pena de multa aplicada ser excessiva, pela quantia de .50€ (cinquenta cêntimos)/dia.
Ora, as pretensões recursivas devem ter alguma dignidade, não pondo os tribunais superiores a discutir bizarrias ou questões inconsequentes, que em nada dignificam os recursos, nem as suas decisões.
No entanto, sempre se repetirá que, como tem assinalado repetidamente a jurisprudência, a referida taxa mínima de 5€ (cinco euros) só deve ser aplicada, em situações extremas de pobreza e indigência. O que não é o caso do arguido, que recebe um subsídio de apoio à doença no valor aproximado de 450€ (quatrocentos e cinquenta euros)/mês, beneficia de apoio familiar e faz ainda alguns trabalhos agrícolas de subsistência.
Na parte referente à taxa diária da multa aplicada, o recurso do arguido é pois, nitidamente improcedente, pelo que também aqui se deve manter a sentença recorrida.
3.4. – Das Penas Acessórias de Afastamento e de Proibição de Contactos do seu Controlo à Distância
Insurge-se ainda o arguido recorrente, quanto à aplicação da pena acessória de afastamento do arguido, quando na parte da determinação concreta da pena se referiu não ocorrerem especiais necessidades de prevenção da prática de novos crimes. Afirma com efeito, que essa referência é contraditória com a aplicação desta pena acessória para proteção da vítima. Com efeito, se esse risco é mínimo porquê aplicar esta pena acessória, que pressupõe a possibilidade da prática de novos crimes.
Considera ainda que a referida aplicação colide com a matéria provada nos pontos 33., 34. e 38. da matéria de facto provada.
Considera ainda nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos arts.º 374º/2 e 375º/1 C.P.P., a imposição de meios de controlo à distância às penas acessórias aplicadas, uma vez que não havia consentimento do arguido para a respetiva aplicação.
Ora, a aplicação das penas acessórias de afastamento entre o arguido e a ofendida e de afastamento do arguido da residência desta surgem por via do disposto no art.º 152º/4 C.P.
Não são de aplicação automática, mas são mais que justificadas ante a duração, reiteração e gravidade dos ilícitos praticados pelo arguido, contra a ofendida.
Os critérios para a suspensão da execução da pena não são convergentes com os de aplicação destas penas, pois aqui está apenas em causa a proteção da vítima o que não sucede nos casos de suspensão da execução da pena.
Daí, que essa suspensão não exclua a sua aplicação ou mesmo a necessidade de controlo da mesma, à distância – cfr. os recentes Acórdãos da Relação do Porto de 14/9/2 022, Joana Grácio ou de 20/3/2 024, José Quaresma.
Pelo que, as referências favoráveis ao arguido feitas a fls. 332, quanto à determinação concreta da pena ou mesmo o juízo de prognose favorável do arguido feito depois, a fls. 334, quanto à suspensão da execução da pena não sejam contraditórias com a aplicação destas penas acessórias, que têm em vista essencialmente a proteção da vítima, tendo em conta a perigosidade do arguido.
É que, nesta matéria a compressão dos direitos do arguido é muito menor e, além disso, não se podem correr riscos desnecessários.
O mesmo é de dizer quanto aos factos provados 33., 34. e 38., potencialmente favoráveis ao arguido, mas que não excluem algum risco ainda para a vítima tendo em conta a perigosidade já manifestada pelo arguido.
Quanto ao seu controlo à distância.
Deve ter-se em conta a Lei n.º 19/2 013, 21/2, que alterou quer o art.º 152º/5 C.P., quer o art.º 35º/1, L. n.º 112/09, 16/6, além de nesta ter introduzido o n.º 7, do seu art.º 36º.
Assim e naqueles dois primeiros normativos passou em referir-se, quanto à pena acessória de proibição de contactos, que a mesma deve ser fiscalizada por meios de controlo à distância, quando anteriormente se dizia apenas que o poderia ser.
Bem se pode pois dizer que, a partir daí, o regime regra é o de que quanto àquela pena acessória, o cumprimento da mesma seja assegurado por meios de controlo à distância.
Do mesmo modo, a respetiva aplicação que antes estava dependente do consentimento do arguido (art.º 36º da referida L. n.º 112/09), passou a ser possível mesmo sem esse consentimento, sempre que o Juiz fundamente a sua imprescindibilidade para a proteção da vítima – por aditamento do n.º 7, ao referido art.º 36º, operado pela também referida L. n.º 19/2 013.
Foi pois evidente o propósito do legislador em alargar a possibilidade de aplicação do referido controlo à distância.
É certo que neste caso e por não haver consentimento do arguido, essa aplicação tem de ser fundamentada.
No entanto, não deixa de estar em causa a aplicação de um regime geral, que assim exige um menor esforço argumentativo e não tem de ser prolixo.
Ora, na sentença recorrida, o Tribunal não deixou de referir, que “O comportamento do Arguido para com a ofendida sugere a existência de um perigo que este volte a tentar contactar a ofendida. Desse modo, conclui-se que é adequado a prevenir a perigosidade e a inibir a prática de novos crimes contra a ofendida a medida de proibição de contactos, nos termos do artigo 152.º, n.º5, do Código Penal. Ao abrigo do mesmo preceito, conjugado com o disposto no artigo 36.º n.º5 da Lei 112/2009, o cumprimento desta pena será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. A pena acessória em causa pode ser aplicada, de acordo com os critérios já referidos, entre os limites de 6 meses a 5 anos. No caso dos autos afigura-se adequada a fixação de uma pena acessória de proibição de contacto com a ofendida de 18 (dezoito) meses. Ao abrigo do artigo 152.º, n.º5, do Código Penal conjugado com o disposto no artigo 35.º n.º1 da Lei 112/2009, o cumprimento desta pena será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, não se colhendo o consentimento previsto no artigo 36.º, n.º1, da Lei 112/2009 por se considerar imprescindível a utilização de meios técnicos de controlo à distância para a proteção dos direitos da vítima (cf. artigo 35.º, n.º7 da Lei 112/2009). Por tudo considerado, deve ser aplicada a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de 18 (dezoito) meses.”
Ou seja, fez-se referência ao comportamento pregresso do arguido, indiciador de perigosidade e à imprescindibilidade assim, do controlo à distância.
O que, embora de forma sumária, cumpre os objetivos de fundamentação desta medida, cuja aplicação como se referiu, deve até ser a regra. Não ocorre pois qualquer nulidade parcial da sentença, seja por falta de fundamentação (arts.º 379º/1, a) e 374º/2 C.P.P.), seja por omissão de pronúncia (art.º 379º/1, c), 1ª parte, C.P.P.).
Assim, também esta vertente do recurso do arguido é totalmente improcedente.
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Razões por que, 3 - Decisão
a) se julga totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido recorrente AA, por via disso se mantendo pois na íntegra a sentença recorrida.
b) Custas pelo mesmo, com 4 (quatro) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º/1 C.P.P., 8º/9 e tabela anexa 3), ao R.C.P.
c) Notifique.
Guimarães, 25 de Fevereiro de 2 025
(Pedro Cunha Lopes) (Pedro Freitas Pinto) (Carlos Cunha Coutinho)