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NULIDADE DA SENTENÇA
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
EFICÁCIA PROCESSUAL
CASO JULGADO FORMAL
FACTOS NÃO DECIDIDOS
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Sumário
I – A contradição entre os factos provados e a decisão não integra a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Civil, reconduzindo-se a erro de julgamento. II – Os factos dados como provados num processo não podem ser transpostos, enquanto tais, para outro processo, por não estarem abrangidos pela força ou autoridade de caso julgado da decisão ali proferida e de que são pressuposto.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO:
Inconformados com a sentença que qualificou como culposa a insolvência de “EMP01... SGPS, S.A.” e considerou os seus administradores AA e BB afectados por essa qualificação, todos eles interpuseram recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:
I. Por Requerimento impetrado nos autos principais, veio a credora EMP02..., CRL., melhor identificada nos autos, pugnar pela qualificação da insolvência da sociedade EMP01... SGPS, S.A., como culposa, com afetação dos seus administradores AA e BB.
II. Foi proferido despacho que declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência.
III. Ao abrigo do estatuído no artigo 188º, n.º 3, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou parecer no sentido de propor que a insolvência seja qualificada como culposa, por estar preenchida a previsão legal do artigo 186°, n.º s 2, als. d), g) e h), e 3, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
IV. Cumprido o disposto no artigo 188º , n.º 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Ministério Público, propôs a qualificação da insolvência como culposa, por considerar que "os comportamentos (...) descritos [no relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência]' (...) se afiguram subsumíveis quer nas alíneas d), g) e h) do n.º 2, e alínea a) do n.º 3, do artigo 186º, do C.I.R.E.."
V. Citados, os requeridos/Recorrentes deduziram oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.
VI. Para o efeito, alegaram, em síntese, que:
No seu parecer, o Administrador da Insolvência omitiu de forma deliberada as relações de proximidade que sempre mantiveram com os seus credores, nomeadamente, quanto ao bom diálogo estabelecido com os mesmos, o qual resultou nas negociações encetadas com a Administração Tributária e o Instituto da Segurança Social, que permitiram a aprovação dos pagamentos prestacionais das quantias em dívida àquelas entidades;
Em 21/07/2017 foi assinado um memorando de entendimento que previa a sua participação no grupo com uma posição maioritária e ainda, a injeção de capital através do Fundo Cometa, que (..) permitiria uma recuperação efetiva de todo o grupo";
"Em ../../2018, os principais credores subscreveram um memorando de entendimento, negociado por um mediador, a “EMP03..., S.A.”, para a viabilização da participada “EMP04...”, que, entretanto, tinha sido objeto de pedido de insolvência pelo Banco 1... e Banco 2..., um acontecimento que “é sintomático da confiança dos credores no Grupo e na crença da sua viabilização, a que acresce o pedido de colaboração da anterior administração, relativo à gestão operacional da empresa”;
"No memorando assinado com a EMP03..., S.A. e com os demais credores foi planeada a apresentação à insolvência das empresas do grupo EMP01..., com excepção de EMP01..., SGPS", ou seja, "à data já com o conhecimento do Al e consentimento dos credores a EMP01..., SGPS era considerada viável, caso contrário não seria excluída do memorando que contempla a insolvência das restantes empresas do grupo";
"Nunca (...) tiveram a intenção de prejudicar o Grupo, tanto mais que prestaram o seu aval pessoal em financiamentos com o intuito de obter encaixe financeiro que gerasse liquidez para o grupo e lhes permitisse cumprir com os credores e manter o grupo ativo no mercado";
"A EMP01... SGPS nunca constou "como Insolvente ou insolvente iminente no memorando assinado com o mediador EMP03... e credores";
“Se esta era a empresa gestora de ações e a mesma não seria, conforme estabelecido no memorando, apresentada à insolvência é porque as receitas do grupo permitiriam que as suas ações tivessem valor efetivo e daí a expetativa de viabilidade do grupo”;
"O Al sempre acompanhou o processo referente à EMP01... SGPS e também ele mesmo nunca colocou a hipótese da sua apresentação à insolvência";
"Os Oponentes, enquanto administradores da Insolvente sempre atuaram com zelo e diligência que as circunstâncias impunham, agindo sempre na convicção de estar a fazer o melhor para o Grupo, no interesse deste e, consequentemente, no dos credores sociais";
VII. Realizada a audiência final a questão a decidir pelo Tribunal quanto ao presente incidente tem que ver com o propósito de apurar se encontram verificados os pressupostos necessários para a qualificação da insolvência como culposa, mais concretamente, os previstos pelo art. 186, n.º 1, n.º 2, als. a), b), d), g) e h) e n.º 3 al. a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e, em caso afirmativo, aferir se devem os requeridos ser afetados pela qualificação e pelos seus respetivos efeitos.
VIII. Da fundamentação de facto, o Tribunal “a quo” deu como provados os factos 1º a 15º constantes das páginas 14 a 17 da sentença, numeração dada aqui pelos Recorrentes, visto a sentença não conter numeração das páginas.
IX. Da prova produzida, com relevância para a decisão, o Tribunal “a quo” considerou que resultou não provado os pontos a) a j) constantes das páginas 17 a 19 da sentença.
X. Quanto ao direito, o Tribunal “a quo” considerou e bem que, analisada a factualidade apurada, resulta, desde logo, manifesto que, ao contrário do propugnado pela requerente, não se verificam os factos-índice previstos na al. a), do n .2 do artigo 186º e no que concerne à al. b), do n.º 2 do artigo 186º, também não se afigura encontrar-se preenchida.
XI. Contudo, em face da matéria factual que resultou provada, o Tribunal “a quo” considera que se encontra verificada a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
XII. Isto porque, para o Tribunal “a quo”, resultou demonstrado os factos descritos nos pontos 9.4; 9.5; 9.6; 9.7; 9.8; 9.9: 9.10; 9.12; 9.13; 9.14 e 9.15
XIII. Sucede que os Recorrentes não podem concordar com a posição do Tribunal “a quo” pelos seguintes motivos:
XIV. Desde logo, porque na concretização de tais factos-índices (quer do n.º 2, quer do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE), ter-se-á, naturalmente, que atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, exigindo-se aqui uma ponderação casuística, temporalmente balizada pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
XV. A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados»; e por meio dos quais se conclua «que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente» (Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1, com bold apócrifo).
XVI. Importa igualmente salientar que tudo deverá ser interpretado «com ponderação, de modo a alcançar um efeito responsabilizante equilibrado que, sem deixar de dissuadir condutas manifestamente injustificáveis dos administradores e de ordenar a reparação dos prejuízos por elas causadas, respeite, por outro lado, a autonomia decisória que têm de ter e o cenário de risco em que muitas vezes a actividade de administração se processa e se tem de desejar possa desenvolver-se (sem risco de responsabilidade)» (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Vol. II, p. 696 e 698, com bold apócrifo).
XVII. No caso aqui em questão desde logo é preciso referir que o próprio Tribunal “a quo” considerou como não provado que os pontos a), b), c), f) e g).
XVIII. Ora, é necessário provar qualquer uma das situações enunciadas nas diversas alíneas deste n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, para estabelecer de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
XIX. O Tribunal “a quo” considerou que não se provou que a venda de ações da EMP01... Espanha (negócio mencionado em 9.7.) tivesse visado enganar prejudicar os credores da insolvente, fazendo com que esse bem/direito não integrasse o respetivo património, dificultando que o mesmo fosse alvo de possíveis arrestos ou apreensões judiciais.
XX. Ora, se o Tribunal dá como não provado o acima mencionado não pode depois concluir que a venda das ações mencionada em 9.7. foi realizada por um valor bastante inferior ao seu valor efetivo e que resultou necessariamente na ausência de encaixe financeiro correspondente a tal valor, diminuição do ativo disponível para a apreensão à data da declaração de insolvência e consequentemente num proveito para a sua adquirente “EMP05... SL”.
XXI. Mais o Tribunal “a quo” deu como não provado que as declarações exaradas no acordo enunciado em 9.7. não correspondessem a verdade e resultassem de um acordo estabelecido entre as partes, tendo em vista criar benefícios ilegítimos para os intervenientes no negócio e enganar todos quanto viessem a consultar os documentos e registos, nomeadamente, os credores da insolvente.
XXII. Assim, como pode posteriormente, na sua sentença, o Tribunal “a quo” vir dizer que a disposição deste bem consistiu num proveito para a empresa adquirente, para o terceiro.
XXIII. O Tribunal “a quo” considerou igualmente como não provado que fosse do conhecimento de todos os intervenientes no negócio enunciado em 9.7. que, à data dos atos, a insolvente se encontrava em situação de insolvência iminente e do seu carácter prejudicial para esta.
XXIV. Posteriormente, na fundamentação da sentença refere que aquando da celebração do negócio já a Insolvente se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas, sendo que o valor porque foram vendidas as participações da EMP01... Espanha S.A. (€91.250,00) nem sequer se reputava suficiente para liquidar as contribuições em Divida à Segurança Social e os impostos em divida à Autoridade Tributária e Aduaneira que até aquele momento perfazia um valor global de €101.972,78.
XXV. Assim outra conclusão não se poderá daqui retirar que não seja a de que a sentença recorrida padece de uma manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo, por isso, nula nos termos conjugados dos art.º 615.º, n.º1, alínea c) e 666.º, n.º1, do CPC.”
XXVI. Na verdade, verifica-se a nulidade invocada (oposição entre os fundamentos e a decisão) quando a construção da sentença se mostra viciosa, pois os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, isto é, verifica-se quando os respetivos fundamentos estejam em oposição com a decisão.
XXVII. Trata-se da deficiência em que o silogismo em que se analisa a decisão, contém fundamentos que levam logicamente a um juízo em determinado sentido, mas em que a decisão efetivamente adotada é a de sentido oposto.
XXVIII. Mais o próprio Tribunal refere que resultou demonstrado que consta do documento intitulado "Dictamen Pericial" - ("relatório pericial") - assinado por CC, advogado-economista, que a sociedade "EMP01... España, SA" apresentava em 31-12-2017 um património líquido de - 458.882,80€, em 31-12-2018 um património líquido de - 420.459,05€ e em 30-06-2019 um património líquido de - 638.081,08€;
XXIX. Assim, dos factos dados como não provados não pode o Tribunal “a quo” considerar que se apuraram factos de onde decorra que os Administradores, de facto, realizaram atos de disposição de bens da devedora em proveito pessoal dos administradores ou de terceiros.
XXX. Por conseguinte não se encontra verificada a previsão da alínea d) do n.º 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e Recuperação de empresas.
XXXI. Mais o Tribunal considerou como provado no ponto 15 dos factos provados que no final do exercício de 2016 o valor das ações da da EMP01... ascendia a um valor não concretamente apurado, mas nunca inferior a €358.000,00.
XXXII. Tal nunca poderia ser dado como provado, atendendo ao depoimento das testemunhas DD e EE.
XXXIII. A testemunha DD prestou depoimento no dia 07/12/2023 e no dia 01/02/2024, sendo que no dia 07/12/2023 iniciou o seu depoimento às 15:17 e terminou às 16:27 com duração de 01:10:18 e no dia 01/02/2024, iniciou o seu depoimento às 10:13 e terminou às 12:02, com duração de 01:49:28.
XXXIV. Já a testemunha EE, Contabilista certificado responsável pela contabilidade da insolvente desde 2000 até 2016, em regime de outsorcing elucidou além das situações que deram origem à situação de insolvência da empresa, elucidou e foi o mais esclarecedor quanto ao negócio da venda das participações em Espanha, mas a Juiz do Tribunal “a quo”, simplesmente ignorou a pessoa que, à data de 2016, ou seja, uns meses antes da venda das participações de Espanha, mais tinha conhecimento da situação do grupo no pais vizinho.
XXXV. Com efeito a testemunha EE que prestou depoimento no dia 18/06/2024, às 15:08 e terminou às 16:19, com uma duração de 01:11:03.
XXXVI. Ora, do depoimento das testemunhas dúvidas não restam que no final do exercício de 2016 as acções da EMP01... Espanha não tinham qualquer valor.
XXXVII. Aliás, além do relatório pericial intitulado Dictamem Pericial, também é importante referir que a EMP01... Espanha apresentava um património líquido negativo, que pode verificar-se no apenso E, pois ficou demonstrado que o perito nomeado pelo Tribunal não levou em conta a certificação legal de contas / Relatório de auditoria dos exercícios de 2016 e 2017 da EMP01... Espanha.
XXXVIII. No relatório de auditoria das contas de 2016 é referido no parágrafo das enfases que estas condições indiciam a existência de uma incerteza significativa sobre a capacidade da sociedade continuar as suas operações.
XXXIX. E no paragrafo das Reservas refere que o activo não corrente encontra-se sobreavaliado, bem como o capital próprio em 888.989 euros.
XL. Assim se tomarmos em linha de conta o referido no relatório de auditoria de 2016, a empresa encontrava-se tecnicamente falida (capitais próprios negativos) e com incerteza significativa sobre a continuidade das operações.
XLI. Contudo, o perito do Tribunal escolheu um método de avaliação que tem por base rendimentos futuros (Cash-Flow ou resultados líquidos), com um crescimento ao ano de 5%, apesar da incerteza significativa da empresa em continuar as suas operações e por isso gerar cash flow.
XLII. Na realidade o valor da empresa era zero e o próprio administrador Judicial, mais tarde veio a aperceber-se disso.
XLIII. Assim, o Tribunal “a quo” não poderia dar como provado o vertido no ponto 15 dos factos provados e em vez disso a redação que o ponto deveria ter é a seguinte:
“15. No final do exercício de 2016 as ações da EMP01... não tinham qualquer valor comercial.”
XLIV. O Tribunal “ a quo” também concluiu que a insolvência deverá ser qualificada como culposa ao abrigo da alínea h) do n.º 2, do artigo 186.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que deverão ser afetados os requeridos, administradores da insolvente no período em causa, reiterando que, atenta a verificação da previsão ínsita em tais factos-índice, tal conclusão é inevitável.
XLV. Isto porque, segundo o Tribunal “a quo” - O relatório e contas da sociedade insolvente relativo ao exercício de 2016 foi assinado em 28-02-2018 e objeto de certificação legal de contas pela sociedade de revisores oficiais de contas EMP06..., em 11-04-2018, não constando do mesmo, designadamente no capítulo relativo aos "acontecimentos subsequentes ao fecho do exercício", qualquer referência ao contrato identificado em 9.7.
XLVI. Segundo o Tribunal, os documentos de suporte aos contratos identificados em 9.5. e 9.7. foram entregues nos serviços de contabilidade da sociedade insolvente no dia ../../2019, após o que se procedeu ao respetivo registo contabilístico do montante de 91.250,00 € afetando-o a uma conta de proveitos;
XLVII. Também para o Tribunal até ../../2019, o montante de 91.250,00 € encontrava-se integrado na contabilidade da sociedade insolvente, desde fevereiro de 2017, afeto a uma conta de suprimentos;
XLVIII. - As contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 foram-no com reservas e ênfases e as contas do exercício de 2017 não foram depositadas em tal conservatória.
XLIX. No que concerne à alínea h) do n.º 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas o mesmo dispõe que considera-se culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidades com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
L. A obrigação de manter contabilidade organizada tem como objetivo criar um instrumento por via do qual se dê a conhecer a real situação patrimonial e financeira da devedora, sendo que o incumprimento dessa obrigação será substancial quando ela inviabiliza ou seja suscetível de afectar e comprometer de modo sério e relevante a concretização desse resultado.
LI. Ora, os Recorrentes não podem concordar que a insolvência deverá ser qualificada como culposa ao abrigo da alínea h) do n.º 2, do artigo 186.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que deverão ser afetados os requeridos, administradores da insolvente no período em causa, isto porque:
Mais uma vez o Tribunal “a quo” entra em contradição, pois atendendo aos factos não provados nos pontos a), b), c) e g), paginas 17 e 18 da Sentença, não pode o Tribunal considerar através da análise da contabilidade da insolvente e do seu relatório e contas, que os credores não tinham como ter conhecimento da celebração do negócio enunciado no ponto 9.7.
LII. A única testemunha que tinha conhecimento dos factos, a testemunha DD, explicou a demora na aprovação de contas relativas ao exercício de 2016, e que não era imputável aos administradores e nunca mencionou em que data em concreto foram entregues os documentos de suporte à venda das participações de Espanha.
LIII. Assim nunca poderia ser dado como provado o ponto 9.18 da página 15 da sentença.
LIV. O referido ponto deveria ter a seguinte redação:
“9. 18 Os documentos de suporte aos contratos id. em 5 e 7. foram entregues nos serviços de contabilidade da sociedade insolvente, em data não concretamente apurada, após o que se procedeu ao respetivo registo contabilístico do montante de €91.250,00 afeto a uma conta de proveitos”.
LV. O Tribunal “a quo” concluiu igualmente que a insolvência deverá, outrossim, ser qualificada como culposa ao abrigo do disposto no n.º 3, al. a), do artigo 186.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sendo por ela responsáveis os requeridos, na medida em que eram os administradores de facto e de direito da sociedade insolvente.
LVI. Isto porque segundo o Tribunal os requeridos ocuparam o cargo de administradores da insolvente desde a data da sua constituição em 20-06-2007 até à data da prolação da sentença que declarou a insolvência da "EMP01... SGPS, S.A.";
LVII. O Tribunal “a quo” também considerou que os requeridos tiveram conhecimento da situação de insolvência, pelo menos, a partir de 29 de dezembro de 2016 (tendo em conta a matéria de facto consignada em 6. i), e ii) - ou seja, que a sociedade entrou em incumprimento quanto ao pagamento de contribuições desde março de 2016 e, concomitantemente, incumpriu, a partir de 29-08-2016, a obrigação de liquidação de IRC - e que não foi ilidida a presunção prevista no artigo 18.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
LVIII. Mais, segundo o Tribunal “a quo”, tendo a insolvência sido requerida pela própria insolvente em 30 de janeiro de 2019, foi amplamente ultrapassado o prazo de trinta dias para esse efeito, previsto no artigo 18.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, contado desde ../../2016, e que as contas do exercício de 2017 não foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial no prazo legal.
LIX. Segundo o Tribunal, tanto basta, nos termos e para os efeitos consagrados no n.º 3, do artigo 186.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para se concluir pela existência de culpa grave, no incumprimento do dever de requerer a declaração de insolvência.
LX. O Tribunal “a quo” também considera que não inexiste qualquer fundamento constante da matéria factual demonstrada, que nos permita concluir pela ilisão desta presunção ou da presunção prevista no n.º 3, do artigo 18.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas por parte dos requeridos.
LXI. Assim, considera o Tribunal “a quo” que à luz da matéria factual provada, ainda que não se possa dizer que a atuação dos requeridos, por si só, desencadeou a situação de insolvência, podemos concluir, com segurança, que a mesma agravou tal situação.
LXII. No caso do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, em que, estão «em causa deveres (…) de carácter formal», sem prejuízo de permitirem, «presuntivamente, a ser cumpridos, a detecção mais precoce da situação real da empresa, de insolvência ou de risco de insolvência»; e, por isso, o «seu incumprimento é, assim, razoavelmente indiciador de, no mínimo, um grave desleixo na actuação gestionária, levando a admitir (mas com carácter de presunção juris tantum, rebatível por prova em contrário) estar preenchido o requisito de culpa grave, forma de culpa qualificada, exigível, em alternativa ao dolo, tanto pela lei de autorização (n.º 6 do artigo 2.º), como pelo CIRE (artigo 186.º, n.º 1)» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro, com bold apócrifo).
LXIII. Contudo, e agora de forma expressa, «a existência de culpa do administrador decorrente da respectiva conduta, não basta para, por si só e sem mais, qualificar a insolvência como culposa», tendo-se depois que «articular o preceito com o que resulta do n.º 1, isto é, impõe-se ainda exigir, para qualificar de culposa a insolvência, a prova de que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada pela referida conduta culposa do(s) administrador(es)», que tenha existido um nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência (Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo n.º 168/07.5TBLNH-D.L1-7, com bold apócrifo).
LXIV. Importa que se distingam perfeitamente as situações em que a manutenção irrestrita de uma situação de insolvência de facto é um mero compasso de espera destinado a permitir a salvaguarda de benefícios indevidos de terceiros, daquelas outras em que se pode ainda justificar a expectativa de recuperação da insolvente.
LXV. Com efeito, se é normal que uma empresa que não cria riqueza para assegurar o pagamento das responsabilidades naturais ao seu giro tenderá a acumular novas dívidas, «essa não é uma verdade universal (não é, seguramente, um facto notório)», já que «há muitos e bons exemplos de empresas que, parecendo condenadas ao fracasso, ressurgiram por obra das mais variadas circunstâncias» (Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo nº 273/07.8TBOHP – C.C1).
LXVI. Logo, e ainda que se venha, de facto, a confirmar o seu definitivo insucesso, tal poderá não implicar um automático juízo de culpa grave sobre o respetivo administrador.
LXVII. Reitera-se, porém, que o que resulta do art. 186.º, n.º 3, do CIRE, e atualmente de forma expressa, «é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus [da insolvente] administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do art. 186º, nº 1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2011, p. 285).
LXVIII. Precisa-se, ainda, que se entende habitualmente por «culpa grave» «a situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria susceptível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Ou seja, a que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio adoptam», apresentando-se «assim como uma situação de negligência grosseira, “nimia” ou “magnata negligentia”» (Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo nº 9041/07.6TBBRG-AB.G1).
LXIX. O administrador inadimplente poderá, deste modo, não só ilidir a presunção de culpa grave na não adopção do comportamento a que estava obrigado (v.g. oportuna apresentação à insolvência), mediante prova em contrário, nos termos do n.º 2, do art. 350.º, do CC, como poderá demonstrar que aquela omissão em nada contribuiu para criar ou agravar a situação de insolvência.
LXX. A este respeito não podem os Recorrentes concordar com o Tribunal “a quo” pelas razões que se passa a descrever:
LXXI. A aqui devedora é uma empresa é uma sociedade gestora de participações sociais, portanto não tinha atividade direta, os resultados que apresenta são no fundo o resultado da consolidação dos negócios em que participa, portanto não mais significa que um grupo de que era titular capital, maioria, no caso a totalidade do capital, exceção feita a uma das sociedades, de que não era detentora da totalidade do capital, no caso da EMP07..., as empresas portuguesas eram detidas integralmente pela EMP01... SGPS tinham uma atividade deficitária a operação dessas empresas era deficitária e daí redundava depois a consolidação de resultados líquidos negativos também na espera, destino do capital, o que releva esse acumular de resultados líquidos negativos na esfera da acionista, a EMP01... SGPS.
LXXII. O facto da EMP01... SGPS não conseguir cumprir regularmente os tributos e as contribuições de forma regular indicava a capacidade para poder solver os passivos que se responsabilizava é certo que os passivos aqui reconhecidos c/exceção à Autoridade Tributária, à Segurança Social e de duas dívidas de natureza subordinada, uma da acionista, fundo ..., um capital de risco e outra da EMP04... que era a principal empresa operativa através de um mecanismo de cash pulling que estava instituído, o dinheiro subia das operativas à mãe, à SGPS que depois canalizava o dinheiro para a atividade, para cobrir as necessidades do grupo e por essa via também viu o reconhecer o crédito de 29 milhões e qualquer coisa de euros nesta insolvência por força da subida desse dinheiro para depois entregar às demais empresas do grupo que trabalhavam em regime de dependência.
LXXIII. Não há divida que esta empresa SGPS com exceção desses passivos, um por parte do mecanismo de cash pulling em que uma empresa, o dinheiro sobe para a SGPS para distribuir dinheiro em função das necessidades e o outro por força de um crédito acionista, esta empresa as responsabilidades que tem reconhecidas resultam dos avais prestados às operativas, nomeadamente à EMP04... e portanto o tema da morosidade na apresentação à insolvência é muito mais premente nas operativas.
LXXIV. Assim, em primeiro lugar, a maioria dos créditos que foram reconhecidos, cerca de 29 milhões de euros, não eram créditos da devedora, mas sim das empresas por si detidas, as operacionais, mais especificamente a EMP04..., S.A., por força dos avales que prestou aos contratos de mútuo celebrados entre esta última e a Banca.
LXXV. Tal como é referido pelo Administrador Judicial no seu depoimento a situação de insolvência da EMP01... SGPS não era devido a esta empresa, mas sim devido aos resultados negativos das operacionais, com maior relevo a EMP04..., S.A.
LXXVI. Com efeito, a Testemunha FF que prestou depoimento no dia 13/11/2023, tendo o seu depoimento começado às 10:54h e terminado às 12:30, com a duração de 01:35:11 referiu que a qualificação de insolvência desta empresa não foi impulsionada pelo A.I, o A.I reagiu a um impulso processual dos credores, não teve o impulso de qualificar esta insolvência por uma razão simples porque o grosso do seu passivo, desta empresa está nas empresas operacionais e naquelas outras onde foi qualificada a insolvência, portanto a responsabilidade das pessoas, dos administradores desta empresa já está imputada nas empresas devedoras originárias.
LXXVII. Ora, como a EMP04..., S.A. entrou com um plano especial de revitalização em 2018, havendo perspetivas, já antes disso de reabilitar a empresa, devido a investidores que estavam interessados na sua recuperação com a injeção de capital, a EMP01... SGPS, não tinha razão para se apresentar à insolvência, até porque o passivo que realmente era seu, era residual e estava comtemplado com um plano prestacional.
LXXVIII. Aliás, como bem sabe o Tribunal “a quo” a EMP04..., S.A., em 2020, viu aprovado um plano de insolvência e continua, nesta data a laborar.
LXXIX. Caso a EMP01... SGPS se tivesse apresentado à insolvência, todo o seu ativo iria ser liquidado, o que impossibilitaria que a EMP04..., visse o Plano de Insolvência ser aprovado e através disso ser mantidos mais de 400 postos de trabalho no interior do País.
LXXX. Os administradores da devedora, ao contrário do que refere o Tribunal “a quo”, ilidiram a presunção prevista no n.º 3 do artigo 186º do CIRE, com a celebração dos memorandos descritos no ponto 12º e 13º dos factos dados como provados.
LXXXI. Com efeito, em 21 Em 21-07-2017 foi assinado um memorando de entendimento que previa a participação da EMP08... - Sociedade gestora de fundos de capital de risco, S.A." no grupo "EMP01..." e a injeção de capital através do "Fundo ...".
LXXXII. Também, em 10-08-2018 os principais credores da insolvente subscreveram um memorando de entendimento, negociado através de um mediador, a "EMP03..., S.A.", com vista à viabilização da participada da insolvente, a "EMP04..., S.A.", cuja declaração de insolvência havido sido requerida pelo Banco 1... e pela Banco 2..., nos termos do qual, não foi acordado apresentar a EMP01... SGPS à insolvência.
LXXXIII. Assim decorrente deste memorando, foi possível, mais tarde, ser aprovado o plano de Insolvência na EMP04..., S.A., que não agravou o prejuízo dos credores, que eram os mesmos da aqui devedora, a EMP01... SGPS, mas sim possibilitou que revessem o seu crédito.
LXXXIV. É verdade que no memorando nada é dito quanto a empresa devedora, a EMP09... SGPS, nem que a mesma não se poderia apresentar à insolvência, mas era claro para todos, inclusive para os credores que a apresentação à insolvência da SGPS comprometeria a recuperação da operacional mais valiosa e que gerava riqueza, pois poderia a SGPS, como não tinha qualquer atividade, apenas era uma sociedade gestora de participações sociais, não ter como apresentar um plano de recuperação, e sua insolvência acarretar a liquidação de todo o seu ativo, inclusive a EMP04..., S.A.
LXXXV. Os administradores não atuaram, de todo, com culpa grave, pois como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2023, disponível em www.dgsi.pt , é normal que uma empresa que não cria riqueza para assegurar o pagamento das responsabilidades naturais ao seu giro tenderá a acumular novas dívidas, «essa não é uma verdade universal (não é, seguramente, um facto notório)», já que «há muitos e bons exemplos de empresas que, parecendo condenadas ao fracasso, ressurgiram por obra das mais variadas circunstâncias», como é o caso da EMP04..., S.A., que ressurgiu devido à insistência por parte dos Recorrentes/ administradores em encontrar soluções para o seu ressurgimento, que aliás só foi possível porque os administradores não apresentaram a SGPS à insolvência.
LXXXVI. Logo, e ainda que se tenha confirmado o definitivo insucesso da EMP01... SGPS, tal não poderá implicar um automático juízo de culpa grave sobre os respetivos administradores, pois foi a atitude destes que permitiu que a empresa EMP04..., S.A. continue a laborar, mantendo os seus postos de trabalho.
LXXXVII. Mais, a situação de insolvência, ao contrário do que refere o Tribunal “a quo” não foi agravada em consequência da atuação dos administradores.
LXXXVIII. O tribunal considera que tal agravamento deve-se à matéria vertida nos pontos 6 i) a iv) e 9.4 a 9.10 da factualidade provada.
LXXXIX. No que toca à matéria vertida nos pontos 6. I) e II) são contribuições respeitantes a Março de 2026 e Março de 2017, bem como Abril de 2017 e Setembro de 2018 e alguns montantes residuais de IRC e IRS de 2026 e 2018, estando todos com planos prestacionais.
XC. Com efeito, no dia 01/02/2023 a Testemunha DD, que era o contabilista certificado da EMP01... SGPS desde 2018 até à declaração de Insolvência, prestou depoimento e ao minuto 00:14:12 e disse que a sociedade tinha dívidas ao Estado Social e à AT, e tinha planos de pagamento, de outra forma executavam os bens ativos que a empresa tinha para poder laborar
XCI. Ora, no apuramento deste nexo de causalidade - entre a conduta do devedor ou dos seus administradores e a criação ou o agravamento da situação de insolvência -, entende-se habitualmente que não é suficiente o mero decurso da passagem do tempo (v.g. nomeadamente, pelo singelo vencimento de juros e, desse modo, do avolumar das prévias dívidas de capital), pelo que tal fundamento não pode colher.
XCII. Mais no ponto 6.iii) nem sequer se refere quando foi o vencimento dos contratos de mútuos aí referidos, e no ponto 6. IV) mais uma vez não se refere quando foi a avalista interpelada para o seu pagamento.
XCIII. Quanto aos pontos 9.4 e 9.10 conforme já se referiu a EMP01... Espanha era um ativo toxico para o Grupo em Portugal, que apenas dava prejuízo.
XCIV. Do depoimento das testemunhas e dos documentos juntos, verifica-se que no final do exercício de 2016 as ações da EMP01... não tinham qualquer valor.
XCV. Assim se tomarmos em linha de conta o referido no relatório de auditoria de 2016, a empresa encontrava-se tecnicamente falida (capitais próprios negativos) e com incerteza significativa sobre a continuidade das operações.
XCVI. A EMP01... Espanha não tinha só relações com a EMP10..., tinha relações com a EMP10..., tinha fornecimentos à EMP10..., tinha fornecimentos de Espanha, tinha dívidas à banca, tinha dividas a fornecedores e tinha diversas dívidas.
XCVII. A EMP01... Espanha tinha créditos e débitos com a EMP10... e a EMP04... tinha um débito com a EMP01... Espanha referente ao fornecimento de palha.
XCVIII. Havia dividas cruzadas, ou seja a EMP10... tinha à ver o fornecimento de conservas, a EMP01... Espanha tinha à ver o fornecimento de palha, a EMP11... e a EMP12..., tinha à ver do fornecimento de repolga, mas o fornecimento da EMP04... tinha a ver, por sua vez de cogumelo normal.
XCIX. Havia, por parte da EMP01... Espanha divida à Banca e além disso devia não só a Portugal como devia internamente em Espanha.
C. Assim os 5 milhões e oitocentos não pagavam todas as dívidas do grupo EMP01... Espanha.
CI. Também não se percebe como o Tribunal “a quo” refere que o dinheiro da venda da EMP01... Espanha não foi apreendido e que inexiste prova de que ela tenha sido utilizado na satisfação de obrigações da sociedade, quando todos foram perentórios ao dizer que os €91.250,00 foram transferidos para a conta da EMP01... SGPS.
CII. Assim sendo, nunca poderia o Tribunal “a quo” concluir que a insolvência deveria ser qualificada como culposa, ao abrigo do disposto no n.º 3 al. a) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, sendo por ela responsáveis os requeridos/Recorrentes.
CIII. Quanto aos efeitos da qualificação como culposa, desde já se refere que, atendendo ao exposto, nunca poderá considerar-se a Insolvência da EMP01... SGPS como culposa, mas caso assim se entenda, o que só se admite por mera hipótese académica, não existe um juízo de censura compatível com um grau de culpa grave.
CIV. Pelas razões já explanadas, os Recorrentes não contribuíram para o agravamento da situação de insolvência nem dispuseram de participações em proveito de terceiros e dado que o plano de insolvência da EMP04... foi aprovado em Maio de 2020, não há incumprimento de apresentação à insolvência nos dois anos que o Tribunal “a quo” se refere, nem tão pouco se fez prova que se tivessem vencido novos créditos.
CV. Mais, também conforme já se referiu a contabilidade, enquanto os administradores/recorrentes estiveram a frente dos destinos do grupo, até ../../2018, esteve sempre organizada e compreensível para os credores, caso contrário não subscreveriam o memorando datado dessa data e que previa a cessão de funções dos administradores/recorrentes nessa data.
CVI. Mais se atendermos à cláusula décima primeira do memorando de Entendimento, assinado pelos Recorrentes e os principais credores, a Banca, datado de 10 de Agosto de 2028, verifica-se que as partes já têm conhecimento que as empresas espanholas já não fazem parte do Grupo, comprometendo-se os administradores/Recorrentes a esclarecer as operações havidas em relação às mesmas.
CVII. Quanto ao valor total dos créditos não satisfeitos na liquidação do processo, todos eles, com exceção das dívidas à Segurança Social e às finanças advieram das participadas, das empresas operacionais, onde os administradores já viram a insolvência qualificada e afetados pela mesma condenando-os a pagar esses créditos.
CVIII. Assim o máximo que poderiam ser condenados, no que toca à indemnização, o que só se admite por mera hipótese académica era no montante em divida à Segurança Social e Autoridade Tributária, sob pena de estarem a ser condenados duas vezes pela mesma situação.
CIX. Quanto à inibição para a administração, no caso de o Tribunal da Relação, considerar que se deve verificar, o que mais uma vez se refira, só se admite por mera hipótese académica, tal teria que ser pelo mínimo previsto na lei.
A requerente “Banco 2..., CRL” apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição da impugnação da matéria de facto, por não terem sido integralmente observados nas conclusões do recurso os ónus impugnatórios previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes:
- Se a sentença recorrida enferma de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil;
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto relativamente aos itens 15 e 18 do ponto 9 do elenco dos factos provados;
- Se, julgada procedente a impugnação da matéria de facto nos termos propugnados, não se verificam os pressupostos indispensáveis à qualificação da insolvência como culposa, tendo em conta o disposto, conjugadamente, nos números 1, 2, alíneas d) e h), e 3, alínea a), do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
- Se, ainda que a insolvência seja qualificada como culposa, os administradores da insolvente devem responder apenas pelos créditos da segurança social e tributários e deve ser reduzido ao mínimo legal o período durante o qual ficam inibidos para o exercício do comércio.
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
Os factos
Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. A insolvente “EMP01... SGPS, S.A.” tem como principal atividade a gestão de participações sociais noutras sociedades na área da produção e comercialização de cogumelos, como forma indireta de exercício de atividades económicas. 2. As participações sociais que a insolvente detinha e geria eram as seguintes:
Participada Percentagem de Participação
“EMP04..., S.A.” ------------------------------ 100%
“AJ EMP04..., S.A.” -------------------------------------- 100%
“EMP10..., S.A” ---------------------------------------100%
“EMP13..., Lda” ------------------------- 100%
“EMP14..., Lda” ---------- 100%
“EMP01..., S.A” ----------------------------- 100%
“EMP07..., Lda” -------------- 25.25% 3. Em 30 de janeiro de 2019 a insolvente apresentou-se à insolvência. 4. Por sentença proferida em 01-02-2019, transitada em julgado em 21-02-2019, foi declarada a insolvência da “EMP01... SGPS, S.A.”. 5. Aquando da prolação da sentença identificada em 4., os requeridos eram os administradores da insolvente, ocupando tal cargo desde a data da constituição da mesma em 20-06-2007. 6. No âmbito do processo de insolvência, no apenso A, foram reconhecidos créditos no valor global de 84.984.770,49 €, respeitando, entre o mais, a créditos:
i) Reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., referentes:
- a contribuições respeitantes ao período compreendido entre março de 2016 e março de 2017 e respetivos juros, no valor global de 89.209,80 €;
- a contribuições respeitantes ao período compreendido entre abril de 2017 e setembro de 2018 e respetivos juros, no valor global de 95.106,33 €;
ii) Reclamados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de 27 939.71 €, sendo:
- a quantia de 12.762,98 €, referente a IRC que se venceu em 29/08/2016 e em 20/12/2016;
- o montante de 10.878,42 €, correspondente a IRS que se venceu em 20-04-2018 e 20-08-2018;
- a importância de 33,08 €, concernente a IRC que se venceu em 05-09-2018;
- o valor de 2.940,05 € respeitante a IRS que se venceu em 20-09-2018;
- o montante de 262,01 €, atinente a uma coima que se venceu em 28-09-2018;
- o remanescente respeitante a custas.
iii) da Banco 2... CRL, referentes:
- a contrato de mútuo com livranças, avales e hipoteca genérica autónoma, no valor de 6.653.849,53 €, celebrado com a “EMP04..., S.A.” em ../../2015 e avalizado pela insolvente e
- a contrato de abertura de crédito, no valor de 1.572.208,30 €, celebrado com a “EMP04..., S.A.” em ../../2015 e avalizado pela insolvente;
iv) da Banco 2..., CRL, no valor de 2.217.355,81 €, referente a contrato de empréstimo celebrado em ../../2015 com a sociedade “EMP04..., S.A.”, avalizado pela insolvente, e com aditamento de 16-06-2016, cujo vencimento ocorreu em 07-09-2017, por força do não pagamento de uma prestação, tendo sido preenchida a livrança em 06-10-2017, e respetivos juros;
v) da Banco 2..., CRL, no valor de 2.138.765,33 €, referente a capital, juros, comissões e imposto de selo, decorrentes do contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em ../../2015 com a sociedade ”EMP04..., S.A.” e avalizado pela insolvente, que se venceu em 01-02-2019 por força da declaração de insolvência da avalista.
7. A insolvente apresentou resultados líquidos negativos nos anos de:
- 2014 (2.868.608,02€);
- 2015 (4.636.901,74€);
- 2016 (12.250.607,88€);
- 2017 (1.782.489 €) e
- 2018, no valor de 263.818 €. 8. O passivo da insolvente correspondia a:
▪28.078.937,37 € no exercício de 2014;
▪30.764.976,12 € no exercício de 2015;
▪33.869.311,48 €, no exercício de 2016;
▪36.423.818 €, no exercício de 2017 e
▪37.939.309 €, no exercício de 2018. 9. Em 28-10-2022, no âmbito de ação de impugnação de resolução em benefício da massa, intentada por “EMP05... SL” contra a massa insolvente da “EMP01... SGPS, S.A.”, que correu termos sob o apenso E, foi proferida sentença, já transitada em julgado, na qual se considerou provado que:
“(…) 4. A sociedade insolvente à data de 14-02-2017 era detentora de 6020 ações correspondente à integralidade do capital social da sociedade EMP01..., S.A. 5. Em 14-02-2017 a autora e a sociedade insolvente subscreveram um documento escrito denominado “contrato de opcion de compra y venta de acciones”, mediante o qual a sociedade insolvente declarou obrigar-se a vender à autora as 6020 ações do capital social e direitos de voto livres de todos os ónus ou encargos, pelo preço total de € 91.250,00, fixando um prazo de três meses até ao dia ../../2017 para o exercício da opção de compra por parte da autora. 6. Em abril de 2017 a sociedade EMP10..., SA adquiriu uma participação de 20% na sociedade EMP01... SA, por via de uma subscrição de aumento de capital em dinheiro, no valor de € 15.050,00, e em espécie, com um crédito que detinha sobre esta sociedade no valor de € 5.763.984,45, passando a ser titular de 1505 ações. 7. Em 17-04-2017 a autora, a sociedade insolvente e a sociedade EMP10..., SA subscreveram um documento escrito, denominado “contrato de compra y venta de acciones”, mediante o qual a vendedora (sociedade insolvente) declarou vender à compradora (sociedade autora) e esta declarou comprar 6020 ações, com os números 1 a 6020 representativas de 80% do capital social e direitos de voto livres de todos os ónus ou encargos pelo preço total de € 91.250,00. 8. Mais declararam, no identificado documento, que o preço se encontra integralmente pago e que a sociedade insolvente recebeu, afirmando nada mais ter a receber da compradora; e que a EMP10..., SA dá o seu acordo à transmissão das ações da EMP01... SGPS à EMP05... e que não tem interesse em aumentar a sua participação social. 9. A autora emitiu sete títulos de crédito, designados por “pagarés”, no montante total de € 91.250,00 a favor de sociedade EMP01.... 10. Uma vez creditados os referidos títulos de crédito na conta n.º ...33, titulada pela EMP01... SA, junto do Banco 2... (em Espanha), esta procedeu à transferência bancária do referido montante para a conta n.º ...30, titulada pela EMP01... SGPS aberta junto da Banco 3... (em Portugal), efetuadas nos dias 22-02-2017 (as quantias de €22.000,00, €9.800,00 e €20.000,00), 24-02-2017 (as quantias de €9.950,00, €7.200,00, €7.700,00) e 27-02-2017(a quantia de €14.600,00). 11. Por carta datada de 11-06-2019, o administrador de insolvência comunicou à autora que, em benefício da massa insolvente da EMP01... SGPS, S.A, declarava resolvido os negócios descritos em 5. e 7., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 12. Consta do documento intitulado “Dictamen Pericial” – (“relatório pericial”) – assinado por CC, advogado-economista, que a sociedade EMP01... España, SA apresentava em 31-12-2017 um património líquido de – 458.882,80€, em 31-12-2018 um património líquido de – 420.459,05€ e em 30-06-2019 um património líquido de – 638.081,08€. 13. Consta do documento id. em 12. que “O valor das ações da EMP01... S.A. a 31/12/2017, 31/12/2018 e 30/06/2019 é NEGATIVO, devido ao facto de o património líquido contábil nas referidas datas também ser negativo (…)”. 14. Do relatório pericial, elaborado por perito nomeado pelo Tribunal, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, consta além do mais o seguinte “de salientar ainda que nessa data (31 de dezembro de 2016), o capital social da EMP01..., S.A era representado apenas por essas 6020 ações com o valor nominal de 10€/cada. De acordo com o quadro apresentado, o valor do capital próprio da empresa situar-se-á entre 358 mil euros e 1 629 mil euros, sendo o valor de referência fornecido pelo modelo próximo do 1 milhão de euros (967 mil euros) à data de 31 de dezembro de 2016”. 15. No final do exercício de 2016 o valor das ações da EMP01... ascendia a um valor não concretamente apurado, mas nunca inferior a € 358.000,00. 16. O relatório e contas da sociedade insolvente relativo ao exercício de 2016 foi assinado em 28-02-2018 e objeto de certificação legal de contas pela sociedade de revisores oficiais de contas EMP06..., em 11-04-2018. 17. No relatório de contas id. em 16. não consta no capítulo relativo aos “acontecimentos subsequentes ao fecho do exercício” qualquer referência ao contrato identificado em 7. 18. Os documentos de suporte aos contratos id. em 5. e 7. foram entregues nos serviços de contabilidade da sociedade insolvente no dia ../../2019, após o que se procedeu ao respetivo registo contabilístico do montante de € 91.250,00 afeto a uma conta de proveitos. 19. Até à data referida em 18. o montante de € 91.250,00 encontrava-se integrado na contabilidade da sociedade insolvente, desde fevereiro de 2017, afeto a uma conta de suprimento. 20. A sociedade EMP10..., S.A, foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 108/18...., em cujo relatório de insolvência, elaborado no âmbito daqueles autos ao abrigo do artigo 155.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, consta além do mais o seguinte: 21. A sociedade insolvente EMP01... SGPS, S.A apresentou resultados líquidos negativos nos anos de 2014, 2015 e 2016 nos valores de – 2.868.608,02€, - 4.636.901,74€ e – 12.250.607,88€, respetivamente. 22. O passivo da insolvente cifrou, nos exercícios de 2014, 2015 e 2016, os montantes de € 28.078.937,37, € 30.764.976,12 e € 33.869.311,48, respetivamente.
(…) 24. O administrador único da sociedade EMP10..., S.A. – AA - é igualmente administrador da sociedade insolvente EMP01... SGPS, SA. 25. A sociedade EMP10..., S.A. integra o Grupo EMP01..., designadamente a EMP01... España S.A e a insolvente.” 10. As contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 foram-no com reservas e ênfases e as contas do exercício de 2017 não foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial. 11. Desde o ano de 2015 a insolvente começou a sentir os efeitos da falta de aprovação de projetos de investimento e ausência de entrada de financiamento e dos subsídios de projetos concluídos, aliada à “queda” do “Banco 4..., S.A.”, nessa sequência, o requerido propôs um aumento de capital, por forma a aumentar a liquidez do grupo, tendo a sua proposta sido rejeitada na Assembleia Geral. 12. Em 21-07-2017 foi assinado um memorando de entendimento que previa a participação da EMP08... – Sociedade gestora de fundos de capital de risco, S.A.” no grupo “EMP01...” e a injeção de capital através do “Fundo ...”. 13. Em 10-08-2018 os principais credores da insolvente subscreveram um memorando de entendimento, negociado através de um mediador, a “EMP03..., S.A.”, com vista à viabilização da participada da insolvente, a “EMP04..., S.A.”, cuja declaração de insolvência havido sido requerida pelo Banco 1... e pela Banco 2..., nos termos do qual, foi acordado, para além do mais, o seguinte: “Cláusula Décima Empresas do Grupo Os atuais acionistas da Empresa, que são igualmente acionistas maioritários ou únicos das dmeais Empresas do Grupo, bem como administradores, comprometem-se a, no prazo de dez dias, apresentar todas as Empresas do Grupo a processo de insolvência, a saber: as sociedades EMP15..., LDA, EMP16..., LDA. e EMP01..., S.A., reconhecendo a situação de insolvência nas Empresas do Grupo que tenham processos pendentes e ainda não tenham a insolvência decretada, indicando o Dr. FF para o exercício de funções de administrador da insolvência.” 14. No âmbito do apenso de liquidação (Apenso D) foi unicamente obtido para a massa insolvente o valor de 1.446,16 €, respeitante a estorno e prémio de seguro devidos à insolvente, tendo a mesma sido declarada finda por inexistência de mais bens a liquidar. 15. Aos credores não foi paga nenhuma quantia dos créditos reclamados e reconhecidos referidos em 6.
Inversamente, foi dada como não provada a seguinte factualidade: a) Os intervenientes no negócio referido em 9.7. tivessem pretendido ocultá-lo de um eventual conhecimento pelo público em geral e dar-lhe a aparência de verdadeiro, de modo a enganar quem consultasse ou por qualquer forma acedesse ao documento que o titulou, quando, na realidade, nenhum negócio quiseram celebrar entre si. b) A celebração do negócio mencionado em 9.7. tivesse visado enganar e prejudicar os credores da insolvente, fazendo com que esse bem/direito não integrasse o respetivo património, dificultando que o mesmo fosse alvo de possíveis arrestos ou apreensões judiciais ou, pelo menos, dissuadindo quaisquer iniciativas que, visando esses objetivos, fossem tomadas pelos credores da insolvente. c) As declarações exaradas no acordo enunciado em 9.7. não correspondessem à verdade e resultassem de um acordo estabelecido entre as partes, tendo em vista criar benefícios ilegítimos para os intervenientes no negócio e enganar todos quanto viessem a consultar os documentos e registos, nomeadamente, os credores da insolvente. d) Em período subsequente à alienação, a insolvente houvesse mantido uma relação nos mesmos moldes que outrora com a “EMP01... España SA“, vendendo-lhe e a empresas por esta detidas cogumelos frescos a preços mais baixos do que aqueles que praticava no mercado nacional e possibilitando que, através da mesma, fosse realizada “intermediação” de matérias-primas para o Grupo em Portugal, mediante a retenção de uma margem de negócio. e) O preço praticado pela “EMP01... España SA” da principal matéria-prima utilizada na produção de cogumelo - palha de trigo - houvesse ascendido a mais de 45% do que o praticado noutras sociedades. f) Fosse do conhecimento de todos os intervenientes no negócio enunciado em 9.7. que, à data dos atos, a insolvente se encontrava em situação de insolvência iminente e do seu carácter prejudicial para esta. g) Os requeridos houvessem omitido do Sr. Administrador da Insolvência o máximo de informação que lhes foi possível, se tivessem furtado à receção das várias comunicações dirigidas pelo mesmo, e tivessem contactado telefonicamente com alguns colaboradores no sentido de os advertir e/ou censurar pela cooperação que lhe vinham prestando ao mesmo. h) O Plano de Reestruturação em fase de PER não houvesse sido concluído pelos Consultores da EMP08... por falta de elementos contabilísticos, tendo tal circunstância também impedido a Consultora “EMP03...” de cumprir as obrigações previstas no memorando referido em 13.. i) As principais decisões do grupo “EMP01...” nunca tivessem sido tomadas só com a intervenção do requerido, por haver sido nomeado pela sociedade “EMP17..., S.A.”, legitimada por força de acordo parassocial, um diretor financeiro que integrou a Administração da insolvente até finais de 2016. j) Os requeridos, enquanto administradores da Insolvente, atuaram sempre com o zelo e a diligência que as circunstâncias impunham, agindo sempre na convicção de estar a fazer o melhor para o Grupo, no interesse deste e, consequentemente, no dos credores sociais.
A Senhora Juiz a quo fundamentou a sua convicção sobre a matéria de facto nos seguintes termos: “A convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada do acervo documental constante destes autos, dos autos principais e respetivos apensos, bem como da prova produzida em sede de audiência final, à luz das regras da experiência comum. Em primeiro lugar, neste âmbito, importa elucidar que não opera nesta sede a confissão por efeito de ausência de oposição. Isto porque, seguindo o entendimento sufragado por Rui Estrela de Oliveira, estamos em crer que nos situamos “perante uma relação jurídica controvertida de carácter indisponível. Com efeito, a inibição para o exercício do comércio e a inabilitação de algum dos visados no incidente só podem ser aplicadas nos termos do artigo 189.º do CIRE, através de decisão judicial, sendo, pois, ineficaz a vontade dos intervenientes para produzirem o efeito jurídico que pelo incidente se pretende obter.” Do teor da certidão permanente da insolvente junta com a petição inicial, extraiu-se a matéria vertida nos pontos 5. e 10. da factualidade demonstrada. A partir da análise do processado nos autos principais e respetivos apensos, designadamente, apensos A e E e, mormente, das decisões aí proferidas, atenta a força probatória que assumem nesta ação, alcançou-se a factualidade vertida nos pontos 1. a 4., 6. (concatenada com as respetivas reclamações juntas com o parecer a que alude o artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), 7. a 9. (documentos n.ºs. 2, 3, 4, 5 e 6 juntos com apetição inicial dos autos de insolvência e Balancetes Gerais de 2017 e 2018 juntos ao relatório a que alude o art. 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas constante de em tais autos), e 14. e 15. dos factos provados. Efetivamente, no que concerne especificamente à factualidade vertida em 1. e 2., 6. e 7., cumpre ter presente que a constante dos dois primeiros pontos resultou provada na sentença que declarou a insolvência, a do terceiro ponto resultou da sentença proferida no apenso A e a constante do último ponto quedou demonstrada na sentença proferida no apenso E. Ora, o caso julgado manifesta-se numa dupla vertente: - negativa, enquanto exceção dilatória de caso julgado, prevista nos arts. 577º, al. i), e580º do Código de Processo Civil, e - positiva, consubstanciada na autoridade de caso julgado, a qual não se encontra expressamente prevista na lei, mas tem vindo a alcançar reconhecimento doutrinário e jurisprudencial. A exceção de caso julgado visa, em consonância com o consagrado no n.º 2, do art. 580º, do Código de Processo Civil, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, constituindo-se como um “obstáculo a nova decisão de mérito”. Para que se verifique a exceção dilatória de caso julgado, em consonância com o previsto nos n.ºs 2 a 4 do sobredito normativo, é necessário que exista uma tríplice identidade entre a causa decidida e a ação proposta posteriormente, maxime, no que se refere aos sujeitos processuais (que se verifica quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica), ao pedido (no sentido em que numa e noutra ação se pretenda obter o mesmo efeito jurídico), e à causa de pedir (que sucederá quando a pretensão deduzida nas duas ações proceda do mesmo facto jurídico). Por seu turno, a autoridade de caso julgado, tendo por corolário a certeza e segurança jurídicas, tem o “efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito”, importando “a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade” prevista no art. 581° do Código de Processo Civil. A este propósito, mostra-se relevante o entendimento perfilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/02/2019, proferido no Processo n.º 11362/18.3T8LSB.L1-6, na senda do qual se propugnou que: “a ratio da excepção da autoridade do caso julgado entronca com a compreensível e necessária imposição de a decisão de determinada questão essencial não poder, uma vez resolvida por decisão judicial insusceptível de impugnação, voltar a ser discutida num processo posterior, isto é, desde que concreta questão essencial foi decisiva para a procedência ou improcedência de uma primeira acção, qualquer outro tribunal em acção subsequente encontra-se obrigado a respeitar a autoridade do julgado com referência à mesma e referida questão, estando-lhe de todo vedado julgá-la em sentido contrário e/ou conflituante, e ainda que a causa de pedir seja diferente.” Na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/01/2013, proferido no Processo nº 816/09.2TBAGD.C1.S1, sufragou-se que: "[O] alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos art.º 497.º e segs. do CPC para a excepção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam, notoriamente, presentes." Por último, neste ponto, impõe-se aludir ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/07/2017, prolatado no Processo n.º 190/16.0T8BCL.G1, na senda do qual: “[A] exceção dilatória inominada de autoridade de caso julgado, assente em razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais, impõe que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta, ainda que sem identidade completa de sujeitos, pedidos e causa de pedir.” O efeito positivo do caso julgado, nas palavras de Lebre de Freitas, “assenta sempre na existência de uma relação de prejudicialidade entre a primeira e a segunda ação: na primeira terá de se ter decidido questão jurídica cuja resolução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda, nomeadamente por respeitar à causa de pedir ou a uma exceção perentória.” Enunciado o enquadramento destas figuras jurídicas, incumbe reverter ao caso dos autos. Antes de mais, cumpre elucidar que as sentenças proferidas nos autos principais, bem como nos apensos A e E já transitaram em julgado. Atendendo a que não se encontra presente, in casu, o pressuposto da tríplice identidade, exigido para a verificação da exceção dilatória de caso julgado, impõe-se concluir que não estamos na presença de uma exceção dilatória de caso julgado. Todavia, afigura-se-nos que estamos perante um caso em que deverá funcionar a autoridade de caso julgado, porquanto, no que concerne à matéria relativa à declaração de insolvência, ao reconhecimento de créditos reclamados e à venda das participações que a insolvente detinha na “EMP01... España, SA”, esta afirma-se um pressuposto indiscutível da decisão de mérito a proferir nestes autos. Quanto ao alcance da autoridade de caso julgado, a questão que se poderia colocar correspondia à da sua aplicação à matéria de facto decidida no outro processo, visto vez que a autoridade de caso julgado opera, sobretudo, ao nível da decisão da sentença propriamente dita (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2010, proc. nº 690/09.9.YFLSB, disponível em www.dgsi.pt). Porém, vêm entendendo a doutrina e a jurisprudência que, não obstante se dever considerar o caso julgado restrito à parte dispositiva da sentença, a sua força obrigatória deverá ser estendida à resolução das questões que aquela tenha tido necessidade de decidir como premissas da conclusão firmada. Destarte, “todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas na sentença, por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, estão compreendidas na expressão precisos termos em que julga, contida no art. 673º ao definir o alcance do caso julgado material, pelo que também se incluem neste". Assim, a eficácia da autoridade do caso julgado da decisão previamente proferida excluirá toda a situação/efeito contraditória(o) ou incompatível com aquela(e) que ficou definida(o) na decisão transitada em julgado. No mais, em face do conteúdo da cópia da ata junta com a oposição sob doc. 3 foi retirada a factualidade ínsita na parte final do ponto 11.. Do conteúdo dos documentos juntos com a oposição sobre os n.ºs 1 e 2, extraiu-se a matéria factual vertida nos pontos 12. e 13.. Quanto à demais matéria de facto demonstrada, a mesma decorreu da prova produzida em sede de audiência final. Concretamente, assomaram-se relevantes para o seu apuramento os depoimentos de: FF, administrador da insolvência, que, de modo assertivo, isento e espontâneo, referiu o que logrou constatar no âmbito do exercício de tais funções, mormente em decorrência da análise da contabilidade da insolvente e esclareceu a respeito da postura assumida pelos requeridos após a declaração de insolvência, no sentido de ter havido um afastamento por parte dos mesmos e de denotar dificuldade para estabelecer contacto com estes. DD, gestor que exerceu funções de técnico oficial de contas para a insolvente, esclareceu, de forma isenta, espontânea e segura, entre o mais, para o que ora releva (tendo em conta a matéria apurada por força dos meios probatórios supramencionados), a respeito das tarefas que realizava no âmbito das suas funções, esclarecendo, nomeadamente, em relação à elaboração e registo do relatório e contas de 2016, assim como o que motivou a ausência de depósito das contas do anos de 2016 e de 2017. GG, contabilista certificado, antigo colaborador do grupo “EMP01...”, desde 2010 até 2018, narrou, de modo objetivo e sério, entre o mais, para o que ora releva (tendo em conta a matéria apurada por força dos meios probatórios supramencionados), a respeito da sua intervenção na elaboração e registo do relatório e contas do ano de 2016, bem como da postura assumida pelos requeridos, no sentido de terem a expectativa de a empresa ultrapassar a difícil situação financeira que enfrentava e ser bem sucedida. EE, contabilista certificado, responsável pela contabilidade da insolvente desde 2000 até 2016 em regime de “outsourcing”. Elucidou relativamente ao modo como exerceu as funções e às circunstâncias que, na sua perspetiva, deram origem à situação de insolvência da insolvente. No que concerne às declarações dos requeridos: AA e BB, importa salientar que estes discorreram quanto ao contexto que, na sua perceção, deu origem à situação de insolvência e à sua reação perante tal cenário. Da matéria que resultou apurada, decorre que estes procuraram recompor a situação financeira da insolvente, primeiro através do aumento do capital próprio, o que não lograram concretizar, e, posteriormente, por recurso a financiamento, através da celebração dos referidos memorandos. Do conteúdo das declarações prestadas pelos mesmos, transpareceu que a sua atuação foi pautada por uma atuação norteada, essencialmente, pela importância emocional do negócio para os mesmos e pouco racional, na procura de soluções que se mostraram inviáveis e que culminou num arrastar da situação de insolvência sem a sua declaração judicial por cerca de dois anos. É compreensível que os requeridos, num primeiro momento, ainda numa fase inicial da situação de insolvência, procurassem alguma solução de sentido de preservar a sociedade. Porém, afigura-se incompreensível que o tivessem protelado por tanto tempo após a materialização de tal cenário, insistindo na celebração de um segundo memorando que resultou infrutífero. Efetivamente, não se alcança como é que os requeridos, administradores de uma sociedade da amplitude da insolvente, durante cerca de dez anos, ignoraram, ao longo de praticamente dois anos, a obrigação legal de apresentarem a mesma à insolvência, e desconsideraram que a apresentação à insolvência não é sinónimo de encerramento. No tocante à factualidade não provada, incumbe esclarecer que a matéria aí consignada resultou da ausência de produção de prova idónea a comprová-la”.
O direito
Sustentam os recorrentes que a sentença recorrida enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto, tendo dado como não provada a factualidade vertida nas alíneas a), b), c) e f), não podia concluir, como concluiu, que a disposição das acções que a insolvente detinha na “EMP01... Espanha, S.A.” foi feita em proveito da respectiva adquirente, a empresa “EMP05... SL” e bem assim que, aquando da celebração desse negócio, a insolvente já se encontrava impossibilitada de cumprir com as suas obrigações vencidas.
E, efectivamente, o artigo 615º do Código de Processo Civil (doravante CPC), no seu n.º 1, alínea c), elenca o apontado vício entre as causas de nulidade da sentença, prescrevendo que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)”.
Como ensinava o Professor Alberto dos Reis, em “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, página 141, a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão pressupõe que a construção da sentença seja “viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Noutra formulação, esta fornecida pela jurisprudência, concretamente pelo acórdão da Relação de Lisboa de 05/11/2024 (processo n.º 5834/22.2T8LRS.L1-7), relatado por Edgar Taborda Lopes e disponível, tal como os demais adiante citados, em www.dgsi.pt, “A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da alínea c) ocorre quando se detecta um vício lógico traduzido na incompatibilidade entre os fundamentos de direito e a decisão, ou seja, quando a fundamentação (as premissas) aponta num sentido que está em contradição com a decisão (a conclusão), violando o silogismo judiciário”.
Importa ainda salientar que, como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/04/2021 (processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1), relatado por Leonor Cruz Rodrigues, citando Amâncio Ferreira (in “Manual de Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, página 56), “É (...) pacífico o entendimento de que a divergência entre os factos provados e a decisão não integra tal nulidade, reconduzindo-se a erro de julgamento”.
E, se é assim relativamente aos factos provados, por maioria de razão o será relativamente aos não provados.
Feito este breve enquadramento jurídico, é evidente que o vício que os recorrentes imputam à sentença recorrida, precisamente o de que “concluiu” em sentido oposto a factos dados como não provados, não integra a nulidade em apreço, por não inquinar o raciocínio efectuado pela julgadora em sede de fundamentação jurídica – onde aqueles factos não foram, nem podiam ser, considerados –, o qual se apresenta como perfeitamente lógico e isento de contradição.
De qualquer modo, admitindo, face à ambiguidade da terminologia, destacada em itálico, utilizada pelos recorrentes, que estes pretendam denunciar uma contradição entre factos, sempre se dirá que, em princípio, não existe contradição entre factos provados e não provados, porque em relação a estes tudo se passa como se não tivessem sido alegados[1], e bem assim que nos casos, excepcionais, em que essa contradição exista[2], tal não compromete a validade da sentença, sendo um vício que deve ser apreciado em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 662º do CPC.
Como se afirmou no acórdão da Relação de Coimbra de 20/01/2015 (processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1), relatado por Henrique Antunes, “(…) os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença (…)”, explicitando-se que “(…) a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (…)”.
Improcede, pois, este fundamento de recurso.
Sustentam depois os recorrentes que houve erro na apreciação da prova relativamente aos itens 15 e 18 do ponto 9 do elenco dos factos provados, pugnando, em conformidade, pela sua alteração nos seguintes termos:
15 – No final do exercício de 2016 as acções da “EMP01... Espanha, S.A.” não tinham qualquer valor comercial;
18 – Os documentos de suporte aos contratos identificados em 5 e 7 foram entregues aos serviços de contabilidade da sociedade insolvente em data não concretamente apurada, após o que se procedeu ao respectivo registo contabilístico da quantia de €91.250,00 afecto a uma conta de proveitos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Por sua vez, estatui o n.º 1 do artigo 662º do CPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Incumbe à Relação, como se pode ler no acórdão deste Tribunal de 07/04/2016, “enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Apesar disso, não se pode olvidar que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para a avaliar, surpreendendo no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação, pelo que, como pertinentemente se observou no acórdão desta Relação de 19/12/2023 (processo n.º 1526/22.0T8VRL.G1), relatado por Maria João Matos, “em caso de dúvida (face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida), deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”.
No caso vertente, os recorrentes cumpriram satisfatoriamente os ónus impugnatórios que sobre si recaíam[3], fundamentando a sua discordância relativamente aos indicados itens nos depoimentos das testemunhas DD e EE.
Sucede, porém, que aqueles itens constituem, a par de outros, mera reprodução de parte da matéria de facto dada como provada na sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do apenso E[4], como resulta expressamente do proémio do ponto da matéria de facto provada que ambos integram.
Sendo assim, é evidente que, enquanto meros segmentos probatórios de uma sentença aqui parcialmente reproduzida, não podem ser alterados.
Questão diversa é a de saber se podiam ser transpostos e valorados neste apenso, como se nele tivessem sido adquiridos.
A julgadora da 1ª instância considerou que sim, argumentando, em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, que estão abrangidos pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no sobredito apenso.
Afigura-se-nos, porém, salvo o devido respeito, que não lhe assiste razão.
Com efeito, constitui entendimento jurisprudencial uniforme que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente – nesse sentido, entre muitos outros, decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018 (processo n.º 3811/13.3TBPRD.P1.S1), relatado por Rosa Tshing, no acórdão desta Relação de 22/09/2016 (processo n.º 795/15.7T8CHV.G1), relatado por Maria Luísa Ramos, e no acórdão da Relação de Coimbra de 09/03/2021 (processo n.º 850/19.4T8CTB.C1), relatado por Maria João Areias.
Como se pode ler no sumário do último “A decisão de dar determinado facto como assente (cf. art. 511º CPC) ou a decisão sobre a matéria de facto (cfr. art. 653º, nº 2 CPC) não têm eficácia jurídica senão no concreto processo para o qual foram produzidas. 2. A decisão sobre determinado facto proferida noutro processo encontrar-se-á sujeita à livre apreciação do juiz no novo processo, devendo a resposta ser valorada em conjunto com os meios de prova com que ele é diretamente confrontado e constituindo um mero princípio de prova”.
Acresce que, como se salientou no primeiro, “Tendo a sentença do tribunal de 1ª instância se limitado a transpor os factos dados como provados numa ação anterior, julgando-os assentes, sem o exame crítico a que alude o art. 607º, n.ºs 4 e 5, do CPC, não está o Tribunal da Relação, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º do CPC, impedido de determinar, mesmo oficiosamente, a eliminação e/ou a alteração desses mesmos factos, pois, a não ser assim, estar-se-ia a conferir à decisão sobre a matéria de facto um valor de caso julgado que, manifestamente, a mesma não tem”.
No caso que nos ocupa, mostra-se arredada, em função da metodologia utilizada, acima explicitada, a alteração/eliminação dos itens impugnados, sendo certo que os mesmos não têm o valor/eficácia que a julgadora da 1ª instância lhes atribuiu, não excluindo a indagação autónoma, mediante apreciação crítica da prova produzida, da factualidade a que se reportavam, tendo em vista o seu apuramento para efeitos da decisão a proferir neste apenso.
Trata-se, portanto, de uma verdadeira ampliação da matéria de facto, que, mercê do apontado equívoco, não foi, pura e simplesmente, objecto de indagação pelo tribunal.
Ora, como se sublinhou no acórdão da Relação de Coimbra de 10/05/2022 (processo n.º 1932/19.8T8FIG.C1), relatado por Emídio Francisco Santos, entendimento com o qual concordamos, “Resulta do n.º 1 do artigo 662.º do CPC combinado com a parte final da alínea c) do n.º 2 do mesmo preceito que o dever de a Relação reapreciar a prova produzida, formar a sua convicção e julgar provados ou não provados os pontos de facto indicados pelo recorrente só existe em relação aos factos sobre os quais se tenha pronunciado o tribunal a quo. Na verdade, só em relação a esta pronúncia é que tem sentido dizer, como faz o n.º 1 do artigo 662.º, do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Depõe a favor desta interpretação o artigo 640.º do CPC, relativos aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, ao impor ao recorrente o ónus de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Se o tribunal de 1.ª instância omitir a pronúncia sobre uma determinada questão de facto e se a resposta a ela for indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. É a solução que resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve mesmo oficiosamente anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando considere indispensável a matéria de facto, combinada com a alínea c) do n.º 3 do mesmo diploma. Só assim não será se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Nestas hipóteses, cabe ao tribunal da Relação tomar em consideração tais factos, sem necessidade de anulação do julgamento”.
Impõe-se, por conseguinte, anular a decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto relativamente aos preditos itens, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos números 2, alínea c), e 3, alínea c), do artigo 662º do Código de Processo Civil.
A anulação prejudica o conhecimento, nesta fase, das demais questões suscitadas.
Uma vez que a anulação foi determinada oficiosamente pelo tribunal, entende-se que nenhuma parte ficou vencida, pelo que os recorrentes devem suportar as custas do recurso, por serem quem dele tirou proveito, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 527º do Código de Processo Civil, sem prejuízo de não haver lugar a encargos, nem ao reembolso de custas de parte.
*
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em anular a decisão proferida na 1ª instância para ampliação da matéria de facto nos termos explicitados, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.
Custas pelos recorrentes.
Guimarães, 06 de Março de 2025
João Peres Coelho
Relator
Susana Raquel Sousa Pereira
1ª Adjunta
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
2ª Adjunta
[1] Nesse sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 12/12/2017 (processo n.º 320/15.0T8MGR.C1), relatado por Isaías Pádua. [2] Sendo certo que, no caso concreto, tal não acontece, porque os factos não provados não constituem antecedente lógico dos provados, designadamente dos que se retiram dos itens 15 e 18 do ponto 9 do elenco dos factos provados, a saber: que a insolvente terá alienado acções duma sua participada por menos de um terço do seu valor. Com efeito, essa factualidade, permitindo qualificar o negócio em causa como ruinoso, não implica que o mesmo tenha sido simulado. Diga-se, outrossim que a circunstância de se ter dado como não provado que fosse do conhecimento de todos os intervenientes no negócio enunciado em 9.7. que a insolvente se encontrava em situação de insolvência iminente não exclui que a mesma já então estivesse objectivamente impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas. [3] Sendo de salientar que perfilhamos o entendimento expresso no acórdão do STJ de 9 de Junho de 2021, relatado por Ricardo Costa (proc. n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1), segundo o qual “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se quando (i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, 2 e 4, 639º, 1, 641º, 2, b), do CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados (art.º 640, 1, a)), sendo de admitir que as restantes exigências das alíneas b) e c) do art.º 640º, 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações”. [4] Trata-se do apenso de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do negócio de venda das acções que a insolvente detinha na “EMP01... Espanha, S.A.” a favor da “EMP05..., SL”.