ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SIMULAÇÃO
REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - Estando em causa nos autos a outorga de negócios simulados exige a lei a verificação de divergência entre a vontade real e a declarada pelas partes contratantes ao outorgarem determinado negócio, o acordo simulatório e o intuito ou intenção de enganar terceiros.
II - Tratando-se de pressupostos constitutivos do direito invocado, o ónus de alegação e prova da verificação dos requisitos da invocada simulação onera, nos termos gerais, aquele que a invoca.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra,
1. BB e esposa CC,
2. DD,
3. EE e marido, FF,
4. GG e marido, HH,
5. II e marido JJ,
6. KK e marido, LL (falecido a ../../2013, tendo sido habilitadas no processo, além da esposa, as filhas, MM e NN),
7. EMP01..., Lda.,
8. Banco 1..., C.R.L.,
formulando os seguintes pedidos:
a) declarar-se nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre os terceiros a sextos réus e o segundo réu, contrato esse formalizado pela escritura pública de 29 de dezembro de 2010;
b) declarar-se, consequente e subsequentemente, nulos o contrato de compra e venda celebrado entre o segundo réu e a sociedade sétima ré, bem como o contrato de hipoteca, celebrado entre a sétima Ré e a oitava Ré, ambos os contratos formalizados pela escritura pública de 9 de agosto de 2019;
c) ordenar-se o cancelamento dos registos prediais lavrados na sequência das apresentações n.º 4571, de 2010-12-29, n.º 3768, de 2019-08-09, bem como n.º 3769, também de 2019-08-09, que incidem sobre os prédios descritos sob o n. 284/20... de ..., n.º 285/20... de ... e nº 85/20.... ...; e
d) serem os primeiros, segundo e sétima RR. condenados solidariamente a pagar indemnização ao A. por todos os danos por ele sofridos, em montante a liquidar, para reembolso de despesas e encargos suportados com a presente demanda; e
e) serem os RR. condenados em custas, procuradoria e o mais da lei.
Subsidiariamente, serem os primeiros, segundo e sétima réus solidariamente condenados no pagamento ao autor de indemnização, em montante pecuniário equivalente ao preço declarado pela compra e venda dos três referidos imóveis, no contrato de 9 de agosto de 2019, por ser esse o valor da diminuição do acervo patrimonial dos primeiros réus, montante que deverá ser objeto de correção monetária, de acordo com a taxa de inflação que vier a verificar-se, desde a citação e até que sejam cumpridas ou declaradas inexistentes as obrigações de pagamento reclamadas, também pelo autor, no processo que corre termos sob o n.º 3023/05...., tudo acrescido de indemnização, a liquidar, para reembolso de despesas e encargos suportados igualmente pelo autor com a presente demanda.
Alega, para o efeito e em síntese que, na sequência de acordos para negócios com os primeiros e segundo réus, designadamente para sociedade a três numa Quinta ... réu, entregou, além do mais, ao 1.º réu a quantia de PTE 22.560.000$00 (112.528,81 €) utilizado para a aquisição de três prédios rústicos a OO que ascenderam ao preço total de PTE 27.560.000,00 (137.468,70 €), entregues de acordo com o contrato promessa celebrado entre este e os 1.ºs réus em maio de 2001.
Em 2004 frustraram-se os negócios, tendo sido intentada pelo autor em 2005 ação onde pediu a restituição de todos os montantes pecuniários entregues, resultando a condenação em 2.ª instância, ainda não transitada, dos 1.ºs réus no pagamento de 365.936,16€ e o 2.º de 44.675,91€.
Na sequência do contrato promessa, deveriam os prédios ter integrado o património dos 1.ºs réus, como promitentes compradores, mas os réus, em conluio com as 3.ª a 6.ª rés, herdeiras do OO (entretanto falecido), celebraram a 29 de dezembro de 2010 a escritura de compra e venda com o 2.º réu, com o único objetivo de os integrar no património deste que, por os não ter pago, não se tratou de uma verdadeira compra e venda, mas de um artifício destinado a conseguir que os imóveis viessem a ser posteriormente vendidos à sétima ré, sem passar pelo património dos 1.ºs réus.
Alega que se tratou de uma simulação fraudulenta, com a participação, o acordo, a cooperação e o assentimento dos primeiros a sextos réus, porque com o único objetivo de impedir ou dificultar seriamente a efetiva cobrança do crédito do autor sobre os primeiros réus, visto que o ingresso, no património dos primeiros réus, dos imóveis prometidos comprar a OO faz elevar a garantia patrimonial do crédito do autor (mas a perda dos direitos emergentes do contrato promessa de 1 de maio de 2001 provoca, diretamente e na mesma proporção, a diminuição dessa garantia patrimonial), sendo que tais imóveis, se adquiridos pelos primeiros réus, poderiam e podem ser objeto, por iniciativa do autor de uma medida cautelar destinada a assegurar a conservação dessa garantia.
Também a 7.ª ré sabia da existência do processo e que os contratos celebrados com os réus poderiam ser alvo de impugnação, desde uma notificação judicial de 15 de novembro de 2010, tendo mesmo assim adquirido os prédios ao 2.º réu, que recebeu uma vantagem patrimonial não justificada e dificultou significativamente a cobrança da dívida dos 1.ºs réus.
Conclui que a declaração de nulidade do contrato de compra e venda, de 29 de dezembro de 2010, determina a nulidade dos contratos de compra e venda, e de hipoteca, formalizados na escritura de 9 de agosto de 2019, uma vez que o vendedor (aqui segundo réu) carecia de legitimidade para a realizar (artigo 892º do Cód. Civil).
Os réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Os 1.ºs e 2.ºs réus invocaram a título de exceção a litispendência com a outra ação pendente entre as partes, a ilegitimidade ativa do autor, por não ser ainda credor e de ineptidão da petição por não estarem verificados os pressupostos do pedido subsidiário. Relativamente aos factos alegados, referem que os prédios em causa eram já arrendados pelo 2.º réu e contíguos à sua Quinta, tendo sido dado um valor a este conjunto e à terça parte de cada um (266.856,87 €), bem como ao investimento no prédio destinado à construção.
O contrato promessa foi celebrado com os 1.ºs réus, atendendo à relação de confiança e de acordo com o autor, sendo o dinheiro entregue por este para cumprimento do acordado quanto aos negócios, e os prédios integrados na Quinta para exploração ou futura venda, não havendo qualquer simulação.
Acrescentam que em 2010 não existia ainda condenação, e que o autor beneficia de hipotecas sobre bens dos réus suficientes para pagamento das quantias indicadas. Terminam pedindo a condenação do autor como litigante de má fé, atendendo à atitude persecutória e alteração da verdade dos factos, ocultando seletivamente factos e deduzindo pretensão com conhecida falta de fundamento.
As 3.ª a 6.ª rés, concluíram pela improcedência da ação e invocaram, antes de mais, a sua ilegitimidade, alegando que desconhecem os negócios entre os outros intervenientes e que celebraram a escritura com o 2.º réu em cumprimento do contrato promessa celebrado com o pai, onde estava previsto expressamente que este se obrigava a vender aos 2.ºs outorgantes (aqui 1.º réus) ou a quem estes indicassem.
A 7.ª ré sociedade invocou a título de exceção, a existência de uma questão prejudicial ainda não transitada, pelo que deveria ter sido instaurado procedimento cautelar para garantia do crédito (erro na forma do processo) e que a procedência das duas ações implicaria uma dupla condenação (incompatibilidade). Acrescenta que comprou mais prédios há mais de 10 anos pelo que a nulidade peticionada é impossível e configuraria um abuso de direito, sendo que como arrendatária dos prédios desde 2007 tem vindo a exercer a sua atividade, implantando benfeitorias de valor superior a 500.000,00 €.
Concluem pedindo a suspensão da instância e condenação do autor como litigante de má fé.
A 8.ª ré Banco 1... impugna o alegado por desconhecimento, tendo concedido financiamento no âmbito da sua atividade, deduzindo reconvenção, pedindo a título subsidiário, a restituição do referido montante.
Foi apresentada réplica, concluindo pela absolvição da instância, por inadmissibilidade da reconvenção e por ineptidão do articulado, ou, se assim se não entender, ser a reconvenção julgada improcedente e não provada, absolvendo-se o autor/reconvindo do pedido. Notificado para tal, pronunciou-se ainda o autor sobre as exceções, concluindo pela improcedência.
Foi proferido despacho saneador em que se julgaram improcedentes as exceções invocadas e não foi admitido o pedido reconvencional, tendo sido determinada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do processo n.º 3023/05.....
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo os réus do peticionado.
Inconformado com a sentença proferida nos autos, o autor apresentou-se a recorrer, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I- A sentença recorrida viola o disposto nos artigos 240º, 412º, nº2, 424º, nº1, 425º, 874º, 879º, alínea c) e art. 892º, todos do Código Civil, bem como nos nºs 3 e 4 do art. 607º do Código do Processo Civil.
II- Na decisão em matéria de facto, o tribunal recorrido cometeu erro de julgamento no que respeita à parte final do ponto 8. dos factos provados, onde se estabelece que o segundo recorrido “ocupava já os terrenos como arrendatário”  
III- Não foi produzida qualquer prova relativamente a tal segmento do referido ponto 8. dos factos provados.
IV- A sentença recorrida não apresenta qualquer fundamento para aquele segmento decisório, com análise crítica da prova e os demais fundamentos decisivos para a sua convicção (nº4 do art. 607º do C.P.C.).
V- A sentença não considerou como provado, a alegação, na pendência dos presentes autos, do facto relativo ao pagamento pela sétima recorrida, do montante devido ao recorrente pelo segundo recorrido, no dia 10 de Janeiro de 2022;
VI- O facto relativo ao citado pagamento está demonstrado por documento e não foi impugnado.
VII- Aquele facto relativo ao pagamento pela sétima recorrida, que nada devia ao recorrente, em substituição do segundo recorrido, foi alegado na pendência dos presentes autos, porque só ocorreu em 10 de Janeiro de 2022.
VIII- O referido facto é relevante para a fundamentação do direito do recorrente quanto à existência de plano assente em negócio jurídico simulado, destinado a causar-lhe dano, pelo que podia ser articulado posteriormente, ao abrigo do nº2 do art. 588º do C.P.C.
IX- Assim, deve ser aditado à matéria de facto julgada provada um novo número, com a seguinte redacção:
“19. No dia 10 de Janeiro de 2022, a sétima Ré pagou ao Autor a quantia de € 74.760,52 correspondente à condenação do co-Réu DD proferida no processo comum sob o forma ordinária que, sob o nº 3023/05...., correu termos inicialmente pelo ... Juízo Cível de ... e depois pelo Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz ...”.
X- Também em matéria de direito ocorreu erro de julgamento, com violação dos preceitos legais, de natureza substantiva, supra referidos em I, destas conclusões.
XI- O contrato de compra e venda é um contrato bilateral, receptício e oneroso, no qual o comprador paga ou fica obrigado a pagar ao vendedor a contraprestação correspondente ao preço convencionado.
XII- O contrato promessa de compra e venda é igualmente um contrato bilateral receptício e oneroso, pois que o promitente comprador paga ou promete pagar o preço convencionado.
XIII- No caso de o contrato-promessa de compra e venda conceder ao promitente comprador o direito de indicar terceiro como comprador, está consignado o direito à cessão de posição contratual.
XIV- Na cessão de posição contratual de comprador, ao abrigo de contrato promessa de compra e venda, o cessionário fica investido dos direitos e obrigações conferidos ao promitente comprador.
XV- O cessionário da posição de comprador fica, aceitando a cessão, colocado no direito de exigir do promitente vendedor o cumprimento do contrato-promessa e de vender a coisa prometida.
XVI- Por outro lado, o cessionário da posição contratual de comprador fica colocado na obrigação de pagar o preço convencionado com o promitente vendedor.
XVII- O preço devido pelo respectivo comprador tanto pode ser pago ao vendedor, como ao promitente comprador que veio a ceder a posição contratual, conforme as circunstâncias e condições do caso em concreto.
XVIII- Caso o promitente comprador não tenha pago o preço, no todo ou em parte, o cessionário da posição contratual ficará constituído na obrigação de pagar ao vendedor o preço ou a parte deste que falta e de entregar ao promitente vendedor a parte que este tiver pago.
XIX- Só com aqueles pagamentos o cessionário da posição contratual e efectivo comprador cumpre a sua obrigação, ou, no caso de pagamento diferido, constituído na obrigação de pagar, de modo a que o vendedor possa exigir dele o pagamento.
XX- No caso dos presentes autos, os primeiros recorridos (na qualidade de promitentes compradores) obrigaram-se, pelo contrato promessa de 01-05-2001, a comprar três imóveis e eles mesmos pagaram integralmente o preço, ao promitente vendedor, muito antes da celebração do contrato prometido.
XXI- Consequentemente, o preço não ficou em dívida, nem podia ser exigido posteriormente, não havendo, do lado do promitente comprador, qualquer obrigação de pagar.
XXII- Não existe qualquer facto provado no sentido de que entre o recorrente, os primeiros recorridos e o segundo recorrido tivesse havido acordo para que este último adquirisse para si e em propriedade exclusiva os imóveis prometidos comprar a OO através do contrato promessa de compra e vende de 01-05-2001.
XXIII- Pelo contrário, ficou provado que todos os imóveis, incluindo os que já anteriormente eram propriedade do segundo recorrido, passariam a ser de compropriedade entre todos, isto é, o recorrente, os primeiros recorridos e ele segundo recorrido.
XXIV- Ao abrigo do contrato promessa de compra e venda de 01-05-2001, os promitentes compradores e aqui primeiros recorridos indicaram o seu filho e agora segundo recorrido como comprador.
XXV- Tal indicação constituiria, se válida, uma cessão de posição contratual, que não poderia deixar de considerar-se um negócio jurídico bilateral, receptício e oneroso.
XXVI- A cessão é um contrato transmissivo de posição contratual e só é admissível num contrato com prestações recíprocas, isto é, bilateral e sinalagmático (nº1 do art. 424º do Código Civil).
XXVII- A falta e os vícios de vontade, bem como as relações entre as partes, na cessão de posição contratual, definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão (artº 425º do Código Civil).
XXVIII- Ora, ficou provado que o segundo recorrido, que outorgou no contrato de compra e venda formalizado por escritura pública de 29-12-2010, nada pagou pela compra dos três imóveis que constituíram o objecto do contrato promessa de 01-05-2001, pois que o preço já havia sido anteriormente pago, na sua totalidade, pelos primeiros recorridos e, então, promitentes compradores.
XXIX- Como o declarado comprador nada pagou ao vendedor, nem aos declarados cedentes de posição contratual (promitentes compradores), aquele contrato de 29-12-2010 mais não foi que um negócio formal, simulando-se uma compra e venda, com o claro intuito de enganar e prejudicar o recorrente.
XXX- Aquele negócio formalizado em 29-12-2010 é simulado e não pode ser reconhecido como efectivo contrato de compra, pois que o declarado comprador nada pagou, nem se constituiu na obrigação de pagar o preço ao vendedor ou aos promitentes compradores que haviam realizado aquele preço.
XXXI- O contrato de 29-12-2010 integrou o negócio simulado de cessão de posição contratual, em que também não houve qualquer pagamento por parte do cessionário, nem ele se obrigou a pagar posteriormente.
XXXII- Se considerar que a cessão de posição contratual, ela também simulada, porque onerosa, mas sem qualquer pagamento,, não integra o contrato de compra e venda, deverá, de qualquer modo, considerar-se nulo, por simulado o contrato de compra e venda de 29-10-2010, por não reunir os requisitos da compra e venda, nomeadamente o pagamento ou obrigação de pagamento do preço (artigos 874º, 885º e 886º do Código Civil).
XXXIII- Aquele negócio simulado que revestiu a forma do contrato de compra e venda de 29-12-2010, destinou-se a prejudicar o recorrente, pois teve por objectivo retirar do património dos primeiros recorridos, os direitos emergentes do contrato promessa de compra e venda de 01-05-2001, nomeadamente o direito de eles primeiros recorridos fazerem integrar no seu património os imóveis que prometeram comprar e cujo preço só eles pagaram.
XXXIV- Tal negócio simulado foi concebido pelos primeiros e segundo recorridos (pais e filho), mas levando à prática por todos os recorridos, com a cooperação voluntária, consciente e expressa da terceira a sétima recorridas.
XXXV- Tal plano foi concebido e executado na pendência do processo de 3023/05...., no qual o recorrente demandou os primeiros e segundo recorridos, reclamando deles o pagamento de diferentes montantes pecuniários.
XXXVI- Naquele processo nº 3023/05...., o montante pecuniário reclamado pelo recorrente aos primeiros RR. e aqui primeiros recorridos era de montante muito superior ao que foi reclamado do então segundo R. e aqui segundo recorrido.
XXXVII- No acórdão proferido pelo STJ e transitado em julgado, os primeiros RR. e aqui primeiros recorridos foram condenados no pagamento ao recorrente do montante de € 365.936,16, acrescido dos juros legais contados desde 24-10-2005, enquanto que o segundo R. e aqui segundo recorrido foi condenado a pagar o montante de € 44.675,91, acrescido de juros legais contados desde a mesma data.
XXXVIII- Aquela já conhecida e reclamada grande diferença de responsabilidades entre os referidos demandados (pais e filho) determinou que no contrato de compra e venda de 29-10-2020 interviesse como comprador o segundo recorrido.
XXXIX- As terceira a sexta recorridas actuaram de modo consciente, voluntário e expresso, na celebração do contrato de compra e venda de 29-10-2010, pois que elas interpelaram para a celebração do contrato prometido o promitente comprador e aqui primeiro recorrido marido, fizeram constar da escritura de compra e venda que o acto constituía a execução do contrato promessa de 01-05-2001 e que o preço foi integralmente pago ao promitente vendedor OO.
XL- A sétima recorrida também actuou de modo consciente, voluntário e expresso ao celebrar o contrato de compra e venda de 09-08-2019, pois que ela havia sido notificada judicialmente em 15-11-2010, da pendência do processo nº 3023/05.... e que qualquer negócio que celebrasse com os primeiros ou com o segundo recorridos, incluindo o que correspondessem ou derivassem de direitos ou expectativas emergentes do contrato promessa, poderiam ser impugnados.
XLI- A sétima recorrida estava bem esclarecida e consciente de que o contrato de compra e venda que celebrou com o segundo recorrido, em 09-08-2019, poderia ser impugnado, pois que até nem pagou o preço que seria devido ao declarado vendedor (aqui segundo recorrido).
XLII- Por não ter pago o preço ao segundo recorrido é que ela sétima Ré veio a pagar ao recorrente, no dia 10 de Janeiro de 2022, o montante pecuniário correspondente à condenação no processo nº 3023/05.....
XLIII- Estão verificados os requisitos de simulação e de nulidade do contrato de compra e venda de 29-12-2010, bem como, subsequentemente, do contrato de compra e venda de 09-08-2019, já que, em consequência da nulidade do primeiro dos referidos contratos, ocorreu, no segundo, a venda de coisa alheia (art. 892º do Cód. Civil).
XLIV- A sentença recorrida deve ser alterada, na parte relativa à matéria de facto e revogada, no seu todo, proferindo-se aresto que julgue a acção totalmente procedente, como é de
JUSTIÇA».
Os réus, BB, CC e DD, EMP01..., Lda., e Banco 1..., C.R.L., apresentaram contra-alegações.
Nas respetivas contra-alegações, os réus, BB, CC e DD, sustentaram a improcedência da apelação e requereram, subsidiariamente, a ampliação do objeto do recurso por impugnação sobre a matéria de facto com reapreciação da prova gravada, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC, formulando a propósito as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a presente ação totalmente improcedente.
2. Entende a Autora, aqui Recorrente, que a douta Sentença recorrida, considerada tanto na sua vertente da decisão da matéria de facto, como na subsunção do direito à factualidade dada como assente, não merece qualquer reparo.
3. Nas alegações e conclusões de recurso que formula, a Recorrente impugna a parte da decisão que incidiu sobre a matéria de facto e grande parte que incidiu sobre a matéria de direito, alegando que “a sentença recorrida assenta em erro na decisão em matéria de facto, carece de fundamentação nessa matéria e assenta em erro de julgamento em matéria de direito, com invocação de normas legais e princípios jurídicos inaplicáveis ao caso, bem como na falta de aplicação de outras normas”.
4. Desde logo, peticiona a alteração da matéria dado como provada no ponto 8 por entender que tal não foi provado documentalmente ou por prova testemunhal.
5. Tal não se afigura, no entanto, correto. Quer com base no documento n.º 7 junto pelo Autor, aqui Recorrente, na sua Petição Inicial, quer nos depoimentos testemunhais das Rés n.º 2 a n.º 6 se demonstra que os referidos prédios se encontravam arrendados àquele que veio a ser o seu comprador, ou seja, o 2.º Réu, aqui Recorrido.
6. Já quanto ao requerido aditamento à matéria provada do Ponto 19, tal facto não se mostra relevante para a causa, bem como não podemos daí retirar as conclusões indicadas pelo Recorrente.
7. Neste ponto, os Recorridos subscrevem integralmente as conclusões do Tribunal a quo constantes de páginas 15 e 16 da douta sentença.
8. Acrescendo ainda que foi dado como não provado que “a 7.ª Ré sociedade Ré agiu voluntariamente, em colaboração e articulação de vontades com os primeiros e segundo RR., visando dificultar a cobrança integral do crédito do Recorrente, provocando-lhe prejuízos”, tendo-se conformado o Recorrente com tal facto.
9. Quanto às considerações de erro flagrante na apreciação da matéria de facto constante da página 17 da sentença, tal não se afigura verdadeiro quando considerado o contexto em que foram proferidas tais afirmações.
10. Ainda no que respeitas as considerações feitas quanto ao pagamento do preço a páginas 17 e 18 da sentença, as mesmas afiguram-se relevantes para a causa e providas de todo o sentido quando consideradas com base na experiência do homem médio, não sendo expectável que alguém mantenha disponível durante mais de 12 anos valores em numerário para pagamento de uma dívida que não existe e é apenas potencial.
11. Quanto à forma e declarações constantes da escritura de compra e venda celebrada em 2010, ficou assente que, tendo as 3.ªs a 6.ªs Recorridas desconhecido os termos precisos do contrato-promessa celebrado pelo pai para lá do que constava no respetivo contrato, desconhecendo até a quem se referia o pai quando falava do Sr. BB (se ao 1.º ou 2.º Recorrido), desconhecendo em absoluto quem era o Recorrente, apenas trataram de cumprir o contrato promessa existente, para o que recorreram a advogado e procederam da forma que o mesmo indicou.
12. Não sabendo sequer as mesmas indicar porque motivo foi o 2.º Recorrido a adquirir o imóvel.
13. Já no que respeita os termos da escritura, em especial o que respeita ao pagamento do preço, as mesmas decorrem de exigências legislativas relativas a branqueamento de capitais e não constituem elementos essenciais do contrato.
14. Já no que respeita aos pontos XIII a XXXII, o pedido de declaração de nulidade da alegada cessão de posição contratual entre os 1.ºs e o 2.º Réu, aqui Recorridos, é um pedido feito ex novo, sendo que, em momento algum da sua Petição Inicial ou qualquer articulado superveniente é tal questão suscitada ou peticionada.
15. Não podendo nesta fase o Autor, agora Recorrente, vir estender o seu pedido com a análise de novo contrato.
Sem prescindir
16. Nos termos do disposto nos artigos 424.º a 427.º do CC, a onerosidade da cessão da posição contratual não é elemento essencial da mesma.
17. E o cessionário assume a posição do cedente nos precisos termos em que a mesma se encontra, quer quanto às cláusulas contratuais, quer quanto ao pagamento do preço.
18. Cabe ao promitente vendedor aceitar tal transmissão e, tendo recebido já o preço, prosseguir com as suas demais obrigações, como seja a celebração da escritura.
19. Não se criando na sua esfera jurídica novas obrigações.
20. Por outro lado, mais uma vez, ainda que tivesse sido outorgada cessão contratual onerosa, o que não foi alegado ou provado, o não pagamento do preço, por si só, apenas determinaria o incumprimento do contrato, com eventuais efeitos obrigacionais entre as partes, e nunca a sua nulidade.
21. Voltando à análise dos pressupostos da simulação, não tendo o Recorrente impugnado a maioria da matéria de facto dado como provada e não provada,
22. Nem tendo requerido o aditamento de factos provados essenciais para a verificação de tais pressupostos.
23. Não se compreende como poderão ser alteradas as conclusões de direito da sentença Recorrida.
24. Na verdade, o Recorrente não demonstra:
25. Que as partes contraentes sabiam que os imóveis em causa deveriam integrar a esfera jurídica dos 1.ºs Recorridos;
26. Que as partes contraentes sabiam que tais imóveis eram imprescindíveis para garantir o pagamento de responsabilidades dos 1.ºs Recorridos perante o Recorrente;
27. Ou que as partes contraentes celebraram tais negócios com o firme propósito de prejudicar o Recorrente.
28. Ainda no que respeita o alegado prejuízo decorrente de tais negócios, considerando os factos declarados como provados e não provados e que agora se consideram assentes,
29. Considerando que o Recorrente não pede o aditamento de qualquer facto demonstrativo e quantificativo do seu alegado prejuízo,
30. E ainda que nada consta quanto a este pressuposto nas conclusões do seu Recurso,
31. Não compreendemos como poderão ser alteradas as conclusões da sentença objeto de Recurso.
32. Neste ponto, não podem os Recorridos deixar de trazer a estes autos novos factos ocorridos em data posterior ao encerramento da audiência de julgamento e que se referem à ação interposta pelo Autor contra, nomeadamente, os aqui Recorridos, e que corre termos sob o n.º 4577/24.... no Juiz ... do Juízo Central Cível de Guimarães do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
33. Ação essa em que o Recorrente afirma perentoriamente a suficiência dos ativos dos 1.ºs Recorridos para responder perante a totalidade do seu passivo, “mesmo quando se considera o valor total de EUR. 1.806.670,44”.
34. Ou seja, em que o próprio Autor afirma que o património atual dos 1.ºs Recorridos é suficiente para responder pelas obrigações que têm perante o Recorrente, motivo pelo qual os negócios aqui em apreço não podem ter sido para o mesmo prejudiciais.
35. Ora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, atua como litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, “tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”.
36. Desde que Recorrente e Recorridos iniciaram os seu negócios em 2005, sempre foi prevista a anexação dos prédios do Sr. OO aos já detidos pelo 2.º Recorrido, passando a compor uma única e designada “Quinta”.
37. Sendo para tal obviamente necessário que tais prédios integrassem a esfera jurídica do 2.º Recorrido.
38. Em 2012 o Recorrente toma conhecimento de que o 2.º Recorrido arrendou os referidos prédios à 7.ª Ré.
39. Em data que se desconhece, mas anterior a maio de 2019, o Recorrente tentou adquirir todos os créditos dos Recorridos junto da 8.ª Ré, tendo para tal tomado conhecimento de todas as garantias e condições dos mesmos.
40. Em maio de 2019, três meses antes da venda dos prédios, o 2.º Recorrido informa o Recorrente de que pretende alienar toda a “Quinta”, incluindo os prédios do Sr. OO.
41. Entre 2005 e 2019 decorreram 14 anos durante os quais o Recorrente nenhuma atitude tomou quanto aos prédios aqui em apreço.
42. Ainda assim, o Recorrente vem afirmar á existência de uma expectativa de que tais prédios viessem a responder pelo seu crédito.
43. E, ao mesmo tempo, intenta ação em que afirma perentoriamente a suficiência do património dos 1.ºs Recorridos para pagar créditos de mais de 1.8 milhões de Euros.
44. O Autor não se inibe de alegar e procurar fazer prova de uma versão dos factos que bem sabe não corresponder à verdade.
45. Com esta conduta, o Réu faz um uso manifestamente reprovável do processo.
46. Motivo pelo qual entendem os Recorridos existirem evidências mais do que suficientes para a condenação do Recorrente por litigância de má-fé e no pagamento de exemplar indemnização por todos os transtornos que lhes provoca e provocou.
Subsidiariamente,
Da ampliação do âmbito do Recurso
47. Por dever de patrocínio, cumpre nesta fase salvaguardar devidamente a possibilidade de o recurso da matéria de facto apresentado pelo Recorrente se admitido e apreciado, desse modo de prevenindo a hipótese de procedências das questões ali suscitadas. Nessa eventualidade, que não se concede, mas por dever de patrocínio se perspetiva, cumpre impugnar a decisão proferida sobre alguns pontos da matéria de facto, nos termos e ao abrigo do artigo 636.º do CPC.
48. No entendimento dos Recorridos, dos documentos juntos aos autos, bem como dos depoimentos das partes e das testemunhas, resulta a prova de factos não indicados na matéria dada como provada pelo Tribunal a quo.
49. Dado que tais factos se afiguram relevantes para a decisão da causa, entendem assim os Recorridos que existe deficiência da sentença recorrida, pelo que deverão ser aditados à matéria de facto provada os seguintes factos:
19. O Autor prometeu comprar ao 2.º Réu 1/3 da “Quinta”, na qual se incluíam os terrenos adquiridos ao Sr. OO, tendo entregue ao 1.º Réu marido cheques com vista ao pagamento da referida quota parte do negócio.
20. Pelo menos desde o ano de 2012 o Autor sabia que o 2.º Réu tinha dado de arrendamento a “Quinta”, na qual se incluíam os terrenos do Sr. OO, agindo assim como seu proprietário ou, pelo menos, seu legítimo possuidor.
21. Em data anterior a maio de 2019 o Autor tentou adquirir junto da Banco 1... adquirir os créditos dos 1.ºs e 2.º Réu, tendo nessa fase tomado conhecimento de todas as condições dos mesmos, nomeadamente as garantias de tais contratos.
22. Um dos contratos que o Autor tentou adquirir foi o contrato de mútuo titulado pelo 2.º réu no qual este deu de garantia os prédios objeto do contrato de compra e venda celebrado em 2010 e aqui impugnado.
50. O facto indicado como número 19 é claramente verificável pela análise da matéria de facto considerada provada no âmbito do processo n.º 3023/05...., que se passa a transcrever, e que consta do Acórdão junto aos autos pelos Recorridos por requerimento datado de 20 de março de 2024, com a referência citius 48353332, e admitido por despacho datado de 15 de abril de 2024. E ainda dos documentos juntos aos autos pelos Réus na sua Contestação e nos quais se encontram redigidos tais contratos.
51. Já a prova do facto indicado como número 20 é alicerçada no contrato de arrendamento junto pela 7.ª Ré como como documento n.º 2 da sua contestação, bem como pela carta junta em audiência de julgamento de 6 de novembro de 2023.
52. Já os factos indicados nos números 21 e 22 foram apreendidos da carta enviada pelo Recorrente que foi junta como documento n.º 5 da sua petição inicial e da análise da escritura de compra e venda celebrada entre o 2.º Réu e a 7.ª Ré, na qual se encontra descritos todos os ónus cancelados.
53. Assim se cumprindo o estatuído na alínea c), do nº 1, do artigo 640.º do CPC.
54. Quando o Autor instaurou a ação em 2005, arguiu a nulidade dos contratos firmados e peticionou a devolução de todos os valores por si entregues, deixando clara a sua pretensão de nada mais pretender quanto aos prédios objeto dos presentes autos e que então integravam a propriedade do Sr. OO.
55. E mesmo sabendo durante mais de 14 anos que o contrato promessa estava integralmente pago, e tendo, como afirma, a expectativa de que os imóveis integrassem a esfera jurídica dos 1.ºs Réus, o Autor nada fez para garantir que tal efetivamente sucedesse.
56. A proibição do comportamento contraditório é subsumível a um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra na proibição do abuso do direito (artigo 334.º do CC), nessa medida sendo de conhecimento oficioso.
57. Aliás, ainda que o Autor conseguisse provar a sua convicção, o que não sucedeu, de que os imóveis propriedade do Sr. OO deveriam integrar a esfera patrimonial dos 1.ºs Réus, ainda assim estaríamos perante um caso de abuso do direito na sua modalidade de supressio, já que durante 14 anos de ações judiciais contra os 1.ºs e 2.º Réus, em momento algum o Autor suscitou a existência de um qualquer direito seu sobre os imóveis aqui em apreço, ou sequer questionou sobre o cumprimento do contrato-promessa que tão bem conhecia.
58. Em face dos factos supra expostos, entendem os Recorridos que o Recorrente atua nos presentes autos com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium. O que se requer seja decretado

TERMOS EM QUE DEVE NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, DEVENDO MANTER-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS SEUS EXATOS TERMOS.

MAIS REQUREM OS RECORRIDOS A CONDENAÇÃO DO RECORRENTE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PROCESSUAL.

SUBSIDIARIAMENTE,
DEVERÁ SER AMPLIADA A MATÉRIA DE FACTOS NOS TERMOS REQUERIDOS, DEVENDO SER DECIDIDO QUE ATUA O RECORRENTE NOS PRESENTES AUTOS COM ABUSO DO DIREITO.
DECIDINDO ASSIM FARÃO VªS. EXªS., VENERANDOS
DESEMBARGADORES, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!».

O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrentes, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

i) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii) reapreciação da decisão de mérito, na parte em que julgou não demonstrados os requisitos da simulação.
Subsidiariamente, em caso de procedência da apelação interposta pelo autor,
iii) ampliação do objeto do recurso por impugnação sobre a matéria de facto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC (contra-alegações dos réus BB, CC e DD); se procede a exceção de abuso do direito, nomeadamente na modalidade do venire contra factum proprium.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. No dia 18 de outubro de 2005, o aqui autor intentou contra os aqui primeiros e o segundo réus, ação comum, reclamando deles, além do mais, a restituição dos montantes pecuniários que despendeu a diversos títulos, que correu termos sob o n.º 3023/05.....
2. Em primeira instância, em junho de 2013, resultou a condenação dos aqui primeiros réus a pagar ao autor a quantia de € 415.175,69, acrescida de juros legais e a condenação do segundo réu no pagamento, igualmente ao autor, da quantia de € 172.774,75, igualmente acrescida de juros.
3. Depois de vários recursos, por acórdão transitado a 5/01/2022, foi decidido: “1. Condenar os Réus BB e esposa, CC a pagarem ao Autor a quantia de €386.711,13 (trezentos e oitenta e seis mil setecentos e onze euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação. 2. Condenar o Réu DD a pagar ao Autor a quantia de €44.675,91 (quarenta e quatro mil seiscentos e setenta e cinco euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação.”
4. Aqui se dá como reproduzida a matéria de facto provada nos referidos autos, resultando, com interesse para os presentes, o seguinte:
12. Logo depois de concedidos os indicados empréstimos (pelo menos ao primeiro Réu), entre este, o 2.º réu e o autor surgiram propostas para a celebração de outros negócios, através da associação e da participação, pelo menos deles e do autor em atividades de carácter imobiliário e agrícola.
13. No âmbito dessas negociações, pelo menos o primeiro Réu declarou-se dono e legítimo possuidor de um prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção, com a área de 5.000 m2, sito no lugar ..., freguesia ..., já referida, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...68 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...23º.
14. Por sua vez, o segundo R. declarou-se dono e legítimo possuidor de um conjunto de três prédios rústicos, denominados "Quinta ...", "Campo ..." e "Campo ...", sitos, respetivamente, nos lugares de ..., ... ou ..., das freguesias de ... e da ..., ambas do município ..., descritos na Conservatória do Registo Predial sob o nºs ...33-..., ...53-... e ...67.
15. O segundo R. declarou-se, ainda, promitente comprador a terceiro (portanto titular dos direitos decorrentes do invocado contrato-promessa), do prédio rústico, já então na sua posse, denominado "Campo ...", sito na freguesia ..., também do concelho ..., cuja descrição predial ele segundo R. nunca forneceu ao A..    
16. Pelo menos o primeiro Réu, contou ao A. os seus projetos de aquisição de uma parcelas de terreno adjacentes aos terrenos do segundo réu, parcelas essas pertencentes ao Sr. OO, do qual já obtivera compromisso de venda e as respetivas condições de pagamento.   
17. De acordo com as declarações de, pelo menos, os Réus homens, a referida "quinta", após a aquisição de todos os prédios, ficaria com a configuração e limites indicados na planta que agora se junta.
18. O autor associou-se aos 1.º e 2.º réus, tanto na aquisição de direitos de propriedade em todos os prédios, como na atividade imobiliária e agrícola.
(…)  
22. Finalmente, acordaram, pelo menos o 1º Réu, o 2º Réu e o Autor, que a "quinta" ficaria a pertencer, em compropriedade, ao A. e aos RR., na proporção de 1/3 para o A., de 1/3 para os primeiros RR. e de 1/3 para o segundo Réu.  
23. Assim, o A. teria de pagar, pelo menos ao primeiro Réu, o montante correspondente a metade do valor do prédio referido em 13 supra.
24. O A. teria também de pagar, pelo menos ao primeiro e ao segundo Réus, o montante correspondente a um terço do valor total da "quinta", considerando os prédios já pertencentes ao segundo R., o prédio que este havia já prometido comprar a terceiro e os prédios que, pelo menos, o primeiro Réu, tinha em negociações para aquisição.  
25. Além disso, acordaram A. e pelo menos os Réus homens que, desde logo, a exploração agrícola seria feita por conta de todos, na proporção de 1/3 para cada parte, abrindo-se para o efeito uma conta bancária conjunta.     
26. O A. depositou nos RR., seus familiares e amigos, inteira confiança, esperando deles o rigoroso cumprimento dos acordos verbais estabelecidos em conjunto e entre todos negociados.   
(…)
32. Posteriormente, o A. entregou, ainda, pelo menos ao primeiro Réu as seguintes quantias:
a) No dia 2 de Maio de 2001, o montante de Esc. 11.860.000$00 (€ 59.157,43), através do cheque nº ...95 (doc. nº5)    
b) No dia 20 de Maio de 2002, o montante de € 24.939,89, através do cheque nº ...19 (doc. nº 6)
c) No dia 22 de Julho de 2002, o montante de € 7.500,00, através do cheque nº ...46 (doc. nº 7)
d) No dia 20 de Maio de 2003, o montante de € 24.939,89, através do cheque nº ...20 (doc. nº 8)
e) No dia 20 de Maio de 2004, igualmente o montante de € 24.939,89, através do cheque nº ...21 (doc. nº 9). 
(…)
35. Por conta do preço devido pela aquisição do direito correspondente a 1/3 nos prédios referidos nos itens 14º e 15º, o A. pagou ao segundo R. o montante total de € 44.675,91, em diversas parcelas (…).       
(…)
62. As quantias referidas na alínea AF) [facto 32] foram entregues ao 1º Réu marido, com vista ao pagamento por conta do preço acordado na aquisição dos direitos de compropriedade na "quinta" aludida em Q [facto 17].
(…)    74. Sem prejuízo do da alínea BA), há alguns meses atrás, os réus começaram a projetar a venda a terceiros, dos prédios que compõe a “Quinta” estabelecendo contactos para esse efeito.
(…)
112. Entre Março e Abril de 2001, o 2.º R. decidiu vender uma sua propriedade rústica, descrita em N) da matéria assente [facto 14], juntamente com a aludida em O) [facto 15], para o que encetou negociações com PP, de ..., para a venda da mesma pelo preço de 132.000 contos ou 660.000,00 Euros.    
 113. A venda da propriedade rústica, constituída pelos prédios a que se alude em N) e O) da matéria assente, constituía a forma de o 2º R realizar o capital necessário para investir nos negócios feitos com o autor bem como pagar ao 1º réu marido o montante ainda em dívida do terreno de construção.
114. O 1º réu contactou o proprietário, Sr. OO e negociou com ele o contrato aludido em P) e AH) da matéria assente.
115. Em Abril de 2001 o 2.º R contou ao A. estes seus projetos de venda dos seus prédios e de compra de umas parcelas adjacentes ao Sr. OO
115-A- Então, o A declarou ao 2° R estar interessado em entrar nesse negócio, mediante a aquisição de uma quota-parte da propriedade desses seus prédios, bem como nos terrenos que o 2.º R pretendia adquirir ao Sr. OO.
116. Combinaram, então, o autor e 2º réu, adquirir ao Sr. OO, os terrenos que ele tinha para vender por 27 560 contos ou 137 800,00 Euros.
117. Sendo essa compra efetuada por intermédio do 1º réu marido, que tinha muito boas relações com o Sr. OO.
118. Mais combinaram então o autor, o 1º réu e 2º réu, que os prédios do 2º R – a que se juntariam os que seriam adquiridos ao Sr. OO formariam uma “quinta” que seria compartilhada pelos três, ficando a pertencer em comum e partes iguais ao A, ao 1º R marido e ao 2º R.
119. No valor global de 159.560 contos ou 797.800,00 Euros, resultantes dos valores parcelares de 132.000 contos por que o 2.º réu ia vender os seus prédios, mais o valor de 27.560 contos que custariam os terrenos a comprar ao Sr. OO.
120. Dava assim para cada um dos três associados na propriedade da “Quinta”, um valor de 53.186 contos ou 265.930,00 Euros.
121. Na execução do acordado em 154º e 155º [factos descritos sob os nºs 118 e 119, os quais emergem da resposta aos quesitos 154º e 155º] o autor por conta da sua parte, teria de pagar pelo menos 53 186 contos, pagaria os 27 560 contos ou 137 800,00 Euros ao Sr. OO pelos seus terrenos, o que faria mediante a entrega deste montante, em diversas prestações, ao 1º R marido que, por sua vez, o entregaria ao Sr. OO, pagando o restante em dívida ao 2º réu.    122. O A emitiu e entregou ao 1º R marido os cheques aludidos em AF) da matéria assente [facto 32], com vista ao pagamento de 1/3 na compropriedade da “Quinta”, conforme descrito na resposta dada ao art. 157º da B.I.[facto 121].
123. Conforme acordado com o A e o 2.º R, o 1º R marido formalizou, ainda com o Sr. OO um contrato promessa de compra e venda dos ditos terrenos, os denominados “Quinta ...”, inscrito na matriz rústica sob os artº ...38º da freguesia ... desta comarca, “...”, no artº ...76º da freguesia ... desta comarca, e “...” da freguesia ... desta comarca.
124. O 1.º R marido pagou ao Sr. OO, promitente vendedor, nas respetivas datas, os montantes combinados e constantes do contrato promessa
125. O A. resolveu não pagar a última das prestações do preço dos terrenos do Sr. OO, de 5.000 Contos ou 25.000,00 Euros, tendo, para o efeito, comunicado ao banco sacado, no caso a Banco 1... de ..., que o dito cheque de 5.000 contos datado de 20.5.2005 se tinha extraviado, não devendo ser pago se apresentado.
126. Tendo ainda informado o 2.º R do que tinha feito na Banco 1... para não pagar o dito cheque.
127. Pagamento que o 1.º R efetivamente fez.
128. Em 2.5.2001, por conta do pagamento da sua parte na “Quinta”, de 1/3, para além dos 27 560 contos a pagar ao Sr. OO, tal como descrito em 158º e 159º [facto 122], o autor pagaria ainda o restante em dívida, em prestações mensais e sucessivas, cujo montante mínimo seria de 400 contos ou 2.000,00 euros cada uma, mas sem quaisquer juros, e que entregaria ao 2º réu.
129. Nessa data, de 2.5.2001 o A entregou ao 2º R um cheque de 400 contos ou 2.000,00 Euros por conta desse remanescente e como primeira dessas combinadas prestações mensais.
130. Ao ficar em parceria na propriedade da quinta com uma terça parte dela, o 1º réu descontaria ao 2º R, o valor de pelo menos, 53.500 contos, no total de 71 000 contos, ainda em dívida pelo 2º réu, pela aquisição combinada de 1/2 do terreno de construção.
131. Em 2003, o próprio autor fez diversos contactos com potenciais interessados na compra da “Quinta”, chegando a reunir-se com um desses interessados, na companhia do 2º réu, interessado esse que era sócio da sociedade “EMP02...” em Pousada ..., tendo sido discutido com esse interessado a venda da totalidade da “Quinta” por 180.000contos ou 900.000,00 Euros, tendo o dito Sr. pedido 3 dias para pensar
132. No que à exploração da quinta respeita, o que sucedeu foi que, em Abril de 2001, o A. o 1º R marido e o 2º R. combinaram que, daí em diante, a quinta do 2º R e os terrenos que iam adquirir ao Sr. OO, seriam explorados em comum pelos três, de forma a que os três passariam a participar em comum e partes iguais em todas as despesas, encargos e trabalhos necessárias à exploração agrícola desses prédios, participando na mesma proporção em todas as receitas resultantes da mesma exploração agrícola.
(…)
150. O autor recusou o pagamento da quantia de 5000 contos, que deveria ser paga em Setembro de 2005, por cheque datado de Maio de 2005, porque nessa altura tinha já ocorrido a rutura da relação entre as partes.
(…)
157. As parcelas referidas na alínea P) da matéria assente, cuja aquisição o 1º réu negociara com o Sr. OO, destinavam-se a ampliar o conjunto predial, nestes autos designado por “Quinta”, destinado à exploração agrícola, composto pelos prédios referidos nas alíneas N) e O).”.
5. No dia 1 de maio de 2001, os primeiros Réus, por documento particular, prometeram comprar a OO, pelo preço de 27.560.000$00 PTE os seguintes prédios rústicos:
a) terreno de cultivo, denominado “Quinta ...”, sito no lugar da ..., então freguesia ..., município ..., inscrito na matriz sob o artigo ...38º;
b) terreno de cultivo, denominado “...”, sito no lugar ..., então da freguesia ..., município ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76º; e
c) terreno de cultivo e bouça, denominado “...”, sito no referido lugar ... e freguesia ..., então omisso à matriz.
6. Prédios esses que o referido OO prometeu vender aos primeiros Réus ou a quem estes indicarem, devendo a escritura ser celebrada depois de pago o preço, devendo a data ser comunicada pelos promitentes compradores.
7. O convencionado preço foi pago em seis prestações:
a) a quantia de Esc. 4.000.000$00, no ato de outorga do contrato promessa;
b) a quantia de Esc. 3.560.000$00 em 30 de setembro de 2001;
c) a quantia de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), em 30 de setembro de 2002;
d) a quantia de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), em 30 de setembro de 2003;
e) a quantia de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), em 30 de setembro de 2004;
f) a quantia de Esc. 5.000.000$00 (€ 24.939,89), em 30 de setembro de 2005.
8. No dia ../../2005 faleceu OO, tendo sido as 3.ª a 6.ª rés, como herdeiras de OO a interpelar o promitente comprador, que designou como adquirente o filho, aqui 2.º Réu, que ocupava já os terrenos como arrendatário.
9. Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 29 de dezembro de 2010, aquelas declararam vender ao 2.º Réu três prédios:
a. prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...76;
b. prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., omisso na matriz predial rústica;
c. prédio rústico, sito no lugar da ..., da freguesia ... (...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...38.
10. Na escritura foi declarado “Que este contrato de compra e venda é celebrado por elas vendedoras em cumprimento do contrato promessa outorgado pelo referido OO em um de Maio de dois mil e um, como promitente vendedor, e que teve por objecto os prédios supra identificados, tendo o preço desta compra e venda sido recebido integralmente pelo mesmo OO, dando elas vendedoras desta forma a correspondente quitação”.
11. As 3.º a 6.º Rés não tiveram na altura conhecimento deste negócio do pai, nem das quantias entregues.
12. A 8 de maio de 2019, na sequência de uma tentativa de aquisição de empréstimos bancários dos réus pelo autor, o 2.º réu escreveu uma carta ao autor, junta aos autos como doc. 6 e que aqui se dá como reproduzida, em que o informa que, para pagar os créditos, desistirá do pedido reconvencional de pedido de cumprimento da promessa de aquisição da quinta pelo autor e que irá proceder à venda da quinta (com os terrenos do Sr. OO incluídos)
13. Por escritura de 09 de agosto de 2019 o 2.º Réu vendeu à Ré Sociedade EMP03... os seguintes imóveis:
a. Prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...57 e descrito na CRP sob o n.º ...46- ... (...), pelo preço de 37.000,00 €;
b. Prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar ..., inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...54 e descrito na CRP sob o n.º ...83- ..., pelo preço de 42.000,00 €;
c. Prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...85 - ... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...51, pelo preço de 15.000,00 €;
d. prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...84, e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...64, pelo preço de 10.000,00 €;
e. prédio rústico, sito no lugar da ..., da freguesia ... (...), concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...5 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...59 (antigo ...38), pelo preço de 130.000,00 €.
14. Neste dia foi ainda formalizada a promessa de venda de outros dois imóveis do 2.º Réu, a Quinta ... e o “Campo ...”, sobre os quais incidia, além do mais, hipoteca judicial que visava garantir a eventual procedência do pedido no processo n.º 3023/05...., tendo aí sido exarado que o reforço do sinal até 273.154,98 €, poderia ser pago diretamente ao credor.
15. A Ré sociedade era arrendatária rural dos terrenos desde ../../2008 e aí realizou obras para o desenvolvimento da sua atividade, que ascenderam, pelo menos a 242.500 €.
16. Sobre os prédios incidiam hipotecas registadas a favor da Banco 1..., e que foram expurgadas com o preço pago; para financiar esta aquisição, no mesmo ato, a Ré sociedade contraiu empréstimo junto da Ré Banco 1... no montante de 190.000,00 € (cento e noventa mil euros), com hipoteca sobre os bens.
17. Para fins de obtenção do efeito suspensivo ao recurso, foi entendida como idónea e suficiente a constituição de hipoteca voluntária a favor do autor sobre o referido terreno para construção dos 1.ºs Réus, então avaliado em € 645.581,67 e atualmente, em perícia realizada nos autos, em 691.200,00 € (787.968,00 € se área medir 5.700,00 m2).
18. A 7.ª Ré sociedade havia sido notificada judicialmente, em 15 de novembro de 2010, a requerimento do aqui A., de que estava pendente o processo n.º 3023/05...., tendo sido advertida de que a aquisição de direitos de propriedade sobre imóveis dos aqui primeiros e segundo RR. ou de direitos e expectativas emergentes de contrato-promessa por eles celebrados, poderia ser objeto de impugnação.
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
a) por ação concertada os 1.ºs, 2.º, e com a cooperação das 3.ª a 6.ª rés, veio a ser celebrado um contrato de compra e venda que teve como único objetivo integrar retirar do património dos 1.ºs réus os prédios pagos por estes;
b) o contrato de compra e venda celebrado com as 3.ª a 6.ª ré foi um artifício, destinado a conseguir que os imóveis viessem a ser posteriormente vendidos à sétima R.;
c) o 2.º Réu tenha pago a integralidade do preço ao Sr. OO;
d) o património dos 1.ºs réus era insuficiente para assegurar o pagamento do montante pecuniário reclamado pelo autor; 
e) a 7.ª ré sociedade ré agiu voluntariamente, em colaboração e articulação de vontades com os primeiros e segundo réus, visando dificultar a cobrança integral do crédito do autor, provocando-lhe prejuízos;
f) que o autor alterou os factos, fazendo uso indevido do processo.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso.
2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Na sua alegação de recurso o autor impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, pretendendo:
i) a exclusão da referência final contida no ponto 8 dos factos provados - «…que ocupava já os terrenos como arrendatário» - mantendo-se no restante com a seguinte redação: «No dia ../../2005 faleceu OO, tendo sido as 3.ª a 6.ª rés, como herdeiras de OO a interpelar o promitente comprador, que designou como adquirente o filho, aqui 2.º réu»;
ii) o aditamento à matéria provada de um novo facto, que podia ser articulado posteriormente, com a seguinte redação: «19. No dia 10 de janeiro de 2022, a sétima ré pagou ao autor a quantia de € 74.760,52 correspondente à condenação do co-réu DD proferida no processo comum sob a forma ordinária que, sob o n.º 3023/05...., correu termos inicialmente pelo ... Juízo Cível de ... e depois pelo Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz ...».
Nas contra-alegações do recurso, os réus BB, CC e DD suscitam a ampliação do objeto do recurso por impugnação sobre a matéria de facto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC, pretendendo:
iii) o aditamento à matéria provada dos seguintes factos:
- «19. O autor prometeu comprar ao 2.º réu 1/3 da “Quinta”, na qual se incluíam os terrenos adquiridos ao Sr. OO, tendo entregue ao 1.º réu marido cheques com vista ao pagamento da referida quota parte do negócio»;
- «20. Pelo menos desde o ano de 2012 o autor sabia que o 2.º réu tinha dado de arrendamento a “Quinta”, na qual se incluíam os terrenos do Sr. OO, agindo assim como seu proprietário ou, pelo menos, seu legítimo possuidor»;
- «21. Em data anterior a maio de 2019 o autor tentou adquirir junto da Banco 1... adquirir os créditos dos 1.ºs e 2.º réu, tendo nessa fase tomado conhecimento de todas as condições dos mesmos, nomeadamente as garantias de tais contratos»;
- «22. Um dos contratos que o autor tentou adquirir foi o contrato de mútuo titulado pelo 2.º réu no qual este deu de garantia os prédios objeto do contrato de compra e venda celebrado em 2010 e aqui impugnado».
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar previamente se a matéria que, no entender do recorrente e dos recorridos, suscita as alterações ou os aditamentos preconizados, integra os poderes de cognição do Tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto, bem como se é suscetível de assumir relevância jurídica que permita levar a decisão diferente da anteriormente alcançada sobre o mérito da causa, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e ao objeto da ação necessariamente delimitado pelo autor na petição inicial.
Analisados detalhadamente os articulados apresentados pelas partes na presente ação, facilmente se constata que o concreto enunciado fáctico agora indicado pelo recorrente em sede de apelação - vertido em ii) supra -, não foi oportunamente alegado por qualquer das partes em sede de articulados.
No caso, o próprio recorrente assume tratar-se de um facto superveniente que não invocou, como devia, em sede de articulado específico, como previsto no artigo 588.º do CPC.
Tal como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[1], «[o] momento normal de alegação dos factos é o da apresentação dos articulados. Assim, por regra, é na petição inicial que o autor alega os factos constitutivos do seu direito, competindo ao réu alegar, na contestação, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (até por força do princípio da concentração da defesa neste articulado).
Porém, pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição. (…). Estes são os chamados factos (objetiva ou subjetivamente) supervenientes. Face ao prescrito no citado art. 611º, nº 1, impõe-se carrear para o processo tais factos, sendo essa a função dos articulados supervenientes, regulando a lei diversos momentos para a alegação dos factos correspondentes».

O artigo 588.º do CPC regula a admissibilidade dos articulados supervenientes, prescrevendo o seguinte:
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.
Ademais, segundo o recorrente, a factualidade relativa ao pagamento efetuado pela 7.ª ré/recorrida ao recorrente em 10 de janeiro de 2022 permite sustentar que a 7.ª ré não havia pago ao segundo recorrido o preço convencionado nos negócios celebrados com ele e formalizados no contrato de 9 de agosto de 2019, bem como que o então declarado vendedor (aqui segundo recorrido) aceitou não receber da sétima recorrida o preço a que teria direito em função do contrato que celebraram em 9-8-2019.
Decorre do exposto que o recorrente pretende introduzir em sede de recurso factualidade que não alegou em sede de petição inicial, nem suscitou em sede de articulado superveniente regulado no artigo 588.º do CPC, e que visa a demonstração de outros factos que não integram a primitiva causa de pedir.
Ora, segundo o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC, logo que citado o réu deve a instância manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
A causa de pedir corresponde ao facto ou factos jurídicos concretamente invocados para sustentar o direito que o autor se propõe fazer declarar, o efeito jurídico pretendido ou o pedido formulado - cf. artigo 581.º, n.ºs 3 e 4 CPC.
Neste domínio, prescreve o artigo 264.º do CPC, sob a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo, que havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.

Por sua vez, o artigo 265.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, sob a epígrafe Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo, dispõe que:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Nestes termos, fundando-se todo o pedido numa causa de pedir, «esta pode ser modificada, por alteração ou ampliação: é ampliada quando os novos factos alegados integram outro facto constitutivo do direito do autor, a valer ao lado do primeiro; é alterada quando os novos factos integram um facto constitutivo do direito do autor que este pretende introduzir em substituição  do inicial»[2].
No caso dos autos, o autor pediu, no que ora releva: se declare nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre os terceiros a sextos réus e o segundo réu, contrato esse formalizado pela escritura pública de 29 de dezembro de 2010; se declare, consequente e subsequentemente, nulos o contrato de compra e venda celebrado entre o segundo réu e a sociedade sétima ré, bem como o contrato de hipoteca, celebrado entre a sétima ré e a oitava ré, ambos os contratos formalizados pela escritura pública de 9 de agosto de 2019.
Segundo o que foi alegado na petição inicial, na sequência do contrato promessa celebrado em 01 de maio de 2001, deveriam os prédios em referência ter integrado o património dos 1.ºs réus, como promitentes compradores, mas os réus, em conluio com as 3.ª a 6.ª rés, herdeiras do OO (entretanto falecido), celebraram a 29 de dezembro de 2010 a escritura de compra e venda com o 2.º réu, com o único objetivo de os integrar no património deste que, por os não ter pago, não se tratou de uma verdadeira compra e venda, mas de um artifício destinado a conseguir que os imóveis viessem a ser posteriormente vendidos à sétima ré, sem passar pelo património dos 1.ºs réus.
Mais alegou o autor em sede de petição inicial que se tratou de uma simulação fraudulenta, com a participação, o acordo, a cooperação e o assentimento dos primeiros a sextos réus, porque com o único objetivo de impedir ou dificultar seriamente a efetiva cobrança do crédito do autor sobre os primeiros réus, visto que o ingresso, no património dos primeiros réus, dos imóveis prometidos comprar a OO faz elevar a garantia patrimonial do crédito do autor (mas a perda dos direitos emergentes do contrato promessa de 1 de maio de 2001 provoca, diretamente e na mesma proporção, a diminuição dessa garantia patrimonial), sendo que tais imóveis, se adquiridos pelos primeiros réus, poderiam e podem ser objeto, por iniciativa do autor de uma medida cautelar destinada a assegurar a conservação dessa garantia.
Deste modo, de acordo com a configuração dada pelo autor na petição inicial, o objeto do litígio assenta na alegada divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos intervenientes no negócio de compra e venda celebrado em 29-12-2010, com base num alegado acordo havido entre os 1.ºs a 6.ºs réus, com o único objetivo de impedir ou dificultar seriamente a efetiva cobrança do crédito do autor sobre os primeiros réus, impedindo que os três imóveis respondessem por dívidas dos 1.ºs e 2.º réus ao autor.
Já quanto aos contratos de compra e venda, e de hipoteca, subsequentemente formalizados na escritura de 9 de agosto de 2019, o autor alegou, de relevante, que a nulidade do contrato de compra e venda, de 29 de dezembro de 2010, determina a nulidade dos contratos de compra e venda, e de hipoteca, formalizados na escritura de 9 de agosto de 2019, uma vez que o vendedor (aqui segundo réu) carecia de legitimidade para a realizar (artigo 892º do Cód. Civil) - cf. o artigo 138.º da petição inicial -, e por a 7.ª ré estar de má fé (porque também sabia e sabe, porque foi judicialmente notificada para o efeito, que se deveria abster de celebrar qualquer negócio que determinasse, para os primeiros e segundo RR., a alienação ou oneração de imóveis ou de direitos e expectativas de aquisição, com a inerente diminuição das garantias patrimoniais dos créditos do A. - cf. o alegado em 159.º da petição inicial), sendo certo que em momento algum do articulado inicial o ora recorrente alegou ou baseou as nulidades suscitadas na eventual falta de pagamento pela 7.ª ré ao 2.º recorrido do preço convencionado nos negócios celebrados com ele e formalizados no contrato de 9-08-2019, bem como que o então declarado vendedor (aqui segundo recorrido) aceitou não receber da sétima recorrida o preço a que teria direito em função do contrato que celebraram em 9-08-2019.
Neste contexto, resulta inequívoco que não pode proceder a ampliação da matéria de facto agora proposta pelo recorrente em sede de apelação, quanto à concreta factualidade enunciada em ii) supra, por não integrar os poderes de cognição deste Tribunal em sede de julgamento da matéria de facto.
Como tal, decide-se rejeitar, nessa parte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, por se revelar manifestamente inconsequente à luz do objeto da presente ação, assim improcedendo as correspondentes conclusões do apelante.
Os recorridos/réus, BB, CC e DD, suscitaram a ampliação do objeto do recurso com a finalidade referida na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 636.º do CPC (impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas), sendo, por isso, deduzida a título subsidiário.
Sucede que, independentemente da im/procedência do recurso de apelação interposto pelo autor/recorrente, também aqui se observa que os enunciados fácticos que os recorridos pretendem agora ver aditados à matéria de facto provada não foram oportunamente alegados por qualquer das partes em sede de articulados, sendo certo que não consistem, nem tal é invocado pelos recorridos, em factos instrumentais, factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, nem em momento algum anterior à interposição do presente recurso os réus manifestaram o propósito de deles se aproveitarem.
Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a ampliação à matéria de facto agora proposta pelos recorridos em sede de ampliação do objeto do recurso, por não integrar os poderes de cognição deste Tribunal.
Pelo exposto, decide-se rejeitar a impugnação da matéria de facto suscitada pelos recorridos em sede de ampliação do objeto do recurso.
O recorrente discorda da decisão relativa ao ponto 8 dos factos provados, pretendendo a exclusão da referência final nele contida - «…que ocupava já os terrenos como arrendatário» - mantendo-se, no restante, com a seguinte redação: «No dia ../../2005 faleceu OO, tendo sido as 3.ª a 6.ª rés, como herdeiras de OO a interpelar o promitente comprador, que designou como adquirente o filho, aqui 2.º réu».
Quanto a este ponto da matéria de facto provada, alega o recorrente que o Tribunal declara como provado que o segundo recorrido ocupava já aqueles terrenos como arrendatário, sem que qualquer prova nesse sentido tivesse sido produzida. Defende que os recorridos não apresentaram nenhum contrato de arrendamento que tivesse por objeto aqueles três bens imóveis, também não apresentaram qualquer recibo de rendas ou outro meio comprovativo do pagamento das mesmas (cheques, transferências ou qualquer outro meio), nem foi produzida qualquer prova testemunhal, quanto à existência e vigência de contrato de arrendamento que tivesse por objeto os três bens imóveis e em que o segundo recorrido fosse arrendatário, sendo que nos depoimentos que prestaram, as filhas de OO (aqui terceira a sexta recorridas) nunca referiram a existência de contrato de arrendamento rural a favor do segundo recorrido e o pagamento de rendas, sendo que o recorrido HH, casado com EE (esta filha de OO), quando confrontado com o documento por si assinado, recusou expressamente que o montante pecuniário que ele próprio recebeu dissesse respeito a rendas devidas pela locação de quaisquer imóveis.
Na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida nada foi exarado que permita sustentar a fundamentação do facto agora em análise.
Em sede de resposta, os recorridos/réus, BB, CC e DD, defendem a manutenção do ponto 8 da matéria provada, o que fundamentam na escritura de compra e venda que se encontra junta aos autos e na prova testemunhal. Defendem os recorridos que da escritura de compra e venda dos imóveis objeto dos presentes autos, datada de 29 de dezembro de 2010, na qual figuram como outorgantes/vendedoras as ora 3.ª a 6.ª rés, e respetivos maridos, e como quinto outorgante/comprador, o ora 2.º réu, DD, junta pelo ora recorrente como doc. 7 da petição inicial, consta como tendo sido arquivados «extratos das declarações para efeitos de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nºs ...03 e ...03, ambos de hoje, o primeiro acompanhado do correspondente comprovativo de cobrança, tendo verificado pelo segundo ter a transmissão do prédio identificado em último lugar isenção desse imposto nos termos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 385/88». Mais alegam que sendo tal isenção referente às transmissões onerosas de prédios a favor dos respetivos arrendatários rurais, desde que exista contrato escrito há, pelo menos, três anos, com assinaturas reconhecidas notarialmente ou autenticadas pelos serviços oficiais competentes, fica demonstrada por prova documental a existência de contrato de arrendamento com mais de 3 anos sobre parte dos imóveis objeto do contrato, sendo que, quanto à data de tal contrato de arrendamento, as herdeiras do Sr. OO não negam em momento algum a existência de qualquer contrato de arrendamento, embora tenham afirmado o seu desconhecimento acerca de quem seria o arrendatário, embora soubessem que tais imóveis foram arrendados pelo seu pai. Concluem que, aliadas tais declarações à prova documental mencionada, apenas podemos concluir que, não tendo os herdeiros do Sr. OO celebrado tal contrato, o mesmo apenas poderia ter sido celebrado pelo próprio Sr. OO ainda em vida. Ora, considerando que o Sr. OO faleceu em ../../2005, a prova presente no processo apenas nos pode fazer concluir que o 2.º Réu detinha um arrendamento sobre os referidos imóveis em data anterior ao ano de 2005.
Não obstante a patente irrelevância do segmento da matéria de facto em apreciação para a decisão da causa, atento o objeto da ação, cumpre reconhecer razão ao recorrente na impugnação suscitada quanto ao segmento fáctico em análise.
Assim, feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida, não se alcança fundamento probatório suficiente para dar como provada a referência final contida no impugnado ponto 8 da matéria de facto provada.
Em primeiro lugar, a escritura pública outorgada no dia 29 de dezembro de 2010, no Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., aludida em 9 dos factos provados, pela qual as 3.ª a 6.ª rés, declararam vender ao 2.º réu três prédios, configura, conforme decorre da certidão junta aos autos, um documento exarado no respetivo livro de notas, com as formalidades legais, por notário dentro do círculo de atividade que lhe é atribuído, devendo, por isso, ser qualificado como um documento autêntico, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Notariado (CNot), 363.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil (CC).
Como tal, faz prova plena dos factos que nele são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, sendo que os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 371.º, n.º 1 CC).
Tal como explica José Lebre de Freitas[3], «o documento autêntico faz prova plena dos factos (declarações e outros) que nele são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público documentador (p. ex., a leitura e a explicação da escritura pública pelo notário aos outorgantes: art. 46.º, n.º 1, CNot), bem como dos que nele são atestados como objeto da sua perceção directa (p.ex., a produção, pelos outorgantes, de declarações de compra e venda perante o notário e a entrega, perante ele, pelo comprador ao vendedor, de um cheque de valor igual ao preço declarado como sendo o da compra e venda - art. 42.º, n.º 2, CNot); mas não daqueles que constituem objeto de declarações de ciência perante ele produzidas (p. ex., a entrega, antes da escritura, do preço da compra e venda pelo comprador ao vendedor, conforme a declaração confessória deste) ou constantes de documentos que lhe sejam apresentados (p. ex., o facto de o nome e demais elementos dos outorgantes da escritura serem efetivamente os que constam dos bilhetes de identidade apresentados ao notário), nem tão-pouco dos que sejam objeto de apreciações ou juízos pessoais seus (p. ex.., o facto de os intervenientes no ato terem íntegras as suas faculdades mentais ao celebrá-lo: art. 173.º, n.º1-c, CNot».
Verifica-se, assim, que a força probatória plena do documento não é suficiente, por si só, para comprovar a existência de eventual contrato de arrendamento rural sobre a totalidade ou parte dos imóveis objeto do contrato, mas apenas que no ato em causa foram entregues e arquivados extratos das declarações para efeitos de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis nºs ...03 e ...03, com a mesma data, o primeiro acompanhado do correspondente comprovativo de cobrança, tendo-se verificado pelo segundo ter a transmissão do prédio identificado em último lugar isenção desse imposto nos termos do artigo 28.º do Dec. Lei n.º 385/88.
Deste modo, não obstante a transmissão do prédio identificado em último lugar ter beneficiado de isenção do respetivo imposto, nos termos do artigo 28.º do Dec. Lei n.º 385/88 - o que permite indiciar fortemente a causa invocada pelos recorridos relativamente a um dos prédios transmitidos -, entendemos que a existência de contrato de arrendamento rural sobre a totalidade ou parte dos imóveis objeto da referida escritura não configura facto coberto pela força probatória do documento autêntico, pelo que não fica por este plenamente provado.
Ademais, o artigo 6.º, n.º 1, do regime do arrendamento rural, aprovado pelo Dec. Lei n.º 294/2009, de 13-10, prevê a exigência de celebração do contrato por escrito, dispondo que os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento, mais prescrevendo que a não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do referido decreto-lei gera a sua nulidade (artigo 6.º, n.º 2 do mesmo diploma), sendo que a exigência de celebração do contrato por escrito constava já do artigo 3.º do anterior regime, aprovado pelo Dec. Lei n.º 385/88 de 25-10.
Neste domínio, importa ainda salientar que, como é reiteradamente reconhecido pela jurisprudência, estamos perante uma «formalidade ad probationem» (perante uma exigência destinada apenas à demonstração da existência do acordo/contrato) e não perante uma «formalidade ad substantiam» (condição de validade do contrato), não acarretando assim a não redução do arrendamento rural a escrito a automática nulidade do contrato, uma vez que se estará perante uma nulidade atípica[4].
Ora, sendo a redução a escrito dos arrendamentos rurais uma formalidade ad probationem, pode o documento escrito ser substituído, para efeito de prova, por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório, nos termos previstos no artigo 364.º, n.º 2 do CC.
Nestes termos, não se mostrando junto o correspondente contrato escrito, nem existindo confissão expressa, judicial ou extrajudicial, não se pode incluir nos factos provados a referência à ocupação dos referidos terrenos como arrendatário, constante da parte final do ponto 8 dos factos provados.
Deste modo, determina-se a alteração do ponto 8 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor:
8. No dia ../../2005 faleceu OO, tendo sido as 3.ª a 6.ª rés, como herdeiras de OO a interpelar o promitente comprador, que designou como adquirente o filho, aqui 2.º réu.
2.2. Reapreciação do mérito da decisão de direito.
Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo apelante, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra, com a alteração da redação do ponto 8 dos factos provados.
Como se vê, o quadro fáctico relevante com vista à subsequente subsunção jurídica é sensivelmente idêntico ao que serviu de base à prolação da sentença recorrida, sendo certo que a alteração do segmento fáctico vertido no ponto 8 dos factos provados não revela qualquer pertinência no quadro das concretas pretensões formuladas nos presentes autos, atentos os fundamentos invocados pelo autor na petição inicial, nem de tal matéria foi retirada qualquer consequência pertinente no âmbito da sentença impugnada.
Neste domínio, a sentença recorrida começou por enquadrar as questões de natureza jurídica relevantes para o objeto da presente ação, considerando - e bem - que a simulação em que o autor baseia a causa de pedir da presente ação pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, traduzidos na divergência entre a vontade real e a vontade declarada, de forma consciente e querida pelos contraentes, na intenção de enganar terceiros e no acordo simulatório, conluio entre as partes de declararem intencional e concertadamente um ato que afinal não quiseram realizar, para concluir que no caso não se provaram os factos constitutivos de tais requisitos, não se verificando, designadamente, qualquer divergência entre a vontade das partes e a declaração, quer na compra pelo 1.º réu, em 2010, quer na compra pela 7.ª ré em 2019, sendo esse o objetivo pretendido pelas partes, não se provando qualquer engano do autor.
Em face do quadro fáctico apurado nos presentes autos, entendemos que não se revela possível extrair diferente conclusão relativamente ao enquadramento efetuado pelo Tribunal a quo a propósito dos fundamentos que ditaram a total improcedência da ação, sendo por isso de manter a decisão alcançada na 1.ª Instância.
Nos presentes autos, o autor pediu se declare nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre os terceiros a sextos réus e o segundo réu, contrato esse formalizado pela escritura pública de 29 de dezembro de 2010; se declare, consequente e subsequentemente, nulos o contrato de compra e venda celebrado entre o segundo réu e a sociedade sétima ré, bem como o contrato de hipoteca, celebrado entre a sétima ré e a oitava ré, ambos os contratos formalizados pela escritura pública de 9 de agosto de 2019.
Segundo o que foi alegado na petição inicial, na sequência do contrato promessa celebrado em 01 de maio de 2001, deveriam os prédios em referência ter integrado o património dos 1.ºs réus, como promitentes compradores, mas os réus, em conluio com as 3.ª a 6.ª rés, herdeiras do OO (entretanto falecido), celebraram a 29 de dezembro de 2010 a escritura de compra e venda com o 2.º réu, com o único objetivo de os integrar no património deste que, por os não ter pago, não se tratou de uma verdadeira compra e venda, mas de um artifício destinado a conseguir que os imóveis viessem a ser posteriormente vendidos à sétima ré, sem passar pelo património dos 1.ºs réus. Mais alegou o autor em sede de petição inicial que se tratou de uma simulação fraudulenta, com a participação, o acordo, a cooperação e o assentimento dos primeiros a sextos réus, porque com o único objetivo de impedir ou dificultar seriamente a efetiva cobrança do crédito do autor sobre os primeiros réus, visto que o ingresso, no património dos primeiros réus, dos imóveis prometidos comprar a OO faz elevar a garantia patrimonial do crédito do autor (mas a perda dos direitos emergentes do contrato promessa de 1 de maio de 2001 provoca, diretamente e na mesma proporção, a diminuição dessa garantia patrimonial), sendo que tais imóveis, se adquiridos pelos primeiros réus, poderiam e podem ser objeto, por iniciativa do autor de uma medida cautelar destinada a assegurar a conservação dessa garantia.
Deste modo, de acordo com a configuração dada pelo autor na petição inicial, o objeto do litígio assenta na alegada divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos intervenientes no negócio de compra e venda celebrado em 29-12-2010, com base num alegado acordo havido entre os 1.ºs a 6.ºs réus, com o único objetivo de impedir ou dificultar seriamente a efetiva cobrança do crédito do autor sobre os primeiros réus, impedindo que os três imóveis respondessem por dívidas dos 1.ºs e 2.º réus ao autor.
Já quanto aos contratos de compra e venda, e de hipoteca, subsequentemente formalizados na escritura de 9 de agosto de 2019, o autor alegou, de relevante, que a nulidade do contrato de compra e venda, de 29 de dezembro de 2010, determina a nulidade dos contratos de compra e venda, e de hipoteca, formalizados na escritura de 9 de agosto de 2019, uma vez que o vendedor (aqui segundo réu) carecia de legitimidade para a realizar (artigo 892º do Cód. Civil) - cf. o artigo 138.º da petição inicial -, e por a 7.ª ré estar de má fé (porque também sabia e sabe, porque foi judicialmente notificada para o efeito, que se deveria abster de celebrar qualquer negócio que determinasse, para os primeiros e segundo RR., a alienação ou oneração de imóveis ou de direitos e expectativas de aquisição, com a inerente diminuição das garantias patrimoniais dos créditos do A. - cf. o alegado em 159.º da petição inicial).
Relativamente à sanção de nulidade invocada pelo apelante relativamente a tais negócios verificamos que o autor pretende se declarem os mesmos nulos, por simulação, tal como prevista no artigo 240.º do CC.

Nos termos do artigo 240.º do CC:
1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.

Tal como decorre do citado preceito legal o negócio simulado assenta nos seguintes elementos: «(1) uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada; (2) um acordo simulatório entre declarante e declaratário; (3) a intenção de enganar terceiros»[5]:
Tal como esclarece a propósito Luís A. Carvalho Fernandes[6], «[p]or simulação entende-se o acordo (ou conluio) entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de enganarem terceiros.

A análise desta noção revela que, para haver simulação, devem ocorrer simultaneamente os seguintes elementos:
a) divergência entre a vontade real e a declarada;
b) acordo ou conluio (pactum simulationis) entre as partes.
c) intenção de enganar terceiros (animus deciplendi)».
Deste modo, a criação desta aparência de negócio é o resultado de um acordo prévio entre os simuladores[7].
Daí que sendo o conluio das partes um dos elementos do conceito, a simulação tenha o seu campo de aplicação, por excelência, no contrato, ainda que não se verifique obstáculo sério à existência de um acordo simulatório entre quem é parte no negócio unilateral e quem é seu destinatário ou até, mesmo beneficiário da correspondente declaração, no intuito de enganar outros terceiros[8].
Efetivamente, sendo a divergência entre a vontade declarada e a vontade real o elemento mais distintivo da simulação, o acordo simulatório constitui um elemento diferenciador da simulação, no âmbito dos vícios do negócio, não bastando uma das partes manifestar uma intenção que não corresponda à sua vontade real, exigindo-se uma sintonia entre todos os contraentes[9], ou seja, que a divergência seja comum a todas as partes.
Por outro lado, basta o intuito de enganar terceiros, não sendo necessário o querer prejudicá-los. Assim, a simulação pode classificar-se em inocente e fraudulenta consoante vise apenas enganar alguém - os contraentes são motivados por um animus decipiendi - ou também prejudiciar (ao animus decipiendi acresce um animus nocendi), ainda que, regra geral, a simulação seja fraudulenta: as partes não pretendem apenas criar uma falsa aparência para o exterior; têm, ainda, como fim imediato, retirar benefícios, em prejuízo de terceiros[10].
Já atendendo ao tipo de divergência verificada, a simulação pode classificar-se em absoluta ou relativa, sendo que na primeira o pactum simulationis dirige-se à celebração de um negócio e as partes não querem, na realidade, celebrar esse negócio nem qualquer outro, enquanto na simulação relativa o negócio simulado encobre outro ato (que é dissimulado)[11].
Tal como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-12-2015[12] «[s]ão elementos da simulação: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração que se traduz na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à vontade real; o acordo simulatório (pactum simulationis) que procede de um conluio entre declarante e declaratário o qual, em regra, antecede a declaração, mas também pode ser contemporâneo dela; intuito de enganar terceiros. Enganar não significa necessariamente prejudicar. Pode ter-se em vista apenas o benefício de terceiro. O que constitui elemento de simulação é o intuito de enganar (iludir) (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi)».
Ora, da matéria factual definitivamente assente nos presentes autos não resulta que tenha existido qualquer divergência entre a vontade real dos outorgantes nos negócios enunciados em 9., e 13., dos factos provados e as declarações que ficaram a constar dos atos jurídicos impugnados, extraindo-se ainda dos pontos 7., 8., 9., e 10., desta matéria de facto, que o valor declarado a título de preço pela venda dos bens imóveis objeto da escritura aludida em 9., foi integralmente pago, tendo sido declarado na correspondente escritura “[q]ue este contrato de compra e venda é celebrado por elas vendedoras em cumprimento do contrato promessa outorgado pelo referido OO em um de Maio de dois mil e um, como promitente vendedor, e que teve por objecto os prédios supra identificados, tendo o preço desta compra e venda sido recebido integralmente pelo mesmo OO, dando elas vendedoras desta forma a correspondente quitação”, nada resultando dos autos que permita dar como verificada a intenção simulatória e que a mesma fosse comum a todos os intervenientes em tais negócios com vista a assunção de tal divergência intencional.

Assim, considerando a matéria de facto que permanece inalterada, o Tribunal recorrido entendeu que o autor não logrou demonstrar, como lhe incumbia, que:
- por ação concertada os 1.ºs, 2.º, e com a cooperação das 3.ª a 6.ª rés, veio a ser celebrado um contrato de compra e venda que teve como único objetivo integrar retirar do património dos 1.ºs réus os prédios pagos por estes;
- o contrato de compra e venda celebrado com as 3.ª a 6.ª ré foi um artifício, destinado a conseguir que os imóveis viessem a ser posteriormente vendidos à sétima ré;
- o património dos 1.ºs réus era insuficiente para assegurar o pagamento do montante pecuniário reclamado pelo autor;
- a 7.ª ré sociedade agiu voluntariamente, em colaboração e articulação de vontades com os primeiros e segundo réus, visando dificultar a cobrança integral do crédito do autor, provocando-lhe prejuízos.

Deste modo, face à causa de pedir da presente ação, a solução que a recorrente defende para o litígio pressupunha, no mínimo, a prévia impugnação e alteração da decisão de facto constante da sentença relativamente a factos que foram dados como não provados e que não foram impugnados pelo recorrente, o que delimita necessariamente o poder de cognição do Tribunal ad quem.
Neste enquadramento, tratando-se de pressupostos ou requisitos constitutivos do direito invocado na presente ação facilmente se conclui que o ónus de alegação e prova da verificação dos requisitos da invocada simulação onera, nos termos gerais (artigo 342.º, n.º 1 do CC), aquele que a invoca, no caso, o autor, ora recorrente, como bem concluiu o Tribunal a quo na sentença recorrida.
Por outro lado, também não procede a alegação do recorrente de que o contrato de contrato de compra e venda de 29-10-2010 deve considerar-se nulo, por não reunir os requisitos da compra e venda, nomeadamente o pagamento ou obrigação de pagamento do preço, porquanto resulta da matéria de facto provada que o preço foi integralmente pago e recebido em datas anteriores à outorga do contrato, dando as vendedoras a correspondente quitação no ato da celebração da própria escritura, sendo assim de sufragar inteiramente o juízo decisório vertido na sentença recorrida quando conclui que não se verifica a falta de pagamento do preço.
Por último, em sede de recurso, o apelante vem alegar de forma inovadora que, no caso de o contrato-promessa de compra e venda conceder ao promitente comprador o direito de indicar terceiro como comprador, está consignado o direito à cessão de posição contratual, sendo que, ao abrigo do contrato promessa de compra e venda de 01-05-2001, os promitentes compradores e aqui primeiros recorridos indicaram o seu filho e agora segundo recorrido como comprador, indicação que, segundo alega o recorrente, constituiria uma cessão de posição contratual, que não poderia deixar de considerar-se um negócio jurídico bilateral, recetício e oneroso, em face do que conclui que o contrato de 29-12-2010 integrou o negócio simulado de cessão de posição contratual, em que também não houve qualquer pagamento por parte do cessionário, nem ele se obrigou a pagar posteriormente.
Trata-se de questão que não foi oportunamente suscitada em sede de articulados da ação em referência, nem faz parte do objeto do processo delimitado pelo próprio recorrente, razão pela qual o Tribunal recorrido não a ponderou.
Ora, de acordo com o princípio da preclusão e destinando-se os recursos à impugnação das decisões judiciais, nos termos do disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, resulta manifesto que tal questão não pode ser suscitada no recurso de apelação que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.
De qualquer modo, sempre se dirá que, contrariamente ao que só agora vem alegar o recorrente, a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem entendendo que a cláusula de nomeação aposta em contrato promessa apenas legitima a substituição do promitente comprador na outorga da escritura do contrato definitivo, mas não consubstancia consentimento prévio de cessão da posição contratual da posição do promitente comprador[13], nem configura um contrato para pessoa a nomear, porque o promitente-comprador não se reservou o direito de indicar pessoa que o substituísse como tal, ou seja, como promitente-comprador, mas sim como comprador efetivo[14].
Deste modo, a cláusula do contrato-promessa celebrado em 01 de maio de 2001, entre os ora primeiros réus e OO, como promitente vendedor, na qual o referido OO prometeu vender os prédios rústicos identificados no ponto 5 dos factos provados aos primeiros réus ou a quem estes indicarem, configura uma cláusula de “reserva de nomeação”, legitimando a substituição do promitente comprador na outorga da escritura do contrato definitivo, e não consentimento prévio de cessão da posição contratual do promitente comprador.
Assim sendo, porque a situação dos autos não permite configurar qualquer cessão da posição contratual do promitente comprador, resultam manifestamente improcedentes e inócuas as referências feitas pelo recorrente a propósito da invocada nulidade do contrato de compra e venda celebrado no dia 29-12-2010 por, alegadamente, integrar um negócio dissimulado de cessão de posição contratual.
Daí que a decisão recorrida não mereça censura, pois fez uma correta interpretação das determinações legais e dos princípios aplicáveis, à luz da matéria de facto dada como provada.
Como tal, improcede a apelação, sendo de confirmar integralmente a sentença recorrida.
Em sede de contra-alegações, os réus BB, CC e DD, reiteram que existem evidências para a condenação do recorrente como litigante de má-fé.
Sucede que tal questão foi expressamente apreciada e decidida pelo Tribunal a quo no âmbito da sentença recorrida, sendo que dela não recorrem os réus, ainda que subordinadamente.
Por conseguinte, nada cumpre decidir neste recurso sobre tal questão.
Como se viu, os réus BB, CC e DD, suscitaram, a título subsidiário, a ampliação do objeto do recurso por impugnação sobre a matéria de facto, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do CPC, requerendo o aditamento à matéria provada de determinados factos, dos quais alegam resultar que o recorrente atua nos presentes autos com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

O artigo 636.º do CPC, com a epígrafe Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, dispõe o seguinte:
«1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
(…)».

Tal como salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[15],  em anotação ao artigo em referência, «[a] parte recorrida pode suscitar nas contra-alegações do recurso a reapreciação dos fundamentos em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficioso (…).
(…)
Pode ainda requerer a ampliação do objeto do recurso no que respeita à matéria de facto considerada provada ou não provada com relevo para a defesa dos interesses do recorrido».
No caso dos autos, os recorridos vieram requerer a ampliação do objeto do recurso com a finalidade referida na 2.ª parte do n.º 2 do citado preceito (impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas), sendo, por isso, deduzida a título subsidiário.
Como tal, em face da total improcedência da apelação, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada pelos recorridos no âmbito da ampliação do objeto do recurso, deduzida a título subsidiário.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Guimarães, 13 de março de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Joaquim Boavida (Juiz Desembargador - 2.º adjunto)


[1] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 670.
[2] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, 2017, Coimbra, Gestlegal, p. 214.
[3] Cf. José Lebre de Freitas, CÓDIGO CIVIL Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 459 590,
[4] Neste sentido, cf., por todos, os Acs. TRC de 01-02-2022 (relator: Fonte Ramos), p. 3249/19.9T8CBR.C2; de 04-05-2020 (relator: Barateiro Martins), p. 881/18.1T8GRD.C1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cf., Manuel Pita, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 294.
[6] Cf., Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e atualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, pgs. 310-311.
[7] Cf., Manuel Pita - obra citada - p. 294.
[8] Cf., Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada - p. 311.
[9] Cf., A. Barreto Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I - Parte Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP, Almedina, 2020, p. 713.
[10] Cf., A. Barreto Menezes Cordeiro - obra citada - pgs. 710 e 713.
[11] Cf., Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada - pgs. 312-313.
[12] Relator Orlando Afonso, proferido na revista n.º 2936/07.9TBBCL.G1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido cf., por todos, os Acs. TRC de 24-02-2015 (relator: Jorge Arcanjo), p. 528/13.2TBPBL.C1; TRL de 11-02-2010 (relator: António Neto Neves), p. 908/09.8TVLSB.L1-2; disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Cf. o Ac. do STJ de 27-11-2012 (relator: Mário Mendes), p. 490/10.3TBPTM.E1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Obra citada, p. 763.