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NULIDADE DA SENTENÇA
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA IN VIGILANDO
ACTIVIDADES PERIGOSAS
DEVER DE VIGILÂNCIA
Sumário
I - A presunção de culpa estabelecida no art. 491º do Cód. Civil aplica-se apenas aos danos causados pelo vigiado a terceiros; quanto àqueles danos que o vigiado provoque a si próprio, a responsabilidade do obrigado à vigilância, a existir, funda-se no regime geral da responsabilidade civil e, em particular, no art. 486º do Cód. Civil. II - Nesse último caso, cabe ao lesado a prova dos pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente a culpa do vigilante (art. 487º, n.º 1, do Cód. Civil), pois não beneficia da presunção de culpa prevista no art. 491º do Cód. Civil. III - O dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade para efeitos do art. 486º do Cód. Civil, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais, tutores ou outras pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras). IV - No circunstancialismo emergente dos autos, o “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”, no decurso do qual o menor se magoou sozinho (“saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou”) não constitui, em si mesmo, atividade perigosa, nos termos previstos no art. 493º, n.º 2, do Cód. Civil.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
AA, por si e na qualidade de legal representante de seu filho menor, BB, intentou, no Juízo Central Cível de ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de ..., a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., L.da e Companhia de Seguros EMP02..., S.A., pedindo a condenação:
1) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização dos “danos patrimoniais futuros”, descritos no artigo 156º da petição, a quantia de € 20 mil euros;
2) e ainda, a 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização pelos danos psicológicos sofridos, descritos no artigo 164º e 165º da petição no valor € 20.000 euros;
3) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização pelo dano estético, sofrido, sendo-lhe atribuída uma indemnização descrita no artigo 166º da petição, nunca inferior a € 15.000 euros;
4) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar à A. a indemnização pelos danos patrimoniais, danos materiais futuros e danos morais sofridos por estes, durante o internamento hospitalar e danos futuros, numa indemnização a ambos nunca inferior a como descritos nos artigos 173º e 174º da petição, € 5.375,00 euros;
5) da 2ª R., “Companhia de Seguros EMP02... SA.”, na indemnização, pelos danos materiais já sofridos e futuros, pelo menor e AA. descritos nos artigos da petição inicial, até ao limite do valor por que se responsabilizou em virtude do contrato de seguro titulado pela Apólice ...31.
Alega, para tanto e em síntese, que o BB frequentava o 5º ano do colégio da 1ª Ré, quando, nas instalações do colégio, no dia 16 de Dezembro de 2019, pelas 17.45 horas, estava no recreio a jogar ao jogo da apanhadinha com outros colegas, saltou e um colega deu-lhe um pontapé, caindo e partindo uma perna.
Invoca a violação do dever de vigilância por parte da 1ª Ré e a responsabilidade da 2ª Ré por força do contrato de seguro que celebrou com a primeira.
Alega ainda danos patrimoniais e não patrimoniais e danos da própria Autora em virtude da lesão do filho.
Citadas, ambas as Rés deduziram contestação (cfr. Ref.ªs ...51 e ...91), concluindo pela improcedência da ação, sendo que a 1ª Ré invocou ainda a excepção de ilegitimidade activa.
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Por despacho de 3/09/2021, foi atribuído o exercício das responsabilidades parentais, no caso o exercício da representação judicial do menor na presente causa, em exclusivo à mãe AA, sanando-se a invocada excepção de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário legal, por falta de intervenção do pai do menor, nos termos do art. 33.º, n.º 1 do C.P.Civil (ref.ª ...95).
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância; de seguida, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...72).
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Foi realizada a audiência de discussão e julgamento (ref.ªs ...73 e ...38).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...97), nos termos da qual julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu do pedido as Rés.
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Inconformados, os autores interpuseram recurso da sentença (ref.ª ...86) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I. Entende a ora apelante que a sentença recorrida deve ser considerada nula nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do Cód. Proc. Civil por manifesta omissão de pronúncia no que concerne à responsabilidade, por dever jurídico das RR. II. Não conheceu, ainda, que cabia às RR. Colégio e seguradora, atenta a inversão do ónus da prova (artigos 344.º n.º 1 e 350.º do Cód. Civil), ilidir a presunção de culpa que recai sobre elas (cfr. 486.º, 491.º, 799.º e 800.º do Cód. Civil), pois seriam as RR. que tinham que provar que actuaram diligentemente, mediante a prova de cumprimento do dever de vigilância ou mostrando que o dano se teria produzido, mesmo que o dever tivesse sido cumprido. III. Na decisão recorrida, entendeu o tribunal de primeira instância que a A. não logrou provar, como lhe competia à luz do art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil, factos susceptíveis de responsabilizar as duas funcionárias (art.ºs 165.º, 799.º e 800.º todos do Cód. Civil) e o 1º R. Colégio pelo acidente que deu causa à ação e, não havendo factos que permitam imputar a esta a responsabilidade pelo acidente, pelo menos a título de negligência, mais não restaria do que a absolvição dos pedidos formulados. IV. A recorrente funda as suas alegações no sentido de que, era às RR. que lhes incumbia ilidir a “presunção de culpa”, cfr. n.º 1 art.º 799.º do Cód. Civil. O que não fizeram. V. Aludiu-se a relação jurídica estabelecida entre o 1º R. / Colégio e as duas funcionárias nos factos provados – Pontos CCC) e DDD), dizendo: “(…) o que resultou provado é que as duas colaboradoras trabalhavam para aquele”…. VI. O mesmo raciocínio se aplica ao perigo provocado pelo R. Colégio. VII. Olvidou-se o tribunal a quo que, na ausência dos pais e confiado o aluno menor, com 10 anos de idade, aos cuidados Colégio (estabelecimento de ensino particular) impendia sobre este o dever jurídico de zelar pelo ensino, comportamento, bem-estar e vigilância daquele durante o período escolar. VIII. Deficientemente concluiu que: “No caso dos autos, desde logo ficou por demonstrar que uma qualquer criança sobre a qual o 1º R. teria de exercer o dever de vigilância tenha causado um dano ao menor BB” … IX. Ao considerar provados os factos dos Pontos G), H), I), BBB), CCC) e DDD) impunha-se necessariamente outra decisão que não a absolvição das RR. X. Ora, o BB frequentava o Colégio, os pais pagavam uma mensalidade significante para o efeito, e, por isso, estava confiado temporariamente à guarda e direção (durante o período escolar), aos cuidados e segurança do Colégio a quem incumbia o exercício da vigilância e o prosseguimento dos fins a que se propõe como referido supra. XI. Conforme, doutrina e jurisprudência, “Por contrato, pode qualquer pessoa - preceptor, mestre, director de estabelecimento de educação ou de internamento de alienados - ficar encarregado da vigilância (vd. Vaz Serra, Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância, n.º 4). XII. Vejamos o douto Ac. do STJ - Processo 092152 STJ - Sumário: Escola particular – Recreio – Danos causados a terceiro – Omissões – Negócio jurídico – Matrícula. O artigo 44.º, alínea e) do Decreto-Lei 553/80 de 21 de novembro, determina que compete à direção pedagógica da escola particular "zelar pela educação e disciplina dos alunos". Zelar, nos termos referidos pela norma transcrita, envolve a respetiva vigilância, nomeadamente nos locais de recreio, onde ela mais se impõe. É, aí, necessária e notoriamente, mais frequente e previsível a ocorrência de acidentes. XIII. Está provado que a causa da queda do menor BB (e, por essa via, dos danos sofridos) foi um impulso imprimido no jogo da “apanhadinha” no recreio conforme facto assente Ponto G). XIV. Logo, não é de esperar de uma criança média de dez anos que, vigiada por dois adultos as duas funcionárias do R. Colégio, no jogo da “apanhadinha” que brincam entre crianças da mesma idade no recreio, pretenda, e se conforme ou deva prever que elas caiam, ainda que advertidas por quem as vigia. XV. Deve assim, colocar-se a questão da responsabilidade das duas funcionárias que, como tal, as vigiava, conforme, art.ºs 165.º, 799.º e 800.º todos do Cód. Civil. XVI. Tanto basta para que, respondam pelos danos causados ao menor BB no jogo da “apanhadinha” quando 12 crianças brincavam no recreio em vigilância de duas funcionárias do Colégio, salvo se mostrar que cumpriram o dever de vigilância ou “que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”. XVII. Mais reforça a tese dessa violação quando no recreio estavam 12 crianças (Ponto CCC) e duas funcionárias facto provado no Ponto DDD), que não foram capazes de evitar o acidente. XVIII. A utilização do recreio pelas crianças daquela idade, quando todas andam a correr atrás umas das outras não deixa de comportar um risco, risco de queda. XIX. E é manifesto que, uma pessoa medianamente atenta e cuidadosa, colocada na posição concreta das funcionárias do R., não confiaria que uma criança de dez anos no jogo da “apanhadinha” estariam sem risco e em condições de segurança e, sobretudo, que acataria a indicação de “que corressem mais devagar”. XX. É-lhe assim imputável, ao 1º R. a responsabilidade pelo acidente, do facto danoso praticado pela criança que brincava com o menor BB, por não ter cumprido o dever de vigilância a que estava obrigado com o grau de diligência e cuidado exigível, nos termos do disposto no art.º 491.º do Cód. Civil. XXI. Não há dúvida de que se encontram preenchidos os requisitos previstos nos art.ºs 799.º e 800.º do Cód. Civil, enquanto aplicável por remissão do art.º 165.º do mesmo diploma: foi no exercício da vigilância dos menores que brincavam enquanto esperavam pela valência ATL que as duas funcionárias do R. não cumpriram com a diligência exigível o correspondente dever. XXII. Com efeito, ao caso sub judice é ainda aplicável o disposto no art.º 493.º do Cód. Civil. XXIII. Com efeito, os espaços como as brincadeiras entre crianças de dez anos, são ativas e por vezes frenéticas, próprias daquela idade, que quanto à vigilância as funcionárias do 1º R. tinham esse dever obrigatório (cfr. n.º 1, do art.º 493.º) e a utilização do recreio no final do dia pelas crianças e nas suas brincadeiras, constitui uma actividade de risco, nos termos do n.º 2, do art.º 493.º do Cód. Civil. XXIV. O 1º R. também não ilidiu esta presunção de culpa. Era previsível que o menor que brincava com o BB o incentivasse e o impulsionasse a correr mais e com mais velocidade para fugir ou apanhar o colega. XXV. Quem habitualmente lida com crianças, como é o caso das funcionárias do 1º R., sabe que a uma criança de 10 anos não lhe basta solicitar, é necessário ordenar e garantir que a ordem é acatada. XXVI. Naquelas circunstâncias concretas, atendendo a que o objectivo dos menores, criança e o BB no jogo da apanhadinha era cada vez, “imprimir mais velocidade na corrida, e ganhar na maior velocidade”, constituí um exercício perigoso. XXVII. Entregue e confiado o menor durante o período escolar, impõem-se ao Colégio, como regra elementar, o cumprimento dos deveres de cuidados e de vigilância inerentes a obrigação específica que se constitui de harmonia com os artigos 486.º e 491.º do Código Civil. XXVIII. O dever de vigilância é determinado pela incapacidade natural do BB, representado pela mãe ora apelante, e pelo contrato celebrado entre os pais do BB e .... XXIX. Ignorou o tribunal a quo que, em qualquer estabelecimento de ensino, não é comum os alunos sofrerem acidentes. XXX. Menos comum, ainda, é, na presença de duas funcionárias do Colégio a vigiar 12 crianças hajam acidentes. Quando cada uma tinha à sua guarda 6 crianças. XXXI. Sendo, já comum os alunos mais pequenos brincarem e correrem por vezes em jogo da “apanhadinha” em grandes correrias em risco e perigo, nos espaços a que têm acesso. XXXII. Ignorou, ainda, o tribunal a quo que, em espaços habitualmente frequentados por alunos daquelas idades, pressupõe uma actividade de risco obrigando a reforçar as cautelas e a tomar todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir tais perigos, cfr. n.º 2 art.º 493.º do Cód. Civil. XXXIII. Conforme doutrina e jurisprudência: Aquele que abre uma fonte de perigos tem o dever de adoptar as cautelas indispensáveis para os impedir, mesmo que não sejam impostas pelos regulamentos administrativos. Se, na esfera do poder de alguém, se der uma situação produtora de riscos, que só essa pessoa pode fazer desaparecer, tem ela o dever de os eliminar. Vaz Serra, Direito das Obrigações, no BMJ n.º 101, pág. 119. XXXIV. Especial interesse reveste o dever jurídico de prevenção do perigo para quem, como nós, entenda que a pessoa que cria, por sua iniciativa, uma fonte especial de perigo para terceiros deve tomar todas as providências razoavelmente exigíveis dele, com vista à prevenção de consumação deste risco. Vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral -- página 552. XXXV. Em relação às próprias pessoas obrigadas à vigilância de outrém, elas não são apenas responsáveis pelos danos causados a terceiro, nos termos do artigo 491.º; respondem também, por força do disposto neste artigo 486.º, pelos danos que as pessoas vigiadas sofram com a omissão do dever de vigilância (v. g., se elas se ferirem ou morrerem. em consequência dessa omissão). Vd. anot. ao art.º 486.º Código Civil Anotado, Pires Lima e Antunes Varela, Vol. I, 4a Ed., pág. 488. XXXVI. Era ao R. Colégio que recaia o ónus da prova de que cumpriu o seu dever de vigilância ou, mais do que isso, que os danos não deixariam de se produzir ainda que o tivessem cumprido. XXXVII. O acidente foi consequência directa e necessária da falta de cuidado exigível das duas funcionárias do 1º R. (art.ºs 165.º, 799.º e 800.º do Cód. Civil) e da falta de adequada vigilância e segurança do Colégio e ainda no risco de irresponsabilidade. XXXVIII. No sentido da responsabilização das RR. e Colégio, veja-se a seguinte jurisprudência: Ac. STJ de 23-02-88, BMJ, n.º 374, ano 1988, págs. 466; Ac. STJ de 09-02-89 in Acs. STJ - JSTJ00010063; Ac. STJ de 14- 12-94 - JSTJ00021470; Ac. STJ de 25-07-85, BMJ, n.º 349, pág. 516; Ac. STJ de 03-06-04 - SJ200406030017827; Ac. STJ de 23-01-2007 - SJ200701230037416.; Ac. STJ de 02-03-78, BMJ n.º 275, ano 1978, pág. 178; Ac. STJ de 02-04-92 - JSTJ00015448. XXXIX. A decisão recorrida estriba-se numa nulidade insanável, ao abrigo dos artigos 195.º e 615.º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil e violou ainda, o disposto nos artigos 5.º n.º 3 do Cód. Proc. Civil e os artigos 344.º, 350.º, 483.º 486.º, 487.º, 491.º 493.º n.º 2, 496.º, 497.º, 562.º a 564.º, 799.º e 800.º todos do Código Civil.
NESTES TERMOS E nos melhores de direito permitidos, e sempre com o mui douto suprimento de V / Exa., requer que, seja aceite o presente recurso para que doutamente o julgue, pedindo-se a revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo invertendo-se a sua decisão., por uma totalmente favorável e procedente à A. aqui apelante. Contudo, Vossas Excelências farão a SÃ, SERENA e INTEIRA JUSTIÇA.».
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Contra-alegou a 1ª Ré/recorrida, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida (ref.ª ...04).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...90).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
i) - Da nulidade da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1do art. 615º do CPC;
ii) – Da responsabilidade civil por culpa "in vigilando" (art. 491º do Código Civil);
iii) - Da responsabilidade civil por actividades perigosas (art. 493.º, n.º 2, do Código Civil);
iv) – Da responsabilidade civil contratual por violação do dever de vigilância (arts. 165.º, 799.º e 800.º do Cód. Civil).
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
A) A Autora AA é mãe do menor, BB, nascido a ../../2009.
B) A A. encontra-se divorciada, cabendo o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores do menor, que têm a guarda partilhada.
C) A 1ª R. é uma Instituição de Ensino Particular com “Exploração de Estabelecimento de Ensino Pré-Escolar, Primário e Ciclo Preparatório”.
D) A Escola/Colégio ... é um estabelecimento de ensino particular, integrado no designado regime de ensino particular e cooperativo, assim registado junto da então Direção Regional de Educação de ..., que é um Serviço do Ministério da Educação.
E) A referida Escola/Colégio é formalmente titulada e gerida pela 1ª Ré, que é sua proprietária e também titular do seu alvará com o número ...59,
F) O menor BB frequentava o 5º ano de escolaridade no colégio explorado pela 1ª Ré, no ano lectivo de 2019/2020, tendo-lhe sido atribuído o número de aluno ..., turma 5ºA.
G) No dia 16 de dezembro de 2019, pelas 17 horas e 45 minutos, no Parque Infantil situado nas instalações do Colégio, no polo da Rua ..., em ..., o menor brincava, juntamente com outras crianças, ao “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”.
H) O menor BB saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou.
I) Foi chamado o INEM.
J) Um os professores do colégio, professor de educação física, colocou-lhe uma tala na perna esquerda.
K) A Escola rege-se, e regia-se à data dos factos em causa, além do mais, pelo regulamento interno.
L) Prevendo-se, nomeadamente, que, «A Escola é obrigada a vigiar os alunos durante as aulas, intervalos, horas livres, durante a participação noutras actividades escolares, bem como 15 minutos antes do começo das aulas e 10 minutos depois de acabarem».
M) O acidente em causa foi considerado pela Directora da Escola como acidente escolar.
N) A escola não pagou aos progenitores as despesas que, em razão do acidente, lhe foram apresentadas.
O) Não tendo pago os tratamentos e as consultas pelo SNS (Serviço Nacional Saúde) do Hospital ....
P) Não foram pagas as deslocações ao Hospital, quando os pais necessitaram para acompanhar o filho.
Q) O menor BB além das actividades escolares desenvolvidas até às 15 horas de cada dia, praticava, após esta hora, actividades de tempos livres na escola.
R) Para tanto, o menor BB estava inscrito na escola na valência de ATL –Actividades de Tempos Livres.
S) O colégio recebe as crianças desde as 7h45 às 19h15.
T) Deviam estar duas funcionárias a vigiar a recreio até às 18 horas; a partir das 18 horas devia estar uma funcionária.
U) Após ter sido assistido no local, o BB foi transportado de ambulância (ou INEM) para o serviço de urgências do Hospital ....
V) Onde lhe realizaram os primeiros exames clínicos e radiológicos.
W) Foi-lhe diagnosticada fractura cominutiva da diáfise dos ossos da perna esquerda com atingimento da placa de crescimento distal (SH tipo II).
X) Foi imobilizado com tala gessada no SU e submetido a redução fechada da fractura e fixação percutânea com 2 parafusos canulados 4,5mm anteroposteriores na metáfise distal da tíbia e placa LPC por MIPO anteromedial.
Y) No pós-operatório manteve edema marcado do MIE, tendo desenvolvido flictenas cutâneas na face anterior da perna, com evolução favorável com cuidados de penso e AINE. Feridas cirúrgicas com boa evolução.
Z) Não pôde fazer carga no membro operado e teve de deambular com auxílio de canadianas.
AA) Teve alta a 23-12-2019.
BB) Teve nova admissão no Hospital ... a 22-12-2020, em regime de ambulatório, para EMOS de placa e parafusos.
CC) Teve a última observação em consulta de ortopedia a 14-04-2021 "clinicamente muito bem. rx - alinhamento adequado. Fises aparentemente bem. vigilância anual."
DD) Apresenta ligeira assimetria dos compartimentos dos membros inferiores, verificando-se que o membro inferior esquerdo é 8mm mais longo que o direito.
EE) Deverá utilizar ortóteses plantares personalizadas.
FF) Ficou incapacitado de brincar no recreio e fazer as atividades físicas, ginástica artística e educação física.
GG) O menor BB regressou à escola em 06 janeiro de 2020.
HH) O menor utilizava umas canadianas para se movimentar até ao dia 20 de fevereiro de 2020.
II) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em ../../2021, tendo em conta os seguintes aspetos: o tipo de lesões resultantes, o tipo de tratamentos efectuados e data da última consulta de Ortopedia no Hospital ....
JJ) Défice Funcional Temporário Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, que se terá situado entre ../../2019 e ../../2019, entre ../../2020 e ../../2020, é fixável num período de 9 dias.
KK) O Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações, que se terá situado entre ../../2019 e ../../2020, entre ../../2020 e ../../2021, é fixável num período 477 dias.
LL) A Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre ../../2019 e ../../2019, entre ../../2020 e ../../2020, é fixável num período total de 9 dias.
MM) A Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas actividades, ainda que com limitações, que se terá situado entre ../../2019 e ../../2020, entre ../../2020 e ../../2021, sé fixável num período total de 477 dias.
NN) O Quantum doloris é fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados.
OO) Foi atribuído um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos, pelas queixas de hipostesia referidas às áreas cicatriciais.
PP) O Dano Estético Permanente é fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente , tendo em conta as cicatrizes.
QQ) As Dependências Permanentes de Ajudas são acompanhamento clínico em Consulta de Ortopedia, com periodicidade a definir pelo médico ortopedista.
RR) As Ajudas técnicas são ortóteses plantares personalizadas, a definir por Podologista.
SS) Entre a Ré contestante e a Ré EMP01..., Lda., foi celebrado um contrato de seguro do ramo Acidentes Pessoais Grupo, titulado pela apólice nº ...31 com início às 00.00 horas de 29-04-2009 até às 24:00 horas de 28-04-2020 automática e anualmente renovável a partir desta data.
TT) A Apólice em questão cobre o risco de seguro de escolas, desenvolvida pelo tomador e pessoa segura, Nº total de Pessoas Seguras: 352.
UU) A Apólice do Seguro Ac. Pessoais Grupo, prevê apenas as coberturas por pessoa: MORTE POR ACIDENTE - limite de 5.000,00 €; INV.PERM. por ACIDENTE. - limite de 5.000,00 €, DESP.TRAT. ACIDENTE. - Limite 500,00 €.
VV) O presente contrato de seguro garante os riscos de acidente de que possam ser vítimas alunos, inscritos no estabelecimento de ensino no Tomador de Seguro, em cada ano lectivo, exclusivamente em resultado da actividade escolar
WW) A participação foi recebida por e-mail do mediador de 18.12.2019.
XX) Em conformidade com o Artº 2º cobertura de Invalidez Permanente, alínea c) : “Em caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada, na condição de que se comprove que a mesma foi consequência direta de Acidente coberto pela Apólice, a EMP02... pagará a parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do Acidente.
YY) Transcrevendo o que consta na mesma cobertura, todo o art 1º das Condições Particulares: “ b) O capital seguro desta cobertura relativo a cada Pessoa Segura é o indicado no Capítulo I da Parte I destas Condições, no Quadro de Coberturas ou, caso exista mais do que um grupo seguro, no quadro que respeita ao Grupo a que pertence. c) Em caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada, na condição de que se comprove que a mesma foi consequência direta de Acidente coberto pela Apólice, a EMP02... pagará a parte do capital da cobertura, correspondente ao grau de desvalorização resultante do Acidente. d) A indemnização relativa à Invalidez Permanente só é devida após reconhecimento médico formal dessa condição e atribuição do correspondente grau de desvalorização à Pessoa Segura. e) A atribuição do grau de desvalorização, efetuada de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de incapacidades Permanentes em Direito Civil, pressupõe a alta ou cura clínica da Pessoa Segura, ou seja, a situação em que as lesões resultantes do acidente se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada.
ZZ) Dispõe o Artigo 2.º Exclusões Absolutas das Condições Particulares do Seguro de acidentes Pessoais de Grupo: “Sem prejuízo das exclusões mencionadas na Parte I destas Condições, ficam sempre excluídas da garantia do presente Contrato: 1. Quaisquer indemnizações por danos morais;”
AAA) À hora do acidente, a maioria dos alunos que não tinha ainda saído da
escola estava a frequentar actividades extracurriculares, aquelas chamadas de complemento curricular, como a ginástica artística, o futebol, a dança (2º, 3º e 4º anos e do 2º ciclo) e a catequese.
BBB) Para além das crianças que aguardavam a aula de ginástica artística, a iniciar-se às 18:05 horas, estavam mais 5 ou 6 crianças no recreio.
CCC) Estavam inscritas 12 crianças na aula de ginástica artística a iniciar às 18.05 horas
DDD) Àquela hora, no recreio, a monitorizar, a supervisionar as crianças, estavam duas funcionárias: a D. CC e a D. DD.
EEE) A D. DD inicia o seu trabalho no recreio pelas 15:30 horas até às 18:00 horas e a D. CC inicia às 16:30 horas até às 18:00 horas.
FFF) O BB quando usava canadianas não podia transportar a mochila nem o material.
GGG) Não podia fazer a sua higiene diária, como tomar banho sozinho.
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FACTOS NÃO PROVADOS, com interesse para a decisão da causa
1. O colégio tem uma trabalhadora/colaboradora a exercer as funções de vigilante do recreio.
2. Enquanto brincavam, um colega do BB tentou apanhá-lo e este apercebendo- se, saltou, mas o colega deu-lhe um pontapé enquanto o BB se encontrava no ar a saltar,
3. Sentiu um barulho no pé e caiu.
4. Com uma máscara de sofrimento não parou de chorar.
5. No recreio havia uma funcionária que nunca advertiu os meninos de eventuais perigos.
6. O menino que empurrou o BB foi advertido pela trabalhadora do colégio.
7. Na sequência do referido impulso (empurrão com violência e força) o menor BB veio a desequilibrar-se e caiu para o chão, sobre a sua perna esquerda.
8. O BB, perante o gesto irreflectido do colega, que lhe imprimiu mais velocidade (na brincadeira no recreio), ganhou mais rotação sobre a perna, não conseguiu segurar-se, tendo caído desamparado no chão e para o lado.
9. O BB sempre foi uma criança muito viva e saudável, antes do acidente.
10. Hoje está triste, falta de autoestima, tanto pelas nódoas das intervenções cirúrgicas dos tratamentos como pelas cicatrizes.
11. O Colégio, após o acidente, colocou mais uma funcionária para o dever de proteção e segurança dos alunos no recreio.
12. Antes havia uma liberdade de recreio muito alargada, agora é mais controlado, quer no espaço como nas brincadeiras dos menores.
13. Em consequência da descrita queda, o menor BB sofreu vários fraturas expostas.
14. Fraturou a tíbia e a perónio em três sítios.
15. Tem de usar um tacão no sapato esquerdo para compensação da dismetria, então diagnosticada, o que lhe causava grande desgosto.
16. Quando regressou à escola, teve que almoçar e lanchar na sala de aula, como não podia subir escadas, tiveram que mudar a sala de aula para o rés do chão.
17. Quando esteve internado teve a presença do pai e visitas diárias de 4 horas da mãe.
18. Altura em que esteve sujeito a tratamento ortopédico de tracção longitudinal da perna esquerda com 1,5 Kg e terapêutica analgésica e AINE.
19. Permaneceu durante 15 dias com a perna esquerda em tracção.
20. No dia 16 de dezembro 2019 foi ao Bloco Operatório para lhe ser colocado Gesso Pelvi Podálico.
21. Ficou completamente engessado da cintura para baixo, tendo-lhe sido deixado apenas dois orifícios para fazer as necessidades fisiológicas.
22. Foi-lhe retirado o gesso pelvipodálico a 03 de janeiro de 2020.
23. O menor apresenta atualmente as seguintes sequelas resultantes do acidente: a) Dismetria do membro inferior esquerdo de 0,2 cm; b) Atitude escoliótiaca do segmento toraco-lambar de convexividade esquerda.
24. O menor BB só voltou à escola em finais de janeiro de 2020.
25. O pai é engenheiro e a mãe socióloga.
26. O menor faltou à festa de natal do Colégio de 2019, que não participou como não assistiu, por estar impedido.
27. O menor BB, quando retornou à escola, a partir de Janeiro de 2020, sentia-se inferior às demais crianças da sua idade, por se ver impossibilitado de participar activamente nas actividades lúdicas normais de uma criança da sua idade, designadamente jogar futebol com os amigos, ou outra atividade que implicasse estar durante determinado tempo de pé.
28. Ou deslocar-se em caminhadas mais longas; limitação esta que se manterá pela sua vida adiante.
29. Em virtude do trauma psicológico, vem manifestando constante pavor em deixar os pais para a sua guarda e cuidados de educação ser entregue a terceiros, com dificuldade de adaptação a este convívio necessário.
30. A A. trabalha por conta de outrem, como coordenadora comercial, auferindo um salário mensal de € 1.000 euros, com os quais têm de fazer face a todas as suas despesas e do seu filho.
31. Efetuaram os pais o pagamento (Colégio e material escolar) do ano lectivo de 2019/2020 de € 2.200,00 euros.
32. O pagamento de seguro do menor € 125,00 euros.
33. Pagamentos das refeições e aulas didáticas como ballet cifram-se no valor médio de € 550,00 euros.
34. Como (40) deslocações ao Hospital ... com custa de cada viagem de 25€ num total de € 500,00 euros para cada progenitor.
35. Estavam 10 alunos à espera da aula de ginástica artística.
36. As alunas EE e FF estavam no recreio.
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V. Fundamentação de direito
1. Nulidade da sentença recorrida com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do art. 615.º do CPC[1].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[2].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando: - “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como vício de limites, a nulidade de sentença/decisão enunciada no citado normativo divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia (o que está em causa nos autos) e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Esta causa de nulidade decorre da exigência prescrita na 1ª parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[3].
Questões, para o efeito do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, são, “em primeiro lugar, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)”, podendo ser ainda considerados para esse efeito “os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos (controvertidos ou questionados) entre as partes”[4].
Doutrinária[5] e jurisprudencialmente[6] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)”[7].
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[8].
No caso em apreço, os recorrentes invocaram a nulidade da sentença por omissão de pronúncia porquanto entendem que a mesma não se pronunciou «no que concerne à responsabilidade, por dever jurídico das RR.», pois «não conheceu (…) que cabia às RR. Colégio e seguradora, atenta a inversão do ónus da prova (artigos 344.º n.º 1 e 350.º do Cód. Civil), ilidir a presunção de culpa que recai sobre elas (cfr. 486.º, 491.º, 799.º e 800.º do Cód. Civil), pois seriam as RR. que tinham que provar que actuaram diligentemente, mediante a prova de cumprimento do dever de vigilância ou mostrando que o dano se teria produzido, mesmo que o dever tivesse sido cumprido»[9].
Analisada a sentença impugnada constata-se que, depois de enunciados e analisados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a Mmª Juíza “a quo” concluiu pela inverificação da hipótese prevista no art. 491º do Cód. Civil e, nessa decorrência, procedeu à subsunção jurídica ao abrigo do regime geral da responsabilidade civil estabelecido no art. 483º do mesmo diploma legal, que determina que a culpa deve ser demonstrada pelo lesado e não presumida (art. 487º, n.º 1 do CC).
Mais concluiu que não ficou demonstrado que a 1ª Ré tenha incumprido o dever de vigilância do grupo de alunos que no dia em que ocorreu o acidente se encontrava nas suas instalações, tão pouco que as duas auxiliares de educação tenham permitido às crianças a prática de brincadeiras perigosas ou irresponsáveis.
Não obstante o evento verificado – o menor BB caiu e fracturou o membro inferior esquerdo –, considerou que tal não se deveu a uma conduta ilícita e culposa da 1ª Ré, concluindo pela não demonstração de um facto ilícito e culposo da 1ª Ré e, muito menos, do nexo de causalidade entre o facto (a omissão do dever de vigilância) e o dano, afirmando que a Autora não logrou provar a culpa relativamente à conduta da 1ª Ré
Em consequência, julgou prejudicado o conhecimento da obrigação de indemnizar a cargo das Rés (a 2ª Ré por força do contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré), bem como as questões do âmbito da apólice e da ressarcibilidade dos danos morais reflexos alegados pela Autora, decidindo pela total improcedência do pedido.
Bem ou mal, acertadamente ou não (isso será questão a apreciar ulteriormente, quando se analisar o mérito da causa), a verdade é que a Mm.ª Juíza “a quo” não deixou de se pronunciar sobre a questão suscitada pelos Autores, sendo que, de acordo com o enquadramento jurídico por si encetado, excluindo o preenchimento da hipótese prevista no art. 491º do Cód. Civil, atribuiu aos lesados o ónus da prova da culpa do lesante de acordo com o disposto no art. 487º do Cód. Civil.
Os recorrentes discordam do assim decidido, pois fundam as suas alegações no sentido de que era às RR. que lhes incumbia ilidir a “presunção de culpa” (cfr. n.º 1 art.º 799.º do Cód. Civil), o que não fizeram.
Isto para dizer que, se bem atentarmos no teor das alegações (e conclusões) de recurso, depreende-se, claramente, que o verdadeiro motivo do vício apontado à sentença não consubstancia a apontada nulidade, tendo antes a ver com um eventual erro de julgamento da matéria de direito. Entendem os recorrentes que na sentença recorrida foi feita uma errada subsunção jurídica dos factos ao direito, bem como uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas que constituem fundamento jurídico da decisão, o que é impugnável nos termos do disposto no art. 639º do CPC.
Por conseguinte, poder-se-á estar perante um erro de julgamento (error in judicando), mas não é possível surpreender e, consequentemente, reconhecer nessa sede a comissão de qualquer vício gerador de nulidade da sentença (error in procedendo).
Trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
Em suma, não se verificando qualquer omissão de pronúncia sobre questões de que o Tribunal tivesse de apreciar, resta concluir pela improcedência da invocada nulidade da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC).
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2. – Da responsabilidade civil extracontratual.
2.1. Da responsabilidade civil por culpa "in vigilando" (art. 491º do Código Civil - CC) e da responsabilidade civil por actividades perigosas (art. 493.º, n.º 2, do Código Civil).
Como é sabido, a responsabilidade civil extracontratual (delitual ou aquiliana) divide-se em três modalidades: responsabilidade por factos ilícitos (por culpa) (arts 483º a 498.° do CC), pelo risco ou objetiva (arts 499.° a 510.° do CC) e por facto lícito. O regime regra é o da primeira (responsabilidade subjetiva ou por culpa), só se afirmando as outras duas quando haja disposição legal nesse sentido (art. 483º, n.º 2, do CC).
Enunciando o princípio geral da responsabilidade civil por facto ilícitos, o n.º 1 do art. 483º do CC prescreve que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
São os seguintes os pressupostos que se têm de verificar para que surja, na esfera do lesante, a obrigação de indemnizar: (i) facto voluntário do lesante; (ii) a ilicitude da conduta; (iii) a imputação do facto ao lesante a título de culpa; (iv) o dano; e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O n.º 1 do art. 487º do CC consagra o regime geral do ónus da prova quanto à culpa, incumbindo ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, excepto se houver presunção legal de culpabilidade[10], acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas.
Regra geral corre, portanto, por conta do lesado o ónus da prova da culpa do agente/lesante, só adquirindo aquele ganho de causa se conseguir demonstrar em tribunal o carácter objetivamente censurável da conduta deste. Sendo esta prova difícil de realizar (probatio diabólica), esse ónus a cargo do lesado reduz em grande medida as suas possibilidades efectivas de obter indemnização, ao mesmo tempo que assegura a função sancionatória da responsabilidade civil, só responsabilizando o agente perante uma demonstração efectiva da sua culpa.
O que quer dizer que a pessoa que sofreu o dano deve provar o facto ilícito, a culpa, a existência daquele dano e a relação de causalidade (adequada) entre o facto e o dano.
Para a responsabilidade aquiliana deu-se execução à regra em matéria da repartição do ónus da prova estabelecida no art. 342º, n.º 1, do CC, segundo a qual ao “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
A lei consagra, porém, diversas presunções de culpa do responsável, que implicam uma inversão do ónus da prova (art. 350º, n.º 1, do CC), que passa a correr por conta do lesante. Apesar de as presunções serem genericamente ilidíveis (art. 350º, n.º 2, do CC), a verdade é que as dificuldades de prova neste domínio tornam, em caso de presunção de culpa, muito mais segura a obtenção de indemnização pelo lesado, levando assim a que na responsabilidade por culpa presumida a função indemnizatória praticamente apague a função sancionatória[11].
Entre outras presunções de culpa extracontratual[12], destacam-se (tendo em conta a situação particular objeto dos autos) a presunção de culpa relacionada com a omissão do dever de vigilância prevista e regulada no art. 491º (danos causados por incapazes naturais), bem como a que versa sobre o exercício de atividades perigosas, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, estabelecida no n.º 2 do art. 493º ambos do CC[13].
Em ambos os casos, trata-se de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva[14].
Sob a epígrafe “Responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem”, prescreve o art. 491.º: “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”.
A previsão da “culpa in vigilando” situa-se no âmbito dos denominados delitos complexos, englobando a omissão por parte das pessoas obrigadas à vigilância, assim como um ilícito praticado pelo sujeito carecido de vigilância, contendendo esta situação com os danos causados por incapazes[15], presumindo-se a existência de culpa por parte das pessoas que, em virtude da lei ou de negócio jurídico, estavam obrigadas à sua vigilância[16]. Dito por outras palavras, a norma do art. 491º do CC contempla uma situação específica de responsabilidade subjectiva pela omissão, assentando na ideia de que não foram tomadas as necessárias precauções para evitar o dano, por omissão do dever de vigilância[17].
Aplica-se, portanto, às lesões causados pelo vigilando a terceiro – e já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada –, sendo aquele inimputável ou beneficiando de capacidade de entender e querer.
Trata-se de responsabilidade por facto próprio decorrente da presunção legal de omissão da vigilância adequada por parte de quem a ela está obrigado e não de responsabilidade por facto de outrem (como, por ex., a do comitente).
A presunção de culpa recai sobre os que têm o dever de vigiar aqueles que são naturalmente incapazes. São fontes do dever de vigilância a lei ou o negócio jurídico. Integram-se aqui os pais, os tutores e todos aqueles a quem, por contrato, seja incumbindo tal dever (professores, directores de estabelecimento de ensino ou de estabelecimentos médicos de internamento). Essencial é que, por força do contrato, o dever de vigilância tenha sido efetivamente assumido por estes sujeitos[18].
A responsabilidade dos obrigados à vigilância prescinde da obrigação de indemnizar a cargo do vigilando, mas depende da prova de um facto danoso que, praticado por um sujeito capaz, determinaria o dever de ressarcir.
Constitui, pois, pressuposto da responsabilidade estalecida no art. 491º a existência de um facto danoso, abstratamente indemnizável, do vigilando.
Produzido um dano por um incapaz, a lei presume que tal resultou de culpa "in vigilando" com a consequente inversão do ónus da prova, nos termos e com os efeitos previstos nos arts. 344.°, n.º 1 e 350.° do CCiv.
Dário Martins de Almeida[19], em comentário ao art. 491º do Código Civil, escreve: "Dois postulados comandam aqui a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, impondo: a) que exista um dever legal ou convencional de vigilância; b) que essa vigilância obrigatória tenha por objecto prevenir perigos resultantes de vigilandos (menores ou dementes), quer pela educação, quer através de cautelas normais, a apreciar segundo as circunstâncias de cada caso. [...] Fixada na lei como culpa presumida, não interessa trabalhá-la nos quadros da culpa in abstracto ou da culpa objectiva; ela existe, desde que não seja ilidida a presunção".
A presunção de culpa estabelecida no art. 491º apenas se refere aos danos causados a terceiros, já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada, posto que quanto a estes vigoram os princípios gerais. Na verdade, quando a pessoa necessitada de vigilância cause um dano a si própria, ou aos seus bens, tal não significa que não possa haver responsabilidade do obrigado á vigilância, só que em tal caso não é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 491º do CC[20].
A pessoa a quem pertencer vigiar pode eximir-se da responsabilidade contra si instituída através desta presunção de culpa por uma de duas vias:
- provando que cumpriu o dever de vigilância que no caso lhe cabia observar (ilisão da presunção legal de culpa); ou
- demonstrando que os danos se teriam igualmente produzido mesmo que tivesse usado a diligência exigida (ausência portanto de nexo de causalidade).
No entanto, quer a doutrina, quer a jurisprudência chamam a atenção para que o dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as concepções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas que têm o dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações. Assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais concepções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe[21].
Em consonância, tem-se entendido que o dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa "in vigilando", não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais, tutores ou outras pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outrem), em relação aos vigilandos porque, doutro modo, o não deixar (em particular no que ao exercício das responsabilidades parentais respeita) alguma margem de liberdade e crescimento do menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã formação do carácter e contenderia com a desejável inserção social[22].
Daí que há que analisar e ajuizar caso a caso, na sua especificidade e complexidade, se o dever de vigilância foi ou não cumprido.
Importa também dar nota da presunção de culpa relacionada com o exercício de atividades perigosas, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, prevista e regulada no n.º 2 do art. 493º do CC[23].
Nos termos do citado preceito, “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Não se alterando o princípio base do art. 483º do CC, de que a responsabilidade depende de culpa, o normativo citado estabelece uma presunção legal “tantum juris” de culpa de quem cause danos no exercício de uma atividade perigosa, com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no art. 344º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adoptou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano.
A lei não fornece uma noção do que deve entender-se por “actividade perigosa”, tratando-se de um conceito indeterminado que deve ser concretizado, casuisticamente, segundo as circunstâncias de cada caso, pelo que revestirão especial relevo na densificação daquele conceito legal os contributos fornecidos para doutrina e jurisprudência. Dito por outras palavras, não indicando a lei um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornecendo um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade – esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade (geradora dos danos), como a natureza dos meios utilizados pelo agente para a pôr em prática –, é “aceite que a perigosidade tem de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base o critério valorativo ali fixado, ou melhor a «directriz genérica» indicada pelo legislador”[24].
Serve de orientação a definição dada por Vaz Serra[25], segundo a qual devem ser consideradas perigosas as atividades que «criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades».
Almeida Costa[26] defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, «tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral».
O que significa que a perigosidade de uma atividade deve aferir-se segundo as regras da experiência, pelo que será perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Note-se que a perigosidade deve ser entendida objetivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima[27].
A maior propensão pode resultar da elevada intensidade dos potenciais danos (critério qualitativo) ou da elevada probabilidade da sua verificação (critério quantitativo).
O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
Ao tratar do exercício das atividades perigosas, o legislador quis (apenas) referir-se àquelas operações profissionais que, pela sua especial perigosidade (como o transporte, o comércio e o armazenamento de combustíveis e inflamáveis, os trabalhos de pirotecnia, o fabrico e uso de explosivos, os tratamentos de raio x, o emprego dos raios Laser, o uso da broca no tratamentos de odontologia, a actividade de produção, transformação, condução e distribuição de energia elétrica, a construção de uma barragem, a condução de água para abastecimento público, etc.) requerem medidas especiais de prevenção[28] [29].
Por fim, o presumidamente culpado (o titular da actividade perigosa)pode liberar-se da responsabilidade instituída nesse normativo provando “que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de» prevenir a ocorrência dos danos causados. O regime do art. 493º, n.º 2, do CC, é mais gravoso para o lesante do que o das previsões dos arts. 491º, 492º e 493º, n.º 1, do CC, na medida em que, por um lado, não prevê a possibilidade de desoneração pela prova de que os danos se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua (excluindo-se a relevância negativa da causa virtual); e, por outro lado, “a prova liberatória imposta ao exercente de actividades perigosas requer a demonstração de que foram adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias a fim de prevenir os danos, não se satisfazendo literalmente com a prova de terem sido cumpridos os comuns deveres de cuidado que vinculavam o exercente”[30].
Feito este percurso de índole teórica, é altura de particularizarmos o caso concreto.
Com relevância, mostra-se provado que:
F) O menor BB frequentava o 5º ano de escolaridade no colégio explorado pela 1ª Ré, no ano lectivo de 2019/2020, tendo-lhe sido atribuído o número de aluno ..., turma 5ºA.
G) No dia 16 de dezembro de 2019, pelas 17 horas e 45 minutos, no Parque Infantil situado nas instalações do Colégio, no polo da Rua ..., em ..., o menor brincava, juntamente com outras crianças, ao “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”.
H) O menor BB saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou.
I) Foi chamado o INEM.
J) Um os professores do colégio, professor de educação física, colocou-lhe uma tala na perna esquerda.
K) A Escola rege-se, e regia-se à data dos factos em causa, além do mais, pelo regulamento interno.
L) Prevendo-se, nomeadamente, que, «A Escola é obrigada a vigiar os alunos durante as aulas, intervalos, horas livres, durante a participação noutras actividades escolares, bem como 15 minutos antes do começo das aulas e 10 minutos depois de acabarem».
T) Deviam estar duas funcionárias a vigiar a recreio até às 18 horas; a partir das 18 horas devia estar uma funcionária.
W) Foi-lhe diagnosticada fractura cominutiva da diáfise dos ossos da perna esquerda com atingimento da placa de crescimento distal (SH tipo II).
AAA) À hora do acidente, a maioria dos alunos que não tinha ainda saído da escola estava a frequentar actividades extracurriculares, aquelas chamadas de complemento curricular, como a ginástica artística, o futebol, a dança (2º, 3º e 4º anos e do 2º ciclo) e a catequese.
BBB) Para além das crianças que aguardavam a aula de ginástica artística, a iniciar-se às 18:05 horas, estavam mais 5 ou 6 crianças no recreio.
CCC) Estavam inscritas 12 crianças na aula de ginástica artística a iniciar às 18.05 horas
DDD) Àquela hora, no recreio, a monitorizar, a supervisionar as crianças, estavam duas funcionárias: a D. CC e a D. DD.
EEE) A D. DD inicia o seu trabalho no recreio pelas 15:30 horas até às 18:00 horas e a D. CC inicia às 16:30 horas até às 18:00 horas.
- Por outro lado, não se provou que:
1. O colégio tem uma trabalhadora/colaboradora a exercer as funções de vigilante do recreio.
2. Enquanto brincavam, um colega do BB tentou apanhá-lo e este apercebendo-se, saltou, mas o colega deu-lhe um pontapé enquanto o BB se encontrava no ar a saltar,
3. Sentiu um barulho no pé e caiu.
4. Com uma máscara de sofrimento não parou de chorar.
5. No recreio havia uma funcionária que nunca advertiu os meninos de eventuais perigos.
6. O menino que empurrou o BB foi advertido pela trabalhadora do colégio.
7. Na sequência do referido impulso (empurrão com violência e força) o menor BB veio a desequilibrar-se e caiu para o chão, sobre a sua perna esquerda.
8. O BB, perante o gesto irreflectido do colega, que lhe imprimiu mais velocidade (na brincadeira no recreio), ganhou mais rotação sobre a perna, não conseguiu segurar-se, tendo caído desamparado no chão e para o lado.
Face à factualidade apurada (e não apurada) constata-se desde logo não se verificar a previsão do estatuído no art. 491º do CC, porquanto – como bem se reconheceu na sentença recorrida – ficou por demonstrar que uma qualquer criança sobre a qual a 1ª Ré teria de exercer o dever de vigilância tenha causado um dano ao menor BB.
Na verdade, não ficou provado que o BB tenha sido pontapeado quando estava a correr e a saltar ou tenha sido empurrado por outro colega.
Provou-se apenas que quando brincava, juntamente com outras crianças, ao “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”, o BB saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou.
Como vimos, a responsabilidade civil prevista no art. 491º do CC aplica-se às lesões causados pelo vigilando, incapaz natural, a terceiro. Ou seja, a presunção de culpa estabelecida no citado preceito normativo reporta-se apenas aos danos causados pelo vigiado a terceiros; quanto àqueles que o vigiado provoque a si próprio, a responsabilidade do vigilante, a existir, funda-se no regime geral e, em particular, no art. 486º. A distinção é relevante, porquanto, como refere Ana Prata[31], tratando-se dessa última, cabe ao lesado a prova do ilícito e da culpa do vigilante (art. 487º, n.º 1 do CC), pois não há qualquer presunção que o beneficie.
Igualmente, entende-se não se mostrar preenchida a previsão do n.º 2 do art. 493º do CC, visto não se estar perante o exercício de uma atividade perigosa, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados.
Com vista a concluir pela verificação da previsão do art. 493º, n.º 2, do CC – e da não ilisão da presunção de culpa aí estabelecida –, aduziram os recorrentes que foi «o 1º R. Colégio ... que colocou à disposição das crianças, os espaços exteriores para recreio, pelo que, é a este que competia a vigilância e tomada das precauções devidas na utilização do mesmo», sendo que «os espaços como as brincadeiras entre crianças de dez anos, são ativas e por vezes frenéticas, próprias daquela idade, que quanto à vigilância as funcionárias do 1º R. tinham esse dever obrigatório (cfr. n.º 1, do art.º 493.º) e a utilização do recreio no final do dia pelas crianças e nas suas brincadeiras, constitui uma actividade de risco, nos termos do n.º 2, do art.º 493.º do Cód. Civil».
Ao invés do propugnado pelos recorrentes, entendemos que, no circunstancialismo emergente dos autos, o “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”, no decurso do qual o BB se magoou sozinho (“saltou e quando caiu sentiu uma dor e já não se levantou”) não constitui, em si mesmo, atividade perigosa, nos termos previstos no citado art. 493º, n.º 2, do CC.
O tipo de brincadeira em causa, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhar-se, tendo de fugir para não serem apanhadas – que é perfeitamente normal, comum e apropriado, tendo em conta a faixa etária das crianças nela participantes – não comporta em si uma especial aptidão para produzir danos, seja pela sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados.
O referido exercício não envolvia um risco especialmente agravado para a saúde para as crianças envolvidas.
Conclui-se, por conseguinte que a actividade de recreio das crianças no jogo da “apanhadinha” na qual o menor participava quando ocorreu o acidente não se pode configurar, objectivamente, como uma actividade de especial perigosidade ou que envolva uma especial potencialidade para gerar danos.
Também não foram alegados – tão pouco provados – factos evidenciadores de que o parque infantil onde se desenvolvia aquela brincadeira, ao nível da localização, implantação, conceção e organização funcional dos espaços de jogo e recreio, respetivo equipamento e superfícies de impacto, não reunia as necessárias condições de segurança, por a sua utilização poder colocar em perigo a saúde e segurança de utilizadores e de terceiros.
Excluída, assim, a verificação de alguma das duas enunciadas presunções de culpa, vejamos se a situação é subsumível ao regime geral da responsabilidade civil, mormente ao disposto no art. 486º do CC.
Sob a epígrafe “Omissões”, prescreve o citado normativo que: «As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».
No caso da omissão, e como resulta do referido normativo, a imputação ao agente da conduta omissiva exige que sobre ele recaia o dever de praticar o acto omitido, uma vez que inexiste um dever genérico de evitar a ocorrência de danos. “Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos”[32].
Para que haja lugar à indemnização a lei exige também, nos termos do art. 563º do CC, que haja entre a omissão e o dano um nexo de causalidade, devendo “tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado se não fosse a omissão”[33].
Assim, havendo um dever de agir juridicamente relevante, uma obrigação de praticar o acto omitido, concorrendo o nexo de causalidade entre a omissão – violação do dever de praticar o acto omitido – e o dano verificado, há também obrigação de indemnizar.
Em relação às pessoas obrigadas à vigilância de outrem, elas não são apenas responsáveis pelos danos causados a terceiro, nos termos do art. 491º do CC; respondem também por força do disposto no art. 486º, pelos danos que as pessoas vigiadas sofram com a omissão do dever de vigilância (v.g, se elas se ferirem ou morrerem em consequência dessa omissão)[34].
Reconhece-se que a 1ª ré, enquanto entidade que formalmente detém, gere e explora a Escola/Colégio ..., no qual a criança se mostra matriculada e frequenta o 5º ano de escolaridade, tem o dever de vigilância para que esta, no espaço da escola e no período de funcionamento das actividades da mesma, não sofra dano.
Da leitura dos factos provados (e não provados) resulta que a 1ª Ré logrou demonstrar o cumprimento do dever de vigilância a que estava obrigada.
Efectivamente, o que a factualidade provada revela é que, no dia e hora aludido nos autos, a 1ª Ré cumpria o seu dever de vigilância na medida do que lhe era exigível, atentas as circunstâncias concretas, pois que quando as crianças, e em particular o menor BB, brincavam ao jogo das apanhadinhas, no Parque Infantil situado nas instalações do Colégio, no polo da Rua ..., em ..., no recreio, a monitorizar, a supervisionar as crianças, estavam duas funcionárias: a D. CC e a D. DD.
Para além das crianças que aguardavam a aula de ginástica artística – na qual estavam inscritas 12 crianças –, a iniciar-se às 18:05 horas, estavam mais 5 ou 6 crianças no recreio.
A Escola rege-se, e regia-se à data dos factos em causa, além do mais, pelo regulamento interno, que previa que «A Escola é obrigada a vigiar os alunos durante as aulas, intervalos, horas livres, durante a participação noutras actividades escolares, bem como 15 minutos antes do começo das aulas e 10 minutos depois de acabarem», devendo estar duas funcionárias a vigiar a recreio até às 18 horas; a partir das 18 horas devia estar uma funcionária.
Por outro lado, embora alegado pelos apelantes na sua petição inicial, certo é que se não provou que as crianças se estivessem a empurrar umas às outras (especificamente que enquanto brincavam um colega do BB tentou apanhá-lo e este apercebendo-se saltou, mas o colega deu-lhe um pontapé enquanto o BB se encontrava no ar a saltar ou que este tenha sido empurrado) e que no recreio (só) havia uma funcionária que nunca advertiu os meninos de eventuais perigos.
Como se assinala na sentença recorrida, também não ficou demonstrado que as duas auxiliares de educação tenham permitido às crianças a prática de brincadeiras perigosas ou irresponsáveis – as crianças estavam a correr, a jogar “às apanhadinhas”.
É verdade que o menor BB caiu e fracturou o membro inferior esquerdo (com todos os danos daí decorrentes e comprovados pela perícia de avaliação do dano corporal), mas tal não se deveu a uma conduta ilícita e culposa da 1ª Ré.
Pergunta-se: que mais seria exigível às duas funcionárias em serviço no recreio, que monitorizavam e supervisionavam as crianças, de forma, a evitar o acidente?
O que aconteceu foi algo que escapa ao controlo das ditas funcionárias: do “jogo das apanhadinhas, em que as crianças andam umas atrás das outras a tentar apanhá-las”, mesmo não configurando uma actividade perigosa, é perfeitamente natural que a qualquer momento uma ou outra criança possa cair e magoar-se. O que, ponderada a normalidade das coisas e a experiência da vida, obviamente, foge sempre ao controlo total de quem quer que seja (e, designadamente, das funcionárias em serviço no recreio). É que todos sabemos que estas coisas com crianças (no caso, a rondar os 10 anos de idade) ocorrem muito rápido, impedindo muitas das vezes uma reação tempestiva e eficaz, por muito atento que se esteja, por vezes havendo lugar a quedas (como a dos autos) praticamente impossíveis de evitar ou prever sequer.
Por versar sobre uma situação com contornos similares ao dos presentes autos, socorremo-nos para o efeito da fundamentação aduzida no Ac. da RP de 6/02/2020 (relator Fernando Baptista)[35], in www.dgsi.pt., no qual se explicitou: «Com as crianças é assim mesmo: saltam, gritam, correm, acavalitam-se, tropeçam…e caem! A única forma de evitar todo o qualquer acidente seria colocar uma funcionária, literalmente, colada a cada uma das crianças! Mas não só é impossível, como até é absolutamente não desejável para o crescimento e desenvolvimento sadio, harmonioso e equilibrado dos menores. A vigilância exigível é, apenas e só, aquela que for adequada e possível, atentas as circunstâncias do caso, a sua especificidade e complexidade. É perante estas que se deve ser entendido o dever de vigilância previsto na lei. As concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância. E destes e daquelas ressalta como natural e/ou normal o dar-se algum espaço de liberdade às crianças que brincam nas escolas, designadamente nos OTLs: sob observação (vigia), é certo (como fazia a auxiliar H…), há que deixar algum espaço para as crianças darem largas à sua alegria, dando-lhes “asas” para saltarem e correrem. É claro que há o risco de, imprevista e/ou subitamente, uma ou outra se acavalitar às costas doutra (quem o não fez em criança, mesmo contra ou apesar de todos os cuidados dos “vigilantes e das recomendações em contrário?!), provocando eventual queda. Mas isso faz parte do crescimento, do processo de conhecimento e controlo do menor. Não pode, in integrum, ser evitado».
Em suma, não se exige, para satisfação do dever legal de vigilância, uma actuação constante dos vigilantes, castradora, limitadora da liberdade de movimentos dos menores e que só prejudicaria a sua educação. Antes basta para o cumprimento daquele dever, que tomem os cuidados que, segundo um juízo de normalidade, garantam a segurança dos mesmos menores.
Foi o que, no nosso modesto ver, ocorreu no presente caso: nada há na matéria de facto que nos permita concluir que as duas funcionárias incumbidas de monitorizar e supervisionar as crianças no recreio não tenham agido, no caso concreto e perante as concretas circunstâncias do mesmo, com a diligência que lhes era exigível, cumprindo com os seus deveres segundo um juízo de normalidade, tendo tomado os cuidados normais a evitar a produção de eventos danosos aos menores.
Tendo feito o que lhes era exigível, enquanto funcionárias vigilantes, não se vislumbra o que poderiam, razoavelmente (e na normalidade das coisas), ter feito para evitar o acidente (a não ser que estivessem literalmente coladas a cada uma das crianças, segundo a segundo - o que demandaria uma funcionária para cada criança - e impedindo-as de exteriorizarem a sua alegria e vitalidade e de se divertirem).
Como dissemos supra, na análise do dever de vigilância as circunstâncias concretas do caso têm sempre de ser ponderadas e levadas em conta, não podendo esse dever consubstanciar-se numa actuação constante, incompatível com a liberdade de movimentos (com as necessidades quotidianas), apenas se exigindo para que tal dever se preencha, aqueles cuidados que, segundo um juízo de normalidade, devem ser adotados no caso concreto.
Pois que, como salientou no Ac. do STJ de 3/02/2009 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt., “não é possível exigir ao vigilante mais do que o necessário, sendo de excluir a culpa de quem deixa certa margem de liberdade à pessoa cuja vigilância lhe compete, de acordo com o costume ou as concepções dominantes (…), não sendo, outrossim, compatível com o direito do vigilando ao livre desenvolvimento da sua personalidade a imposição de limitações, além da medida do razoável, para o afastar do perigo para com terceiro.”.
O padrão de conduta exigível ao obrigado à vigilância corresponde, apenas e só, ao de uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias.
Assim, portanto, os deveres que os factos provados mostram ter sido satisfeitos pelas funcionárias adstritas a monitorizar e a supervisionar as crianças no recreio são bastantes para que se considere que cumpriram o dever de vigilância a que estavam obrigadas,
O que nos reconduz a secundar a afirmação feita na sentença recorrida no sentido de não ter ficado «demonstrado o facto ilícito e culposo da 1ª Ré. E muito menos se provou o nexo de causalidade entre o facto (a omissão do dever de vigilância) e o dano».
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3. –Da responsabilidade civil contratual por violação do dever de vigilância (arts. 165.º, 799.º e 800.º do Cód. Civil).
Sustentam, ainda, os recorrentes de que se encontram preenchidos os requisitos previstos nos arts. 799.º e 800.º do Cód. Civil, enquanto aplicável por remissão do art.º 165.º do mesmo diploma, porquanto foi no exercício da vigilância dos menores que brincavam enquanto esperavam pela valência ATL que as duas funcionárias do R. não cumpriram com a diligência exigível o correspondente dever, assim se tornando responsáveis pelas consequências do facto danoso praticado pela criança que brincava com o menor BB.
O mesmo é dizer que pugnam os apelantes pela responsabilidade contratual da 1ª ré face à quebra do sinalagma (pagamento de “mensalidade significante” pela frequência do colégio pelo menor) e não cumprimento das normas de cuidados e de segurança (falta do dever de vigilância por parte das funcionárias da 1ª R.).
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor - art. 798º do CC.
Constituem pressupostos desta responsabilidade (tal como na responsabilidade extra-contratual), o facto (voluntário traduzido numa acção ou omissão), ilicitude, consistindo esta no incumprimento/inexecução da obrigação, a culpa, o prejuízo (sofrido pelo credor) e ainda o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ainda que os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade contratual coincidam com os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade extracontratual, a verdade é que naquele primeiro domínio, feita a prova da ilicitude, vigora uma presunção de culpa, de acordo com a regra do n.º 2 do art. 799.º do Código Civil.
Dispõe o citado normativo que «[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Assim, se se concluir existir ilicitude por inobservância do dever de vigilância por parte das funcionárias do 1ª R., a culpa da 1ª R., adstrita ao cumprimento de tais regras, presumir-se-á.
Sucede que, como já vimos, concluiu-se que os apelantes não lograram provar, de tal tendo o ónus (art. 342º, n.º 1, do CC), a ilicitude do facto, mormente a falta do dever de vigilância por parte das funcionárias da 1ª ré.
Mas ainda que, porventura, se entendesse de modo diferente – o que se concebe para efeitos meramente argumentativos –, sempre seria de concluir pela ilisão da presunção de culpa nos termos supra expostos no item 2.1., cuja fundamentação se dá aqui por integralmente reproduzida.
Assim, temos de concluir que indemonstrada ficou a responsabilidade contratual imputada à 1ª R., mesmo que, com os AA., se admitisse como aplicável ao caso o preceituado no art. 800º, n.º 1, do CC.
Na verdade, os apelantes não fizeram prova dos factos constitutivos do direito à indemnização que pretendiam ver arbitrada (art. 342.º, n.º 1, do CC), pelo que a acção terá necessariamente que improceder, tal como decidiu a 1.ª instância.
Deste modo, a sentença recorrida merece inteira confirmação, improcedendo a apelação.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
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VI. Decisão
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes (art. 527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozam.
[1] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601. [2] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf. [3] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt. [4] Cfr. Antunes Varela, R.L.J., Ano 122, p. 112. [5] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, 2015, Almedina, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364. [6] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. [7] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p, p. 713. [8] Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, pp. 69/70. [9] Conclusões 1ª e 2ª da apelação. [10] Ao invés, na responsabilidade contratual, «[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua» (art. 799º, n.º 1 do CC). [11] Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, pp. 304/305. [12]Tais como as previstas nos arts. 492º (danos causados por edifícios ou outras obras), 493º, n.º 1 (danos causados por coisas ou animais) e 503º, n.º 3 (condutor do veículo por conta de outrem) do CC. [13] Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, 2018, Almedina, pp. 589 a 597, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, 1994, p. 490 a 495, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 308/309, e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 292; Ac. do STJ de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [14] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 495, Almeida Costa, obra citada, p. 490 e Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 239. [15] A lei fala em incapazes naturais, que não são necessariamente inimputáveis.
Dado que o incapaz natural não é necessariamente um inimputável, o que sucede é que ele pode responder solidariamente com o próprio vigilante nos termos do art. 497º do CC. [16] Cfr. Ac. do STJ de 21-03-2023 (relator Nuno Ataíde das Neves), in www.dgsi.pt. [17] Cfr. Ac. da RC de 17/09/2013 (relator Jorge Arcanjo), in www.dgsi.pt. [18] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, (…), p. 492 e Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, obra citada, p. 239. [19] Cfr. Manual de Acidentes de Viação, 1987, Almedina, pp. 234/236 [20] Cfr. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 290. [21] Cfr. designadamente, Vaz Serra, in R. L. J., Ano 111º, p. 26; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., pp. 492/493; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, 1994, p. 491; na jurisprudência, Acs. do STJ de 11/09/2012 (relator Fernandes do Vale) e de 3/02/2009 (relator Hélder Roque); Ac. da RP de 6/02/2020 (relator Fernando Baptista), in www.dgsi.pt. [22] Cfr. Acs. do STJ 06/05/2008 (relator Fonseca Ramos) e de 21/03/2023 (relator Nuno Ataíde das Neves), in www.dgsi.pt. [23] Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações (…), Vol. I, (…), pp. 589 a 597, Almeida Costa, obra citada, p. 490 a 495, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, obra citada, pp. 308/309, e Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 292; Ac. do STJ de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [24] Cfr. Ac. do STJ de 17/05/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [25] Cfr. Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades, separata do BMJ, 85, p. 378 e Maria da Graça Trigo/Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações/Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, (anotação ao art. 493º), p. 323. [26] Cfr. obra citada, p. 493. [27] Cfr. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, obra citada, p. 243. [28] Cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 121, 1988-1989, n.º 3766-3777, p. 51. [29] A título meramente exemplificativo, no Ac. do STJ de 30/11/2010 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt., foi decidido tratar-se de uma actividade perigosa em concreto a prática de salto mortal numa aula de ginástica por uma aluna de quinze anos de idade que caiu sem que a sua actuação estivesse a ser vigiada e assistida pelo Réu, professor de ginástica.
Por sua vez, no Ac. do STJ de 11/09/2012 (relator Fernandes do Vale), in www.dgsi.pt., decidiu-se que a «actividade de prática de patinagem, no circunstancialismo emergente dos autos – tendo em consideração o tamanho desproporcionado dos sticks face à idade infantil dos praticantes, bola pesadíssima e com previsível e eventual impacto mortal, ausência de protecção adequada dos sticks e de uso obrigatório de máscara e/ou capacete protector dos jogadores de campo, tudo em conjugação com a fogosidade, imprudência e emulação típicas daquela idade –, constitui actividade perigosa, nos termos previstos no art. 493.º, n.º 2, do CC». [30] Cfr. Ac. do STJ de 7/04/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt. e Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres de tráfego, 2015, p. 501. [31] Cfr. Código Civil Anotado, Vol. I (artigos 1º a 1250º), 2017, Almedina (Coord. Ana Prata), p. 638. [32] Cfr. Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I, (…), p. 272. [33] Cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. I, (…), p. 487. [34] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, (…), p. 488. [35] Estava em causa um menor, com sete (7) anos de idade, sofreu uma queda durante o horário de serviço de OTL prestado pela Ré Junta de Freguesia, quando se encontrava com outras 12 crianças de várias idades, sendo que uma outra criança se colocou às suas “cavalitas”, tendo o menor caído.
No momento em que ocorreu a queda, as crianças estavam acompanhadas por uma única funcionária da ré, que ali se encontrava com eles no pátio, a quem cabia vigiar as crianças ali presentes.