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REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
CONTRATO DE SEGURO
ÂMBITO DE COBERTURA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - Incumbe ao segurado/tomador do seguro o ónus de provar a(s) ocorrência(s) concreta(s) em conformidade com as situações descritas nas cláusulas-base de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização. II - Tal assenta, necessariamente, em pressupostos fácticos que devem ser alegados, de forma a permitir a sua indiciação e integração na cláusula-base de cobertura do risco, pois o sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto no contrato, devendo reunir as mesmas características com que é ali configurado.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório
AA, empresário em nome individual, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP01..., Companhia de Seguros ..., S.A., pessoa coletiva com o n.º ...89, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de 211.388,55€, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal que se vençam desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegou, em suma, ter celebrado com a ré um contrato de seguro multirriscos empresas, que tem por objeto a atividade de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas, e como local de risco o imóvel melhor identificado na petição inicial, cobrindo, entre outros, os riscos de inundações e derrocadas, e assegurando o ressarcimento dos correlativos danos.
Neste contexto, invoca que, no dia 28 de abril de 2020, ocorreu a queda do muro existente na quinta segurada, tendo sofrido vários danos, sendo a ré responsável pela reparação dos mesmos, por força do contrato de seguro que com a mesma celebrou.
Citada, a ré apresentou contestação, na qual, em síntese, rejeita a responsabilidade pela indemnização peticionada pelo autor, por entender que o sinistro ocorrido não se inclui nos riscos cobertos pelo contrato de seguro celebrado com esta.
Foi proferido despacho saneador, no qual, entre o mais, se procedeu à identificação do objeto do litígio e à seleção dos temas da prova, não tendo havido reclamações.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve no segmento dispositivo:
«Em conformidade e decorrência das razões de facto e de direito expostas: a) julga-se a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente condena-se a ré a pagar ao autor a quantia total de € 183.186,32 (cento e oitenta e três mil cento e oitenta e seis euros e trinta e dois cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais por este sofridos, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado; b) condena-se a ré e o autor nas custas da acção, na proporção de 87% e de 13%, respectivamente».
Inconformada, a ré apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1.ª - A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo - documentos, declarações de parte e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida, que abaixo melhor se especificará.
2.ª - Não se conforma a ora recorrente com tal decisão, pois entende que da prova efetivamente produzida em audiência não é coincidente com a que foi dada como definitivamente assente.
3.ª - O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto dada como provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento, pelo que urge ser alterada a decisão da matéria de facto, nos moldes infra expostos.
4.ª - São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados: No que respeita aos factos provados:
5. Tendo como local de risco a quinta identificada em 2.
(…)
7. Do objecto do seguro fazem parte o logradouro e o prédio urbano com inscrição matricial n.º ...46, melhor identificado em 2., bem como os restantes aí identificados.
8. Edifício ou fracção, para efeitos da cobertura alusiva a edifício, é o conjunto dos elementos constituintes da construção ou posteriormente incorporados, incluindo benfeitorias, instalações fixas, anexos e garagens.
9. Edifício, para efeitos do seguro contratado, é definido, no artigo 33.º, alínea b), como “o edifício ou fracção de edifício em regime de propriedade horizontal destinado a exploração da actividade mencionada nas condições particulares. As dependências, arrecadações e outras instalações anexas para serventia do estabelecimento seguro e que dele façam parte integrante, os muros, cercas, portões (…)”.
(...)
39. Tendo o autor detectado, no dia 21 de Abril de 2020, problemas estruturais no muro, concretamente, o aparecimento de pequenas fissuras.
40. Os quais não existiam até àquela data.
41. Antes da data referida em 38., não eram conhecidos defeitos estruturais ao aludido muro.
42. Nunca o muro tinha apresentado sinais de fragilidade, defeitos ou problemas estruturais.
(…)
48. A aludida queda ocorreu de forma súbita.
49. A queda não foi precedida de qualquer ocorrência que fizesse prever que o muro ia desabar.
(…)
84. O autor, aquando da subscrição do seguro, manifestou junto do mediador a sua pretensão de cobertura de danos em muros.
85. Tendo-lhe sido referido que o contrato em vigor com a ré cobre inequivocamente a remoção de escombros e a reconstrução desse muro de delimitação do recinto das instalações industriais e bem assim os danos ocorridos em equipamentos situados não só no próprio muro, como ainda no logradouro ali existente, sendo ambos parte integrante dos edifícios seguros.
Quanto à factualidade não provada
a) EMP02..., após análise, na sequência do referido em 38. concluiu que poderia haver perigo de derrocada.
e) A queda do muro foi fruto de circunstâncias que o autor poderia evitar.
5.ª - Vejamos a questão inerente à contratação do seguro, coberturas, capitais e franquias;
Neste aspeto, o Tribunal recorrido considerou o seguinte;
Quanto à contratação do seguro aqui em discussão, concretamente à factualidade descrita sob os n.ºs ...3 a ...5, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações de parte do autor, o qual, com a credibilidade acima aflorada, foi peremptório e convincente a afirmar que pediu expressamente um seguro abrangente, sem linhas e entrelinhas, e que para tanto não estava em causa o valor. Quando foi celebrado o contrato, ficou a convicção de que tudo estaria incluído, não tendo sido informado das exclusões.
6.ª - Desde logo, cumpre tecer algumas considerações prévias sobre a valoração do depoimento de parte; Entende a Doutrina e a Jurisprudência que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art.º 466. °, n.º 3 do Código do Processo Civil, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal.
7.ª - No entanto, a credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.
8.ª - Assim, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada - quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
9.ª - Reafirme-se que, quanto a esta matéria, apenas o aqui Autor depôs em julgamento - As declarações ficaram registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "H@bilus Média Studio", entre os pontos 10:31:12 e 12:20:25, no dia 30 de Novembro de 2023.
10.ª - O aqui Autor é uma pessoa com vasta experiência profissional - é médico e empresário ( tem duas empresas - a EMP03... Produtos Alimentares Limitada, a EMP04... Limitada, e tem, ainda, AA, na qualidade de empresário em nome individual.
11.ª - Logo de inicio, e sem ninguém lhe fazer, em concreto essa questão, respondeu - Fui eu que o celebrei. Eles pediram-me, eu tinha um outro seguro, que era da EMP05..., bastante mais barato. Eles pediram-me numa óptica de cross-selling, ou seja, como também tinha dinheiro, que me tinham emprestado dinheiro, e mudei o seguro para a EMP01..., bastante mais caro do que me custava lá, mas também mais abrangente. E ninguém na altura nem depois, me explicou o que quer que fosse relativamente às prerrogativas do seguro.
Mais negou que o seguro contratado excluía muros e bens que estivessem ao ar livre;
12.º - E mesmo com essa declaração, o depoente vai mais longe, admitindo ter conhecimento claro quer da contestação oferecida nos presentes autos, quer das Condições Contratuais que, diga-se, estão dadas como assentes nos presentes autos, quando o mesmo refere -
00:06:10.6 Mas isso é uma falsa questão, porque a EMP01..., nomeadamente através do mandatário, vem dizer, e eu estive a ver isso, salvo erro, na peça processual feita pelo mandatário da EMP01..., que os muros não eram incluídos, nem os bens ao ar livre. Mas se for por reporte à apólice multirriscos da EMP01..., salvo erro, no artigo 33, alínea B, que é edifícios, está lá designadamente que os muros estão incluídos. E nos conteúdos, penso que à frente diz porque o muro, aquele muro não era só um muro, era o limite do logradouro da fábrica. E, portanto, sendo o limite de logradouro da fábrica, estão incluídos. E tudo o que está dentro, está incluído, esteja debaixo de telha, esteja ao ar livre. Curiosamente, a maior parte do que ficou estragado como dano emergente da queda do muro, estava debaixo de telha.
E, corroborando esse conhecimento, refere ainda -
00:07:26.9 … mas, ó Sr. Doutor, há inclusive outro aspecto, porque nas condições particulares está também como condição particular a assistência, digamos, ao estabelecimento, não é? Ou seja, se houver um problema, a companhia contactar os donos do estabelecimento ou o representante, para saber se é preciso alguma ... ninguém me contactou. Eu acho que, a EMP01... só quis, passou por ali a assobiar para o lado e a chutar para canto, não, o que lhe interessa era não …
13.º - Diga-se que à pergunta sobre se os muros e os bens ao ar livre só estavam cobertos se fosse subscrita a cobertura opcional o depoente responde desta forma;
01:20:30:4
AA O opcional, é outra coisa, Sr. Doutor. Uma coisa é o que vem de série, outra coisa é o opcional. Sr. Doutor, se eu lhe disser, na cobertura que eu tinha, por exemplo, a apólice multirriscos da EMP05..., os muros estão incluídos e como estão aqui também e mais, só não estariam incluídos por opção de dizer, eles … os muros não estão incluídos. O muro …
01:20:53:2
AA Sim. Mas o muro quando faz parte da delimitação do logradouro da fábrica estão incluídos no edifício. Sr. Doutor, sugiro-lhe, da leitura salvo erro, da alínea b) …
E continua a sua senda justificativa;
01:23:59:0
AA Ó Sr.ª Doutora, pode haver situações em que a questão de uma cobertura opcional de muros se justifique. O que não quer dizer que, a cobertura dos muros não venha de série num determinado pacote que é o caso. Os edifícios … os muros que funcionam como limite do logradouro dos edifícios, numa área industrial fazem parte integrante dos edifícios.
13.ª - Vejamos, agora, os documentos juntos aos autos; o Autor, logo aquando da petição inicial, junta como doc. 2 as Condições Particulares, juntamente com a Proposta Contratual.
14.ª - Igualmente, foi junta uma missiva enviada pela Ré ao aqui Autor, datada de 9 de Novembro de 2017, da qual consta o seguinte;
15.ª - Contudo, da proposta contratual, consta o seguinte;
Ainda da proposta contratual, consta expressamente, a definição de Edificio;
Ou seja, o edifício seguro compreende todo o conjunto de elementos constitutivos da construção ou posteriormente incorporados, incluindo benfeitorias, instalações fixas, anexos e garagens…. Não se incluindo nesta definição os muros;
Da mesma forma, na caracterização do risco, consta o seguinte;
16.ª - Diga-se que o que se seguro foi a atividade comercial - preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas, sendo que o objeto seguro era o Edifício e não a Quinta;
17.ª -Refira-se que o Edifício seguro está devidamente identificado, quanto a tipo de construção, cobertura e ano de construção;
18.ª - Não será despiciendo referir que o contrato de seguro em apreço foi celebrado com uma cobertura opcional;
19.ª - Toda esta documentação, junta aos autos pelo Autor, descredibiliza totalmente as suas afirmações contidas nas declarações de parte;
20.ª - Diga-se que consta do elenco da matéria de facto provada que;
3. No exercício da sua actividade, a ré, como seguradora, celebrou com o autor, em 09.11.2017, um contrato de seguro multirriscos empresas, titulado pela apólice ...04, regido pelas condições gerais, especiais e particulares juntas como documento n.º 1 com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida
E que;
23. A apólice aqui em causa foi contratada sem a subscrição da cobertura Opcional 23. - Danos em Muros, Portões, Vedações e Jardins, constante das Condições Gerais.
24. Da mesma forma, não foi subscrita nem contratada a cobertura opcional “Bens ao ar livre” (cobertura opcional 24).
25. Consta da apólice, quanto à cobertura opcional 24, o seguinte: “Em derrogação do disposto na alínea d) do n.º 4 da Cláusula 40.ª, na alínea e) do n.º 3 da Cláusula 41.ª e na alínea e) do n.º 5 da Cláusula 44.ª das Condições Gerais, o presente Contrato garante os danos causados em bens móveis ao ar livre existentes em jardins, pátios, varandas ou anexos totalmente vedados ou em locais cujo acesso seja comum a várias pessoas, desde que tais bens estejam expressamente discriminados na apólice”.
21.º - Ao subscrever o dito seguro, o A. fê-lo, portanto, de uma forma consciente e esclarecida e, naturalmente, ciente de que esse contrato apenas assegurava as consequências de sinistros decorrentes das coberturas contratadas e o que estava a segurar era o Edificio - paredes e benfeitorias, como de resto constam dos documentos que o próprio A. junta coma petição;
22.ª - O Autor pôde, assim, apurar e confirmar, com pormenor, o teor das condições contratuais do referido seguro, sendo de realçar que jamais se queixou de alguma falta nesse sentido.
23.ª - Em consciência e de boa fé, o A. não pode dizer que queria fazer um contrato (quase leonino) que cobrisse toda a Quinta e mais alguma coisa…
24.ª - O A. não pode negar as declarações que expressamente fez na proposta de seguro quanto às condições em que contratou;
25.º - As condições particulares, gerais e especiais da apólice do seguro em causa foram entregues e rececionadas pelo aqui Autor;
26.º - Por isso, teve-se como como plenamente provado o teor da referida declaração, bem como as condições gerais e especiais aplicadas ao contrato.
27.ª - Diga-se que o Autor tem instrução superior (é médico) homem experiente na área dos negócios e não pode ignorar que a contratação das Apólices de Seguro têm âmbito de cobertura e diverso tipo de limitações e, in casu, coberturas opcionais
28.ª - Ao prestar as declarações referidas - declarações de parte, o aqui Autor fê-lo no único propósito de defender o seu ponto de vista, porquanto bem sabia que o seu depoimento era francamente importante para a sua pretensão.
29.ª - Assim, porque não sustentado com outros meios de prova, não tem a credibilidade suficiente para formar um convencimento pleno do Tribunal.
30.º - Verifica-se, pois, que o abuso de direito pressupõe a existência de um direito subjetivo que é exercido para além dos fins desse direito, ainda que esse excesso tenha de se traduzir, de forma clara e manifesta, numa ofensa do sentimento jurídico dominante, ainda que apenas em termos objetivos.
31.º - Convém aqui trazer à colação o art.º 25.º da LCS:
Artigo 35.º
Consolidação do contrato
Decorridos 30 dias sobre a data da entrega da apólice sem que o tomador do seguro haja invocado qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, só são invocáveis divergências que resultem de documento escrito ou de outro suporte duradouro.
Ainda,
32.ª - Do caracter súbito e imprevisto;
Dos autos, consta um mail dirigido ás Infraestruturas ... com o seguinte teor: [Imagem]
33.º - Foi o próprio Autor que reconheceu, nessa data, que havia um sério perigo de derrocada do pavimento no lado esquerdo da Estrada Nacional exatamente junto ao muro que acabou por cair.
34.ª - Assim, a queda do muro não configurou uma situação enquadrada num acontecimento súbito e imprevisto;
35.ª - Até porque, a necessidade de intervenção no local já havia sido reportada aos serviços das Infraestruturas ..., em data anterior à da presente ocorrência, e durante anos;
36.ª - É o próprio Autor que reconhece que o estado da Estrada Nacional pode originar o risco de queda do muro, por si contactou a IP;
37.ª - Aqui, uma vez mais, as declarações do Autor não são coerentes e de acordo com a documentação dos autos, mormente o mail enviado. Vejamos:
00:17:08.5
AA Nunca mais deu problema. Eu, depois, fui lá, não sei se estão lembrados, pronto, que, salvo erro, no dia, foi o alerta do Covid e Portugal foi, para aí meados de Março de 2020, se bem me lembro, uma pessoa esteve um bocado recolhida, de uma forma geral toda a gente, ainda estava toda a gente a ver como é que era, o que é que era preciso, a ver se assentava a poeira e ver onde é que parava o enxame. E eu, pá, já não ia lá há uns tempos, porque também estava recolhido em casa, e eu, essa tarde, disse: “Deixa-me ir lá”, fui lá. Aliás, fui lá porque tive de ir, já não sei o que ia tratar e olhei. E vi algumas fissuras no muro que eu não tinha visto antes. Mas não só no muro, mas também na parte de cima da estrada.
00:20:17.9
AA
Mandei, sim, Senhor. Mandei até para que eles viessem ver e pus perigo de derrocada, porque senão eles nem sequer vinham ver, como o Sr. Doutor sabe, não é? Aliás, tanto quanto sei, foi-me dito que esteve lá alguém, nem me disseram nada, se estiveram, se não estiveram, nem me disseram se ia cair, se não ia cair pá, e, francamente, se eu achasse que ia cair, eu tinha retirado o que estava por baixo, eu nunca pensei que fosse cair.
00:21:08.6
Advogado
E o que é que aconteceu a seguir?
00:21:11.3
AA
O que aconteceu a seguir? Passado oito dias, o muro caiu, felizmente …
00:21:14.8
Advogado
E entre a queda do muro e esse mail, alguém foi lá ver o...
00:21:19.2
AA
Foi-me dito que as Estradas de Portugal foram lá ver, mas a mim ninguém me disse nada das Estradas de Portugal, portanto, eles terão a sua versão dos factos, se foram lá, mas não me disseram nada, pronto.
00:21:34.5
AA
E ocorreu a derrocada, que, para mim, não era ... eu disse perigo de derrocada porque vi aquilo, mas, quer dizer, se eu achasse que ia cair, eu tinha retirado o máximo de coisas que pudesse, eu nunca pensei que aquilo …
38.º - Assim, o Autor reconhece que havia perigo de derrocada mas depois, numa contradição evidente, justifica que afinal nunca pensou que o muro ía cair…
39.ª - O que não faz sentido absolutamente nenhum e, também por aqui se vê que as declarações do Autor, assim produzidas, não merecem qualquer tipo de credibilidade.
40.ª - Na verdade, este é um contrato de seguro, que se destina a garantir um risco, súbito e imprevisto, ou seja, um acontecimento que foge à normalidade e, como tal, deverá ser assegurado.
41.ª - Daí que não possa entender-se, como defende aparentemente o A, que o contrato deva garantir os danos sofridos num muro que, só fruto de circunstâncias que o demandante poderia evitar, veio a derrocar.
42.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto: 5. Tendo como local de risco, o Edifício sito na quinta identificada em 2.
(…)
7. Do objecto do seguro fazem parte o seguinte:
8. Edifício ou fracção, para efeitos da cobertura alusiva a edifício, é o conjunto dos elementos constituintes da construção ou posteriormente incorporados, incluindo benfeitorias, instalações fixas, anexos e garagens, caso assim tenha sido subscrita a cobertura opcional.
9. Edifício é definido, no artigo 33.º, alínea b), como “o edifício ou fracção de edifício em regime de propriedade horizontal destinado a exploração da actividade mencionada nas condições particulares. As dependências, arrecadações e outras instalações anexas para serventia do estabelecimento seguro e que dele façam parte integrante, os muros, cercas, portões (…)”.
(...)
39. Tendo o autor detectado, pelo menos em meados de Março de 2020, problemas estruturais no muro, concretamente, o aparecimento de pequenas fissuras na Estrada Nacional.
40. Os quais sempre existiam até àquela data.
(…)
48. A aludida queda não ocorreu de forma súbita e imprevista, sendo que o Autor poderia ter eviado a derrocada, mormente acautelado os prejuízos.
49. A queda foi precedida de ocorrência que fizesse prever que o muro ia desabar.
(…) Deverá, ainda, passar a seguinte matéria para a factualidade não provada
41. Antes da data referida em 38., não eram conhecidos defeitos estruturais ao aludido muro.
42. Nunca o muro tinha apresentado sinais de fragilidade, defeitos ou problemas estruturais.
84. O autor, aquando da subscrição do seguro, manifestou junto do mediador a sua pretensão de cobertura de danos em muros.
85. Tendo-lhe sido referido que o contrato em vigor com a ré cobre inequivocamente a remoção de escombros e a reconstrução desse muro de delimitação do recinto das instalações industriais e bem assim os danos ocorridos em equipamentos situados não só no próprio muro, como ainda no logradouro ali existente, sendo ambos parte integrante dos edifícios seguros.
a) EMP02..., após análise, na sequência do referido em 38. concluiu que poderia haver perigo de derrocada.
43.ª - Deste modo, verifica-se que o sinistro não se enquadra no âmbito da Apólice, pois: c) 23. A apólice aqui em causa foi contratada sem a subscrição da cobertura Opcional 23. - Danos em Muros, Portões, Vedações e Jardins, constante das Condições Gerais. d) 24. Da mesma forma, não foi subscrita nem contratada a cobertura opcional “Bens ao ar livre” (cobertura opcional 24).
44.ª - Da mesma forma, diga-se que devem ser reforçadas as exclusões da Apólice, nomeadamente das coberturas de Inundações e Acidentes Geológicos, que poderiam ser revogadas, no caso de ter sido contratada a cobertura opcional de "Danos em muros, portões, vedações e jardins".
45.º - É que, em qualquer dessas hipóteses ora cogitadas, sempre o muro e os bens não estavam abrangidos pela cobertura da Apólice.
46.ª - Nenhuma dúvida existindo, para terminarmos, de que, para a definição do âmbito de cobertura da apólice de seguro, em que consta como seu objecto o “edifício”, não releva o conceito legal, civil ou fiscal, de “prédio urbano”, e nenhuma relevância para o caso;
Neste sentido, ver Ac. do TRG de 03-12-2020, Relator José Amaral, disponível em www.dgsi.pt.
47.ª - Acresce dizer que o sinistro não ocorreu de forma súbita e imprevista. De facto, o Autor já conhecia o perigo de derrocada do muro já há bastante tempo e nada fez para o evitar.
48.ª - Ao não acautelar devidamente o risco de derrocada do muro, o próprio lesado contribuiu para a produção dos prejuízos por ele sofridos, quebrando o nexo causal entre o evento e os riscos assumidos pela Apólice contratada;
49.ª - Ao sentir e ter consciência do perigo de derrocada, o aqui Autor devia, segundo o critério de um homem medianamente cuidadoso e atento às eventuais consequências da sua conduta, ter acautelado devidamente o perigo de derrocada, retirando todos os bens que se sitiavam na base do muro, assim prevenindo danos maiores e intervencionado o muro para evitar a queda do mesmo.
50.ª - E esse seu dever de prevenção mostrava-se, nas circunstâncias, acentuado sendo certo que é o próprio Autor que reconhece e alerta para esse perigo.
51.ª - AINDA, E NÃO MENOS IMPORTANTE, QUIÇÁ IGUALMENTE DECISIVO PARA A SORTE A PRESENTE APELAÇÃO:
52.ª - O risco relevante para efeitos do contrato, dada a sua especificidade típica, deve ser configurado no respectivo contrato de seguro através da delimitação dos riscos cobertos, que tecnicamente é feita através de dois vectores: primeiramente por meio das cláusulas definidoras da “cobertura-base” e subsequentemente pela descrição das cláusulas de delimitação negativa dessa base ou de exclusão da cobertura.
53.ª - O sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto, devendo reunir os elementos com que é ali configurado.
54.ª - Assim, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização (art. 342º, nº 1, do CC), enquanto a seguradora deve provar os factos ou circunstâncias que sejam suscetíveis de retirar a natureza fortuita que os mesmos aparentem ou excludentes do risco, a título de factos impeditivos (art. 342º, nº 2, do CC).
55.ª - O risco constitui um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, que deve existir quer aquando a celebração do contrato quer durante a sua vigência, o que, de resto, parece decorrer, nomeadamente do disposto nos artigos 1.º, 24.º, 37.º, n.º 2, alínea d), 44.º, n.º 1 e 3 e 110.º do atual regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04 (LCS).
56.ª - Assim, a qualificação de um evento ou facto como sinistro terá de ser feita em função dos contornos tipológicos do risco tal como foram desenhados no clausulado contratual.
57.ª - É pois nessa conformidade que o art. 100º, nº 2, do RJCS, determina que, na participação do sinistro, o tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário devem explicitar as circunstâncias da verificação do sinistro e as eventuais causas da sua ocorrência, além das respectivas consequências.
58.ª - Nessa conformidade recai sobre o segurado o ónus de provar tais ocorrências como factos constitutivos que são do direito de indemnização invocado, nos termos do nº 1 do art. 342º do CC.
59.ª - Atento os factos dados como provados, a queda do muro não faz demandar qualquer cobertura contratual, pelo que, também por esta via, a ação tem de improceder.
60.º - Por último, e caso assim se não considere, o iva não pode ser considerado na indemnização apurada;
61.ª - Preliminarmente, cumpre transcrever o que o aqui Autor disse nas declarações de parte:
00:47:38.6
AA
Eu suponho que o IVA não é aplicável na medida em que eu estou no regime de IVA e, portanto, eu penso que a seguradora não tem que pagar IVA. Porque qualquer IVA que eu pague, o IVA é dos impostos mais bem feitos que existe, pronto, é uma conta-corrente com o Estado … a gente, é a diferença entre o que a gente paga e o que a gente recebe. Se a gente recebe mais do que paga, tem que pagar ao Estado, não é?
62.ª - O aqui declarado configura, na verdade, uma redução do pedido, reconhecendo a neutralidade do IVA;
63.ª - De facto, o Autor tem direito à dedução do IVA pago com referência àquela reparação - por força do disposto nos artigos 19º/1 a) e do art. 21º/1 a) do CIVA - pelo que o valor desse IVA não corresponde a qualquer prejuízo que tenha sofrido e que, como tal, deva ser indemnizado. Assim, o valor da indemnização deve ser reduzido em valor equivalente ao referido IVA.
64.ª - Nessas circunstâncias, nada tendo sido alegado - e provado - que aponte para o facto de o IVA não ter sido - ou não poder vir a ser - deduzido, não há razões para considerar que o respectivo valor corresponda a um verdadeiro e efectivo prejuízo sofrido pela Autora que, como tal, deva ser indemnizado.
65.ª - Pelo que a haver responsabilidade da aqui recorrente, ao valor apurado deverá ser deduzido o IVA correspondente.
66.ª - Em suma, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à 1ª Ré, pelo que, por tudo o exposto, impõe-se a absolvição da ora contestante de todos os pedidos.
67.ª - Ao assim não decidir, a sentença violou, entre outras disposições legais, o vertido nos art.ºs 483.º, 493.º. 494.º, 496.º e 566º do Código Civil e nos art.ºs 19.º e 21.º do CIVA., sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!!».
O apelado apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.
II. Delimitação do objeto do recurso.
Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se
A) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) se deve a ação improceder, em conformidade com as conclusões das alegações da apelante, por falta de prova do sinistro objeto da cobertura.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
III. Fundamentação
1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª Instância:
1. O autor é um empresário em nome individual na área da agricultura, dedicando-se à Olivocultura, ou seja, à colheita de azeitona com a consequente produção de azeite e azeitona de conserva.
2. No âmbito da sua atividade, o autor é dono e legítimo proprietário da Quinta ... sita em ..., a qual é composta, entre outros, pelos seguintes prédios:
i. prédio misto sito em ..., freguesia e concelho ..., com área total de 356600 m2, área coberta de 799 m2 e descoberta de 355801, composto por parte rústica com matriz ...32, urbana com matriz ...46 e urbana com matriz ...71, todos localizados na freguesia ..., composto por Quinta com ..., figueiras, árvores de fruto, oliveiras, amendoeiras, sobreiros, a descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...29,
ii. prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho ..., com área total de 1700 m2, área coberta de 1380 m2 e descoberta de 320 m2, composto por armazém e logradouro, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...45 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02,
iii. prédio misto sito em ..., freguesia e concelho ..., com área total de 6000 m2, área coberta de 435 m2 e descoberta de 5565 m2, composto por parte rústica com matriz ...45 e urbana com matriz ...72, ambos localizados na freguesia ..., composto por terra com oliveiras, figueiras e amendoeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...20,
iv. prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., com área total e coberta de 5040 m2, composto por terra com oliveiras, amendoeiras e bacelos, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...43 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23,
v. prédio rústico sito em ..., freguesia e concelho ..., com área total e descoberta de 3520 m2, composto por terra com oliveiras e amendoeiras, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...44 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21.
3. No exercício da sua atividade, a ré, como seguradora, celebrou com o autor, em 09.11.2017, um contrato de seguro multirriscos empresas, titulado pela apólice ...04, regido pelas condições gerais, especiais e particulares juntas como documento n.º 1 com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. A atividade a segurar foi de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas.
5. Tendo como local de risco a quinta identificada em 2.
6. E tendo como coberturas as relativas ao edifício, com o capital seguro de € 1.486.150,00, aos conteúdos (entre os quais, equipamentos e máquinas), com o capital seguro de € 310.000,00, à assistência ao estabelecimento e a danos elétricos, com o capital seguro de € 30.000,00 - melhor descritas nos artigos 3.º e 4.º da contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Do objeto do seguro fazem parte o logradouro e o prédio urbano com inscrição matricial n.º ...46, melhor identificado em 2., bem como os restantes aí identificados.
8. Edifício ou fração, para efeitos da cobertura alusiva a edifício, é o conjunto dos elementos constituintes da construção ou posteriormente incorporados, incluindo benfeitorias, instalações fixas, anexos e garagens. (…)
9. Edifício, para efeitos do seguro contratado, é definido, no artigo 33.º, alínea b), como “o edifício ou fração de edifício em regime de propriedade horizontal destinado a exploração da atividade mencionada nas condições particulares. As dependências, arrecadações e outras instalações anexas para serventia do estabelecimento seguro e que dele façam parte integrante, os muros, cercas, portões (…)”.
10. Conteúdos ou recheio, para efeitos da cobertura a tanto atinente, reconduzem-se ao mobiliário, equipamentos, máquinas, mercadorias, embalagens e todos os demais objetos que sirvam à exploração da atividade segura, desde que existam no estabelecimento seguro e sejam propriedade do segurado, bem assim como as benfeitorias efetuadas a expensas do segurado.
11. Quanto a mercadorias, estipula o contrato que o capital seguro deverá corresponder ao preço corrente de aquisição para o segurado, ou no caso de se tratar de produtos por ele fabricados, ao valor dos materiais transformados e/ou incorporados, acrescido dos custos de fabrico.
12. No que concerne ao equipamento industrial, estipulou-se que o capital seguro deverá corresponder ao custo em novo do equipamento, deduzido da depreciação inerente ao seu estado e uso.
13. Nos danos estéticos o valor de substituição em novo de instalações, equipamentos e máquinas elétricas.
14. A autora pagou sempre os prémios de seguro acordados e reclamados pela ré, que esta recebeu e fez seus.
15. O contrato estava válido em vigor entre as partes em abril de 2020.
16. As condições gerais do contrato definem sinistro como a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato.
17. Nos termos do contrato, “Designa-se por Cobertura Base do Seguro Facultativo a garantia do ressarcimento, nos termos previstos na Secção seguinte, dos prejuízos em consequência directa de: (…) – inundações (…), - acidentes geológicos (…), - danos por água (…)”, coberturas para as quais foi contratada uma franquia de 10%.
18. O contrato garante a cobertura dos danos causados em consequência de a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos de pluviómetro, b) rebentamento de adutores, coletores, drenos, diques e barragens, c) enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.
19. Quanto a tal cobertura, estipulou-se que são considerados como constituindo um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos.
20. Consta da cláusula 41.º, n.º 1, n.º 3, alíneas e) e f), do contrato, que se consideram excluídos da referida cobertura quaisquer perdas ou danos ocorridos ou provocados em mercadorias e/ou outros bens móveis, existentes ao ar livre e em muros, vedações e portões.
21. Sob a cláusula 42.º, estipula-se que a cobertura base atinente a acidentes geológicos garante a cobertura dos danos sofridos pelos Bens Seguros, sem intervenção direta de ação humana, em consequência, entre os mais, dos seguintes fenómenos geológicos: “a) Deslizamento: movimento de terras ao longo de uma superfície de rotura bem definida; b) Derrocadas: queda de blocos de rocha, por descompressão do maciço (…), c) Afundimentos: queda, eminentemente segundo a direção vertical, de terrenos rochosos, com movimento ao longo de superfícies bem definidas”.
22. Por sua vez, a cláusula 37.º, sob a epígrafe “coberturas opcionais”, dispõe: “conjuntamente com a Cobertura Base, poderá o âmbito das garantias do contrato ser alargado, mediante convenção expressa nas Condições Particulares e pagamento de um sobreprémio, aos riscos e/ou garantias previstos nas seguintes Condições Especiais: (…) 23. Danos em Muros, Portões, Vedações e Jardins; 24. Bens ao Ar Livre (…)”.
23. A apólice aqui em causa foi contratada sem a subscrição da cobertura Opcional 23. - Danos em Muros, Portões, Vedações e Jardins, constante das Condições Gerais.
24. Da mesma forma, não foi subscrita nem contratada a cobertura opcional “Bens ao ar livre” (cobertura opcional 24).
25. Consta da apólice, quanto à cobertura opcional 24, o seguinte: “Em derrogação do disposto na alínea d) do n.º 4 da Cláusula 40.ª, na alínea e) do n.º 3 da Cláusula 41.ª e na alínea e) do n.º 5 da Cláusula 44.ª das Condições Gerais, o presente Contrato garante os danos causados em bens móveis ao ar livre existentes em jardins, pátios, varandas ou anexos totalmente vedados ou em locais cujo acesso seja comum a várias pessoas, desde que tais bens estejam expressamente discriminados na apólice”.
26. A única cobertura opcional contratada foi a atinente a danos elétricos.
27. A cláusula 52.º das condições gerais prevê a cobertura para remoção de escombros nos seguintes termos: “garante o pagamento das despesas razoavelmente incorridas com a demolição e remoção de escombros provocados pela ocorrência de qualquer sinistro coberto por esta Apólice (…)”.
28. Na Quinta ... existe há 20 anos um muro composto por betão ciclópico, o qual confina com a Estrada Nacional e que limita a Quinta ... daquela estrada.
29. O muro referido em 28. é um muro de delimitação do recinto das instalações industriais instaladas na quinta identificada em 2., o qual tem incorporadas infraestruturas hidráulicas de transporte de azeitonas, água, infraestruturas elétricas, de telecomunicações e de ar comprimido, sendo parte integrante dos edifícios seguros.
30. Em parte do muro, com espessuras variadas entre os dois patamares, existiam drenos de saída de água em diversos pontos do muro.
31. Existe passadiço intermédio no muro de betão ciclópico, de acesso a tubagem de ligação assim como ao túnel existente.
32. O muro derrubado apresenta as características de betão prensado sobre enrocamento de pedras com volumes variáveis e de alguma dimensão.
35. Tal motivou reunião ocorrida na sede da Estradas ..., S.A., em ..., na qual esteve presente o autor e o então Diretor Regional Engenheiro BB, tendo resultado que a Estradas ... iria levar a cabo aquelas intervenções com a reposição do pavimento da zona da estrada adjacente ao muro, e o autor faria a seu cargo a reparação de patologias que se verificavam o muro.
33. O muro tem uma altura variável, mas em média superior a 3 metros, com dois patamares distintos e servindo de suporte à circulação de veículos que se movimentam na estrada nacional existente à cota superior do muro de suporte.
34. Por via daquele muro confinar com a zona da estrada, no ano de 2014, a então denominada Estradas ..., S.A., atualmente Infraestruturas ..., S.A., informou o autor da necessidade de realização de obras de saneamento do material confinante com o muro e a remoção de materiais orgânicos com a reposição do pavimento.
35. Tal motivou reunião ocorrida na sede da Estradas ..., S.A., em ..., na qual esteve presente o autor e o então Diretor Regional Engenheiro BB, tendo resultado que a Estradas ... iria levar a cabo aquelas intervenções com a reposição do pavimento da zona da estrada adjacente ao muro, e o autor faria a seu cargo a reparação de patologias que se verificavam o muro.
36. A reparação do muro foi realizada por dois homens em cerca de quatro horas de trabalho, uma vez que a desconformidade dizia respeito a danos estéticos e não estruturais.
37. Desde aquele ano de 2014 até ao ano de 2020, o referido muro manteve-se intacto.
38. No mês de abril de 2020, ocorreu precipitação em ....
39. Tendo o autor detetado, no dia 21 de abril de 2020, problemas estruturais no muro, concretamente, o aparecimento de pequenas fissuras.
40. Os quais não existiam até àquela data.
41. Antes da data referida em 38., não eram conhecidos defeitos estruturais ao aludido muro.
42. Nunca o muro tinha apresentado sinais de fragilidade, defeitos ou problemas estruturais.
43. De imediato o autor chamou ao local o representante da sociedade EMP02..., Lda., por ter sido esta a empresa que havia construído aquele muro há cerca de 20 anos.
44. Uma vez que aquele muro confina com a Estrada Nacional, o autor comunicou a situação às Infraestruturas ..., E.P.
45. Tal comunicação referia o perigo de derrocada do muro.
46. Tal comunicação referia que “o problema existente, como sabem, há vários anos, agudizou-se com a intensa pluviosidade ocorrida, sendo que, chamado ao local o responsável da construtora EMP02..., Lda., concluiu, após avaliar a situação, ser obrigatório corrigir a breve trecho as anomalias existentes, quer para minimizar o seu custo, quer para evitar danos significativos”.
47. Em 28 de abril de 2020, pelas 07:00 horas da manhã ocorreu a queda daquele muro existente na Quinta ....
48. A aludida queda ocorreu de forma súbita.
49. A queda não foi precedida de qualquer ocorrência que fizesse prever que o muro ia desabar.
50. Tendo causado danos em infraestruturas ali existentes.
51. E provocado danos em vários equipamentos e tubagens da linha de produção.
52. O muro ficou totalmente destruído numa extensão de 14 metros de comprimento no topo, por 17 metros de comprimento na base por 8,20 metros de altura.
53. Imediatamente por baixo daquele muro situavam-se, armazenados sob chapa de cobertura perfilada trapezoidal lacada de cor de telha e chapa de cobertura, vários equipamentos destinados ao embalamento, transporte, transformação de azeitonas e elevação de água e salmoura.
54. Tendo o local em que ocorreu a queda do muro ficado cheio de entulho.
55. A vedação em ferro passadiço existente foi destruída.
56. Os suportes dos tubos de ferro ficaram danificados.
57. A vedação e tubo de inox do passadiço ficou totalmente destruída, bem como os tubos de PVC 110 e 75, tubos de PP e hidronil.
58. O quadro elétrico de controle das electroválvulas ficou destruído.
59. Os cabos elétricos e de telecomunicações ficaram destruídos.
60. A chapa simples do coberto ali existente de 4x1m ficou destruída.
61. Bem como a chapa simples existente num anexo próximo.
62. O quadro elétrico automático (autómato) para controlo da soda ficou destruído.
63. O elevador de azeitona e cestos ficaram destruídos, sem qualquer possibilidade de conserto.
64. O equipamento de tirar penso azeitona foi irremediavelmente danificado.
65. Foram danificadas, sem possibilidade de conserto, cubas de 15000L, 20000L e 1000L.
66. Ficaram danificadas duas bombas elétricas Astral existentes no local.
67. Ficou destruída a máquina serradora de latas automática.
68. Ficaram destruídos dois motores.
69. A transportadora de latas também sofreu danos irreversíveis.
70. Ficaram danificadas as electroválvulas.
71. Uma vez que com a queda do muro abateu uma parte do pavimento estradal, os funcionários do autor chamaram de imediato as autoridades e procederam à limitação da estrada.
72. O autor deu, de imediato, conhecimento à ré de todo o sucedido, tendo procedido ao acionamento do Seguro Multiriscos Empresas identificado em 3.
73. Uma vez que aquele muro confina com a Estrada Nacional, o autor comunicou o ocorrido às Infraestruturas ..., E.P., a qual fez deslocar dois funcionários ao local.
74. Na sequência da participação feita pelo autor, a ré ordenou que fosse levada a cabo vistoria, pela sociedade EMP06..., a qual ocorreu no dia 30 de Abril de 2020, pelas 17:30 horas, e teve como perita interveniente a Dra. CC.
75. A qual determinou a origem/causa do sinistro nos seguintes termos: queda de muro em betão ciclópico danifica muro, infraestruturas e diversos equipamentos.
76. Foi feito um levantamento/apuramento dos danos.
77. Para reparação e reconstrução do muro, o autor obteve junto de EMP02..., Lda., um orçamento no valor de € 47.355,00, com IVA incluído.
78. Para substituição dos equipamentos danificados, o autor obteve junto de EMP02..., Lda., um orçamento no valor de € 158.033,55, com IVA incluído, concretamente:
a. 30 tubos PVC de 125 mm: € 390,60,
b. 60 tubos PVC de 110 mm: € 607,80,
c. 60 tubos PVC de 90 mm: € 503,40,
d. 60 tubos PVC de 75 mm: € 246,00,
e. 30 tubos Hidronil de 3/4: € 64,50,
f. 20 tubos Hidronil de 1/2: € 30,00
g. 30 tubos de ar comprimido de 12 mm: € 750,00,
h. 20 tubos de ar comprimido de 8 mm: € 400,00,
i. 20 tubos de inox 1 por 1/2 mm: € 500,00,
j. 2 torneiras de PVC de 125 mm: € 250,00,
k. 6 torneiras de PVC de 110 mm: € 551,74,
l. 6 torneiras de PVC de 90 mm: € 570,18,
m. 6 torneiras de PVC de 75 mm: € 410,70,
n. 3 torneiras de metal 3/4: € 135,00,
o. 3 torneiras de metal 1/2: € 75,00,
p. Vários acessórios, no valor de € 1.500,00,
q. 3 electroválvulas de 110 mm: € 1.350,00,
r. 3 electroválvulas de 90 mm: € 1.017,00,
s. 2 electroválvulas de 75 mm: € 612,00,
t. 1 electroválvula de 1, 1/2: € 154,00,
u. 3 cubas de fibra de 20.000,00 litros: € 14.258,01,
v. 1 cuba de fibra de 15.000,00 litros: € 3.565,00,
w. 1 cuba de fibra de 2.000,00 litros: € 1.350,00,
x. Elevador de cestas para azeitona de 4,5 metros com tolva 3.000,00 litros, reservatório em inox: € 6.800,00,
y. Reservatório inox de 50 litros, ar comprimido vertical: € 1.548,50,
z. Reservatório inox de 30 litros, ar comprimido vertical: € 1.048,23,
aa. 3 chapas de cobertura perfilada trapezoidal lacada cor telha 4x1 metro: € 300,00,
bb. 2 chapas de cobertura 3x1 metro: € 150,00,
cc. Passadeira em aço inox AISI304 com 6 metros e escada de acesso com guarda: € 3.600,00,
dd. 30 cabos elétricos 4x6 mm3: € 186,60,
ee. 30 cabos elétricos 4x2,5 mm3: € 125,10,
ff. 30 cabos elétricos 3x1,5 mm3: € 101,10,
gg. Quadro elétrico (autómato): € 12.100,00,
hh. Quadro electroválvulas geral: € 1.400,00,
ii. 50 cabos internet: € 150,00,
jj. 50 estribos para cabos: € 600,00,
kk. 50 braçadeiras tubo PVC (parede): € 100,00,
ll. 2 motores tipo piscina (astral) 15 a 20 m3/h, bomba para salmoura Astral 3HP: € 972,00,
mm. 2 motores elevação de água 30KVA: € 17.400,00,
nn. Serradora latas até 3 kg: € 35.000,00,
oo. Tapete metálico de transporte de latas 3 metros, acionamento por duplo motor redutor de 0,75kw: € 2.500,00,
pp. Transporte e montagem: € 15.000,00.
79. Os valores acima constantes do facto provado em 77. e do facto provado em 78., itens a. a f., j. a m., p. a hh., e kk. a oo. mostram-se integrados na gama média de valores de mercado.
80. No que diz respeito aos itens g. a i., n., o., ii. e jj., os valores aí constantes são superiores à gama média de valores de mercado, sendo ajustados os seguintes valores:
g. € 225,00
h. € 100,00
i. € 350,00
n. € 37,50
o. € 30,00
ii. € 75,00
jj. € 400,00
81. Tais orçamentos foram remetidos pelo autor à ré para conhecimento desta e foi requerido o seu pagamento.
82. Em 3 de Julho de 2020, a ré remeteu comunicação ao autor a declinar o pagamento da indemnização devida pelo sinistro, informando que havia concluído os apuramentos necessários à regularização do processo de sinistro em causa, informando, no essencial, que a queda do muro não se trata de um acontecimento súbito e imprevisto, mas antes de uma situação continuada no tempo.
83. O autor tinha um seguro menos abrangente junto de uma outra companhia de seguros e decidiu subscrever o seguro aqui em causa com a ré, o qual alegadamente tinha mais garantias/cobertura em caso de sinistro.
84. O autor, aquando da subscrição do seguro, manifestou junto do mediador a sua pretensão de cobertura de danos em muros.
85. Tendo-lhe sido referido que o contrato em vigor com a ré cobre inequivocamente a remoção de escombros e a reconstrução desse muro de delimitação do recinto das instalações industriais e bem assim os danos ocorridos em equipamentos situados não só no próprio muro, como ainda no logradouro ali existente, sendo ambos parte integrante dos edifícios seguros.
86. Em 8 de Julho de 2020, o autor enviou uma missiva à ré, insurgindo-se contra a posição tomada por esta, alegando, entre o mais, o exposto em 83 a 85.
87. Em 13 de Julho de 2020, a ré remeteu nova comunicação ao autor na qual reiterou o entendimento anteriormente referido.
88. Inconformado com a posição da ré, o autor, em 14 de Julho de 2020, remeteu nova missiva à ré, demonstrando a sua indignação perante aquela.
89. Em 17 de Julho de 2020, a ré enviou nova comunicação ao autor na qual reiterou a sua posição já assumida.
90. Face à recusa da ré em reconstruir o muro e reconstruir as infraestruturas e os equipamentos danificados, o autor teve necessidade de avançar com a contratação de trabalhos, reconstrução do muro, compra de equipamentos e materiais para a reparação urgente e imediata dos danos causados pela queda do muro.
91. Isto porque, por via dos danos sofridos, não era possível escolher azeitona.
92. Como também não era possível levar a água para a produção.
93. O que impedia diariamente a seleção da azeitona e o normal abastecimento de água necessária à oxidação da mesma.
94. O autor receava ainda que, com o Inverno que se aproximava e com as consequentes chuvas que se avizinhavam, existisse um agravamento dos problemas já existentes.
95. Para além disso, o tempo necessário à instauração de ação para peticionar o pagamento da respetiva indemnização, mostrava-se incomportável para a atividade industrial daquele.
96. O autor tinha a necessidade urgente de reparação dos danos.
97. Por tais motivos, o autor decidiu avançar com a reparação do muro, das infraestruturas e substituição de todos os equipamentos danificados mediante os orçamentos que havia obtido.
98. Do que tudo deu conhecimento à ré através de carta que remeteu em 3 de setembro de 2020.
99. A ré acusou a receção da missiva do autor, da qual tomou nota e reiterou, no entanto, o teor das comunicações anteriores.
100. O autor solicitou a execução do muro em betão ciclópico à EMP02..., Lda.
101. Na primeira semana de setembro de 2020, a empresa EMP02..., Lda., iniciou a reconstrução do referido muro, a pedido do autor.
102. Pelo valor de € 47.355,00, de acordo com o orçamento fornecido e referido em 72.)
103. Mas que o autor ainda não liquidou, por entender que tal é responsabilidade da ré.
104. O autor solicitou à EMP02..., Lda., a execução dos trabalhos descritos em 78., alíneas a) a t), y), dd) a jj), oo) e pp).
105. Em setembro de 2020, a EMP02..., Lda., executou todos os referidos trabalhos.
106. Pelo valor de € 43.939,32, acrescido de IVA, de acordo com o orçamento referido.
107. Mas que o autor ainda não liquidou, por entender que tal é responsabilidade da ré.
108. O autor solicitou ainda à EMP02..., Lda., a realização dos trabalhos elencados em 78., alíneas u) a x), z) a cc), kk) a nn).
109. Tais trabalhos ainda vão ser executados.
110. Pelo valor de € 84.543,24, acrescido de IVA, de acordo com o orçamento fornecido.
111. Em 16 de Setembro de 2020, o autor, através do seu mandatário, remeteu nova carta à ré, defendendo a cobertura do ocorrido pelo contrato em causa, solicitando a reparação dos danos ou o reembolso ao autor da quantia necessária para o efeito.
112. Com data de 24.09.2020, recebida a 28.09.2020, a ré respondeu ao autor informando que reanalisou o processo, tendo concluído nos termos já anteriormente comunicados.
113. Devido à queda do muro ficaram destruídos, além do mais, equipamentos que serviam para o embalamento, transporte, transformação de azeitonas e elevação de água e salmoura.
114. O autor viu-se impossibilitado de escolher a azeitona desde 28 de Abril até à primeira semana de Setembro de 2020.
115. Por um período de 134 dias.
116. Devido à destruição do sistema de condução de água, o autor viu-se limitado para levar água à azeitona desde 28 de Abril até à primeira semana de Setembro de 2020.
117. Durante um período de 134 dias.
118. Toda esta situação tem causado, como causa, o autor tristeza e angústia.
119. O autor sente-se enganado e trapaceado.
120. Sente-se frustrado com a atuação da ré.
121. O autor é o gerente da empresa EMP03... -Produtos Alimentares, Lda., que opera no local.
1.2. O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
a) EMP02..., após análise, na sequência do referido em 38. concluiu que poderia haver perigo de derrocada.
b) A queda do muro tem unicamente a ver com a circulação de veículos que ocorre na estrada nacional situada no topo do muro.
c) As passagens das viaturas na estrada nacional pressionaram a estrutura do muro, levando a que o mesmo ficasse mais frágil, abrindo fendas que levaram à sua derrocada.
d) Há poucos anos ocorreram assentamentos do pavimento da estrada nacional tendo sido efetuado uma intervenção de uma empresa de construção civil, onde foi reforçado o pavimento da EN221 com betuminoso.
e) A queda do muro foi fruto de circunstâncias que o autor poderia evitar.
f) Na data da ocorrência e nos dias imediatamente anteriores não se registou precipitação de elevada intensidade, susceptível de, de forma súbita e imprevista, causassem a derrocada do muro.
g) Os prejuízos alegados nos presentes autos enquadram-se em algumas das condicionantes da Apólice, nomeadamente, nas exclusões específicas associadas à cobertura de Inundações, conforme disposto na Clausula 41.º, n.º 3, al. e) e f): 3 - Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3.º e 38.º das presentes Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos desta cobertura quaisquer perdas ou danos ocorridos ou provocados: e) Em mercadorias e/ou outros bens móveis, existentes ao ar livre; f) Em muros, vedações e portões.
h) Nem todos os bens danificados pertenciam ao segurado.
2. Apreciação sobre o objeto do recurso.
2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A ré/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida, nos seguintes termos:
A) a alteração dos pontos 5., 7., 8., e 9., dos factos provados;
B) a alteração dos pontos 39., e 40., dos factos provados; os factos descritos nos pontos 41., e 42., dos factos provados devem transitar para a matéria não provada;
C) a alteração dos pontos 48., e 49., dos factos provados;
D) os factos descritos nos pontos 84., e 85., dos factos provados devem transitar para a matéria não provada.
Tal como resulta do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Neste domínio, e tal como resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objeto de prova.
Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2017[1], «muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito[2].
Daí que a inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[3].
Densificando estes critérios em termos que julgamos adequados, refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-12-2018[4]: «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto».
Assim, «a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.
A proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada»[5].
Deste modo, a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Analisando a fundamentação de facto constante da sentença recorrida, logo se verifica que na concreta formulação vertida pelo Tribunal a quo no âmbito dos pontos 48., e 49., dos factos provados, não estão em causa simples ocorrências objetivas ou eventos materiais e concretos, antes consubstanciando juízos indeterminados, conclusivos e de direito, eventualmente baseados em elementos de facto que não constam da respetiva redação.
Com efeito, o segmento em referência reproduz invocações ou raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo a análise das demais circunstâncias fácticas enunciadas, consubstanciando, por isso, juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir na presente ação: qualificar o(s) evento(s) no âmbito das cláusulas de base de cobertura do risco garantido pelo contrato[6], assumido como evento de natureza fortuita, súbita ou imprevista, sendo que tal natureza terá de resultar de forma objetiva da especificidade factual do evento.
Significa isto que, com tais referências, está a resolver-se, em sede de enunciação de facto, parte essencial das questões de direito colocadas na ação, sendo evidente que tais enunciados não podem integrar a vertente da decisão de facto.
Tal constatação implica que os pontos 48.º, e 49.º, da matéria de facto sejam eliminados do elenco dos factos provados, devendo ser declarados como não escritos, o que se determina.
Pelos mesmos motivos, decide-se rejeitar a impugnação relativa à matéria de facto quanto aos aludidos pontos 48.º, e 49.º, da factualidade provada, uma vez que as alterações propostas pelo apelante configuram também juízos manifestamente conclusivos, não podendo integrar os factos provados.
Assim, só perante ocorrências concretas ou factos objetivos é que poderemos extrair as conclusões que vêm propostas pelo apelante em sede de impugnação da matéria de facto, no sentido de aferir se «a aludida queda não ocorreu de forma súbita e imprevista, sendo que o Autor poderia ter evitado a derrocada, mormente acautelado os prejuízos» e ainda se «a queda foi precedida de ocorrência que fizesse prever que o muro ia desabar».
A impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este Tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª Instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à delimitação do objeto do recurso na vertente de facto e à respetiva fundamentação[7].
Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Quanto ao alcance do regime decorrente do preceito legal antes citado, refere Abrantes Geraldes[8]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente».
Deste modo, «[a] rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação»[9].
No âmbito dos pontos da matéria de facto que alega terem sido incorretamente julgados (cf. a conclusão 4.º das alegações), o apelante faz referência, entre outros factos, às als. a) - EMP02..., após análise, na sequência do referido em 38. concluiu que poderia haver perigo de derrocada - e e) - A queda do muro foi fruto de circunstâncias que o autor poderia evitar - da factualidade não provada.
Porém, independentemente da natureza manifestamente conclusiva e indeterminada da matéria vertida na aludida al. e) - posto que não revela quais as circunstâncias a que se reporta - constata-se que a apelante não especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida em sede de impugnação sobre tais enunciados, sendo que tal omissão torna também inviável a compreensão e a delimitação do correspondente âmbito probatório do recurso, o que impede se considere cumprido os ónus impostos pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º CPC.
O incumprimento dos referidos ónus conduz à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto atinente às als. a) e e) da matéria não provada, conforme expressamente dispõe o n.º 1 do aludido artigo 640.º CPC, o que afasta qualquer possibilidade de vir este Tribunal da Relação a convidar o recorrente a suprir tal deficiência.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto vertida nas als. a) e e) dos factos não provados.
No que concerne à restante matéria impugnada, observa-se que o apelante indica expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os factos impugnados.
Ao longo das alegações de recurso o apelante alude às declarações de parte do autor, em conjunto com diversa documentação junta aos autos, como meios de prova a atender em sede de impugnação de facto, de acordo com extensas passagens das declarações de parte, que identifica e transcreve, mencionando ainda curtos excertos do depoimento da testemunha EMP02..., acompanhados de juízos valorativos a propósito da credibilidade das declarações de parte e da interpretação propugnada pela recorrente em relação às cláusulas de base de cobertura do risco garantido pelo contrato e respetivas exclusões, perante a valoração dos elementos constantes dos documentos apresentados.
Sucede que a rigorosa delimitação do âmbito probatório do recurso não se basta com a mera enunciação dos meios probatórios que sustentem diversa decisão, impondo ainda a indicação das concretas razões da impugnação, com referência a concretos meios probatórios e reportadas a determinadas circunstâncias específicas da matéria de facto impugnada ou a cada concreto facto impugnado e não em termos latos, genéricos e em bloco relativamente a todos os factos impugnados[10] independentemente da sua natureza.
Ainda assim, entendemos que o incumprimento de tais exigências não leva à rejeição liminar da impugnação da matéria de facto no caso em apreciação, ainda que dificulte a tarefa deste Tribunal de recurso na identificação dos fundamentos em que o recorrente se baseia para concluir de forma diferente daquilo que a 1.ª instância decidiu, sobretudo considerando que o Tribunal recorrido motivou de forma exaustiva e detalhada a decisão de facto constante da sentença recorrida.
Neste domínio, a recorrente insurge-se genericamente quanto à convicção do julgador relativamente à credibilidade conferida às declarações de parte do autor.
No caso, não estão em causa factos sujeitos a prova vinculada, nem a apelante invoca o desrespeito de norma reguladora do valor legal dos meios de prova concretamente invocados no recurso, vigorando neste domínio o princípio da livre apreciação das provas quanto aos depoimentos das testemunhas, o mesmo sucedendo quanto às respostas dos peritos, aos documentos apresentados nos autos e às declarações de parte, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 341.º a 396.º do Código Civil (CC).
Como tal, foram por nós revistos e analisados criticamente todos os meios probatórios produzidos em sede de audiência final (o que envolve a globalidade dos depoimentos e declarações nela produzidos), os documentos apresentados pelas partes no processo e o relatório da perícia produzida nos autos, tudo no intuito de evitar conclusões parcelares e descontextualizadas sobre a matéria impugnada e permitir a completa perceção dos factos impugnados, uma vez que a prova deve ser analisada globalmente e de forma crítica.
Tal como resulta da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, os factos agora impugnados e que foram enunciados sob os n.ºs 5., 7., 8., e 9., da matéria de facto provada, resultaram da conjugação da sua admissão por acordo com o teor da apólice de seguro aí mencionada, cujas condições gerais, especiais e particulares foram juntas aos autos, o mesmo sucedendo quanto à correspondente proposta subscrita pelo tomador/proponente, ora recorrido, e validada pela Banco 1....
Neste domínio, nenhum reparo temos a fazer à decisão proferida sobre a matéria de facto que consta dos pontos 5., 7., 8., e 9., dos factos provados, atentos os documentos analisados e que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo, tanto mais que estamos perante factos alegados em sede de petição inicial e que não mereceram oportuna impugnação por parte da ré, ora recorrente, em sede de articulados, sem esquecer as demais circunstâncias fácticas já definitivamente assentes nos autos.
Como tal, improcede a impugnação atinente pontos 5., 7., 8., e 9., dos factos provados dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
Defende a apelante o aditamento aos factos não provados da matéria constante dos pontos 41 - «Antes da data referida em 38., não eram conhecidos defeitos estruturais ao aludido muro» -, 42 - «Nunca o muro tinha apresentado sinais de fragilidade, defeitos ou problemas estruturais» - e que os pontos 39.º e 40.º devem ser alterados, passando a ter as seguintes redações: «39. Tendo o autor detetado, pelo menos em meados de Março de 2020, problemas estruturais no muro, concretamente, o aparecimento de pequenas fissuras na Estrada Nacional» e «40. Os quais sempre existiam até àquela data».
Em primeiro lugar, verificamos que os concretos enunciados fácticos que a apelante pretende agora ver consignados nos impugnados pontos 39., e 40., não foram oportunamente alegados em sede de articulados, sendo certo que em momento algum, anterior à interposição do presente recurso, a ora recorrente manifestou o propósito de deles se aproveitar, assim não integrando os poderes de cognição deste tribunal.
Em segundo lugar, cumpre constatar que os concretos meios de probatórios referenciados pela recorrente como relevantes para a alteração da concreta matéria de facto impugnada foram valorados criticamente pelo Tribunal a quo, em conjunto com os restantes meios de prova produzidos nos autos, visando concretizar as questões de facto suscitadas, tal como resulta, entre o mais, do seguinte segmento da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida:
«(…) O Tribunal estribou ainda a sua convicção nas declarações de parte prestadas pelo autor, cujo discurso se revelou amplamente eloquente, lógico, prático, sério e, por tudo isso, absolutamente convincente. O autor explicou o sinistro, as circunstâncias que o envolveram, descreveu o local onde o mesmo ocorreu e a actividade que no mesmo labora, e reportou-se às infraestruturas e equipamentos ali existentes e que ficaram danificadas em consequência do sinistro. Em consonância com as declarações do autor e de forma convergente entre si e com os elementos objectivos constantes dos autos (entre o mais, com o referido relatório pericial), as testemunhas DD, EMP02..., EE, FF, GG e HH, descreveram, dentro do conhecimento directo que possuem, e de forma objectiva e séria, a factualidade que veio a ser dada como provada. Em suma, a prova assentou em prova pericial, documental e testemunhal, sendo certo que todas as testemunhas ouvidas sustentaram a factualidade dada como provada, sem que tenha sido produzida prova - objectiva e credível - em sentido contrário, tendo as testemunhas arroladas pelo autor revelado isenção (a qual não foi comprometida pelas relações profissionais que as ligam ao autor) e credibilidade e deposto com espontaneidade e segurança. Das declarações de parte do autor e dos depoimentos referidos, resultou, entre o mais, a factualidade descrita sob os n.ºs ..., ...8 (conjugado, como vimos, com o teor do relatório pericial produzido), 37 e 39 a 43, e 114 a 121. Ora, a testemunha EE, que trabalhou mais de trinta anos na Quinta ... (desde a década de 80 até 2019) e ajudou nas obras de construção do muro, de forma muito objectiva e limitando-se a falar sobre o que sabe, questionado se o muro ficou seguro, retorquiu: “fui o que mais vezes andei debaixo daquele muro, 4 ou 5 dias ao dia e sem medo nenhum”. Referiu que apenas apareceu uma “fissurasinha” na estrada, não dando a impressão de que o muro ia cair. Caso contrário, não se aproximaria sequer daquele local, o que fazia todos os dias. Da mesma forma, a testemunha EMP02... explicou que o autor lhe pediu, dia 21 de Abril, para ir ver o muro, tendo constatado a existência de uma fenda. Contudo, nunca cogitou, como ninguém o fez (segundo refere), que o muro fosse alguma vez cair. A testemunha GG, trabalhador do autor na quinta aqui em discussão, igualmente credível, só falando do que sabe e com esforço de objectividade, asseverou que não havia qualquer indício de iminência de queda, não tendo sido detectado por ninguém, designadamente pelos trabalhadores, o que quer que seja que colocasse em causa a segurança do muro. Explicou, aliás, que nessas semanas era o período em que se começa a fazer a selecção de azeitona e, por tal motivo, trabalhavam precisamente no local onde ocorreu a queda. No próprio dia em que aconteceu a queda do muro, estava previsto que laborassem naquele local, pelo que se a queda tivesse ocorrido numa hora mais tardia, verificar-se-ia uma tragédia de proporções gravíssimas. Mais referiu que nunca receberam instruções por parte do autor para não trabalharem perto do muro. Assumindo o autor como pessoa séria e bem-intencionada – natureza que transpareceu das suas declarações de parte -, e não como alguém que não se inquieta perante a possibilidade de perda de vidas humanas, conclui-se, naturalmente, que não previa este acontecimento. Também a testemunha HH, trabalhador da Quinta ... há 31 anos, nunca viu que o muro denotasse problemas, nem se apercebeu de qualquer perigo de queda. Pelo que o Tribunal não ficou com dúvidas quanto à veracidade de tais relatos, convergentes e absolutamente verosímeis. (…)».
Sobre esta matéria, a ora apelante contrapõe que a necessidade de intervenção no local já havia sido reportada aos serviços das Infraestruturas ..., em data anterior à da ocorrência a que se reportam os autos, e durante anos, sendo o próprio autor que reconhece que o estado da Estrada Nacional pode originar o risco de queda do muro, por si contactou aIP, tal como consta da mensagem de correio eletrónico enviada a 22 de abril de 2020 e junta aos autos.
Porém, não vemos que tais circunstâncias permitam justificar a alteração da decisão da matéria de facto vertida nos pontos 39.º a 42.º, no sentido pretendido pela recorrente, porquanto estes pontos da matéria de facto reportam-se de forma direta e exclusiva a eventuais problemas existentes no muro e não a alegadas questões relacionadas com o pavimento da zona da estrada próxima ou adjacente ao muro.
Aliás, em sede de impugnação da matéria de facto, a recorrente não vem impugnar expressamente diversos factos que refletem de forma verosímil e credível a versão apresentada e sustentada pelo apelado em sede de declarações de parte, assim contextualizando o juízo probatório formulado pelo Tribunal a quo a propósito dos factos agora em causa, conforme resulta do enunciado factual vertido nos pontos 34., 35., 36., e 37., dos factos provados, dos quais consta, designadamente, que: por via daquele muro confinar com a zona da estrada, no ano de 2014, a então denominada Estradas ..., S.A., atualmente Infraestruturas ..., S.A., informou o autor da necessidade de realização de obras de saneamento do material confinante com o muro e a remoção de materiais orgânicos com a reposição do pavimento; tal motivou reunião ocorrida na sede da Estradas ..., S.A., em ..., na qual esteve presente o autor e o então Director Regional Engenheiro BB, tendo resultado que a Estradas ... iria levar a cabo aquelas intervenções com a reposição do pavimento da zona da estrada adjacente ao muro, e o autor faria a seu cargo a reparação de patologias que se verificavam o muro.
Ademais, resulta indiscutível que os segmentos fácticos já definitivamente tidos como provados sob os pontos 36 e 37 impedem necessariamente o aditamento à matéria de facto provada de qualquer segmento fáctico que com aqueles se revele contrário ou incompatível, sendo que daqueles já resulta o seguinte: A reparação do muro foi realizada por dois homens em cerca de quatro horas de trabalho, uma vez que a desconformidade dizia respeito a danos estéticos e não estruturais; desde aquele ano de 2014 até ao ano de 2020, o referido muro manteve-se intacto.
Sobre esta matéria, foi analisado integralmente o registo de gravação das declarações de parte do autor/recorrido, AA, constatando-se que este explicou de forma convincente, clara e credível o contexto e sentido da comunicação que fez à Infraestruturas ..., Estradas ... em 22 de abril de 2020 e junta aos autos, a qual foi antecedida por contacto telefónico junto do técnico daquela entidade, II. Esclareceu que quando constatou a existência de pequenas fissuras no muro, que anteriormente não existiam, acompanhadas de fissuras no pavimento da zona da estrada, convenceu-se que tais indícios poderiam estar associados ao problema que supunha ser a causa da intervenção já efetuada pela Estradas ..., em 2014, de acordo com relatório então feito pelo Eng.º DD, e que julgava ser a presença de uma raiz de eucalipto, de tamanho significativo, enterrada na zona da estrada, sob o asfalto, na zona entre o limite da faixa de rodagem e o muro da sua propriedade, numa área sob a jurisdição da Infraestruturas ..., explicando assim o propósito do alerta feito em 22 de abril de 2020 junto desta entidade. No âmbito das suas declarações, o autor foi confrontado com os registos fotográficos da ocorrência de 2014, juntos com o requerimento de 30-11-2023, indicando a localização da raiz em causa. Porém, como também esclareceu em sede de declarações de parte, veio a constatar, após a queda do muro, que a raiz em causa estava intacta, não se verificando a hipótese do apodrecimento do material lenhoso e de tal ser a causa do abatimento do piso.
Todos estes aspetos foram credivelmente corroborados pelo depoimento da testemunha DD, Eng.º Civil, autor dos projetos iniciais da exploração de Azeitona na «Quinta ...» e de obras realizadas na mesma, entre 1998/2002, entre os quais as do muro original. Esta testemunha denotou conhecimento direto e abrangente sobre a matéria em causa, explicando de forma convincente e credível não só a composição e a estrutura do muro original, seus componentes, equipamentos, funcionalidades e parâmetros de segurança, mas também a intervenção que teve na elaboração de um relatório sobre as causas do abatimento ocorrido há cerca de 10 anos na zona da estrada adjacente ao muro, no qual então concluiu que a zona do abatimento coincidia com o local onde a Junta Autónoma das Estradas derrubara vários eucaliptos sem retirar as raízes, o que originou a decomposição de matéria orgânica e a criação de vazios causadores de abatimentos ao nível do pavimento em cima, sendo esta a causa do abatimento. Referiu que na altura, a Junta Autónoma das Estradas assumiu a reparação dessa deformação, pois o muro não tinha qualquer anomalia em termos estruturais, acabando por repor e refazer a estrutura do pavimento após cortar uma parte superficial das raízes, ainda que não tenha retirado as raízes todas. Como - bem - enunciou o Tribunal a quo na motivação da decisão recorrida, «a testemunha DD, engenheiro civil, com o conhecimento directo que tem da quinta aqui em discussão - por ter elaborado projectos e obras na mesma, entre 1998/2002, mais ou menos, sendo certo que o muro foi construído e projectado por si -, e com objectividade e credibilidade, explicou que a fábrica trabalha dos dois lados da estrada: de um lado, os reservatórios e preparação de base, depois havia uma passagem, por baixo da estrada e por entre o muro, para a parte de baixo, onde estava instalada a exploração. O que é apreensível das várias fotografias juntas aos autos».
Ainda quanto à inexistência de outros sinais de fragilidade ou de eventuais defeitos ou problemas do muro em data anterior à referenciada em 39 dos factos provados, as declarações de parte do autor e o depoimento da testemunha DD foram suficientemente sustentados pelos depoimentos das testemunhas EMP02..., EE, FF, GG e HH, que também denotaram conhecimento direto e abrangente sobre esta matéria.
Por último, ainda que no início das suas declarações o autor tenha referido a descoberta de algumas fissuras no muro em meados de março de 2020, constata-se que foi claro em esclarecer que o contacto telefónico mantido com o técnico da Infraestruturas ..., Estradas ... - II - foi estabelecido logo no dia seguinte à descoberta das fissuras, esclarecendo que este pediu para enviar email a formalizar o alerta, o que sucedeu em 22 de abril de 2020, às 11h06m, conforme documento junto aos autos, do qual consta que a comunicação telefónica com o Sr. II ocorreu pelas 09h40m do mesmo dia. Mais se verifica que o autor, ao longo das suas declarações, reiterou por diversas vezes que o muro caiu passados oito dias.
Termos em que esta Relação formula convicção idêntica à que ficou plasmada na decisão recorrida a propósito da matéria vertida nos pontos 39., 40., 41., e 42., dos factos provados, assim improcedendo nesta parte a impugnação apresentada pela recorrente.
O recorrente discorda da decisão relativa aos pontos 84., - «O autor, aquando da subscrição do seguro, manifestou junto do mediador a sua pretensão de cobertura de danos em muros» - e 85., - «Tendo-lhe sido referido que o contrato em vigor com a ré cobre inequivocamente a remoção de escombros e a reconstrução desse muro de delimitação do recinto das instalações industriais e bem assim os danos ocorridos em equipamentos situados não só no próprio muro, como ainda no logradouro ali existente, sendo ambos parte integrante dos edifícios seguros» - dos factos provados, defendendo que os mesmos deveriam ter sido dados como não provados, em face da análise crítica da prova produzida e das declarações de parte do autor.
Da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida decorre que os pontos agora em apreciação foram julgados provados com base nos seguintes elementos: «(…) Quanto à contratação do seguro aqui em discussão, concretamente à factualidade descrita sob os n.ºs ...3 a ...5, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações de parte do autor, o qual, com a credibilidade acima aflorada, foi peremptório e convincente a afirmar que pediu expressamente um seguro abrangente, sem linhas e entrelinhas, e que para tanto não estava em causa o valor. Quando foi celebrado o contrato, ficou a convicção de que tudo estaria incluído, não tendo sido informado das exclusões. A testemunha JJ, bancária que exerce funções no balcão da Banco 1... onde o autor subscreveu o seguro aqui em causa, reportou-se à forma como são contratados os seguros, explicando que as propostas de seguro são elaboradas no balcão e remetidas posteriormente à companhia de seguros. Estranhamente, para quem apresenta seguros a clientes e tem intervenção directa na subscrição dos respectivos contratos, denotou parco conhecimento sobre os trâmites relacionados com os seguros que afirmou apresentar aos clientes. Aliás, referiu que no banco fazem as apólices, ao invés de afirmar que elaboram as propostas, no que teve de ser corrigida pelo ilustre mandatário da ré. Referiu que estava presente aquando da proposta aqui em causa e que, juntamente consigo, estava outro colega. Porém, referiu não ter falado com o autor sobre este seguro. Quanto à sua intervenção, afirmou que se limitou a validar o que estava escrito, a só validar a apólice, que depois vai para a companhia. Instada a explicar o que significa este acto de validar, referiu que significa apenas enviar para a companhia o papel. Questionada sobre quem explicou ao autor as coberturas, capitais, etc., refere não saber. Em suma, esta testemunha, com tiques nervosos, um discurso pobre e aparente desconhecimento do processamento deste tipo de situações, não conseguiu explicar porque é que foi ela quem assinou a proposta considerando que não negociou o contrato com o autor, não deu qualquer informação ao autor sobre os termos do contrato e nunca contactou o autor por causa deste contrato de seguro».
Feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida, partindo da ponderação das declarações de parte do autor sobre esta matéria, não se alcança fundamento probatório suficiente para dar como provados os factos constantes dos impugnados pontos 84., e 85., da matéria de facto provada.
Com efeito, das declarações de parte do autor resulta, no essencial, que tinha um seguro mais barato junto de uma outra companhia de seguros e decidiu subscrever o seguro aqui em causa com a ré numa ótica de cross selling e porque pretendia um seguro mais abrangente, sem linhas e entrelinhas, conforme referiu.
Porém, apesar de ter afirmado genericamente a sua convicção quanto à grande abrangência da cobertura do contrato de seguro em causa e que não foi alertado para as exclusões, nunca disse ter manifestado junto do mediador a sua pretensão de cobertura de danos em muros nem que lhe tenha sido referido que o contrato que celebrou com a ré cobria inequivocamente a remoção de escombros e a reconstrução desse muro de delimitação do recinto das instalações industriais e, bem assim, os danos ocorridos em equipamentos situados não só no próprio muro, como ainda no logradouro ali existente, sendo ambos parte integrante dos edifícios seguros.
Por todo o exposto, atendendo à ponderação crítica das declarações de parte do autor sobre esta matéria, entendemos que da sua análise não decorre um juízo de suficiente probabilidade da verificação dos factos constantes dos impugnados pontos 84., e 85., dos factos provados, pelo que cumpre julgá-los não provados, passando os mesmos a integrar a factualidade não provada.
Procede, assim, ainda que parcialmente, nos termos expostos, a impugnação da matéria de facto apresentada pela recorrente.
2.2. Da reapreciação do mérito da decisão de direito.
Atenta a parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela apelante/ré, os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados em 1.1., supra, com as seguintes alterações:
- Eliminação dos correspondentes pontos 48., e 49., que se consideram “não escritos”;
- Eliminação dos pontos 84., e 85., dos factos provados, que passam a integrar os factos não provados.
Como se vê, o quadro fáctico relevante com vista à subsequente subsunção jurídica é idêntico ao que serviu de base à prolação da sentença recorrida
Cumpre, então, verificar se a solução de direito dada ao caso sub judice é a adequada tendo por base a matéria de facto agora definitivamente dada por assente.
A decisão recorrida começou por enquadrar as questões de natureza jurídica relevantes para o objeto da presente ação, considerando - e bem - que o autor pretende ser ressarcido dos danos que invoca, provenientes dos factos supra, fundando a sua pretensão na responsabilidade contratual da ré, em virtude do contrato de seguro multirriscos que mantém com a ré.
Para a apreciação do objeto da presente apelação importa considerar que, a qualificação do contrato em apreciação nos presentes autos, como contrato de seguro multirriscos empresas, titulado pela apólice ...04, regido pelas condições gerais, especiais e particulares juntas aos autos e vigente no momento do alegado sinistro, por força do qual a ré se obrigou a suportar os riscos emergentes do objeto segurado, não vem posta em causa na presente apelação.
A atividade a segurar foi de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas, tendo como local de risco a quinta identificada em 2, e tendo como coberturas as relativas ao edifício, com o capital seguro de 1.486.150,00€, aos conteúdos (entre os quais, equipamentos e máquinas), com o capital seguro de 310.000,00€, à assistência ao estabelecimento e a danos elétricos, com o capital seguro de 30.000,00€.
Nos termos do contrato, “Designa-se por Cobertura Base do Seguro Facultativo a garantia do ressarcimento, nos termos previstos na Secção seguinte, dos prejuízos em consequência directa de: (…) – inundações (…), - acidentes geológicos (…), - danos por água (…)”, coberturas para as quais foi contratada uma franquia de 10%.
Trata-se, assim, nessa parte, de um típico «seguro de danos», na classificação prevista no Título II do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, o qual tem por objeto uma coisa determinada (artigo 123.º do RJCS).
Como conteúdo típico do referido contrato temos que «o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente»(artigo 1.º do RJCS).
Na base de qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, enquanto realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro.
Tal como decorre do preceituado no artigo 128.º do RJCS, a prestação devida pelo segurador ao abrigo de um contrato de seguro de danos está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro, precisando por seu turno o artigo 130.º, n. º1 do RJCS que, no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro.
Estes preceitos refletem o denominado princípio indemnizatório, nos termos do qual a prestação devida pela seguradora ao abrigo de contrato de seguro de danos está, em regra, limitada pelo valor do dano decorrente do sinistro, sendo este, por seu lado, determinado pelo valor atualizado da coisa segurada e tendo como limite máximo o capital acordado[11]. Porém, como salienta ainda o citado aresto, «[e]mbora vigore no regime do contrato de seguro de danos o princípio indemnizatório (art. 439º do Cód. Com. e art. 128º da LCS), nos termos do qual a Seguradora apenas responde pelo valor do dano realmente causado, tal não afasta a possibilidade de as partes estabelecerem acordo prévio quanto ao valor do bem para esse efeito (valor estimado)».
De forma idêntica, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017 [12]:
«I. No âmbito de uma ação em que se pretenda a indemnização pelos danos resultantes de um sinistro coberto por contrato de seguro, incumbe ao segurado o ónus de provar, além da ocorrência e circunstâncias do sinistro, a consequente perda ou dano dos bens segurados, como factos constitutivos que são do direito invocado, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC e como decorre, de resto, do artigo 100.º, n.º 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04.
II. No domínio do seguro de coisas, o dano a atender é o valor do interesse seguro ou da privação do uso do bem à data do sinistro, dentro dos limites do capital de seguro, nos termos prescritos nos artigos 128.º e 130.º, n.º 1 e 3, do RJCS, salvo quando as partes tenham acordado o próprio valor do interesse seguro atendível (valor acordado), que, neste caso, será o devido, em conformidade com o disposto no artigo 131.º, n.º 1, do mesmo diploma. Por sua vez, à R. seguradora cabe provar os factos excludentes da sua responsabilidade, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do CC».
Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita através de dois vectores complementares: primeiramente, através de cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base”; subsequentemente, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base[13].
Deste modo, «a delimitação do risco no contrato consubstancia-se na configuração de uma factispecies contratual, ou seja, num tipo abstrato de sinistro coberto pelo seguro.
Por sua vez, o sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto no contrato, devendo, pois, reunir as mesmas características com que é ali configurado»[14].
A sentença recorridaveio a entender que, embora não se tendo apurado as circunstâncias concretas do mesmo, o autor logrou demonstrar a existência do sinistro, a verificação de danos e o facto de estes serem consequência direta daquele, concluindo que os danos sofridos pelo autor se encontram cobertos pelo contrato de seguro pelo mesmo celebrado com a ré, no valor de é devida ao autor indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, no valor total de 183.186,32€, enunciando para o efeito, e no essencial, a seguinte fundamentação:
«(…) No caso, ficou demonstrado que ocorreu a queda do muro identificado em 28., existente na quinta identificada em 2., sendo que tal muro é um muro de delimitação do recinto das instalações industriais instaladas na aludida quinta, o qual tem incorporadas infraestruturas hidráulicas de transporte de azeitonas, água, infraestruturas eléctricas, de telecomunicações e de ar comprimido, sendo parte integrante dos edifícios seguros (cfr. factos provados sob os n.ºs 28 e 29). Ora, esta quinta configura o local de risco contratado, sendo que do objecto do seguro fazem parte o logradouro e o prédio urbano com inscrição matricial n.º ...46, melhor identificado em 2., bem como os restantes aí identificados (cfr. facto provado sob o n.º 7). O contrato em causa tem como coberturas as relativas ao edifício, com o capital seguro de € 1.486.150,00, aos conteúdos (entre os quais, equipamentos e máquinas), com o capital seguro de € 310.000,00, à assistência ao estabelecimento e a danos eléctricos, com o capital seguro de € 30.000,00. Sendo que edifício ou fracção, para efeitos da cobertura alusiva a edifício, é o conjunto dos elementos constituintes da construção ou posteriormente incorporados, incluindo benfeitorias, instalações fixas, anexos e garagens (cfr. facto provado sob o n.º 8). Edifício surge definido, no artigo 33.º, alínea b), da apólice, como “o edifício ou fracção de edifício em regime de propriedade horizontal destinado a exploração da actividade mencionada nas condições particulares. As dependências, arrecadações e outras instalações anexas para serventia do estabelecimento seguro e que dele façam parte integrante, os muros, cercas, portões (…)” (cfr. facto provado sob o n.º 9). Daqui se conclui que na própria definição de edifício estipulada na apólice fazem parte os muros, logo, não estão os mesmos excluídos da cobertura contratada, integrando o edifício objecto do seguro em causa. É certo que na apólice surge estipulada a cobertura opcional, não subscrita pelo autor, atinente a danos em muros (cfr. factos provados sob os n.ºs 22 e 23). Igualmente certo é, porém, que, se, como vimos, os muros formam parte integrante do edifício, integrando a própria definição de edifício - estando este abrangido pela cobertura base -, tem de concluir-se que os danos em muros previstos como cobertura opcional têm, por natureza e por maioria de razão, de contemplar danos que extravasem o âmbito já garantido pela cobertura base. Nem poderia ser de outra forma. Pois que não pode a mesma realidade constituir, simultaneamente, cobertura base e cobertura facultativa. A não ser assim, e considerando a morfologia do local de risco em causa - já que a indústria segurada labora maioritariamente naquele local do qual o muro é parte essencial -, ficaria excluída do seguro grande parte da actividade que o contrato se destinava precisamente a prevenir. Pelo que sempre estaríamos perante cláusulas que esvaziariam significativamente o conteúdo do seguro em causa, beneficiando injustificada e desproporcionalmente a posição contratual da seguradora, e, com isso, desvirtuando a finalidade daquele. Ora, o contrato identifica o local do risco (a quinta identificada em 2., conforme provado em 5. e 7.), inclui as coberturas alusivas ao edifício e ao conteúdo (cfr. facto provado sob o n.º 6.), explicita o que deve entender-se por edifício, para efeito da referida cobertura, integrando-se em tal conceito “(…) e outras instalações anexas para serventia do estabelecimento seguro e que dele façam parte integrante, os muros, cercas, portões (…)” (cfr. facto provado sob o n.º 9), bem assim o que deve entender-se abrangido pela cobertura atinente a conteúdos e recheio, reconduzindo-a “ao mobiliário, equipamentos, máquinas, mercadorias, embalagens e todos os demais objectos que sirvam à exploração da actividade segura, desde que existam no estabelecimento seguro e sejam propriedade do segurado, bem assim como as benfeitorias efectuadas a expensas do segurado” (cfr. facto provado sob o n.º 10). O contrato não contém, nas aludidas definições de edifício ou de conteúdo, discriminação pormenorizada e particularizada das concretas partes da Quinta ... (identificada em 2.)que se devem entender abrangidas pelo contrato ou quais os concretos equipamentos e máquinas que se entendam segurados. Antes contém uma definição ampla do objecto do contrato. Não o fazendo, tem de entender-se como sendo abrangida pelo contrato de seguro toda a quinta identificada como local do risco, onde labora a actividade segurada (de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas, como referido em 4.), bem como todos os bens que ali se encontrem e que sirvam tal actividade. Tal é a interpretação que deve fazer-se de harmonia com o preceituado nos artigos 236.º, 237.º e 238.º do CC. Ademais, o contrato em causa está abrangido pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo DL n.º 446/85 de 25 de Outubro, pelo que a interpretação do contrato de seguro tem ainda por base as normas legais aí plasmadas. Ora, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, nos termos do artigo 236.º do CC, interpretaria o contrato como incluindo todo o edifício, aqui considerado como integrando o muro que ruiu. De facto, interpretaria o contrato como tendo o autor pretendido segurar todo o edifício e bens integrantes da quinta onde se encontra instalada a actividade segurada (definida em 4.), e como tendo a ré, face aos termos amplos como os definiu, aceitado a abrangência de tal objecto e local de risco. Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (cfr. artigo 237.º do CC), sendo que, existindo cláusulas contratuais gerais, os casos de dúvida por ambiguidade têm uma regulação especial protectora do aderente, prevendo-se que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente (cfr. artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, do DL nº446/85, de 25 de Outubro). Não havendo dúvidas de que a interpretação acima pugnada conduz a um maior equilíbrio das prestações do contrato em análise. De referir que a exclusão alusiva a bens existentes ao ar livre (cfr. facto provado sob o n.º 20) se reporta a casos em que a cobertura em causa é a referente a danos causados em consequência de a) tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos de pluviómetro, b) rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques e barragens, c) enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais (cfr. facto provado sob o n.º 18). Não resultou demonstrado, contudo, que tal tenha sido a causa do sinistro, pelo que há que reconduzir o mesmo a um acidente geológico. Assim sendo, igualmente não há que aplicar a enunciada exclusão. A qual, de resto, cabia à ré provar. De qualquer das formas, sempre tal exclusão seria de afastar, desde logo, pelo facto de a destruição dos bens existentes na quinta em causa não se tratar de um dano autónomo, sendo antes um dano decorrente da queda do muro. Sendo certo, ainda, que não se trata de um mero muro, como vimos, não se podendo, com propriedade, afirmar que os bens danificados estavam ao ar livre. A apólice em causa garante os danos causados na instalação industrial de que o muro é parte fundamental (cfr. facto provado sob o n.º 29), sendo que os bens danificados estavam instalados em recinto vedado e guardado, sendo que grande parte dos equipamentos danificados pela queda do muro estavam debaixo de telha ou integravam o muro. Ademais, analisada a cobertura opcional 24, parece resultar que apenas estaria excluída a cobertura caso o acesso fosse comum a várias pessoas, o que não é o caso. (…) Em suma, fazendo o muro em crise parte integrante do estabelecimento que labora na quinta que constitui o objecto do contrato de seguro celebrado entre as partes, integra o local de risco coberto pela apólice. Donde, por se tratar do local do risco contratado e uma vez que a queda do muro ocorrida se subsume a um acidente geológico – e, por isso, indubitavelmente coberto pela apólice em análise -, verifica-se a cobertura da apólice. De facto, face à factualidade provada, encontra-se preenchida uma situação qualificável como sinistro, definido como “um caso fortuito ou de força maior de que resultou a parcial ou total realização do risco garantido pelo segurador ou do dano previsto por ambas as partes no respectivo contrato” (cfr. Cunha Gonçalves, in Comentário ao Código Comercial Português, Vol. II, pág. 565). Por outro lado, demonstrou-se a ocorrência de diversos danos, os quais, segundo critérios de normalidade, são decorrência do aludido sinistro traduzido na queda do muro. Inexistindo elementos que permitam afirmar que os danos foram provocados por qualquer outro evento. Assim, os danos sofridos pelo autor forçosamente têm de ser tidos como consequência directa do referido evento (a queda do muro). (…)».
A recorrente discorda do assim decidido, defendendo, em síntese, que sempre o muro e os bens não estavam abrangidos pela cobertura da apólice, pois a mesma foi contratada sem a subscrição da cobertura Opcional 23. - Danos em Muros, Portões, Vedações e Jardins, constante das Condições Gerais - e não foi subscrita nem contratada a cobertura opcional “Bens ao ar livre” (cobertura opcional 24), mais alegando que, atento os factos dados como provados, a queda do muro não faz demandar qualquer cobertura contratual, pelo que, também por esta via, a ação tem de improceder.
Ora, em face dos factos definitivamente assentes, concorda-se com a análise do caso concreto e com a fundamentação vertida na decisão recorrida, no sentido de que o muro em causa integra o estabelecimento que labora na quinta que constitui o objeto do contrato de seguro celebrado entre as partes, integrando o local de risco coberto pela apólice, onde labora a atividade segurada (de preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas), bem como todos os bens que ali se encontrem e que sirvam tal atividade, assim compreendendo o mobiliário, equipamentos, máquinas, mercadorias, embalagens e todos os demais objetos que sirvam à exploração da atividade segura, desde que existam no estabelecimento seguro e sejam propriedade do segurado, bem assim como as benfeitorias efetuadas a expensas do segurado - cf. cláusula 33.ª, als. b) e c) das Condições Gerais e Especiais da apólice -, mas não podemos acompanhar a correspondente subsunção da queda do muro à cobertura base do seguro facultativo que garante o ressarcimento dos prejuízos em consequência direta de acidentes geológicos -cláusulas 36.ª, n.º 1, e 42.ª das Condições Gerais e Especiais da apólice.
Como - bem - considerou a sentença recorrida, dúvidas não subsistem que o muro aludido em 28., dos factos provados, configura mais do que um muro de vedação, tratando-se de um muro de suporte (como referido no relatório pericial junto aos autos), onde, além do mais, se encontravam incorporadas infraestruturas da indústria que no local labora, tendo ficado definitivamente assente nos autos que se trata de um muro de delimitação do recinto das instalações industriais instaladas na quinta identificada em 2., o qual tem incorporadas infraestruturas hidráulicas de transporte de azeitonas, água, infraestruturas elétricas, de telecomunicações e de ar comprimido, sendo parte integrante dos edifícios seguros, existindo passadiço intermédio no muro de betão ciclópico, de acesso a tubagem de ligação assim como ao túnel existente - cf. os pontos 29., e 31., dos factos provados -, pelo que sempre seria de se qualificar tal edificação como elemento constituinte da construçãoou posteriormente incorporado - cf. o ponto 8 dos factos provados - e como instalação anexa para serventia do estabelecimento seguro e que dele faz parte integrante - cf. ponto 9 dos factos provados - para efeitos da cobertura base alusiva a edifício.
Por outro lado, resulta definitivamente assente nos autos que, imediatamente por baixo daquele muro situavam-se, armazenados sob chapa de cobertura perfilada trapezoidal lacada de cor de telha e chapa de cobertura, vários equipamentos destinados ao embalamento, transporte, transformação de azeitonas e elevação de água e salmoura, tendo o local em que ocorreu a queda do muro ficado cheio de entulho, a vedação em ferro passadiço existente foi destruída, os suportes dos tubos de ferro ficaram danificados, a vedação e tubo de inox do passadiço ficou totalmente destruída, bem como os tubos de PVC 110 e 75, tubos de PP e hidronil, o quadro elétrico de controle das electroválvulas ficou destruído, os cabos elétricos e de telecomunicações ficaram destruídos, a chapa simples do coberto ali existente de 4x1m ficou destruída, bem como a chapa simples existente num anexo próximo, o quadro elétrico automático (autómato) para controlo da soda ficou destruído, o elevador de azeitona e cestos ficaram destruídos, sem qualquer possibilidade de conserto, o equipamento de tirar penso azeitona foi irremediavelmente danificado, foram danificadas, sem possibilidade de conserto, cubas de 15000L, 20000L e 1000L, ficaram danificadas duas bombas elétricas Astral existentes no local, ficou destruída a máquina serradora de latas automática, ficaram destruídos dois motores, a transportadora de latas também sofreu danos irreversíveis e ficaram danificadas as electroválvulas, tudo equipamentos que servem à exploração da atividade segura, nos termos e para os efeitos da cobertura base atinente a conteúdos ou recheio - cf. ponto 10 dos factos provados.
Contudo, mesmo entendendo que a concreta facticidade vertida nos pontos 39., 45., 46., e 47., não impede que se qualifique o evento (queda do muro ocorrida em 28 de abril de 2020) como evento de natureza fortuita, súbita ou imprevista, face ao que também resulta de forma objetiva dos factos enunciados em 36., 37., 40., 41., e 42., dos factos provados, importa salientar que, no caso, tal conclusão não dispensa a indiciação dos factos enunciados na cláusula-base de cobertura do risco, pois, como vimos, o sinistro é a ocorrência concreta do risco assim previsto no contrato, devendo, pois, reunir as mesmas características com que é ali configurado.
Analisados os articulados apresentados pelo autor na presente ação, verifica-se que o autor baseou o seu pedido no evento ocorrido no dia 28 de abril de 2020 - queda do muro existente na quinta segurada, em resultado do qual alega ter sofrido vários danos, sendo a ré responsável pela reparação dos mesmos, por força do contrato de seguro que com a mesma celebrou -, mas não identificou qual o risco de onde decorreram os danos alegados, ou seja, não especificou o concreto risco contratualizado donde provieram os danos em que alicerça o seu pedido indemnizatório, sendo que as condições gerais do contrato definem sinistro como a verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato - cf., o ponto 16 dos factos provados.
E, tal como resulta do enunciado em 17., dos factos provados, nos termos do contrato, “Designa-se por Cobertura Base do Seguro Facultativo a garantia do ressarcimento, nos termos previstos na Secção seguinte, dos prejuízos em consequência directa de: (…) – inundações (…), - acidentes geológicos (…), - danos por água (…)”, coberturas para as quais foi contratada uma franquia de 10%.
Ainda assim, a sentença recorrida veio a subsumir a queda do muro ocorrida a um acidente geológico, coberto pela apólice em análise.
Sucede que tal qualificação assenta necessariamente em pressupostos fácticos que não foram alegados e, como tal, não se mostram provados nos autos.
Tal como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 27-06-2019[15], «um fenómeno geológico é um conjunto de ocorrências naturais, sem qualquer intervenção humana, ao nível da estrutura geológica da terra, pelo que os aluimentos, deslizamentos, derrocadas, e afundimentos cobertos pelo contrato devem estar associados à geodinâmica da crosta terrestre».
Como consta do contrato de seguro (para que se remete no ponto 3 dos factos provados), sob a cláusula 42.ª (inserida nas suas condições gerais), com a epígrafe «Acidentes Geológicos», o mesmo “1- Garante a cobertura dos danos sofridos pelos Bens Seguros, sem intervenção directa de acção humana, em consequência dos seguintes fenómenos geológicos: a) Deslizamento: movimento de terras ao longo de uma superfície de rotura bem definida; b) Derrocadas: queda de blocos de rocha, por descompressão do maciço, na sequência da separação dos blocos (rockfall); c) Afundimentos: queda, eminentemente segundo a direcção vertical, de terrenos rochosos, com movimento ao longo de superfícies bem definidas”.
E, nos termos do n.º 2 da mesma cláusula, «Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3.ª e 38.ª das presentes Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos desta cobertura, quaisquer perdas ou danos: a) Resultantes do colapso total ou parcial das Estruturas Seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos; b) Verificados em Edifícios ou outros Bens Seguros, que estejam assentes sobre fundações que contrariem as normas técnicas ou as boas regras de engenharia de execução das mesmas, em função das características dos terrenos e do tipo de construção ou bens envolvidos nesta cobertura; c) Resultantes da deficiência de construção, de projecto, de qualidade de terrenos ou outras características do risco, que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do Segurado, assim como danos em Bens Seguros que estejam sujeitos a acção contínua da erosão das águas, salvo se o Segurado fizer prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos; d) Consequentes de qualquer dos riscos cobertos, que se verifiquem durante a ocorrência de abalos sísmicos ou no decurso das 72 horas seguintes à última manifestação do fenómeno sísmico; e) Sofridos pelos Bens Seguros se, no momento da ocorrência do evento, o edifício já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado das suas fundações, paredes, tectos, algerozes ou telhados; f) Verificados em muros, vedações e portões; g) Verificados em taludes».
Ora, no caso dos autos, não pode atribuir-se a verificada queda do muro a um acidente geológico, visto que o autor não logrou sequer alegar, como lhe competia, que o sinistro dos autos tenha ocorrido em consequência de qualquer dos fenómenos geológicos identificados na referida cláusula 42.ª, n.º 1, das condições gerais da apólice.
Como se viu, incumbe ao segurado o ónus de provar as ocorrências concretas em conformidade com as situações descritas nas cláusulas de cobertura do risco, como factos constitutivos do seu direito de indemnização, em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
Termos em que, não resultando da factualidade provada a ocorrência de qualquer evento suscetível de desencadear a cobertura do risco prevista no contrato de seguro, não se mostra viável imputar à ré/apelante a responsabilidade por quaisquer dos danos sofridos pelo autor em decorrência da queda do muro.
Em consequência, não assiste à apelante/ré a obrigação de indemnizar o recorrido/autor pelos danos reclamados.
Termos em que a pretensão do autor terá que improceder.
Procede, assim, a apelação com a consequente revogação da sentença recorrida.
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação apresentada pela ré, em consequência do que revogam a sentença recorrida, absolvendo a ré/apelante do pedido formulado na ação.
Custas pelo apelado/autor.
Guimarães, 13 de março de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Alcides Rodrigues (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Maria dos Anjos Nogueira (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)
[1] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [2]Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209. [3]Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção; neste sentido, cf., ainda o Ac. do STJ de 01-10-2019 (Relator: Fernando Samões), p. n.º 109/17.1T8ACB.C1. S1 - 1.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [4] Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt. [5]Cf., o Ac. TRL de 12-10-2021 (Relatora: Micaela Sousa), p. 736/21.2T8PDL.L1-7; disponível em www.dgsi.pt. [6]Cf., a título meramente exemplificativo, a cláusula 43.ª, n.º 1, das condições gerais do contrato de seguro multirriscos empresas, a que se reporta o ponto 3 dos factos provados, «Danos por água», da qual consta, entre o mais, que «Garante a cobertura dos danos causados aos Bens Seguros, de carácter súbito ou imprevisto, em consequência directa de (…)». [7] Cf., por todos, o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt. [8]Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 - 5.ª edição -, pgs. 165-166. [9]Cf. Abrantes Geraldes - obra citada - pgs. 168-169 - nota 5. [10] A propósito, cf. por todos, o Ac. TRG, de 10-07-2018 (relatora: Eugénia Cunha), p. 5245/16.9T8GMR-C. G1 disponível em www.dgsi.pt [11]Cf. o Ac. do STJ de 8-06-2017 (relator: Abrantes Geraldes), p. 7087/15.0T8STB.E1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [12] Relator Manuel Tomé Soares Gomes; p. 5232/13.9TBMTS.P1. S1 - 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [13]Cf., o Ac. do STJ de 10-03-2016 (relator: Tomé Gomes), p. 4990/12.2TBCSC.L1. S1, disponível em www.dgsi.pt. [14]Cf., o citado Ac. do STJ de 10-03-2016. [15] Relator Fernando Fernandes Freitas, p. 3142/16.7T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt.