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JULGAMENTO
INQUIRIÇÃO DA OFENDIDA
APURAMENTO DO PARADEIRO
DESCOBERTA DA VERDADE MATERIAL
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
NULIDADE
Sumário
I – A omissão da prática de actos processuais probatórios que a lei classifica como “indispensáveis” ou “necessários” no Artº 340º, e “essenciais” na al. d) do Artº 120º, nº 2, ambos do C.P.Penal, nas fases de julgamento e de recurso, constitui nulidade relativa. II – Tal nulidade deverá ser previamente reclamada antes que o acto onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos Artº 120º, nº 3, al. a), do C.P.Penal, sob pena de dever considerar-se sanada, tal como dispõe o Artº 121º, do C.P.Penal, e sob pena de (tal nulidade) não poder ser sindicável por via de recurso directo.
Texto Integral
Acordam, em audiência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Processo Comum Singular nº 1897/19...., do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos:
1.1. AA, filha de BB e de CC, natural de ..., nascida em ../../1978, residente na Avenida ..., ... ...;
1.2. DD, solteiro, filho de EE e de FF, natural de ..., nascido em ../../1984, residente na Rua ..., ..., ...; e
1.3. GG, casado, empresário, filho de HH e II, natural de ..., nascido em ../../1981, residente na Rua ..., ..., Calendário, ....
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2. Em 12/07/2024 foi proferida a sentença que consta de fls. 1602 / 1611 Vº, depositada no mesmo dia, da qual emerge o seguinte dispositivo (transcrição [1]):
“Pelo exposto decide-se:
4.1.- Absolver o arguido GG da prática, em autoria material e na forma consumada, nos termos dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal, de um crime de lenocínio, previsto e punível pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal.
4.2.- Absolver o arguido DD da prática, em coautoria material e na forma consumada, nos termos dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal, de um crime de lenocínio de menores, previsto e punível pelo artigo 175.º, n.º 1 e 2, alínea d), agravado nos termos do artigo 177.º, n.º 4 e 6, com referência ao n.º 8 do mesmo preceito legal, todos do Código Penal.
4.3.- Absolver a arguida AA da prática, em coautoria material e na forma consumada, nos termos dos artigos 14.º, n.º 1 e 26.º, ambos do Código Penal, de um crime de lenocínio de menores, previsto e punível pelo artigo 175.º, n.º 1 e 2, alínea d), agravado nos termos do artigo 177.º, n.º 4 e 6, com referência ao n.º 8 do mesmo preceito legal, todos do Código Penal;.
4.4.- Deposite a sentença.
(…)”.
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3. Inconformado com tal decisão, dela veio recorrer o Ministério Público, nos termos da peça processual junta a fls. 1628/1637, cuja motivação o Exmo. Procurador da República subscritor remata com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“AA.) – Objecto do recurso
1. O presente recurso incide sobre a sentença absolutória proferida a 12 de Julho de 2024 nos presentes autos porquanto a mesma está ferida de nulidade, assim como pelos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.
BB.) – Das nulidades da sentença
2. Salvo o devido respeito que aliás é muito, a sentença proferida labora em erro por estar ferida de nulidade numa dupla dimensão: nulidade de acto processual anterior – por via do qual houve uma rejeição indevida de diligência probatória - que a contaminou; por insuficiente e deficiente fundamentação.
CC.) – Da concretização das nulidades
3. A 22 de Setembro de 2024, o Ministério Público interpôs recurso dos dois despachos exarados na acta de audiência de julgamento datada de 09 de Julho de 2024 [recurso esse que aqui damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais] frisando, então, a repercussão da invalidade de tais decisões judiciais em todos os actos processuais ulteriores (nos quais se inclui a presente sentença) porquanto o primeiro daqueles dois despachos judiciais rejeitou inválida e indevidamente a produção de uma diligência probatória fundamental requerida pelo Ministério Público na fase de julgamento [localização e inquirição complementar da ofendida em ordem a esclarecer os aspectos focados pelo Ministério Público no requerimento de 05 de Junho de 2024].
4. A fundamentação subjacente à essencialidade da diligência de prova atrás referida para a descoberta da verdade ficou devidamente exarada no nosso requerimento/promoção apresentado nos autos com a data de 05 de Junho de 2024 [requerimento esse que aqui damos por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
5. Consequentemente, veio o Tribunal A Quo, na sentença proferida a final, absolver todos os arguidos da prática dos crimes que lhes foram imputados, argumentando não terem ficado provados os factos nucleares da acusação por insuficiência de prova radicada na falta de credibilidade da ofendida.
6. O iter processual acima descrito e o teor da sentença recorrida ferem-na de nulidade por duas ordens de razões principais.
7. Em primeiro lugar porque no caminho processual destinado à prolacção da sentença como decisão final do processo foi injustificadamente rejeitada a produção de prova necessária à descoberta da verdade – a qual se mostrava à partida idónea a rebater o quadro de insuficiência de prova defendido pelo Tribunal recorrido – que a nosso ver motivou a não prova dos factos nucleares da acusação.
8. Em segundo lugar porque, na sequência dos erros atrás sinalizados, o Tribunal recorrido proferiu uma sentença de carácter equívoco, contraditório e insuficiente nos seus fundamentos, na medida em que não ofereceu uma explicação racional, lógica, consistente e suficiente em ordem a justificar a conciliação de realidades factuais que afirmou como tal e que se mostram como inconciliáveis à luz das regras da experiência comum.
9. Ora, perante a tais circunstâncias, o Ministério Público renova e reitera nesta sede, e para os devidos efeitos legais, a integralidade dos fundamentos e conclusões aduzidos no referido recurso de 22 de Setembro de 2024 onde se pugna, por força da violação do disposto nos arts. 340º, nrs. 1 e 4, alíneas a) a d), e 120, nrs. 1 e 2, alínea d), ambos do Código de Processo Penal, pela declaração de nulidade do despacho de indeferimento de produção ulterior/complementar de prova acima referido [datado de 09 de Julho de 2024], bem como do despacho que indeferiu a arguição de nulidade desse despacho anterior então imediatamente efectuada pelo Ministério Público [igualmente datado de 09 de Julho de 2024] e, ainda (necessariamente e como peça integrante de toda a tramitação processual ulterior), da sentença absolutória que se lhes seguiu (sobre a qual versa o presente recurso).
10. Estamos diante da nulidade prevista no art. 120º, nrs. 1 e 2, alínea d), do Código de Processo Penal, com os efeitos cominados pelo art. 122º, do mesmo diploma legal, de onde se retira a nulidade da sentença proferida.
11. Sem embargo, também invocamos, nos termos do disposto nos arts. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, a nulidade da sentença proferida por deficiência/insuficiência da fundamentação onde se apoia, sendo certo que, em função dos erros de análise por nós supra salientados, a mesma corporiza uma violação do regime legal imposto em tais normativos.
12. Para além da declaração de nulidade da sentença, deverá ser ordenada a realização da diligência de prova acima referida [inquirição da ofendida], bem como a repetição de todos os actos processuais seguintes, onde se incluirá, designadamente, a prolacção de nova sentença.
DD.) Do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto pelo art. 410º, nº 2, alínea a), do Código Penal
13. O Tribunal A Quo, ao invés daquilo a que estava obrigado, e salvo o devido respeito que aliás é muito, não realizou a sobredita diligência de prova, mais bem descrita no nosso recurso 22 de Setembro de 2024 [que se reconduz, essencialmente, à realização de diligências tendentes a localizar a ofendida e a afiançar a sua inquirição complementar em julgamento].
14. Esta diligência de prova, por sua vez, mostrava-se essencial para a prova dos factos/parágrafos 10.) a 48.) da acusação pública (e que foram reconduzidos na sentença aos pontos 4.) a 31.) da matéria dada como não provada), nomeadamente para demonstrar que a ofendida, enquanto menor com 15 anos de idade, foi obrigada ou conduzida pelos arguidos à prática de vários actos sexuais com adultos no interior do estabelecimento EMP01... a troco de dinheiro, tendo os arguidos actuado com a intenção de obter proveitos à custa do trabalho sexual da menor conforme sucedeu.
15. Neste passo, e perante a omissão da diligência probatória essencial à descoberta da verdade supra descrita, é quanto a nós manifesta a existência do vício presentemente sob análise, isto é da insuficiência da matéria de facto (provada) para a decisão nos termos previstos no art. 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
16. Como tal, a consequência que dele deverá decorrer no caso vertente será, para além da revogação integral da sentença proferida, a de ordenar-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou à parte do mesmo que o Tribunal superior entender dever ser repetida, nos termos do disposto no art. 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, o que se requer [devendo o novo julgamento ser realizado por outro magistrado judicial conforme recomenda o art. 426º-A do Código de Processo Penal, o que igualmente se requer].
EE.) Do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto pelo art. 410º, nº 2, alínea c), do Código Penal
17. No exame crítico da prova que realizou, o Tribunal recorrido retirou credibilidade ao depoimento da ofendida, assentando neste argumento o ponto decisivo da decisão absolutória proferida. Porém, fê-lo quando recolheu em julgamento todo um acervo probatório que apontava consistentemente em sentido contrário, nomeadamente relatórios periciais médico-legais, a assunção de que a menor - quando tinha 15 anos, e através da acção dos arguidos nesse sentido - trabalhou na casa de alterne EMP01... e as informações sobre indivíduos concretamente identificados que, na qualidade de clientes do EMP01..., tinham aí mantido relações sexuais no tempo em que a ofendida ali trabalhou e que figuravam como interlocutores de mensagens extraídas do telemóvel daquela.
18. Em nosso entendimento, e salvo o devido respeito que aliás é muito, a decisão proferida eximiu-se a entrar no cerne da questão, ou seja não analisou adequadamente os indícios incriminatórios plurais e convergentes atrás referidos e não os conjugou com o relato da ofendida.
19. Ora, isto redunda na consolidação na sentença de realidades extremamente difíceis de compatibilizar à luz das regras da experiência comum, nomeadamente o facto de se aceitar que uma menor de 15 anos de idade tenha sido levada por adultos para trabalhar numa casa de alterne para se afirmar, depois, que o relato dessa menor não é credível quando declara ter sido obrigada a manter relações sexuais com vários homens a troco de dinheiro ao mesmo tempo em que há evidência nos autos de que nesse estabelecimento eram efectivamente tidas relações sexuais com clientes a troco de dinheiro!
20. Este estado de coisas, a nosso ver, e salvo o devido respeito que aliás é muito, tornou a decisão proferida incompreensível aos olhos de um qualquer observador independente com um grau de diligência e conhecimento equiparável ao do homem médio.
21. À luz de tais evidências e omissões julgamos que o exame crítico da prova, bem como o raciocínio fundamentador do Tribunal A Quo, e por inerência a selecção da matéria de facto dada como não provada, consubstanciam - salvo o devido respeito que aliás é muito - uma errada interpretação e aplicação, em conflito notório, insanável e insuperável com as regras da experiência comum, do disposto no art. 127º do Código de Processo Penal (violação das regras da livre apreciação da prova) em conjugação com o disposto nos arts. 175º, nrs. 1 e 2, alínea d), e 177º, nrs. 4, 6 e 8, e 169º, nº 1, todos do Código Penal.
22. Na verdade, a correcta interpretação e aplicação de tais normativos no caso vertente à luz da prova produzida - sem prejuízo da necessidade de ouvir novamente a ofendida e do resultado que daí advenha – apenas se mostra compatível com a fixação como provados dos factos elencados sob os pontos 4.) a 31.) da matéria de facto dada como não provada [os quais correspondem aos arts. 10.) a 48.) da acusação pública].
23. Perante a existência do vício presentemente sob análise, a consequência que dele deverá decorrer no caso vertente será, para além da revogação integral da sentença proferida, a de ordenar-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou à parte do mesmo que o Tribunal superior entender dever ser repetida, nos termos do disposto no art. 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, o que se requer [devendo o novo julgamento, total ou parcial, ser realizado por outro magistrado judicial conforme recomenda o art. 426º-A do Código de Processo Penal, o que igualmente se requer].
FF.) – Da síntese dos pedidos formulados com o presente recurso a conhecer pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães
24. Atento o teor dos segmentos A) a E) das presentes conclusões de recurso [e sem prejuízo da demais argumentação expendida na motivação que antecede e que aqui damos por integralmente reproduzida], o nosso pedido prevalecente e prioritário reconduz-se à declaração da nulidade da sentença proferida a 12 de Julho de 2024 bem como, por imperativo lógico da sequência de recursos interpostos, do despacho de indeferimento de prova proferido a 09 de Julho de 2024 e de todos os que se lhe seguiram, com a consequente emissão de ordem superior de realização da diligência de prova por nós requerida na sessão de 09 de Julho de 2024 na sequência do requerimento de 05 de Junho de 2024.
25. Paralelamente, e em complemento, por força da verificação no presente caso do vício acima destacado previsto no art. 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal [insuficiência da matéria de facto para a decisão] e da sua influência no modo como a prova produzida em julgamento foi apreciada e fixada a matéria de facto, requeremos igualmente que seja ordenada a repetição do julgamento na sua totalidade, ou eventualmente apenas a título parcial em conformidade como que for superiormente entendido como mais adequado, embora desde já peticionemos que o novo julgamento, total ou parcial, seja realizado por magistrado judicial diferente do que interveio no julgamento já realizado, conforme recomenda o art. 426º-A do Código de Processo Penal.
26. Em última instância, e caso improceda o pedido anterior, requeremos que seja declarada a procedência do invocado vício previsto no art. 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal [erro notório na apreciação da prova], com idêntica consequência à indicada no ponto 25.) destas conclusões.
Assim, se fará inteira JUSTIÇA.
R.E.D.”.
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4. Antes da prolação daquela sentença, no decurso da audiência de discussão e julgamento, mais concretamente no âmbito da 6ª sessão, ocorrida em 09/07/2024, cuja acta se mostra junta a fls. 1599/1560, tendo sido dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público para se pronunciar quanto à não notificação da ofendida [JJ], pelo mesmo foi dito (transcrição):
“Pese embora, a informação que a ofendida residirá em França, do nosso ponto de vista continua a ser, pelas razões que já indicamos, necessário para a descoberta da verdade, proceder à sua inquirição, ou pelo menos, tentar realizar diligências, com esse objectivo, dada a importância da diligência em causa, pelas razões que já mencionadas no nosso requerimento.
Por conseguinte e atendendo também à escassez de informação que existe sobre a ofendida, promovo, que se solicite ao OPC competente que, averigue/informe, se não for possível a morada, fundamentalmente um contato de email ou contato telefónico da ofendida, de algum familiar, através do qual seja possível contatar com a ofendida, tendo em vista, a sua inquirição, através de meios de comunicação à distância ou agendar a sua inquirição para uma altura em que venha a Portugal, caso isso venha a verificar em momento próximo.”.
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4.1. Dada a palavra aos Ilustres Defensores presentes pelos mesmos foi dito nada terem a opor.
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4.2. Apreciando tal requerimento, o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Considerando que a ofendida já prestou depoimento nos autos, afigura-se-nos dilatório determinar o paradeiro da ofendida, o qual é desconhecido.
Neste sentido, fica assim, prejudicada a reinquirição da ofendida neste processo.”.
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4.3. De seguida pelo Digno Procurador da República foi pedida a palavra, a qual lhe foi concedida e, no uso da mesma disse (transcrição):
“Não obstante a posição firmada pelo Tribunal, no respeito á diligência em perspetiva, entende o Ministério Público, que a não realização da diligência em causa, ou seja não inquirição da menor, tendo em vista, ouvi-la novamente sobre os factos e, designadamente, obter os esclarecimentos, que foram indicados no nosso requerimento/ promoção, constitui a omissão de uma diligência, que se reputa essencial e necessária à descoberta da verdade e que do nosso ponto de vista, de acordo com os elementos existentes, ainda pode ser realizada ou podem ser obtidos elementos tendentes à sua realização.
Por conseguinte, sendo este, o circunstancialismo em apreço, consideramos que, no fundo a negação, ou pelo menos, a não decisão do Tribunal, no sentido da diligência em causa ser realizada, que foi peticionada, constitui, uma nulidade, prevista nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea, d), segunda parte, do Código de Processo Penal, sendo certo que, desde já, arguimos a referida nulidade, para os devidos efeitos legais, solicitando ao Tribunal, que repare a decisão e ordene a obtenção dos elementos por nós peticionados, tendo em vista a inquirição da ofendida.”.
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4.4. Dada a palavra aos Ilustres Defensores presentes para se pronunciarem quanto à invocada nulidade, pelos mesmos nada foi dito.
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4.5. Pelo que, acto contínuo, o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Na sequência da nulidade ora invocada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, entende o Tribunal que a mesma não se verifica uma vez que, compulsados os autos, a ofendida já prestou o seu depoimento e o mesmo consta dos autos.
A omissão da diligência aconteceria, assim, caso o tribunal vedasse a possibilidade da audição da ofendida, o que não aconteceu.
Neste sentido, não verificamos que a reinquirição da ofendida possa constituir a omissão de qualquer diligência necessária para a descoberta da verdade, uma vez que essa diligência já aconteceu no processo.
Nesse sentido julga-se improcedente a apontada nulidade.”.
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5. Inconformado com tais despachos, deles recorreu o Ministério Público, nos termos da peça processual junta a fls. 1617/1626, extraindo o Exmo. Procurador da República subscritor da respectiva motivação as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“AA.) - Enquadramento do objecto do recurso
1. O presente recurso versa sobre os dois despachos proferidos na sessão de julgamento do dia 09 de Julho de 2024, acima destacados sob os pontos VI.) e VIII.) do segmento A.1) da motivação de recurso que antecede: ou seja tanto incide sobre o despacho que indeferiu o pedido de diligências tendentes a localizar a ofendida e a afiançar a sua inquirição em julgamento, rejeitando desde então a possibilidade da mesma ser efectivamente ouvida em julgamento, como sobre o subsequente despacho nos termos do qual o Tribunal rejeitou, outrossim, a existência da invalidade processual invocada pelo Ministério Público nos termos supra expostos.
2. Não obstante o objecto imediato do presente recurso atrás indicado, sucede que, atentas as consequências jurídico processuais nele visadas, o mesmo versa também, reflexamente, sobre a sentença absolutória entretanto proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
3. No âmbito dos presentes autos, os arguidos AA, DD e GG chegaram a julgamento acusados pela prática de UM CRIME DE LENOCÍNIO DE MENORES, imputado aos dois primeiros, e de UM CRIME DE LENOCÍNIO, imputado ao terceiro.
4. A acusação assenta, em suma, na circunstância dos arguidos AA e DD terem promovido a prática por uma menor com idade inferior a 16 anos, a ofendida JJ, de vários actos sexuais de cópula completa e coito anal com vários adultos a troco de dinheiro, tendo os referidos arguidos actuado com proveito económico para si próprios e para o arguido GG que os auxiliou em tal plano, cedendo o seu estabelecimento comercial, denominado “EMP01...”, onde várias mulheres também praticavam actos sexuais com terceiros a troco de dinheiro e providenciavam assim lucro para aquele.
5. Durante a fase de inquérito, em virtude da ofendida ser então menor de idade, houve necessidade de lhe serem tomadas declarações para memória futura.
6. Porém, durante a fase de julgamento destes autos, o Ministério Público formulou nos autos um pedido de realização de diligência de prova ulterior, ao abrigo do disposto no art. 340º, nº 1, do Código de Processo Penal, solicitando a inquirição complementar da ofendida em julgamento atendendo a que actualmente a mesma terá 20 anos de idade.
7. Em tal requerimento explicou-se que a referida diligência probatória se mostrava necessária à descoberta da verdade. porquanto a ofendida era a única testemunha com conhecimento directo dos factos narrados na acusação, fora ouvida para memória futura por pessoas diferentes das que intervieram no julgamento e não lhe foram feitas várias questões que, à luz a prova produzida em julgamento, se impunha fazer [Em reforço da justificação da necessidade de ouvir novamente a ofendida, também se invocou nomeadamente o facto de não ter sido possível ouvir em julgamento os dois indivíduos ... identificados pela P.J. através do telemóvel da ofendida como tendo sido alguns dos indivíduos que, alegadamente, teriam mantidos relações sexuais com esta no EMP01...].
8. Em concreto, e a respeito da globalidade dos fundamentos apresentados no requerimento em apreço, remetemos integralmente para o ponto A.) – III.) do segmento da motivação de recurso que antecede.
9. O Tribunal A Quo, ao ser confrontado com antedito requerimento, deferiu a pretensão do Ministério Público.
Todavia, não foi possível notificar a pessoa em questão para comparecer em julgamento visto que a mesma está a residir em França.
10. Em reacção, o Ministério Público promoveu, então, a realização de diligências tendentes a localizar a ofendida e a afiançar a sua inquirição em julgamento visto que a audição da mesma continuava a revelar-se necessária à descoberta da verdade pelas razões já apresentadas.
11. Chamado a decidir, o Mmo. Juiz indeferiu o pedido, rejeitando desde então a possibilidade da mesma ser efectivamente ouvida em julgamento. Como fundamento, afirmou o Tribunal A Quo ser dilatória a reinquirição da ofendida pois esta já fora ouvida para memória futura.
12. Perante o sentido do aludido despacho, o Ministério Público arguiu de imediato a nulidade processual que tal decisão consubstanciou por traduzir a omissão infundada em fase de julgamento duma diligência necessária à descoberta da verdade, solicitando a sua reparação com o deferimento da diligência peticionada.
13. No entanto, o Tribunal recorrido indeferiu também a arguição da nulidade efectuada pelo Ministério Público.
14. Na sentença proferida a final neste processo, o Tribunal A Quo absolveu todos os arguidos por ter dado como não provados os factos 13.) a 24.) da acusação onde constam, nomeadamente, os factos atinentes aos actos sexuais praticados pela ofendida JJ no interior do estabelecimento EMP01... a troco de dinheiro, apoiando-se num juízo de falta de credibilidade da ofendida. [cfr. a este respeito o ponto A.) – X.) da motivação de recurso que antecede].
15. Estes factos são precisamente aqueles cuja cabal demonstração dependia da negada diligência probatória de inquirição presencial da ofendida JJ.
BB.) – Das razões da nossa discordância face ao decidido
16. Salvo o devido respeito pelo Tribunal A Quo, que aliás é muito, a decisão recorrida apontada no ponto VI.) do segmento A.) deste recurso encerra em si mesma uma clara contradição.
17. Na realidade, quando confrontado com o nosso requerimento de prova o Tribunal recorrido aceitou a audição da ofendida em julgamento e, mais tarde, como não foi possível notifica-la à primeira tentativa, decidiu rejeitar a inquirição da mesma.
18. Se o Tribunal A Quo entendeu ser pertinente ouvir a vítima em face das razões por nós invocadas não faz sentido prescindir dessa audição só porque não foi possível notificá-la à segunda tentativa e porque esta estará a residir em França. Se era necessário à descoberta da verdade ouvi-la complementarmente essa necessidade não desapareceu só porque a vítima se encontra em França!
19. Em segundo lugar importa observar que - como o Ministério Público sublinhou no requerimento apresentado nos autos em ordem à audição da ofendida - apesar desta ter sido ouvida na fase de inquérito para memória futura ficaram contudo por esclarecer, por não lhe terem sido devida e detalhadamente questionados, vários aspectos importantes que, à luz da prova produzida em julgamento, se revelam decisivos – cfr. fundamentos apresentados no requerimento em apreço que constam integralmente do ponto A.) – III.) do segmento da motivação de recurso que antecede. Logo, a rejeição da prova peticionada constitui um impedimento injustificado à sua obtenção.
20. Em terceiro lugar encontramos a existência de elementos que, consistentemente, apontam no sentido da veracidade da versão da vítima e que por essa razão revelam a existência de uma justificação legítima em ordem a chamá-la a ser ouvida novamente no âmbito dos presentes autos apesar de ter sido já inquirida em sede de declarações para memória futura.
21. Com efeito, resultam dos autos os seguintes elementos probatórios, todos eles indicados como prova da acusação: A - um relatório médico legal de psiquiatria forense que, do ponto de vista médico, defende a consistência e credibilidade do relato da vítima; B - um relatório médico legal de avaliação de dano corporal realizado na pessoa da ofendida que atesta a existência no corpo desta de lesões físicas compatíveis com a história que contou aos médicos que a observaram, designadamente no tocante agressões físicas/sexuais de que foi alegadamente vítima; C - mensagens extraídas do telemóvel da vítima trocadas aquando da ocorrência dos factos com dois indivíduos de nacionalidade ..., KK e LL, maiores de idade à data dos factos, segundo as quais esta mantivera relações sexuais com os mesmos a troco de dinheiro; D – as mensagens acima referidas foram obtidas com base num exame ao telemóvel da ofendida realizado pelos inspectores da P.J. MM e NN e as cópias das mesmas constam de documento elaborado pela P.J. e junto aos autos pela Inspectora NN com a data de 25 de Novembro de 2019 conforme resulta de fls. 85 a 91 destes autos; E - os inspectores da P.J. MM e NN ouviram informalmente os dois indivíduos ... atrás mencionados e identificaram-nos tendo estes confirmado perante os inspectores terem mantidos relações sexuais no interior do EMP01...; F - estes inspectores foram ouvidos em julgamentos sobre tal circunstancialismo e confirmaram integralmente o auto de diligência atrás referido e o que lhes foi transmitido pelos referido indivíduos de nacionalidade ....
22. Logo, perante este conjunto de dados, inexistindo nos autos quaisquer outras testemunhas com conhecimento directo dos factos nucleares da acusação, havendo silêncio da parte de dois dos arguidos e rejeição dos factos por parte da arguida, julgamos que era efectivamente imperativo, em ordem à descoberta da verdade e cabal esclarecimento dos factos, ouvir em julgamento a ofendida e confrontá-la com os elementos obtidos em ordem a obter as suas explicações sobre os mesmos.
23. Face ao lastro probatório existente relativamente à factualidade da acusação, e tendo sido solicitada inquirição da ofendida em julgamento, não podia o Tribunal recorrido concluir pela sua falta de credibilidade, ainda para mais quando não fora o Tribunal A Quo a ouvi-la directamente.
24. E mais imperativa se torna tal diligência quando o Tribunal A Quo estribou o fundamento principal da dúvida que afastou a prova dos factos da acusação nas reservas manifestadas quanto à credibilidade da ofendida por força das interrogações ou incompreensões decorrentes que o julgador entendeu existirem em face do que foi por ela dito em sede de declarações para memória futura.
25. Com efeito, e salvo o elevadíssimo respeito que nos merece o Tribunal recorrido, este estabeleceu de forma quanto a nós precipitada uma determinada realidade sobre os factos cuja apreciação lhe é solicitada e rejeitou a prova susceptível de rebater essa mesma realidade na qual se apoiou.
26. Para poder afirmar a dúvida que invocou na sua sentença, o Tribunal recorrido podia e devia ter esgotado os meios ao seu alcance para a dissipar, o que não fez.
27. Ou seja, perante as dúvidas que manifestou sobre a ocorrência dos factos, e perante a quantidade de elementos incriminatórios indirectos existentes associados às declarações da ofendida para memória futura e com estas convergentes, o Tribunal recorrido estava obrigado a ouvi-la em julgamento a título complementar precisamente por ser ela a única fonte probatória alcançável com conhecimento directo dos factos.
CC.) - Consequências a extrair da argumentação expendida nos pontos anteriores
28. Pelo exposto, consideramos que o Tribunal recorrido violou o regime legal previsto nos arts. 125º a 127º e 340º, nrs. 1 a 4, todos do Código de Processo Penal, cuja correcta interpretação e aplicação impunha necessariamente o deferimento da diligência probatória requerida pelo Ministério Público, o que significa que deverá ser revogado o despacho do Tribunal A Quo referido no ponto VI.) do segmento A.1) da motivação do presente recurso por força do qual foi rejeitada a realização de diligências tendentes a localizar e ouvir em julgamento a ofendida JJ e definitivamente afastada a possibilidade de a ouvir sobre o objecto dos presentes autos, o que desde já se requer como pedido final deste recurso.
29. Para além da revogação do despacho em crise, deverá este ser substituído por uma decisão superior que ordene a realização das diligências necessárias a localizar e notificar a ofendida JJ de modo a ser ouvida em julgamento, ainda que tal diligência possa ter de ser eventualmente realizada através de meio de comunicação à distância, designadamente videoconferência, o que igualmente se requer como pedido final deste recurso.
DD.) - Da verificação da nulidade processual invocada pelo Ministério Público
30. Tendo presente o contexto em que nos encontramos, resulta igualmente vincado nestes autos, a partir da análise da argumentação expendida sob os pontos A), B) e C.) da presente motivação de recurso, que o indeferimento, pelo Tribunal A Quo, relativo à produção, em julgamento, da prova testemunhal por nós peticionada gerou uma nulidade processual, nos termos do disposto no art. 120º, nrs. 1 e 2, alínea d), Código de Processo Penal, na medida em que constituiu efectivamente uma omissão duma diligência probatória reputada como essencial à descoberta da verdade.
31. Como tal, em face da construção lógica que temos vindo a empreender, e ao abrigo do disposto no art. 122º do Código de Processo Penal, alcança-se que todos os actos processuais subsequentes aos despachos ora recorridos se encontrarão, para além dos próprios despachos recorridos, também feridos de nulidade, carecendo, por isso, da necessária correcção e repetição.
32. Logo, deverá ser reconhecida e declarada nula a omissão de prova em questão, tal como o despacho que a gerou e aquele que não reparou a mencionada nulidade e, bem assim, todos os actos processuais que se lhes seguiram, como é o caso, nomeadamente, da sentença absolutória que veio a ser proferida nos presentes autos, cuja nulidade ora se pretende ver igualmente declarada, o que outrossim se requer a título de pedido final do presente recurso.
MAS VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO, COMO SEMPRE, O QUE MELHOR FOR DE JUSTIÇA!”.
*
6. Na 1ª instância respondeu a ambos os recursos a arguida AA. 6.1. Ao recurso interlocutório, a fls. 1639/1641, pugnando pela sua improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. O dever de investigação na fase de julgamento encontra-se vinculado ao princípio da necessidade [art. 340º, nº 1], da legalidade [arts. 340º, nº 3, e 125º], da adequação [art. 340º, nº 4, al. c)] e da obtenção [art. 340º, nº 4, al. b)] da prova;
2. Como bem refere Frederico Valdez Pereira: «Ao julgador não cabe substituir as funções das partes no processo, a diligência probatória de oficio deve realizar-se sem alguma intenção de beneficiar qualquer dos interessados, mas assentando-se tão somente na busca de superar situação de incerteza decorrente da incompletude do material probatório, buscando evitar que factos relevantes para a prestação jurisdicional permaneçam incertos, com vista ao resguardo dos interesses públicos indisponíveis inseridos no processo penal.» - cf. citado por Paulo Dá Mesquita, in Julgar nº 25.
3. A reinquirição da ofendida com vista a obter os esclarecimentos que o MP entende como essenciais, não se mostra uma diligência probatória necessária nem capaz de afastar as conclusões retiradas da restante prova.
4. Não existe qualquer outra prova que demonstre a veracidade da versão apresentada pela ofendida;
5. Os esclarecimentos da ofendida não se mostram necessários nem úteis, e o meio de prova é inadequado e de obtenção muito duvidosa
6. A decisão sobre a admissibilidade da inquirição de uma testemunha (no caso, a reinquirição da ofendida) depende de um poder discricionário do juiz, que supõe a demonstração em concreto, e face à restante prova produzida, do interesse dessa inquirição na perspetiva da busca da verdade material. O princípio em questão confere, pois, ao juiz ampla margem de iniciativa no domínio da produção de prova.
7. Não foi demonstrado em concreto o interesse na reinquirição da ofendida, face à restante prova produzida, pelo contrário.
8. Não se mostrando necessária a produção desse meio de prova, não se pode reputá-la como essencial para a descoberta da verdade material.
9. E não sendo, não poderia ser deferida a sua produção.
10. Por não ser uma diligência essencial para a descoberta da verdade material, o seu indeferimento não constituiu uma nulidade (sanável) [art. 120º, nº 2, al. d), parte final].
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.”.
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6.2. Ao recurso da decisão final, a fls. 1642/1650, pugnando, também, pela sua improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1. O Ministério Público interpôs recurso da sentença proferida fundando-o em 3 aspetos: B.1) Nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 340º, nº 1 e 4, alíneas a) a d), em conjugação com o disposto nos artigos 120º, nº 1 e 2, alínea d), e 122º, e por deficiente/insuficiente fundamentação, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal (CPP); B.2) Vicio da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto pelo artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP; B.3) Do vicio do erro notório na apreciação da prova, previsto pelo artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP [invocado a título subsidiário face à questão da realização da diligência de prova que considera estar em falta nos termos atrás expostos]
2. O fundamento da primeira parte do ponto B.1) - a nulidade da sentença por violação do artigo 340º, nº 1 e 4, alíneas a) a d)) é o mesmo argumento usado no 1º recurso (que precede o presente recurso da sentença), em relação ao despacho judicial que indeferiu a repetição da audição da ofendida, incide sobre matéria que foi objeto de recurso autónomo a que já foi dada resposta igualmente autónoma, para a qual se remete.
3. Quanto à 2ª parte do fundamento expresso em B.1) - nulidade da sentença por inexistência de prova suficiente para dar como provados os factos da acusação e “erro notório no exame critico da prova” - é de acordo com as normas indicadas pelo recorrente um vicio decorrente da falta de fundamentação, mais especificamente na falta da enumeração dos factos provados e não provados, ou na falta de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
4. O princípio da legalidade dos atos estabelecido no artigo 118º, “A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, consagra o princípio da taxatividade ou do “numerus clausus” das nulidades.
5. Entre os vícios que determinam a nulidade da sentença não se encontra elencada o invocado “erro notório no exame critico da prova”, sendo este um dos fundamentos do recurso constantes do nº 2 do artigo 410º do CPP.
6. Apenas a falta dos requisitos da fundamentação previstos no nº 2 do artigo 374º, determinam a nulidade da sentença – cf. 379º/1/a) do CPP.
7. O erro notório na apreciação da prova constitui um dos fundamentos do recurso, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum e está previsto na al. c) do nº 2 do artigo 410º do CPP (“erro notório na apreciação da prova”), não constituindo uma nulidade da sentença prevista no nº2 do artigo 374º em conjugação com a al. a) do nº 1 do artigo 379º do CPP.
8. Lida a sentença, esta contém todos os fundamentos exigidos, isto é, a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, procedendo ainda a um exame critico das provas.
9. Quer isto dizer que, não se verificando nenhum dos vícios apontados no citado artigo 374º, nº 2 do CPP, não se pode verificar a nulidade da sentença prevista no artigo 379º/1/a) e invocada pelo recorrente, motivo pelo qual deverá improceder.
10. O recorrente incorre ainda em contradição nos argumentos que usa, pois por um lado entende que existe insuficiência da prova e que esta resulta da rejeição do tribunal na repetição do meio de prova por si requerido, que reputa de essencial – reconhecendo, portanto, que não existe prova suficiente para a condenação -, mas, por outro lado, defende que houve “erro notório” na apreciação da prova considerando que a prova é suficiente e impunha decisão diversa.
11. Por outro lado, o vício do artigo 410.º, n.º 2, al. c) — do erro notório na apreciação da prova – impõe que o recorrente especifique no texto da decisão, sem recurso a prova documentada, os factos que foram dados como provados ou não provados em que se consubstancia tal erro – cf. Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças, “Processo Penal – Quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto in Julgar, nº 10, 2010, pág. 29 e 30, que aqui citamos:
12. O erro notório é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência.
13. O que manifestamente não sucede na sentença em crise, resultando evidente que também não se verifica o apodado vicio do “erro notório na apreciação da prova” indicado nos pontos B.1) e B.3), devendo, por isso, improceder.
14. Parece resultar do recurso que o recorrente entende que a prova foi mal apreciada, o que será um caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conforme dispõe o artigo 412.º, n.º 3.
15. Quanto à prova indicada pelo recorrente em abono da sua argumentação, os dois relatórios médicos, conjugados com o tipo de crime por que estava acusada a arguida, resulta que:
- Da psiquiatria forense: “(..) sem aparentes défices cognitivos nem atrasos do desenvolvimento psicomotor de relevo”; as suas capacidades percetivas, narrativas e mnésicas encontram-se mantidas apesar de referir alguma dificuldade em detalhar pormenores do evento. Não se apuraram alterações de perceção nem do pensamento. O grau de reprodutibilidade acerca dos eventos relatados foi alto, quando comparam as declarações que constam nas peças processuais disponibilizadas. O seu discurso não foi fantasioso nem demonstrou incongruências. Na observação, não se apurou sintomatologia psicótica que possa pôr em causa o seu depoimento.
- Quanto ao exame médico-legal de avaliação do dano corporal, tal relatório terá confirmado a existência no corpo da ofendida de lesões físicas “compatíveis” com o seu relato aos médicos que a observaram, designadamente lesões físicas/sexuais de que foi alegadamente vítima, ou seja, terá sido verificada a existência de sinais de atividade sexual compatível com o relato da ofendida.
16. O primeiro relatório não diz qual a relação da ofendida com a verdade, mas atesta, no entanto, que as suas capacidades percetivas, narrativa e mnésicas se encontram mantidas apesar de referir algumas dificuldades em detalhar pormenores.
17. Além de a experiência nos ensinar que é nos detalhes que se surpreendem os relatos inverosímeis, nenhum dos relatórios confirma em que contexto decorreu a referida atividade sexual, nem a relação entre essa atividade e os arguidos, nem que a essa prática tenha sido obrigada, nem por quem, e se houve algum intuito lucrativo e de quem.
18. Conjugando esses relatórios com a restante prova, designadamente as declarações da ofendida, resulta que:
- 1º - comparando a participação da PSP (auto de notícia), que deu início ao processo, baseada na descrição dos factos feita pela ofendida, com as suas declarações para memória futura, verificam-se diferenças substanciais sobre o curso dos acontecimentos desde que “fugiu” da instituição onde estava acolhida, designadamente quanto aos locais onde pernoitou, bem como quanto ao conhecimento dos arguidos neste processo.
- 2º - Das declarações da testemunha da acusação, OO, assistente social no Centro Social ..., em ..., onde a ofendida estava acolhida, resulta o seguinte: “A JJ era muito complicada; fugia muitas vezes; mentia muito; provocava desacatos na instituição e fora dela”; “tomava medicação” (a toma da medicação foi também confirmada pelo Inspetor MM – cf. declarações da testemunha e do inspetor MM na sessão de julgamento de 30-04-2024);
- 3º - A ofendida refere nas suas declarações para memória futura que esteve fechada num quarto no EMP01... onde foram levadas a cabo as relações sexuais. No entanto, todas as testemunhas, incluindo os agentes da PJ, foram unânimes em referir que não existia qualquer quarto no referido bar;
- 4º - As testemunhas afiançaram que não existiam práticas de natureza sexual naquele espaço e todos os agentes da PJ que fizeram parte da busca efetuada ao local referiram que não foram encontrados quaisquer indícios de práticas de natureza sexual naquele espaço, nem foi recolhida prova dessa prática.
- 5º - Finalmente, quanto aos alegados indivíduos de nacionalidade ... a que se refere o recorrente e à conversa mantida entre eles e o Inspetor MM, este foi questionado sobre a referida conversa e em que língua se fez a comunicação. Respondeu que falaram em inglês, sem tradutor, e que não pode afiançar o grau de conhecimento da língua inglesa pelos referidos indivíduos, nem garantir que eles compreenderam o que lhes foi perguntado, designadamente se praticaram relações sexuais com a ofendida e se decorreram no interior do referido bar – cf. declarações do inspetor da PJ em 30-04-2024
- 6º - Na sessão de julgamento de 19-02-2024, no período da tarde (e de 04-03-2024), foi ouvida a testemunha da acusação KK. No entanto, perante a dificuldade de comunicação existente e o escasso conhecimento da língua inglesa do depoente, foi necessária solicitar a intervenção de um tradutor, suspendendo-se a sua inquirição e retomando-a, com tradutor, no dia 04-03-2024. Concluiu-se mais tarde que não se tratava da testemunha da acusação, mas sim outra pessoa com um nome idêntico – cf. atas de 19-02-2024, período da tarde, e 04-03-24.
19. Não existe nenhuma prova produzida ou examinada nas várias sessões de julgamento que seja suscetível de confirmar a versão da ofendida. Pelo contrário, a prova efetivamente produzida e examinada em audiência de julgamento permite, com elevado grau de segurança, afastar a descrição da ocorrência dos factos na versão da ofendida.
20. Independentemente da valoração que o tribunal concedeu aos depoimentos das “colaboradoras” do bar, é factual que não existe qualquer prova que demonstre a existência de práticas sexuais no interior do bar, não significando isso que tais práticas sexuais possam ocorrer entre os clientes do bar e as colaboradoras fora daquele espaço, como algumas reconheceram.
21. As afirmações do recorrente nos pontos A a E da pág. 6 e 7 do recurso não têm qualquer sustentação em prova produzida ou examinada em julgamento. Da prova existente, sem extrapolações, resulta que:
- a arguida AA não levou a ofendida para o EMP01.... Da prova resulta que a arguida AA e a ofendida foram transportadas no mesmo veículo para o EMP01.... O que é diferente. Isso decorre das declarações da arguida mas também da ofendida, embora nesta último caso com uma conotação diferente.
- a falta de credibilidade atribuída pelo tribunal às declarações das trabalhadoras do EMP01... não impede aquilo que toda a prova objetivamente demonstra: não foram encontrados indícios ou recolhida prova da prática de relações sexuais no interior do bar. Isso é factual.
- a afirmação do recorrente contida no ponto B contraria as declarações do próprio Inspetor MM que não conseguiu garantir que os cidadãos ... tenham compreendido a questão se houve prática sexual no interior daquele estabelecimento, muito menos que a arguida tenha tido algum envolvimento. É o que decorre das suas declarações em audiência de julgamento.
- a afirmação contida no ponto C é obviamente deslocada do âmbito do processo. O que está em causa não é a prática de relações sexuais a troco de dinheiro entre os indivíduos ... e a ofendida, mas sim que essa prática tenha “decorrido no interior do bar”, como refere a ofendida, e que a “arguida tenha obrigado a ofendida à prática de tais atos, explorando-a, e que com eles tenha obtido lucro”.
22. Assim, estando em causa, em relação à arguida AA, saber se fomentou, favoreceu ou facilitou o exercício da prostituição de menor ou aliciou menor para esse fim, atuando profissionalmente ou com segundo a qualificação jurídica dos factos feita pelo MP na acusação (que parece estar errada uma vez que o disposto nos nº 6 e 8 do artigo 177º não se aplica ao caso em apreço):
- A conclusão do ponto D, de que a ofendida foi “levada” pela arguida AA constitui uma extrapolação não fundada na prova, pois esta não conduzia nem tinha carro próprio. Como esclareceu a arguida, ambas foram transportadas para aquele bar no mesmo veículo. Apenas isso.
- A conclusão do ponto E, além de constituir uma especulação do recorrente, não permite concluir pela prática de atos sexuais naquele estabelecimento. Os preservativos não estavam usados e não foram encontrados no interior do bar quaisquer outros que tivessem sido usados. Certo é que não precisam de ter o efeito decorativo que o recorrente ironicamente refere, podem-se destinar às colaboradoras que deles necessitem para a prática sexual fora daquele espaço.
23. Nenhum dos elementos probatórios escolhidos pelo recorrente permitem infirmar a conclusão a que chegou o tribunal, nem demonstram verosimilhança das declarações da ofendida, muito menos a essencialidade da sua reinquirição.
24. Ficando, portanto, claro que não se verificam as apontadas nulidades do despacho que a indeferiu a reinquirição da ofendida, nem qualquer nulidade da sentença, não podendo, assim, o recurso ser procedente quanto a estes vícios.
25. Quanto ao ponto B.2) do recurso - vicio da insuficiência da matéria de facto para a decisão (da matéria de facto provada), previsto pelo artigo 410º, nº 2, alínea a), do CPP, trata-se, nos termos da lei, de um fundamento assente na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
26. Citando o Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças: “Importa ter presente que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde, como não raras vezes se vê alegado, com a insuficiência da prova para os factos que erradamente, segundo o recorrente, foram dados como provados. Se na primeira, se critica o tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir, de acordo com o objecto do processo, retenha-se; na segunda, censura- se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Como é evidente, esta segunda questão tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, com a reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, que hão-de ser inequivocamente visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas, como se sabe. Como também nada tem a ver com o vício da insuficiência que analisamos, como erroneamente por vezes se vê nomeado, quando o recorrente enumera uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua perspectiva deviam ser dados como provados (há insuficiência de factos provados, alega). Parece clara a confusão: verdadeiramente, o que o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal. Ostensivamente, a questão nada tem a ver com o vício do artigo 410.º que curamos, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, como resulta claro, julgamos, do que temos vindo a expor. Finalmente, mas não é o menos importante: sob a ilícita protecção do vício da insuficiência que temos vindo a tratar, nunca pode surgir a criação de um processo novo, um remédio para uma acusação inepta, por exemplo. Explicitando: a mais ampla e possível indagação da matéria de facto (sem prejuízo das situações contempladas nos artigos 358.º e 359.º) tem de ser sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no respeito do objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com um determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo. Concluindo: o recorrente quando alega este vício não pode pretender a subversão do processo; não pode querer outro julgamento de um outro processo.(...)”.
27. A decisão proferida pelo tribunal a quo teve fundamento na prova produzida e foi esta, ou melhor, foi a ausência de prova que permitisse sustentar a versão contida na acusação que determinou a decisão do tribunal.
28. A decisão não merece, por isso, qualquer censura, devendo o recurso improceder.
NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.”.
*
7. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que se mostra junto a fls. 1653 /1655 Vº, aderindo às considerações expostas nos recursos apresentados pelo Exmo. Procurador da República, e adiantando pertinentes considerações jurídicas acerca das questões suscitadas.
Pugnando, assim, pela revogação do despacho recorrido, por violação do Artº 340º do C.P.Penal, com a anulação dos actos processuais praticados após a sua prolação, incluindo a sentença final, devendo ordenar-se a sua substituição por outro que determine as diligências necessárias à localização e/ou obtenção dos contactos da ofendida JJ por forma a possibilitar a sua inquirição em audiência, seguindo-se os demais trâmites legais, o que, a acontecer, prejudicará a apreciação do recurso da sentença.
E, caso assim se não entenda, defendendo que o recurso referente à sentença deve proceder, nos termos propugnados na argumentação que o Senhor Procurador da República a esse propósito expendeu.
*
8. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal [2], veio responder o arguido DD, refutando, em síntese, a argumentação aduzida naquele parecer, e defendendo a manutenção da decisão recorrida (cfr. fls. 1656 / 1657 Vº).
*
9. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [3].
Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que basicamente importa decidir:
1.1. Recurso interlocutório
- Saber se a pretensão do Ministério Público, no sentido de se proceder as diligências para se localizar a ofendida / testemunha JJ, a fim de ser ouvida em julgamento, eram absolutamente essenciais para a descoberta da verdade material, e boa decisão da causa; e
- Saber se o indeferimento dessas diligências probatórias consubstancia nulidade, nos termos do Artº 120º, nº 2, al. d).
1.2. Recurso principal
- Saber se a sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos dos Artºs. 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), e 120º, nºs. 1 e 2, al. d), com os efeitos cominados pelo Artº 122º; e
- Saber se verificam os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e do erro notório na apreciação da prova, previstos no Artº 410º, nº 2, als. a) e c), respectivamente.
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2. Porém, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, e mesmo que a apreciação do recurso da sentença possa ficar prejudicada pela eventual procedência do recurso interlocutório, importa conhecer a factualidade que o tribunal considerou provada e não provada, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade. 2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1.- A JJ nasceu no dia ../../2003.
2.- Por decisão do Tribunal de Família e Menores de Braga, tomada no âmbito do processo que correu os seus termos sob o n.º 140/18...., JJ residiu, até ao ano de 2020, no Centro Social ..., em ..., ..., ao abrigo de uma medida de acolhimento residencial.
3.- A JJ, por diversas vezes, empreendeu fuga daquela instituição de acolhimento.
4.- No dia 22 de outubro de 2019, a JJ fugiu da instituição, tendo pernoitado em diversos locais, designadamente, na cidade ....
5.- Alguns dias depois de se encontrar evadida da instituição, a JJ travou conhecimento com os arguidos DD e AA, que mantinham, então, entre si, um relacionamento amoroso.
6.- O DD e a AA convidaram JJ a ficar a residir temporariamente no domicílio da arguida, sito na Rua ..., ....
7.- Alguns dias depois de ter passado a residir com AA, a JJ começou a trabalhar no estabelecimento de diversão noturna denominado “EMP01...”, sito em ..., explorado pelo arguido GG, por um período de tempo não concretamente apurado.
8.- Para ao efeito, uma vez chegados ao “EMP01...”, a AA e a JJ dirigiram-se ao arguido GG, proprietário do estabelecimento, após falarem com o arguido GG, este admitiu-a como trabalhadora no estabelecimento.
9.- No dia 9 de setembro de 2020, cerca da 01h00, no “EMP01...”, foram encontrados os seguintes objetos: - um Smartphone, propriedade de GG, com os IMEIS ...40 e ...55; - Vários preservativos por utilizar, no interior de um armário existente no quarto onde as mulheres trocavam de roupa.
10.- Nesse mesmo dia, no interior da mala do veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-GB-.., utilizado por GG, foi encontrada uma caixa completa com 144 (cento e quarenta e quatro) preservativos.
11.- No dia 10 de setembro de 2020, pelas 2 horas, na residência da arguida AA, sita na Rua ..., ..., foi encontrado e apreendido um smartphone, da marca ..., ..., com os IMEIS n.º ...02/ ...18.
12.- O estabelecimento “EMP01...” era constituído apenas por um piso, tendo, do lado direito, considerando a porta de entrada, um espaço reservado, com cortinas e com vários bancos e mesas, que se destinavam aos clientes mais frequentes
13.- Em frente à zona do bar, existia um salão com diversos sofás e mesas, bem como um balcão para serviço de bebidas e uma pista com vários varões de dança.
14.- Numa das extremidades do espaço, junto ao balcão, existiam uma pequena divisão, na qual estava um colchão para uso do arguido GG.
15.- Numa outra extremidade, do lado esquerdo do bar, existia um espaço com cacifos e onde as trabalharas trocavam a sua roupa.
16.- O estabelecimento funcionava de terça-feira a domingo, entre as 22:30 horas e as 04:00 horas.
17.- Durante o horário normal de funcionamento, aí permaneciam várias mulheres, em número não inferior a 12 (doze).
18.- A atividade de tais mulheres consistia no aliciamento de clientes homens que o frequentavam a oferecer-lhes bebidas, arrecadando GG metade do preço correspondente e a angariadora da bebida a outra metade.
19.- Os arguidos não têm antecedentes criminais.”.
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2.2. Considerou não provado que (transcrição):
“1.- A data altura, a arguida AA exigiu à JJ que ela começasse a trabalhar para ajudar nas despesas de alojamento e alimentação.
2.- No dia 1 de novembro de 2019, cerca das 23 horas, a AA disponibilizou algumas peças de roupa a JJ e pediu-lhe que as vestisse, pois que ambas iriam, nessa mesma noite, trabalhar algumas horas num bar.
3.- A JJ preparou-se, então, para acompanhar a arguida, tendo-se maquilhado e vestido uma saia curta, um top e umas botas de cano e salto alto.
4.- Quando JJ e AA se encontravam prontas para sair, o arguido DD foi buscá-las à residência de AA e transportou-as, de seguida, para o “EMP01...”.
5.- Momentos antes de entrarem no aludido estabelecimento, DD e AA retiraram o telemóvel a JJ, por forma a que a evitar que a mesma pudesse contactar com familiares ou amigos.
6.- Nessa oportunidade, ambos deram instruções a JJ para não referir a sua idade e caso a mesma lhe fosse perguntada deveria dizer que tinha já 19 (dezanove) anos.
7.- No “EMP01...”, várias destas mulheres acompanhavam, ainda, os clientes aos quartos reservados existentes, onde mantinham relações de natureza sexual, designadamente, de cópula e/ou de coito oral e anal.
8.- Para acederem aos quartos na companhia das mulheres e para com elas praticarem atos de natureza sexual, os clientes pagavam quantias monetárias tabeladas, que variavam entre o mínimo de € 30,00 (trinta euros) e o máximo de € 200,00 (duzentos euros), que revertiam, em regra, metade para o arguido GG e a parte restante para a prestadora do serviço.
9.- Tais preços e serviços eram anotados no cartão de consumo do cliente, entregue à entrada do estabelecimento e, ainda, no cartão da prestadora, para efeitos de controlo do preço pago pelos serviços e percentagens correspondentes.
10.- Sempre que os clientes acediam em manter um relacionamento sexual num dos quartos, eram disponibilizados preservativos às mulheres prestadoras do serviço.
11.- De seguida, GG disse a JJ que deveria abordar os clientes do bar, todos homens, fazendo-lhes companhia, e insistir para que os mesmos lhe pagassem uma bebida, mais lhe tendo referido que se os clientes, para tanto, a solicitassem, deveria dirigir-se para um dos quartos aí existentes e praticar com os mesmos atos sexuais.
12.- O arguido GG entregou a JJ um cartão onde esta deveria registar todas as bebidas consumidas pelos clientes e as idas para os quartos.
13.- Seguindo as instruções e indicações dadas pelo arguido GG, JJ acompanhou, durante aquela noite, cerca de três clientes do sexo masculino, que, após terem ingerido bebidas alcoólicas, lhe solicitaram a prática de atos sexuais.
14.- JJ dirigiu-se, à vez, com cada um desses clientes, para um dos quartos, onde praticou, de forma sucessiva, diversos atos de cariz sexual designadamente, cópula vaginal, oral e anal, fazendo uso de preservativos fornecidos pelos arguidos AA e GG.
15.- Enquanto JJ mantinha relações sexuais com aqueles indivíduos, os arguidos AA e DD permaneceram no estabelecimento, aguardando que a menor terminasse o serviço, transportando-a, depois, de volta para a habitação da arguida AA.
16.- Os indivíduos que mantiveram relações sexuais com JJ desconheciam a idade desta, presumindo, contudo, que a mesma teria mais de 18 anos.
17.- Após a prática de cada ato sexual que a menor manteve com os clientes do estabelecimento, os mesmos procederam ao pagamento daquele serviço, cujos valores não se lograram apurar, entregando o dinheiro percebido ao arguido GG que, posteriormente, o dividiu com AA e DD.
18.- No dia seguinte, 2 de novembro de 2019, AA e DD conduziram, de novo, JJ até ao “EMP01...”, local onde a mesma repetiu a atuação da noite anterior, mantendo relações sexuais com, pelo menos, quatro indivíduos, que ignoravam a sua idade.
19.- Também nessa segunda noite, o pagamento dos serviços prestados por JJ foi feito ao arguido GG que, posteriormente, dividiu os proventos com AA e DD.
20.- Após, AA e DD transportaram JJ até à residência de AA, onde pernoitaram.
21.- Os arguidos nunca entregaram a JJ qualquer quantia monetária pela prestação dos serviços de natureza sexual.
22.- No dia 3 de novembro de 2019, a menor conseguiu reaver o seu telemóvel e abandonou a habitação de AA.
23.- Pelo menos desde o ano de 2014, o arguido GG explorou o estabelecimento “EMP01...”, sendo o primeiro beneficiário de todos os proventos financeiros aí gerados.
24.- A exploração da prostituição decorria no “EMP01...” de forma organizada e especialmente lucrativa, intervindo o arguido GG, pessoalmente e de modo determinante, no desenvolvimento e na organização da mesma.
25.- Era o arguido GG que assegurava o transporte das mulheres contratadas para a prostituição, das suas habitações até ao “EMP01...”, bem como as viagens de regresso, sendo que quando GG não tinha disponibilidade, contratava um motorista para o efeito.
26.- O transporte era assegurado de e para várias localidades, designadamente, ..., ..., ... e ....
27.- Os arguidos AA e DD agiram de comum acordo e em comunhão de esforços e intentos, com pleno conhecimento das atividades de natureza sexual que ocorriam no interior do estabelecimento “EMP01...”, obrigando JJ a prostituir-se contra a sua vontade.
28.- Sabiam os arguidos AA e DD que JJ tinha, então, apenas 15 anos de idade, tendo atuado com o propósito conseguido de, através dos atos de prostituição da menor, obterem e beneficiarem das vantagens patrimoniais derivadas da prestação daquele serviço.
29.- O GG fez da exploração do “EMP01...”, a funcionar nos moldes referidos, o seu modo de vida, gerindo a atividade em moldes empresariais, como se de vulgar atividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comercializam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual, e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço.
30.- O GG não ignorava que, ao atuar da forma descrita, estava a proporcionar naquele estabelecimento o exercício da prostituição, o que logrou e quis, com o único e exclusivo propósito de partilhar os proventos que as mulheres contratadas obtinham por essa via.
31.- Todos os arguidos atuaram, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”.
*
2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):
“O Tribunal formou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e de normalidade, designadamente, na conjugação das declarações da arguida AA com os depoimentos das testemunhas MM, inspetor PJ, PP, inspetor da PJ, QQ, inspetora da PJ, RR, inspetor da PJ, SS, inspetor da PJ, TT, inspetora da PJ, UU, Inspetor da PJ, JJ (ofendida), OO, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC com o teor do relatório de perícia a fls. 5 a 9, 39 e 40, com o teor do relatório pericial a fls. 42 a 43 verso, com o teor do relatório da perícia médico-legal a fls. 1124 a 1131, com o auto de notícia a fls. 13 a 15, com o assento de nascimento de fls. 22 e 23, com o teor da informação médica a fls. 28 a 31, com o teor do auto de diligência a fls. 83 a 94, com o teor da informação de contacto pertencente a GG a fls. 98 e 169, com o teor da informação da página de Facebook do bar “EMP01...” a fls. 145 a 152 com o teor da informação de contacto pertencente a AA a fls. 176, com o teor da informação de registo automóvel em nome de GG a fls. 200 a 206, com o teor do auto de diligência a fls. 209 a 212, com o teor da informação “EMP01...” a fls. 218 e 253, com o teor do auto de diligência a fls. 250, com o teor do auto de diligência a fls. 263, com o teor do auto de busca e apreensão a fls. 375 a 376 e reportagem fotográfica a fls. 385 a 388, com o teor do auto de busca a apreensão a fls. 389 a 401, com o teor do auto de diligência a fls. 435 a 438, com o teor da reportagem fotográfica do “EMP01...” a fls. 451 a 459, com o teor da folha de suporte que contém dois documentos que se encontravam na capa do telemóvel apreendido à arguida AA, a fls. 470, com o teor das transcrições de mensagens a fls. 529 a 665, em especial a fls. 544, 545, 557, 559, 561, 562, 572, 584, 595, 613, 626, 627, com o teor das transcrições de mensagens a fls. 736 a 776, com o teor do relatório do exame ao telemóvel ..., com os IMEIS ...40 e ...55, a fls. 465, com o teor do relatório do exame ao telemóvel ... ..., com o IMEI ...87, a fls. 468, com o teor do relatório do exame ao telemóvel ... P10 Lite, com o IMEI ...18, a fls. 468 verso.
*
Dos depoimentos dos “O.P.C.”:
- A testemunha QQ, inspetora chefe da PJ, referiu, no essencial, o seguinte “(…) estou aposentada; penso que o “EMP01...” estava referenciado por causa de uma menor; na altura da busca, havia clientes no interior do “EMP01...”; estavam lá umas senhoras e clientes sentados a conversar; o “EMP01...” é referenciado com o um bar de alterne; estava lá o dono, Sr. BB, a receber os clientes; existia um corredor com 4 ou 5 tipo quartinhos com um varão; havia lá uma divisão que o Sr. BB dizia que dormia lá;…”
No essencial, esta testemunha também confirmou o auto de busca de fls. 375 e ss..
- A testemunha RR, inspetor da PJ, apenas referiu o seguinte “(…) que acompanhou a busca ao “EMP01...”, referenciado como bar de alterne; o dono, Sr. BB, estava lá; não constatei a prática de atos de cariz sexual; …”
E confirmou o teor do auto de busca ao “EMP01...” junto a fls. 375 e ss..
- A testemunha SS, especialista da PJ na área de telecomunicações e informática, disse, em síntese, o seguinte:”(…) analisei os telemóveis apreendidos”.
E confirmou o respetivo relatório do exame ao telemóvel ..., com os IMEIS ...40 e ...55 de fls. 465; o relatório do exame ao telemóvel ... ..., com o IMEI ...87 de fls. 468; e o relatório do exame ao telemóvel ... P10 Lite, com o IMEI ...18 de fls. 468.
- A testemunha TT, inspetora da PJ, disse, em síntese, o seguinte: ”(…) participei na busca ao “EMP01...”; desconhecia até essa data a existência deste bar; no dia da busca encontrava-se no bar clientes, colaboradoras e o proprietário;..”
E confirmou o teor do auto de busca ao “EMP01....
- A testemunha UU, inspetor da PJ, apenas referiu o seguinte “(…) participei na busca ao “EMP01...”; apenas prestei apoio à busca; o “EMP01...” é um bar de alterne; …”
E confirmou o teor do auto de busca ao “EMP01....
- A testemunha MM, inspetor da PJ, disse, em suma, o seguinte: “(…) estava escalado para os crimes sexuais; recebemos a denúncia do Hospital ...; havia a indicação que se tinha prostituído; iniciamos as diligências necessárias, começando pelas declarações da vítima; houve informação recolhida no telemóvel da vítima; acho que ela levou-nos ao “EMP01...”; a investigação prosseguiu; identificámos viaturas; identificámos o proprietário; fizemos uma busca ao “EMP01... e à residência da arguida AA; não fiquei com dúvidas de que ela esteve no interior do “EMP01...”, atenta a discrição que fez desse espaço; as vigilâncias foram feitas por mim e pela inspetora NN; aquando da busca, estava lá o Sr. BB; no interior do “EMP01...”, há um espaçozinho mais reservado com umas mesas que dá ideia de que os clientes podem estar mais à vontade para conversar; há cinco espécie de guichés com cortinhas com um varão com um sofá para estar sentado; há uma cozinha; havia cacifos para a guarda de bens pessoais das colaboradoras; os guichés com cortinhas parecia uma espécie de provador; se corresse a cortinada ficava-se mais reservado; não havia qualquer porta para aceder a esses guichés com cortinhas; foi apreendido telemóvel do BB e nas buscas da casa da arguida foi apreendido o telemóvel da mesma; na sequência da busca, não foi apreendido qualquer objeto que confirmasse a suspeita de práticas sexuais no interior do “EMP01...”; não havia quartos; não havia camas; a busca foi de noite; dentro dos guichés para as pessoas se sentarem; havia lá uma cama que apurámos que era uma cama usada pelo arguido BB; houve uns indivíduos .../..., uma delas disse que tiveram relações com uma mulher mas não com a ofendida; no telemóvel da JJ tinha conversas que manteve com esses indivíduos; falei com esses indivíduos na GNR ...; eles não reconheceram que tiveram relações com a ofendida; no interior do “EMP01...” estavam entre 5 e 20 mulheres; não presenciei qualquer ato sexual no interior do “EMP01...”; nesses guichés com cortinhas havia um papel afixado que dizia que era proibido ter sexo; os guichés com cortinhas são espaços muito pequeno, do tamanho de um provador de roupa de uma loja; as cortinas desses guichés eram opacas; eu acho que não é possível a prática de atos sexuais nesse espaço; fiquei com a convicção de que o individuo ... teve relações sexuais no interior do “EMP01...”; analisámos 3 telemóveis; acho que o BB não sabia que no interior do “EMP01...” havia práticas sexuais; a maioria dos depoimentos vão neste sentido; aquilo que esperávamos encontrar e não encontrámos, se havia a prática sexual era algo acordado entre as colaboradores e os clientes; não havia caixas de preservativos; não há indícios de que o BB fizesse daquela casa um estabelecimento de lenocínio de maiores e/ou de menores; fiquei com a convicção que ele nem sequer sabia que a JJ era menor; os indivíduos ..., acho que um ou os dois, confirmaram a prática de sexo no “EMP01...”; fiquei com a perceção que o BB desconhecesse essas práticas sexuais; falei com os indivíduos ... em Inglês sem tradutor; …”.
- A testemunha NN, inspetora da PJ, referiu, no essencial, o seguinte “(…) participei na busca; a ofendida ajudou a identificar o apartamento da arguida; a ofendida não foi ao estabelecimento; havia uns compartimentos, sem porta, com cortinha e acho que tinham um varão com uma espécie de marquesa; havia um compartimento com um colchão que parecia destinar-se mais ao proprietário do espaço; esses compartimentos seriam os locais onde as colaboradoras faziam os privados; a acontecer algum ato sexual, em tese, seria nesses compartimentos; não me recordo se haviam espaços; não me pareceu adequado levar a menor ao local; as pessoas colaboram e que frequentam esses espaços têm sempre o discurso estudado de que no interior dos bares de alterne não há sexo; se pensar na estrutura do espaço e nos preservativos, faz-me crer que as pessoas teriam relações sexuais nesse espaço; não vejo um ganho secundário da ofendida com as suas declarações; ouvimos uns indivíduos de nacionalidade ...; no telemóvel da ofendida, há contactos desta com indivíduos de nacionalidade ... que correspondiam a indivíduos que a ofendida disse que eram clientes do “EMP01...”; não me recordo se a ofendida disse que tinha tido relações sexuais no EMP01... ou fora do “EMP01...”; a ofendida disse que houve dias em que não teve com o telemóvel; exibi uma fotografia da ofendida e eles não a reconheceram; um deles disse que teve relações sexuais no “EMP01...”; …”.
*
Dos depoimentos das “colaboradoras”:
- A testemunha WW disse, em suma, o seguinte: “(…) conheço o Sr. BB; já trabalhei na anterior gerência do espaço que agora se chama “EMP01...”; o espaço continua igual; o “EMP01...” é uma casa de alterne; dança-se; pagam-nos uns copos e às vezes uma garrafa; ganhava-se dinheiro a beber uns copos; uma vez por outras, quando precisa de dinheiro, ia trabalhar para o “EMP01...”; ia lá para ganhar dinheiro; a percentagem é de 50% do copo que os clientes pagam; tínhamos um cartão onde se apontavam os consumos; o “EMP01...” não tem quartos; o “EMP01...” tem reservados, com alguma privacidade; nunca vi lá preservativos: nunca vi práticas sexuais no “EMP01...”; já trabalhei em bares de alterne com quartos para sexo; no “EMP01...” não há quartos nem nunca vi práticas sexuais; em média recebemos 30€ ou 40€; o Sr. BB vai lá de vez em quando; tenho uma perceção que a ofendida esteve lá por pouco tempo; por nome não a conheço; tenho uma vaga ideia de que essa rapariga – cfr. fls. 87 - que está na fotografias esteve lá um dia, um dia e pouco, mas não me lembro quando; …”.
- A testemunha XX afirmou, em suma, o seguinte: “(…) o “EMP01...” é uma casa de alterne; ganhamos dinheiro com os copos; ganhamos metade dos copos que vendemos; conheço casas de alterne onde há sexo; nesta casa não há quartos; nesta casa existe um cubículo, com um varão, em que podemos estar mais reservados com os clientes para falar; para começar a trabalhar no “EMP01...” falei com o Sr. BB e acordei os 50% dos copos; já frequento “EMP01...” há muitos anos, ainda não se chamava “EMP01...”; numa sexta à noite e no sábado à noite falei com a ofendida; no primeiro dia ela não fez copos nenhuns; desconheço se foram apreendidos preservativos; eu ando sempre com preservativos; a ofendida estava lá como uma pessoa normal; não sei a idade dela; não faço ideia da idade dela; não tinha confiança para lhe perguntar a idade; não me lembro do período em que ela esteve lá; acho que pode ter sido em 2019/2020; já não me lembro da cara da JJ; ela parecia ter 30 anos; a pessoa que está nas fotografias juntas a fls. 87 já não me lembro se era a JJ; nessa altura não tinha brinco no nariz; nos reservados só ganhávamos o dinheiro dos copos, não recebiam qualquer outro valor acrescido; nos reservados, bebe-se as mesmas bebidas; a bebida mais barata era 20€ e a mais cara 100€; os clientes é que pagavam os copos; tudo fica anotado num cartão; numa noite a JJ disse que ia embora e saiu com um cliente que tinha a pele mais escura; também temos clientes mulheres; há homens que levam lá a namorada e a amante; vi lá o DD e a AA, mas não sei se ele foram juntos; …”
- A testemunha YY referiu, em suma, o seguinte: “(…) trabalhei no “EMP01...”, que é uma casa de alterne; vi uma vez uma menina que entrou com um casal e nunca mais a vi; o dono do “EMP01...” é o BB; não sei o que ela fez no “EMP01...”; comecei a trabalhar no “EMP01...” há cerca de 10 anos; trabalha-se das 22h às 3 ou 4 horas; quando comecei a trabalhar no “EMP01...” falei com o Sr. BB; bebemos, dançamos e ganhamos dinheiro com as bebidas; apontamos num cartão o que bebemos; no “EMP01...” tem um sofá para se estar mais reservado com uma cortinha que nem é cortina; estar nesse reservado ou no meio do bar é quase a mesma coisa; é um pouco mais reservadinho; não há quartos; é tudo no mesmo piso; não sei a idade dessa menina; parecia ter 20 ou 25 anos; ela entrou com um casal; não sei se eram amigos ou não; não conheço esse casal; a menina é a que está na fotografia de fls. 87; …”.
- A testemunha ZZ disse, em suma, o seguinte: “(…) trabalhei no “EMP01...”; conheço o BB; fiz alterne no “EMP01...” entre agosto e setembro de 2020, alguns dias; falei com o BB para trabalhar lá; quem me pagava no fim normalmente, era ele; recebíamos um cartão onde era apontado as bebidas; recebíamos 50% das bebidas; o “EMP01...” tinha mini salas com cortinas para conversar; eram espaços pequenos, com cortinas; quando o cliente não queria ser reconhecido, ia para esse espaço; nesse espaço não havia sexo; não havia toque, era só falar; nunca aceitei qualquer serviço sexual; ...”.
- A testemunha AAA disse, em suma, o seguinte: “(…) conheço o Sr. BB; fiz alterne no “EMP01...” em 2018/2019; bebia copos e ganhava dinheiro com o alterne; andei lá um ano, um ano e pouco; era metade/metade; não sei se o Sr. BB era o dono, mas falei com ele para ir para lá; não havia práticas sexuais no “EMP01...”; estava lá quando fizeram a busca; conversamos e bebemos; os compartimentos eram para conversar e nada mais; nesses compartimentos não havia varão; havia o vestiário para trocar de roupa; havia a sala grande com sofás; havia um espaço onde o Sr. BB descansava; passam as carrinhas de auto estima nesses bares de alterne e dispensas caixas de preservativos, da mesma forma que fazem testes de VIH; essa carrinhas fazem essa nossa segurança, dão preservativos, dão gel, se quisermos fazer algo fora dali; esta miúda trabalhou lá – cfr. fls. 87; o que se consta é que alguém a levou, mas não sei quem; ela esteve lá cerca de duas semanas e só bebeu copos; esta miúda trabalhou lá duas semanas; no “EMP01...” nunca vi a prática de relações sexuais; …”.
***
Dos depoimentos das demais testemunhas:
- O depoimento da testemunha DDD foi absolutamente irrelevante para o apuramento dos factos dado que, como referiu, nunca esteve em ... (tudo indicia que esta testemunha não é nenhuma das testemunhas identificadas na acusação, apesar da coincidência na identificação).
- A testemunha OO referiu, em suma, o seguinte: “(…) conheço a JJ no âmbito profissional; sou da equipa técnica do Centro Social ..., casa de acolhimento; era eu que fazia a gestão do processo de promoção e proteção da JJ; ela esteve connosco algumas vezes; já não está connosco desde 2019; ela ausentava-se muitas vezes; ela andava por muito lado; a JJ tinha um perfil complicado, de mentiras, de provocar desacatos,…; a JJ tinha um comportamento perturbador; ela saiu definitivamente do Centro Social, porque não estava bem na nossa instituição e foi para um lar em ...; no percurso da JJ, houve muitas fugas; uma vez pedi a ajuda da policia que a tirou de dentro de um comboio; ela veio em abril e saiu em dezembro; quando a policia a tirou do comboio, ela tinha um mandado de condução é pedopsiquiatria de ...; ela não me contou nada; ela tomava medicação da pedopsiquiatria; no carro da policia ela contou à policia o que tinha acontecido, mas não me recordo do que ela disse à policia; ...”
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Do depoimento da ofendida (declarações memória futura):
- A vítima JJ referiu, no essencial, o seguinte – cfr. fls. 1303 a 1334: “(…) eu fugi algumas vezes da instituição; eu tinha fugido da instituição, tinha 15 anos; e estava a viver na rua; eu estava a pedir dinheiro às pessoas para comer e, entretanto, calhou de pedir à D.a AA; eu não a conhecia ainda, e ela disse que me ia ajudar; que me ia dar casa, que eu ia estar bem e que... a prometer-me muitas coisas; eu acabei por ir para casa dessa senhora, onde conheci o Sr. DD, que era o namorado dela, e eles trataram-me bem, ao início, estive lá umas semanas, estava tudo a correr bem, até que houve um dia em que ela me disse que eu iria ter de começar a trabalhar; ela disse que eu teria de ganhar dinheiro para as despesas que eu causava em casa e, um determinado dia, ela pegou em mim, à noite, por volta das 11horas, e disse que eu iria trabalhar para um bar e eu pensei que fosse, tipo, para trás do balcão; Mas quando lácheguei, dei por ela que aquilo era tudo menos um bar normal; eles levaram-me para ...; entretanto, nós entrámos no bar e D.a AA foi falar com o Sr. BB, que era o chefe do bar, e ela foi-lhe dizer que eu tinha 19 anos, que precisava de trabalhar, porque não tinha mais para onde ir e assim; eu disse que não queria ficar lá, entretanto, eles fecharam-me dentro de um quarto e entrou lá um senhor que começou-me a agarrar e que, tipo, forçou-me a fazer coisas que eu não queria e chamava-me nomes, tipo, "prostituta" e assim; só aí é que eu comecei a ver no que é que eu estava metida; depois, ao fim desse senhor, veio outro, e outro, e outro... eles iam-me batendo; tudo na mesma noite; batiam-me e depois forçavam-me a ter relações sexuais; metiam o pénis na vagina; eles agarravam-me e puxavam-me pelos cabelos e não sei quê... e pronto, fui forçada várias vezes a fazer isso sem querer; eles entravam e faziam o que queriam; o bar chamava-se EMP01...; foi metida num quarto e que apareceram vários homens; aí uns seis, sete; foi desde as 11horas até às 3 da manhã; os rapazes que vinham ter comigo, quando eles saíam, eles entregavam o dinheiro à D.a AA, ela ficava com o meu dinheiro todo, e ela dizia que era para as despesas da casa; ela é que me levou, que fez com que eu ficasse lá a trabalhar, ela é que falou com o patrão, com o Sr. BB; quando eu estava a sair, vi o BB a entregar dinheiro à D. AA; ela estava com as notas e disse que eu não poderia receber menos de 35 euros, que tinha de dar dinheiro para a casa, e que não chegava, e que eu iria ter que trabalhar mais, e foi aí que eu percebi que ela estava a ficar com o dinheiro todo; houve outras noites em que eles me fizeram a mesma coisa; na quarta noite foi lá um pretinho; ele perguntou-me o que é que se tinha passado e eu contei-lhe toda a verdade; que eu estava lá porque a senhora me meteu lá, que estava a ser forçada a fazer coisas que não queria; esse senhor disse que me ia ajudar; depois esse senhor levou-me para casa dele, eu fiquei lá uma noite e ele deu-me dinheiro e, no dia a seguir, eu apanhei o comboio para ... e entreguei-me à instituição; depois eu fui para o hospital, ao IML, porque eu estava com várias marcas e coisas assim; Veio a polícia do ..., entretanto, eu disse onde era a casa dos senhores; estive no EMP01... quatro noites todas seguidas; eles depois trancavam-me no carro e eu ia direta para ...; e ficava dentro de casa, não saía o dia todo; a AA tirou-me o meu telemóvel para eu não falar com ninguém, ela adicionava os clientes no meu Facebook e falava com eles, a pedir dinheiro - que eu também mostrei à polícia, na altura - a pedir dinheiro para eu ir trabalhar e... e pronto; ela tirava-me o telemóvel, eu ficava em casa, de casa, ia para o bar, do bar, ia para casa e não fazia mais nada; Depois, no outro dia, foi quando aquele senhor, o pretinho me ajudou; esteve umas semanas na rua e da rua foi para casa da D.a AA, estive lá uma ou duas semanas; para além das noites que passei na casa da AA, nunca foi dormir a outros locais; cheguei a dizer que não queria, mas ela dizia-me sempre se eu preferia ir para o meio da rua outra vez ou se preferia ficar com ela e ter de fazer um sacrifício, e ela sempre me ameaçava que me botava para a rua e eu tinha muito medo, porque ela também disse que sabia de donde é que eu era e não sei quê, e até porque o Sr. DD ainda vê as minhas coisas no Instagram, de vez em quando, eu vejo que ele vê, ele vai visitar o meu perfil e vê as minhas coisas; eu ia lá para dentro para os quartos e ficava lá fechada, até que alguém entrasse; muitas vezes, quando eu não queria lhe dar o telemóvel, ela batia-me, dava-me chapadas na cara; cheguei a ficar com marcas; o sexo era muito agressivo; fazia coito vaginal e, uma vez, anal; quando estava no hospital recebi mensagens de clientes; supostamente, eles falavam com a D. AA; quando ela me tirou o telemóvel, eu tentei fugir; ela tirou-me o telemóvel antes de me pôr a trabalhar, para eu não dizer a ninguém; depois já de ela me ter tirado o telemóvel, ela disse-me, no próprio dia, na noite, que eu iria trabalhar e levou-me ao bar; …”
***
Evidenciada, assim, a “prova testemunhal”, não podemos, desde já, deixar de acompanhar a convicção da testemunha NN (inspetora da PJ) no sentido de que as “colaboradoras das casas de alterne” têm um “discurso estudado” e “dificilmente fazem qualquer alusão a relações intimas/sexuais que possam ter com os clientes no interior desse mesmo bar de alterne”.
Por esta única razão, os depoimentos das testemunhas AAA, ZZ, YY, XX e WW foram absolutamente irrelevantes para o apuramento dos factos.
A mesma irrelevância probatória foi atribuída aos inspetores da PJ que, no essencial, apenas se limitaram a confirmaram o auto de busca ao “EMP01...”, ou seja, os depoimentos das testemunhas UU, TT, SS, RR, NN e QQ.
Por maioria de razão, a audição da “testemunha” DDD, dado o manifesto equívoco, também não teve qualquer virtualidade probatória.
Afastada, assim, a virtualidade destes depoimentos, cumpre afirmar que em face da restante prova, temos confessadas dificuldades em ajuizar que “no EMP01... desenvolvem-se relações de cariz sexual, a troco de dinheiro e com o conhecimento do arguido GG”.
E esta nossa convicção não está alicerçada, obviamente, na já evidenciada conveniência dos depoimentos das colaboradoras do “EMP01...”, pelos motivos já aduzidos e evidenciados pela testemunha NN.
Na verdade, esta nossa convicção está sustentada no depoimento isento de credível do inspetor chefe da PJ MM porquanto afirmou, reiteradamente, na audiência de julgamento, que não há indícios de que no “EMP01...” exista sexo a troco de dinheiro e com o conhecimento do arguido GG.
Note-se que este depoimento isento e credível desta testemunha MM não se enquadra, indiscutivelmente, na apontada categoria dos “depoimentos estudados” a que aludiu a testemunha NN (inspetora da PJ).
Neste contexto, não podemos deixar de valorar positivamente, até por causa da meritória experiência profissional da testemunha MM, a sua afirmação de que neste “bar de alterne, onde existem espaços privados protegidos apenas por cortinas opacas, onde foram aprendidos alguns preservativos por usar, … não há sexo com o conhecimento do arguido GG”.
Será, assim, exigível e legítimo sobrepor as nossas opiniões confessadamente parciais e subjetivas sobre a realidade dos bares de alterne a este depoimento credível, objetivo e informado?
A resposta a esta questão, por muito que a mesma até viole os nossos confessados preconceitos relativamente às casas de alterne, não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, compilada toda a prova, não existe indícios fortes, objetivos e indiscutíveis que permitam imputar ao arguido GG a factualidade inscrita na douta acusação, com a imputada intenção, e que, a provar-se, faz incorrer este arguido na prática de um crime de lenocínio, previsto e punível pelo artigo 169.º, n.º 1 do Código Penal.
Destarte, em face do quadro probatório supra evidenciado, nada mais restava ao tribunal do que ficar na dúvida sobre a prática dos factos por parte do arguido GG e que lhe são doutamente imputados no libelo acusatório.
Pelo exposto, por força do Princípio Constitucional in dúbio pro reo, impõe-se dar como não provada essa mesma factualidade.
Mas mesmo sem o conhecimento do arguido GG, será que foi apresentada prova, objetiva, clara e inequívoca que nesse bar de alterne, denominado “EMP01...”, os arguidos AA e DD fecharam a ofendida “num quarto”, “obrigaram-na a ter relações sexuais com desconhecidos e contra a vontade desta” e “apoderaram-se do dinheiro que os clientes pagaram após ter relações sexuais com a ofendida”?
Se nos ativermos à reposta dada à primeira questão supra evidenciada, impõe-se, desde logo, responder negativamente também a esta questão.
Com efeito, se não há indícios de práticas sexuais no interior do “EMP01...” com o conhecimento do arguido GG, dificilmente se pode sustentar a demais factualidade inscrita na douta acusação e também imputada a este arguido e aos demais arguidos.
Na verdade, tendo por referência a factualidade inscrita na douta acusação, não se provando, conforme já evidenciado, que o arguido GG aufere rendimentos provenientes das relações sexuais que as colaboradoras desenvolvem no interior do “EMP01...”, dificilmente se pode sustentar que o mesmo permitiu a prática de tais atos na pessoa da ofendida e que, na sequência do alegado prévio acordo com os demais arguidos, entregou à AA os valores pagos pelos clientes que mantiveram essas relações sexuais com a ofendida e contra a vontade desta.
Não obstante esta nossa conclusão, podemos questionar, porém, que a realidade narrada pela ofendida aconteceu efetivamente nos termos por ela descritos, ou seja, com o conhecimento e com o acordo também do arguido GG.
Estaríamos, nesta situação, perante um episódio ocasional em que os três arguidos, de comum acordo, aproveitando a fragilidade emocional e sabendo da menoridade da ofendida, decidiram submete-la ao imputado tratamento desumano, vil, imoral e indiscutivelmente criminoso.
Acontece que, apesar do teor dos relatórios periciais juntos a fls. 8, 9, 1124 e 1131 e da certeza que a ofendida esteve, indiscutivelmente, num período de tempo não concretamente apurado, a trabalhar no “EMP01...”, como salientou, por exemplo, a própria arguida AA, é nosso entendimento que a narrativa da ofendida apresenta algumas incongruências que prejudicam irremediavelmente a sua credibilidade.
A primeira dessas incongruências resulta, desde logo, do facto de na queixa que a ofendida apresentou, no passado dia 12-11-2019, ter referido que foi obrigada pela arguida AA a ter relações sexuais com outros homens num bar nos dias 1 e 2 de novembro e no depoimento que prestou nos autos e supra evidenciado ter relatado semanas de cárcere e de abusos sexuais.
Suportou esse cenário de violações e cárcere durante dois dias ou durante uma semana?
A segunda incongruência resulta do facto da ofendida ter mencionado no seu depoimento que, após a ajuda de um cliente, apanhou o comboio, entregou-se à instituição donde tinha fugido e foi encaminhada para o hospital.
Acontece que, a testemunha OO não confirmou este cenário de apresentação voluntária junto da instituição, descrito pela ofendida.
Com efeito, como relatou a testemunha OO, após ter avistado a ofendida no comboio, após a sua fuga da instituição, solicitou a ajuda da policia que a conseguiu “deter” e, depois, foi encaminhada para o Hospital ... por causa de um “mandado” da pedopsiquiatria.
A terceira incongruência resulta do facto da ofendida, como referiu e consta da douta acusação, estar na posse do seu telemóvel entre o dia 3 de novembro e o dia em que foi “detida” pela policia e encaminha para o hospital (dia 12-11-2019) e, neste período de tempo, após ter sofrido as agressões sexuais que relatou, nunca solicitou ajuda a ninguém, exceto a um cliente do “EMP01...”, a quem pediu ajuda, como desejado sucesso.
Mas quem é essa pessoa a quem a ofendida pediu ajuda, ainda no “EMP01...”, e que logrou libertá-la dessa desumanização? Quem é a pessoa que até acolheu a ofendida em sua casa, após essa liberdade?
Note-se que nenhuma das testemunhas inqueridas pela PJ, independentemente da nacionalidade e da cor da tez, como referiu o inspetor da PJ MM, sugeriu que ajudou a ofendida a sair do “EMP02...” e dessa barbárie?
Nem as testemunhas “de nacionalidade .../...”, como também evidenciou esta testemunha, sequer sugeriram tal cenário.
Mas mesmo que essa ajuda tivesse acontecido nos termos descritos pela vítima, não terá a ofendida sido abordada pela policia “já no interior do Comboio”, por causa de um “mandado” da pedopsiquiatria e porque a mesma andava fugida do Centro Social, como referiu a testemunha OO?
A quarta prende-se com o “quatro” existente no interior do EMP01..., onde a ofendida era “trancada e aí submetida a várias violações sexuais”.
A que espaço se refere a ofendida, atenta a discrição do interior desse bar efetuado pela testemunha MM e àquela que evidenciam as fotografias juntas a fls. 453 e ss.?
A quinta perplexidade resulta da afirmação da ofendida de que enquanto a arguida AA teve na sua posse o seu telemóvel, era a arguida quem trocava mensagens, com uso do seu telemóvel, com os clientes.
Acontece que do exame pericial ao telemóvel não existe uma única mensagem que sugira tal cenário de troca de mensagens entre o seu perfil e qualquer cliente.
Por fim, mas não se somenos importância, não podemos deixar de dizer o seguinte:
- a participação crime da ofendida à PSP data de 12-11-2019 – cfr. fls. 12;
- nessa participação crime, a ofendida queixou-se de estar “sequestrada e de ser sexualmente explorada” pela arguida AA nos dia 1 e 2 de novembro de 2019;
- nessa participação crime, a ofendida afirma que recuperou o telemóvel no dia 3 de novembro de 2019;
- curiosamente, no dia 10 de novembro de 2019, a JJ trocou mensagens, pelo menos, com um dos seus putativos violadores – cfr. linhas 147 a 149 de fls. 64-, curiosamente, a JJ até envia a um dos putativos violadores uma “selfie” na cama de um hospital e, curiosamente, a JJ até responde a esse seu agressor que “eu não tenho ido trabalhar”, referindo-se, obviamente, ao “EMP01...” – cfr. mensagens juntas a fls. 89 e 90.
Dito isto, apenas nos apraz concluir que a prova produzida é manifestamente insuficiente para o tribunal ajuizar, com a certeza que se exige, que os arguidos praticaram os factos que lhe são imputados na douta acusação.
Assim, neste cenário de confessadas dúvidas, nada mais restava, por força do Princípio Constitucional in dúbio pro reo, também dar como não provada essa mesma factualidade.
Por fim, foram ainda relevantes os CRCs juntos aos autos quanto aos antecedentes criminais dos arguidos.”.
*
3.Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo Ministério Público nos seus recursos, começando, obviamente, pela apreciação do recurso intercalar.
Para tanto devendo atentar-se, para além do já supra exposto, nas seguintes incidências processuais que os autos revelam, as quais melhor nos permitirão apreender as questões suscitadas: a) Em 21/06/2022 deduziu o Ministério Público a acusação que consta de fls. 1404 Vº / 1412 Vº, imputando:
- À arguida AA a prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de lenocínio de menores, p. e p. pelos Artºs. 175º, nºs. 1 e 2, al. d), agravado nos termos do 177º, nºs. 4 e 6, com referência ao nº 8 do mesmo preceito legal, todos Código Penal;
- Ao arguido DD a prática, em co-autoria material, e na forma consumada, de um crime de lenocínio de menores, p. e p. pelos Artºs. 175º, nºs. 1 e 2, al. d), agravado nos termos do 177º, nºs. 4 e 6, com referência ao nº 8 do mesmo preceito legal, todos Código Penal; e
- Ao arguido GG a prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo Artº 169º, nº 1, do Código Penal; b) Tais ilícitos criminais, segundo essa acusação pública, traduziram-se, em síntese, em termos objetivos, na circunstância de os arguidos AA e DD terem promovido a prática por uma menor com idade inferior a 16 anos, a ofendida JJ, de vários actos sexuais de cópula completa e coito anal com vários adultos, a troco de dinheiro, actos estes que tiveram lugar durante a primeira quinzena de Novembro de 2019, tendo os referidos arguidos actuado com proveito económico para si próprios e para o arguido GG que os auxiliou em tal plano, cedendo o seu estabelecimento comercial, denominado “EMP01...”, onde várias mulheres também praticavam actos sexuais com terceiros a troco de dinheiro, em regime de colaboração profissional com o mesmo, que também obtinha rendimentos à custa de tal actividade; c) Sob requerimento do Ministério Público, pelo despacho de 20/04/2021, exarado a fls. 1103, foi determinada a audição da menor JJ, através de declarações para memória futura, nos termos do disposto no Artº 271º, nº 1, do C.P.Penal, diligência essa que foi deprecada à Comarca de Lisboa, em virtude de a ofendida residir naquela localidade e não ter sido possível fazê-la deslocar-se a ..., vindo a mesma a realizar-se no dia 31/05/2021, no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa , conforme resulta do auto de fls. 1283/1284); d) Não obstante tais declarações para memória futura, durante a fase de julgamento destes autos, mais precisamente no dia 05/06/2024, através do requerimento que consta de fls. 1582/1584, ao abrigo do disposto no Artº 340º, nº 1, do C.P.Penal, solicitou o Ministério Público a inquirição complementar e presencial da ofendida em julgamento, em data a designar, com vista a dela obter vários esclarecimentos em falta, ou outros que se mostrem pertinentes; e) Em tal requerimento aduziu o Exmo. Procurador da República que a referida diligência probatória se mostrava necessária à descoberta da verdade, porquanto a ofendida era a única testemunha com conhecimento directo dos factos narrados na acusação, fora ouvida para memória futura por pessoas diferentes das que intervieram no julgamento, e não lhe foram feitas várias questões que, à luz a prova produzida em julgamento, se impunha fazer, as quais ali concretiza; f) Na 4ª sessão de julgamento, ocorrida no dia 06/06/2024, o Mmº Juiz concedeu aos arguidos um prazo de cinco dias para se pronunciarem sobre essa pretensão do Ministério Público e, independentemente da decisão a proferir sobre o assunto, desde logo determinou a notificação das testemunhas cuja audição havia sido solicitada, entre as quais se incluía a ofendida JJ; g) Por registo de 11/06/2024 foi a dita ofendida notificada para comparecer em tribunal no dia 02/07/2024, pelas 9H30, a fim de ser ouvida em audiência de julgamento, notificação essa que ocorreu no dia 12/06/2024, conforme consta de fls. 1593; h) Na 5ª sessão de julgamento, ocorrida no dia 02/07/2024, tendo sido constatada a falta da dita ofendida, o Exmo. Procurador da República promoveu a sua notificação através de contacto pessoal, via OPC; i) Ouvidos os arguidos, que disserem nada terem a opor ao promovido, o Mmº Juiz determinou a notificação da dita testemunha, JJ, através do OPC, e designou o dia 09/07/2024, pelas 9H30, para continuação da audiência, agendando-a ainda para o dia 12/07/2024, pelas 9H30 horas, na eventualidade de a dita testemunha não comparecer nessa primeira data (09/07/2024); j) Por ofício de 04/07/2024 foi solicitado à P.S.P. ... a notificação da ofendida, nos aludidos termos; k) Na data aprazada, 09/07/2024, previamente ao início da audiência, fez-consignar ter sido contactada, via telefone, a Esquadra da P.S.P. ... no sentido de saber o resultado da diligência solicitada, no que concerne à notificação da ofendida JJ, tendo sido dada a informação de que a mesma se havia frustrado, e que a testemunha se encontraria em França; l) Dada a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público para dizer o que lhe aprouvesse quanto à não notificação da ofendida [JJ], o mesmo pronunciou-se nos termos já supra aludidos em I.4., que ora se recordam:
“Pese embora, a informação que a ofendida residirá em França, do nosso ponto de vista continua a ser, pelas razões que já indicamos, necessário para a descoberta da verdade, proceder à sua inquirição, ou pelo menos, tentar realizar diligências, com esse objectivo, dada a importância da diligência em causa, pelas razões que já mencionadas no nosso requerimento.
Por conseguinte e atendendo também à escassez de informação que existe sobre a ofendida, promovo, que se solicite ao OPC competente que, averigue/informe, se não for possível a morada, fundamentalmente um contato de email ou contato telefónico da ofendida, de algum familiar, através do qual seja possível contatar com a ofendida, tendo em vista, a sua inquirição, através de meios de comunicação à distância ou agendar a sua inquirição para uma altura em que venha a Portugal, caso isso venha a verificar em momento próximo.”; m) Após ter dado a palavra aos Ilustres Defensores presentes, que nada opuseram, o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho supra aludido em I. 4.2., que novamente se transcreve:
“Considerando que a ofendida já prestou depoimento nos autos, afigura-se-nos dilatório determinar o paradeiro da ofendida, o qual é desconhecido.
Neste sentido, fica assim, prejudicada a reinquirição da ofendida neste processo.”; n) Acto contínuo o Digno Magistrado do Ministério Público efectuou requerimento nos termos supra aludidos em I. 4.3., que também ora se recordam:
“Não obstante a posição firmada pelo Tribunal, no respeito á diligência em perspetiva, entende o Ministério Público, que a não realização da diligência em causa, ou seja não inquirição da menor, tendo em vista, ouvi-la novamente sobre os factos e, designadamente, obter os esclarecimentos, que foram indicados no nosso requerimento/ promoção, constitui a omissão de uma diligência, que se reputa essencial e necessária à descoberta da verdade e que do nosso ponto de vista, de acordo com os elementos existentes, ainda pode ser realizada ou podem ser obtidos elementos tendentes à sua realização.
Por conseguinte, sendo este, o circunstancialismo em apreço, consideramos que, no fundo a negação, ou pelo menos, a não decisão do Tribunal, no sentido da diligência em causa ser realizada, que foi peticionada, constitui, uma nulidade, prevista nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea, d), segunda parte, do Código de Processo Penal, sendo certo que, desde já, arguimos a referida nulidade, para os devidos efeitos legais, solicitando ao Tribunal, que repare a decisão e ordene a obtenção dos elementos por nós peticionados, tendo em vista a inquirição da ofendida.”; o) Concedida a palavra aos demais sujeitos processuais para se pronunciarem quanto à nulidade suscitada, pelos mesmos foi dito nada terem a requerer; p) Pelo que, acto contínuo, o Mmº Juiz a quo proferiu o despacho supra aludido em I.4.5., que também aqui se recorda:
“Na sequência da nulidade ora invocada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, entende o Tribunal que a mesma não se verifica uma vez que, compulsados os autos, a ofendida já prestou o seu depoimento e o mesmo consta dos autos.
A omissão da diligência aconteceria, assim, caso o tribunal vedasse a possibilidade da audição da ofendida, o que não aconteceu.
Neste sentido, não verificamos que a reinquirição da ofendida possa constituir a omissão de qualquer diligência necessária para a descoberta da verdade, uma vez que essa diligência já aconteceu no processo.
Nesse sentido julga-se improcedente a apontada nulidade.”; q) De seguida foi dada a palavra ao Digno Procurador da República e aos Ilustres Defensores presentes para alegações orais, findas as quais foi designado o dia 12/07/2024 para a leitura da sentença (cfr. acta de fls. 1599/1560), a qual veio efectivamente a ocorrer.
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Ora, feita esta circunstanciada resenha das principais ocorrências processuais, há que ponderar, desde logo, da bondade do despacho recorrido, proferido na sessão de julgamento de 09/07/2024, em cujo âmbito o tribunal a quo indeferiu a realização de diligências tendentes a apurar o paradeiro da ofendida JJ com vista à sua posterior (re)inquirição.
Indeferimento esse que o recorrente refuta, alegando, em síntese, violação do princípio da investigação ou da verdade material plasmado no Artº 340º, nº 1, do C.P.Penal.
Vejamos.
Referindo-se, antes de mais, que se afigura correcto o iter processual seguido pelo recorrente quanto a esta questão.
Pois, tendo o tribunal a quo indeferido as diligências solicitadas tendentes a apurar do paradeiro da testemunha JJ, e à sua posterior (re)inquirição, de imediato, o Ministério Público, de forma expressa, invocou nulidade, nos termos do disposto no Artº 120º, nº 2, al. d), e nº 3, al. a).
Nulidade essa que, porém, foi desatendida pelo tribunal a quo, nessa sequência tendo sido interposto o recurso ora em apreciação.
Efectivamente, tal nulidade verifica-se quando se omite a prática de actos processuais probatórios que a lei classifica como “indispensáveis” ou “necessários” no Artº 340º e “essenciais” na al. d) do Artº 120º, nº 2, ambos do C.P.Penal, nas fases de julgamento e de recurso.
Com efeito, dispõe o Artº 120º, do C.P.Penal, que:
“1 - Qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte.
2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
(…)
d) (…) a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado;
(...)”.
Na senda de jurisprudência maioritária, pugnamos do entendimento segundo o qual o indeferimento de requerimento, efectuado no decurso da audiência de discussão e julgamento, de produção de novos meios probatórios, à luz do disposto no Artº 340º do C.P.Penal, quando se entender que assim se omitem diligências essenciais à descoberta da verdade, constitui a nulidade sanável, prevista no citado Artº 120º, nº 2, al. d), do C.P.Penal. Nulidade essa que deverá ser previamente reclamada antes que o acto onde foi praticada esteja terminado, nos termos prescritos no nº 3, al. a), do mesmo preceito legal, o que no caso deveria ocorrer até ao termo da audiência de discussão e julgamento, sob pena de dever considerar-se sanada, tal como dispõe o Artº 121º, do C.P.Penal, e sob pena de (tal nulidade) não poder ser sindicável por via de recurso directo, aqui se acompanhando o que a propósito decidiu este TRG no acórdão de 27/04/2009, proferido no âmbito do Proc. nº 12/03.2TAFAF.G1, em que foi relator o Exmo. Desembargador Cruz Bucho, disponível in www.dgsi.pt, aliás citado pela Exma. PGA. no seu douto parecer.
Feita esta observação, há que trazer à liça o Artº 340º do C.P.Penal, que sob a epígrafe “Princípios gerais” – da produção da prova –, prescreve:
“1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) (Revogada.)
b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”.
Como lapidarmente esclarece o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2ª Edição Revista, págs. 1048/1049, em tal preceito legal estabelecem-se os princípios gerais em matéria de produção de prova na audiência.
A esse propósito – diz –, “A procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça, constitui o fim último do processo penal. O processo penal não é um processo de partes, não existindo o ónus da prova. Por isso, a lei atribui ao tribunal o poder/dever de ordenar, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova que entenda necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
É a consagração legal do princípio da investigação ou da oficialidade.
Há que ter em atenção, porém, que num Estado de direito a procura da verdade material e a realização da justiça não podem ser alcançadas a qualquer preço”, devendo a procura da verdade, no âmbito do procedimento penal, designadamente na audiência, processar-se “de acordo com as garantias constitucionais e os princípios gerais de processo penal”, dente os quais “há que destacar os princípios da legalidade, da necessidade e da adequação.”.
Deste modo, só poderão ser produzidos meios de prova não proibidos por lei – artigo 125º -, indispensáveis para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e úteis, indispensabilidade e utilidade que deverão ser aferidas em função do objecto do processo.
Daí que nos nºs. 3 e 4 se preveja o indeferimento de pedido de produção de prova no caso de inadmissibilidade legal da prova ou do respectivo meio, bem como quando a prova é, patentemente, irrelevante ou supérflua, o meio de prova é notoriamente inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa e quando o pedido apresentado tenha, manifestamente, finalidade meramente dilatória.
De acordo com a alínea a) do nº 1 (...) os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for patente que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, a menos que o tribunal entenda que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa, excepção tributária do princípio da verdade material e boa administração de justiça. Não é de aceitar, evidentemente, que qualquer dos sujeitos do processo que há muito conheça a existência de determinado meio de prova só na audiência o revela, tanto mais quer tal comportamento é susceptível de dificultar o exercício do contraditório.
A prova deve ser considerada irrelevante quando é indiferente, sem importância ou interesse para a decisão da causa, supérflua quando é inútil para a decisão da causa; inadequada quando é imprópria, nada permite demonstrar ou estabelecer, de nada serve para a decisão da causa; de obtenção impossível ou de obtenção muito duvidosa quando é inalcançável ou, segundo as regas da experiência, improvavelmente alcançável; com finalidade meramente dilatória quando visa protelar ou demorar a audiência.”.
Ora, transpondo para o caso vertente as normas e princípios jurídicos supra sumariamente expostos, cremos que a razão está do lado do recorrente quando sustenta terem sido omitidas diligências essenciais para a descoberta material.
Na verdade, no requerimento do Ministério Público de 05/06/2024, sobre o qual incidiu o despacho de 02/07/2024, o recorrente fundamentou devidamente a necessidade de audição da referida testemunha, diligência que foi, então, assim reconhecida pelo tribunal a quo, pois, mau grado não o tenha declarado expressamente, após cumprir o contraditório, deferiu aquela pretensão, ordenando a comparência da testemunha, através de OPC, para ser inquirida em sede de audiência na sessão de 09/07/2024, pelas 9H30 horas, agendando-a ainda para o dia 12/07/2024, pelas 9H30 horas, na eventualidade de a testemunha não comparecer nessa primeira data (09/07/2024).
Porém, como bem sublinha a Exma. PGA no seu douto parecer [argumentação que, pela sua assertividade inteiramente subscrevemos], perante a falta de notificação da testemunha, o tribunal a quo, contraditória e inexplicavelmente, e sem proceder a qualquer diligência tendente a apurar o actual paradeiro da ofendida, passou a considerar, no despacho recorrido, dilatório determinar esse paradeiro, por ser desconhecido, mais aduzindo que a testemunha já prestara depoimento nos autos.
Sucede que, na aludida promoção de 05/06/2024, sobre a qual incidira o anterior despacho, (...) o Ministério Público partira do pressuposto que essa inquirição já acontecera, embora de forma incompleta, fundamentando a necessidade de inquirição complementar da testemunha, precisamente para acautelar eventuais dúvidas que pudessem surgir em sede decisória e pretendendo que a mesma prestasse esclarecimentos em falta, que elencou, entre outros que se mostrem pertinentes no contexto da inquirição em perspectiva…
Para além das questões que o M. P. pretendia ver esclarecidas, elencadas nos pontos A) a G) e 5) da sua promoção de 5 de Junho que, como alegado, não tinham sido colocadas à ofendida aquando das declarações para memória futura, foi salientada a necessidade do confronto da mesma com diligências de prova posteriores às declarações que prestara naquele âmbito e que se mostravam necessárias para o apuramento da verdade.
Ora, foi nesse contexto processual que o Tribunal a quo deferiu a tomada de declarações da ofendida, esperando-se que, no iter processual subsequente, esta fosse convocada e esclarecesse os pontos assinalados.
Sendo que, na hipótese de comparência da ofendida JJ na data aprazada, o Tribunal tê-la-ia reinquirido nos moldes peticionados pelo M. P..
Certo é que, na sessão de 9 de Julho, o Tribunal, alterando o seu posicionamento, passou a considerar dilatório as diligências para a localizar porque a mesma já prestara depoimento nos autos, tratando a situação, pelo que se conclui, como um dos casos previstos no art.º 340.º 4 c) e d) do CPP.
Entretanto, de forma inconsequente, após impossibilitar a inquirição da ofendida em audiência através do despacho recorrido, o Tribunal a quo viria,na sentença proferida, a fazer sobressair várias dúvidas sobre as declarações da mesma nas declarações para memoria futura, apoiando-se num juízo de falta de credibilidade para considerar não provados os factos n.ºs 13 a 24 da acusação, como se essas dúvidas, ao abrigo do principio da investigação, não pudessem ter sido ultrapassadas – ou devidamente esclarecidas - através da reinquirição ordenada.
Ora, sem pôr em causa a importância e utilidade da diligência realizada ao abrigo do art.º 271.º do CPP, torna-se evidente que, no caso, a audição da ofendida em audiência, com o beneficio da imediação e oralidade, permitiria ao Tribunal formar a sua convicção com maior segurança, tanto mais que, aquando das declarações prestadas ao abrigo daquele normativo, a ofendida era ainda menor, com um percurso de vida complicado, como o comprovam os factos provados sob os pontos 1 a 4 da douta sentença.
Impondo-se, assim, diligenciar no sentido de se procurar localizar e ouvir a ofendida, agora adulta, por todos os meios possíveis e ao alcance do Tribunal, para dela colher os esclarecimentos tidos por convenientes.”.
Na verdade, em face da matéria em discussão nos autos, e perante a objectividade da argumentação esgrimida pelo Ministério Público no seu requerimento de 05/06/2024, também se nos afigura que a inquirição da ofendida JJ era essencial à descoberta da verdade, não se compreendendo que, tendo essa essencialidade sido inicialmente reconhecida pelo tribunal a quo, veio a mesma posteriormente a ser desprezada, sob o pretexto de ser dilatório determinar o seu paradeiro de a mesma já haver prestado depoimento nos autos.
Ademais, e concordando-se novamente com a Exma. PGA, não podemos olvidar que, “(...) estando generalizado o uso de redes sociais, a localização da ofendida não se apresentaria sequer como um acto inviável ou impossível – não tendo sido, aliás, essa dificuldade sequer invocada no despacho recorrido - , tendo o Ministério Público promovido se efectuassem diligências junto do OPC competente para averiguar, se não fosse possível a morada, fundamentalmente um contato de email ou contato telefónico da ofendida, de algum familiar, através do qual seja possível contatar com a ofendida, tendo em vista, a sua inquirição, através de meios de comunicação à distância ou agendar a sua inquirição para uma altura em que venha a Portugal, caso isso venha a verificar em momento próximo.
Não se compreendendo “(...), assim (...) a ligeireza com que o Tribunal a quo indeferiu as diligências requeridas pelo recorrente, quando se lhe impunha, ao abrigo do princípio da verdade material, ordenasse as pertinentes démarches para a inquirição pretendida.”.
Entendemos, pois, que se mostra violado o princípio da investigação ou da verdade material, ínsito no supra analisado Artº 340º, nº 1, do C.P.Penal, afigurando-se-nos que o Mmº Juiz a quo deveria ter deferido as diligências solicitadas pelo Ministério Público no requerimento que formulou na sessão de julgamento de 09/07/2024, constante da acta junta a fls. 1599/1600, tendentes a apurar o paradeiro da ofendida JJ, com vista à sua (re)inquirição, nos termos ali consignados.
Aqui chegados, não podendo manter-se o despacho recorrido, resta extrair as consequências desta vicissitude processual.
As quais passam, em consonância com as disposições conjugadas dos Artºs. 120º, nºs. 1 e 2, al. d), e 122º, nºs. 1 e 2, do C.P.Penal, pela anulação da sentença recorrida, e pela reabertura da audiência de discussão e julgamento com vista a que o tribunal a quo determine a realização das diligências solicitadas pelo Ministério Público no requerimento que formulou na sessão de julgamento de 09/07/2024, visando apurar o paradeiro da ofendida JJ, e a sua posterior (re)inquirição, nos termos ali consignados, seguindo-se a ulterior pertinente tramitação processual, que culminará com a prolação de nova decisão.
Sendo certo que, em face desta conclusão, fica prejudicado o conhecimento de todas as questões suscitadas pelo recorrente em relação à decisão final, supra enunciadas [cfr. Artº 608º, nº 2, 1ª parte, do C.P.Civil, ex-vi Artº 4º do C.P.Penal].
III. DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:
1. Conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogando o despacho impugnado: 1.1. Anulam a sentença recorrida; 1.2. Determinam a reaberta da audiência de discussão e julgamento com vista a que o tribunal a quo providencie pela realização das diligências solicitadas pelo Ministério Público no requerimento que formulou na sessão de julgamento de 09/07/2024, visando apurar o paradeiro da ofendida JJ, e a sua posterior (re)inquirição, nos termos ali consignados, seguindo-se a ulterior pertinente tramitação processual, que culminará com a prolação de nova decisão; e 2. Considerar prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente no recurso da sentença.
Sem custas.
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. [2] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem. [3] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.