I – O pedido de declaração de nulidade do registo com base na al. b) do art. 16º do CRP – quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado –, formulado em sede de ampliação, não constitui um mero desenvolvimento ou consequência do pedido inicial de cancelamento do registo nos termos do artigo 8º do CRP - por se impugnarem em juízo factos comprovados pelo registo.
II – A contratação em seu nome de serviços de água e eletricidade, aliada à comunicação da sua propriedade junto da Fazenda Nacional para efeitos de pagamento da contribuição autárquica ora IMI, relativamente a dois apartamentos, aliado ao seu uso ainda que só aos fins de semana e férias, ou com residência permanente durante algum tempo, equivale a atos de posse, preenchendo o corpus e o animus.
(Sumário elaborado pela Relatora)
1º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2º Adjunto: Anabela Marques Ferreira
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
AA e mulher, BB e CC, intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra DD, e mulher, EE,
Pedindo que se declare:
A.
I. A propriedade dos Autores sobre a totalidade do imóvel descrito predialmente na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...06, melhor identificado nos artigos 2º., 3º., 17º. E 19º. da P.I.
PARA TANTO, deverão dar-se como provados:
a. A aquisição da propriedade plena sobre a totalidade do prédio pelos Autores, ora por contrato de doação, ora por sucessão mortis causa;
b. Os actos de uso, fruição e disposição dos Autores sobre a totalidade do imóvel.
CUMULATIVAMENTE,
II. Condenar-se o Réu na restituição aos Autores da parcela 1/3 (um terço), descrita pela AP. 1504 de 23/06/2016 de que, indevidamente, se arroga proprietário.
SEM PRESCINDIR,
B.
I. Quando assim não se entenda, e subsidiariamente, reconhecer-se, declarando, a posse –titulada, de boa fé, pacífica e pública – dos Autores sobre a totalidade do imóvel.
II. E, nessa medida, porque exercida há mais de quinze, vinte, trinta ou quarenta anos, reconhecer-se a aquisição da propriedade da totalidade do imóvel por via da usucapião.
III. E sempre sem prescindir, condenar-se o Réu na restituição aos Autores da parcela 1/3 (um terço), descrita pela AP. 1504 de 23/06/2016 de que, indevidamente, se arroga proprietário.
MAIS REQUER,
cumulativamente cOM OS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS A. OU B., C.
Por não corresponder à verdade dos factos, a impugnação judicial do facto registado na AP. 1504 de 23/06/2016, com cancelamento do respetivo registo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 8º. do Código do Registo Predial.
SEM PRESCINDIR,
D.
Caso assim não se entenda, e sempre subsidiariamente, condenar-se o Réu no pagamento aos Autores de uma indemnização por benfeitorias executadas na parcela do imóvel em apreço;
i. Relegando-se para momento ulterior à sentença a quantificação da obrigação de indemnização, nos termos do artigo 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil.
REQUER POR FIM,
E.
Seja ordenada a comunicação da instauração da presente ação à competente Conservatória do Registo Predial, a fim de ser realizado o obrigatório registo, nos termos e com fundamento nos artigos 3º., nº. 1, als. a) e b), 8º.-A, nº. 1, al. b) e 8º.-B, nº. 3, todos do Código do Registo Predial.
Alegando, para tal e em síntese:
os autores são donos do prédio que identificam composto de dez andares suscetíveis de utilização independente e que por escritura de doação de 12/05/1980, adquiriram, em partes iguais, dos seus avós maternos, 1/3 (um terço) da propriedade do referido prédio e que apenas vieram a registar esta aquisição em 06/04/1987, o que fizeram pela a AP. 10 de 06/04/1987;
os remanescentes 2/3 (dois terços) do prédio, que se sempre estiveram omissos, adquiriram os Autores por sucessão hereditária de sua mãe, falecida em 02/03/2008;
não obstante, quando em 07/12/2018, os Autores tentaram registar o remanescente da parte omissa do prédio, verificaram que o Réu havia já registado 1/3 (um terço) a seu favor, razão pela qual, nessa data, os Autores procederam ao registo, a seu favor, do 1/3 (um terço) do prédio que se encontrava ainda omisso.
já desde data muito anterior, há mais de 40 anos, os Autores, por si e respetivos antecessores, vêm ocupando e utilizando a totalidade do prédio, invocando a seu favor a propriedade sobre o prédio por usucapião.
a AP. 1504, de 23/06/2016, referente à aquisição a favor do Réu de 1/3 (um terço) do imóvel encerra em si uma inverdade porque nem o Réu, nem os seus antecessores, goza, ou gozaram, de qualquer direito real sobre aquela parcela do imóvel;
quando não se entenda pela propriedade dos Autores sobre a totalidade do imóvel, seja pela aquisição por contrato e por sucessão mortis causa, seja por via da usucapião –, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona – sempre haverá lugar a indemnização dos Autores pelas benfeitorias que realizaram.
Os Réus apresentam Contestação, concluindo:
a. A exceção dilatória de ilegitimidade passiva ser julgada procedente e, por conseguinte, serem os RR. absolvidos da instância;
b. Ser declarado o exercício ilegítimo e abuso do direito de reivindicação pelos AA.;
c. Os sobreditos pedidos serem declarados improcedentes, por não provados e, em conformidade, serem os RR. absolvidos dos pedidos;
d. Ser conhecida e declarada a posse completa, pacífica e pública há mais de vinte anos dos RR., por si e enquanto posse transmitida pelos antecessores sobre parte (1/3) do imóvel e em consequência declarar a aquisição originária da propriedade na respetiva proporção através da figura da usucapião;
e. Devem os AA. serem condenados no pagamento de quantia não inferior a € 4.000,00 a título de litigantes de má fé.
Os AA. replicaram alegando que, caso se entenda dever proceder a exceção de ilegitimidade na contestação dos RR., sempre deve a mesma ser suprida e concluindo que deve o pedido reconvencional formulado pelos Réus improceder.
Aderindo ao convite que lhe foi dirigido, os autores deduziram incidente de intervenção principal provocada de FF, como associada dos réus, tendo esta deduzido contestação e concluindo que deve:
a. Ser declarado o exercício ilegítimo e abuso do direito de reivindicação pelos AA.;
b. Os sobreditos pedidos serem declarados improcedentes, por não provados e, em conformidade, ser a interveniente R. absolvida dos pedidos;
c. Ser conhecida e declarada a posse completa, pacífica e pública há mais de vinte anos da R., por si e enquanto posse transmitida pelos antecessores sobre um terço, sem determinação de parte ou direito, do imóvel e em consequência declarar a aquisição originária da propriedade, na respetiva proporção, através da figura da usucapião;
Caso assim não se entenda, subsidiariamente,
d. Ser declarada a propriedade horizontal do aludido “Prédio em propriedade total com 10 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, constituído por 4 pisos, de valor patrimonial total € 337.961,58, área total de 502.000 m2, área de implantação do edifício de 303.400 m2, a confrontar de Norte com caminho público, de Sul com Estrada Nacional, Nascente com GG e Poente com Herdeiros de HH”;
e. E em consequência ser conhecida e declarada a posse completa, pacífica e pública há mais de vinte anos da R. interveniente e dos RR., por si e enquanto posse transmitida pelos antecessores sobre as frações autónomas correspondentes ao primeiro A – afeto a habitação, com três divisões –, segundo A – afeto a habitação, com três divisões – e segundo B – afeto a habitação, com três divisões –do imóvel e consequência declarada a aquisição originária da propriedade das três frações através da figura da usucapião;
f. Devem os AA. serem condenados no pagamento à R. interveniente principal de quantia não inferior a € 4.000,00 a título de litigantes de má fé.
Os autores uma vez mais replicaram concluindo que deve o pedido reconvencional formulado pela Ré improceder.
Notificados para o efeito os autores responderam ainda por escrito à exceção de abuso de direito deduzida pelos réus.
Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador a admitir a reconvenção, determinado o objeto do litígio e elencados os temas de prova.
Realizada audiência final, foi proferida Sentença, a julgar a ação e a reconvenção totalmente improcedentes, absolvendo, quer os Réus quer os reconvindos, do pedido.
(…).
1. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, al. c), do CPC
Invocada pelo Apelante a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº1, al. c), do Código de Processo Civil, o juiz a quo, em cumprimento do disposto no artigo 617º do CPC, pronunciou-se sobre a mesma, indeferindo-a:
“Os recorrentes vêm alegar a nulidade da decisão em crise, pelo facto de o Tribunal não ter apreciado o pedido formulado pelos Autores na alínea C) do petitório, com a seguinte redação: “Por não corresponder à verdade dos factos impugnados, a impugnação judicial do facto registado pela AP 1504 de 23/06/2016, com cancelamento do respectivo registo, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Código do Registo Predial”.
Ora decorre claramente da decisão quanto ao pedido dos AA. quanto direito de propriedade, que esta não lhes foi reconhecida. Se a propriedade não lhes foi reconhecida, também o não poderia ser o cancelamento do registo da mesma. Trata-se de questão que ficou, naturalmente, prejudicada pelo referido não reconhecimento, pelo que não haveria que apreciar a mesma.
É isso que resulta literalmente do n.º 2 do artigo 608.º do Código do Processo Civil, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (sublinhado nosso).
“A Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciadas”.
Assim, entendemos que não se verifica a nulidade invocada.”
Concordamos com a posição assumida pelo juiz a quo.
Julgando o tribunal a quo a ação totalmente improcedente, neste juízo de improcedência encontram-se abrangidos todos os pedidos formulados pelos autores, a titulo principal ou subsidiário, pelo que, também o pedido de cancelamento do registo formulado sob a al. C) do peditório, foi tido em consideração pelo tribunal e julgando improcedente.
Tal pedido de cancelamento do registo tem como único fundamento o disposto no artigo 8º do Código de Registo Civil, segundo o qual, “A impugnação de factos registados faz presumir o cancelamento do respetivo registo”, norma esta, que assenta na ideia de que não é admissível a impugnação judicial de factos comprovados pelo registo predial sem que, simultaneamente, se peça o respetivo cancelamento.
A declaração de improcedência do reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre a totalidade do imóvel (na parte em que é incompatível com o registo do direito a 1/3 de tal imóvel a favor dos réus), por não ter logrado a prova dos factos em que fundamenta o seu direito, arrasta automaticamente a improcedência do pedido de cancelamento de registo efetuada ao abrigo do artigo 8º do CRP, sem necessidade de qualquer fundamentação autónoma.
Julgada improcedente a impugnação dos factos alegados pelos autores que se encontravam em contradição com o registo cujo cancelamento é pedido, este pedido tinha necessariamente de improceder.
Não se reconhece, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
A 27/04/2023 (referência citius 8032811), vieram os Autores requerer a ampliação do pedido, pedido a declaração de nulidade da inscrição fundada na AP.1504 de 23/06/2016 ou o seu cancelamento, porque lavrada com base em títulos insuficientes para prova legal do facto registado.
Os Autores baseiam tal faculdade de ampliação do pedido, no disposto no n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, alegando que o pedido formulado constitui uma consequência ou desenvolvimento do pedido de cancelamento do registo efetuado pela AP. 1504 de 23/06/2016 ao abrigo do n.º 1 do artigo 8.º do Código de Registo Predial, formulado sob o ponto C) em sede de petição inicial.
O Tribunal a quo decidiu não admitir a ampliação do pedido, com os seguintes fundamentos:
“(…) a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais;
Alberto dos Reis faz ainda a distinção entre “cumulação” e “ampliação”, para o que se terá de relacionar o pedido e causa de pedir [Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, p. 95]. Assim, “a ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso”.
Do facto inscrito na Conservatória do Registo Predial ... [Ap.1504 de 23/06/2016] resulta a aquisição de um terço por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária figurando como sujeitos ativos: DD, casado com EE, e FF, viúva, respetivamente filho e esposa, e como sujeito passivo o falecido II, pai e marido.
Primitivamente os autores requerem, cumulativamente com os pedidos subsidiários A. OU B., por não corresponder à verdade dos factos, a impugnação judicial do facto registado na AP. 1504 de 23/06/2016, com cancelamento do respetivo registo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 8º. do Código do Registo Predial.
Ora, como bem salientam os réus, desta pretensão não resulta, de todo, o pedido/requerimento de declaração de nulidade ou cancelamento do registo com base em títulos insuficientes para prova legal do facto registado.
Sendo certo que a causa de pedir em que os autores estribaram a sua pretensão radica essencialmente na aquisição da propriedade plena sobre a totalidade do prédio pelos Autores, ora por contrato de doação, ora por sucessão mortis causa e subsidiariamente na posse – titulada, de boa fé, pacífica e pública – dos Autores sobre a totalidade do imóvel, invocando em seu favor o reconhecimento da propriedade da totalidade do imóvel por via da usucapião.
Já a declaração de nulidade do registo agora pedida pelos autores tem por base a insuficiência de título para prova da aquisição, nos termos da alínea b) do art.º 16.º do C. R. Predial.
Decide-se, pelo que fica exposto, não admitir a ampliação do pedido.”
Os Apelantes insurgem-se contra o decidido, com os seguintes fundamentos:
os Recorrentes alegam serem proprietários de todo o imóvel, por o terem adquirido quer por doação quer por transmissão mortis causa e, ainda, que o registo de propriedade de 1/3 sobre o prédio viola o seu direito de propriedade;
e que o mesmo foi efetuado sem título ou direito bastante e suficiente para a prova da titularidade do direito que registaram – cfr, artigo 24.º da petição inicial aperfeiçoada –, de forma manifestamente ilegítima e sem qualquer título aquisitivo – cfr. artigos 59.º a 68.º e artigos 88.º a 101.º da petição inicial aperfeiçoada;
o pedido primitivo formulado na alínea C) do petitório e o pedido formulado no requerimento datado de 27/04/2023 estão diretamente relacionados e visam o mesmo resultado: a eliminação de quaisquer efeitos jurídicos decorrentes da inscrição efetuada pela AP. 1504 de 23/06/2016.
os pedidos fundam-se na titularidade do direito de propriedade dos Recorrentes sobre todo o prédio e na ausência de qualquer direito dos Recorridos;
e baseiam-se ainda na existência de um vício/irregularidade subjacente à referida inscrição: a insuficiência do título para a prova legal do facto registado e a inexistência de qualquer comprovativo da aquisição da propriedade;
a declaração de nulidade da inscrição fundada na AP. 1504 de 23/06/2016 ou o seu cancelamento – assente, entre o mais, na alínea b) do artigo 16.º, no artigo 49.º, n.º 6 do artigo 42.º do Código de Registo Predial – não constitui um pedido independente e assente em factos nunca antes alegados pelos Recorrentes, sendo antes um desenvolvimento e consequência do pedido inicialmente formulado pelos Autores;
os pedidos formulados pelos ora Recorrentes fundam-se nos mesmos factos, sendo que que os documentos remetidos pela Conservatória do Registo Predial apenas tornaram evidente a já alegada invalidade da inscrição a favor dos Recorridos.
Segundo os Apelantes, os autores fazem assentar os seus pedidos iniciais, nomeadamente o formulado sob a al. C):
não só, na alegação de que são os proprietários exclusivos da totalidade do prédio e na ausência de qualquer direito dos requeridos,
mas ainda, no por si alegado nos arts. 24º, 59º a 68ºe 88º a 101º da petição inicial aperfeiçoada, de que o registo foi efetuado sem título ou direito bastante e suficiente para a prova da titularidade do direito que registaram.
Ou seja, os Apelantes reconhecem que os pedidos por si formulados na petição inicial tiveram como único fundamento o seu alegado direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel – por doação, sucessão hereditária, e por usucapião –, realidade esta que se mostra desconforme com o registo de 1/3 indiviso e tal prédio a favor dos réus.
É certo que, aproveitando o convite que lhes foi feito pelo tribunal – para concretizarem os factos que permitam classificar as alegadas benfeitorias como necessárias ou úteis que permitam estabelecer o custo de cada uma delas, o valor que cada uma das despesas acrescentou à coisa e a medida do seu benefício no momento atual –, a os autores apresentaram uma petição inicial corrigida.
Nessa petição corrigida, os autores (extravasando o convite que lhe fora feito), alegam, nos art.s 24º, 59º a 68º e 88º, citados pelos Apelantes, o seguinte:
24º Registo que promoveram sem título ou direito bastante e suficiente para a provada titularidade do direito que registaram.
25.ºPorquanto, nem o Réu, nem o seu pai, alguma vez adquiriram, por qualquer meio, a parte do prédio que aquele registou a seu favor.
26.º Não existe título bastante, nem suficiente, que prove a aquisição da propriedade.
27.º Como não existe direito anterior do autor da herança que pudesse transmitir-se ao Réu.
59º Não obstante, assiste agora à violação do seu direito de propriedade por parte do Réu que, em 23 de Junho de 2016, regista a seu favor - desprovido de qualquer título aquisitivo – 1/3 (um terço) do prédio.
60.º Sem que tenha reclamado de facto dos Autores tal direito, fosse por que meio fosse.
61.º Impedindo, desta forma, os Autores de, em Dezembro de 2018, aquando da morte da ante possuidora (sua mãe), registar a seu favor a parcela de 2/3 (dois terços) que aquela efetivamente possuía.
62.º E que, por sucessão hereditária, pertence agora aos Autores.
63.º Os Autores apenas lograram registar 1/3 (um terço) dessa parcela, uma vez que o restante 1/3 (um terço) já havia sido registado ilegitimamente pelo Réu.
64.º Aproveitando-se da circunstância desta parcela estar omissa na Conservatória do Registo Predial.
65.º Com esta factualidade não podem os Autores conformar-se minimamente.
66.º Com efeito, pretendem exercer o seu direito de sequela sobre aquela porção que o Réu registou a seu favor ilegitimamente, nos termos e para os efeitos do nº. 1 do artigo 1311º. do Código Civil.
67.º Para tanto, requerem seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel.
68.º E, em consequência, lhes seja restituída a propriedade sobre a parcela de 1/3 (um terço) de que o Réu indevidamente se arroga proprietário.
88.º Com o que já ficou demonstrado supra, é notório que a AP. 1504, de 23/06/2016, referente à aquisição a favor do Réu de 1/3 (um terço) do imóvel encerra em si uma inverdade.
Ao contrário do sustentado pelos Apelantes, toda essa alegação se situa dentro da impugnação do registo por discrepância com a realidade, e não por insuficiência de títulos (sendo que, nesta fase, os autores desconheciam ainda com base em que documentos teria sido efetuado o registo de 1/3 do direito de propriedade a favo dos réus).
Como tal, a “ampliação” do pedido formulada por requerimento de 27-04-2024, por reporte ao pedido primitivo formulado na alínea C), baseia-se em factos inteiramente novos, não anteriormente alegados, ou seja, em toda uma nova causa de pedir.
Com efeito, os AA., (após terem sido notificados da junção dos documentos que serviram de base ao registo a que se reporta a AP. 1540), vêm formular pedido de declaração de nulidade do registo por verificação da situação prevista na al. b) do artigo 16º - quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado –, com base nos seguintes factos, inteiramente novos:
o registo em causa foi realizado com base na escritura de habilitação de herdeiros de II e no comprovativo da participação do respetivo óbito às Finanças;
na relação de bens apresentada pela Cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de II, foi indicada, como Verba n.º 1, 1/6 do prédio urbano com o artigo ...36, freguesia ..., quando logrou registar 1/3 do referido prédio.
tal registo foi requerido como se de prédio não descrito se tratasse, não tendo sido cumpridas as formalidades impostas por lei;
a omissão de tais formalidades levaria à sua nulidade ou pelos menos, sempre conduziria à qualificação do registo como provisório por dúvidas, por violação do princípio do trato sucessivo (n.º 2 do artigo 34.º e artigo 70.º CRP);
como a Requerente do registo não estava em condições de remover as dúvidas, por inexistência de título que permitisse a feitura das indispensáveis inscrições intermédias, o registo provisório que fosse lavrado sempre acabaria por caducar nos termos do artigo 11.º do CRP.
O pedido formulado na petição inicial sob a al. C) – cancelamento do registo por não corresponder à verdade dos factos, nos termos do artigo 8º Código de Registo Predial (que impõe o pedido de cancelamento do registo, sempre que se pretenda impugnar os factos certificados pelo mesmo) – encontra-se conexionado com o artigo 13º do CRP, na redação que lhe foi conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04.7:
“Os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado”.
Quanto à nulidade dos registos, encontra-se prevista no artigo 16º do CRP:
O registo é nulo:
a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;
b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte;
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.
O pedido de declaração de nulidade da inscrição fundada na Ap. 1504 de 23/06/2016 – formulado em sede de ampliação do pedido – que os autores fazem na al. b) do artigo 16º, no art. 49º e no nº6 do art. 42º do Código Registo Predial – ao contrário do sustentado pelos apelantes, não só, não assenta nos factos alegados na petição inicial, como nenhuma correlação se encontra entre o pedido ampliado e o pedido primitivo.
Toda a factualidade trazida aos autos na petição inicial (assim como na p.i. aperfeiçoada) assenta, tão só, na alegada desconformidade entre o facto registado (registo da aquisição de 1/3 a favor dos réus), e a realidade – direito de propriedade exclusiva a facto dos autores. Tal discrepância não pressupõe a existência de qualquer um dos vícios a que se reporta o artigo 16º, CRP, gerador de nulidade do registo: essa desconformidade é compatível com um registo assente num título válido e suficiente, assim como, um registo pode ter sido lavrado com base em títulos insuficientes e, ainda assim, o facto registado ser verídico.
Para além de assentar em factos novos, o pedido que agora se formula não é um mero desenvolvimento uma consequência do pedido primitivo.
Para melhor esclarecimento de tais conceitos, socorremo-nos dos ensinamentos de José Lebre de Freitas[1]:
- Um pedido é a consequência de outro quando a sua procedência depende da procedência deste, ainda que a sua causa de pedir seja mais abrangente, quer o seu conteúdo respeite a direitos de diferente natureza, quer a direitos da mesma natureza, tendo neste caso o segundo pedido conteúdo acessório ou complementar do conteúdo do primeiro (de que serão ex., pedida a entrega do prédio, pede-se mais tarde a entrega dos rendimentos por ele produzidos durante a ocupação ilegal; pedida a resolução do contrato-promessa, pede-se depois a devolução do sinal entregue; pedida a anulação da compra e venda, pede-se depois a anulação da respetiva inscrição predial).
- O pedido primitivo é desenvolvido quando, tendo-se feito valer inicialmente parte do direito, se pretende agora fazê-lo valer em outra parte ou na totalidade, sem que a procedência do pedido primitivo implique necessariamente a procedência do acréscimo decorrente do desenvolvimento e mesmo sem que haja entre os dois, fundados ou não, na mesma causa de pedir, uma relação de dependência (por ex., pedido o reconhecimento do direito de propriedade sobre uma parcela do prédio, é depois pedido que o reconhecimento abranja toda a parcela; pedida a indemnização pelo dano consistente em 150 dias de incapacidade total para o trabalho relativamente a um acidente de viação, é depois pedida indemnização pelos danos resultantes da incapacidade permanente de 20% para o trabalho).
Como contributo a tal respeito, temos ainda a afirmado por João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa: “São um desenvolvimento do pedido inicial as situações em que o pedido primitivo se altera em termos quantitativos; (…) são uma consequência do pedido primitivo as situações em que o novo pedido é qualitativamente distinto do pedido inicial. (…) O que é necessário é que o pedido cumulado ou a ampliação sejam desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e que, por conseguinte, tenham essencialmente origem comum, ou seja, causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.[2]”
O pedido por si formulado em sede de ampliação de pedido corresponde a uma ação completamente autónoma quanto ao pedido e à causa de pedir, não se enquadrando na possibilidade de ampliação do pedido a que se reporta o artigo 265º, nº2 do CPC, confirmando-se a decisão recorrida de não admissibilidade da mesma.
Defendem os Apelantes que devem ser dados como provados os seguintes “factos”:
- Facto n.º 25 da Petição Inicial:
Nem o Réu nem o seu pai, alguma vez adquiriram, por qualquer meio, a parte do prédio que aquele registou a seu favor;
- Facto n.º 27.º da Petição Inicial:
Não existe direito anterior do autor da herança que pudesse transmitir-se ao Réu.
Os artigos 25º e 27º da p.i. não passam de afirmações conclusivas, eivadas de conceitos de direito, contendo elas próprias a resposta às questões objeto da ação resultante da subsunção dos factos ao direito, pelo que, a pretensão formulada a tal respeito pelos Apelantes, é de improceder, sem outras considerações.
Na decisão recorrida foi proferido o seguinte julgamento relativamente à matéria de facto apresentada nos autos e que aqui se reproduz, na parte relevante para as questões a decidir em recurso:
Factos Provados
1. Os Autores são únicos filhos e universais herdeiros de JJ e KK, que faleceram respetivamente em 21/07/2004 e 02/03/2008. Cfr.–Assento de nascimento de KK, nº. 10 do ano de 2020, que ora se junta como documento nº. 1.
2. E únicos netos dos avós maternos GG e LL.
(…).
7. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. ...06 um prédio urbano, sito na Avenida ..., ..., da freguesia e concelho ..., distrito ..., com as seguintes composição e confrontações: “Bloco habitacional com rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares – norte, caminho público; sul, estrada nacional; nascente, GG; poente, herdeiros de HH.” - Cfr. descrição predial do prédio ...06, inscrito na Conservatória do Registo Predial ..., que ora se junta como documento nº. 5.
8. Prédio que se encontra atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...81 que teve origem no artigo ...36, correspondendo este, ao anterior ...45 (vigente até 30 de dezembro de 1995).
9. Da sua caderneta predial urbana consta a seguinte descrição: “Prédio em propriedade total com 10 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, constituído por 4 pisos, de valor patrimonial total € 337.961,58, área total de 502.000 m, área de implantação do edifício de 303.400 m, a confrontar de Norte com caminho público, de Sul com Estrada Nacional, Nascente com MM e Poente com Herdeiros de HH,”. - Cfr. - caderneta predial urbana do artigo matricial nº. ...31, que ora se junta como documento nº. 6.
10. Os dez andares ou divisões suscetíveis de utilização independente encontram-se descritos matricialmente do seguinte modo:
- R/C afeto a serviços, com duas divisões;
- 1ºA afeto a habitação, com três divisões;
- 1ºB afeto a habitação, com três divisões;
- 1ºC afeto a habitação, com quatro divisões;
- 2ºA afeto a habitação, com três divisões;
- 2ºB afeto a habitação, com três divisões;
- 2ºC afeto a habitação, com quatro divisões;
- 3ºA afeto a habitação, com duas divisões;
- 3ºB afeto a habitação, com duas divisões;
- 3ºC afeto a habitação, com três divisões.
11. A sua composição física e configuração é a que consta do mapa que aqui se reproduz integralmente e que constitui o documento nº. 5. Cfr. – Mapa que ora se junta como documento nº. 7.
12. Prédio este que originalmente, e com diferente configuração, foi propriedade dos avós maternos dos Autores (GG e LL).
13. Por escritura de doação de 12/05/1980, os Autores adquiriram, em partes iguais, dos seus avós maternos, 1/3 (um terço) da propriedade do referido prédio. - Cfr. Escritura Pública de doação, datada de 12/05/1980, lavrada a fls. 9 verso do Livro nº. ...6-B no Cartório Notarial ..., que ora se junta como documento nº. 8.
14. Reservando os doadores para si o usufruto do referido prédio.
15. Não obstante a celebração da escritura de doação remontar àquela data, os Autores apenas vieram a registar esta aquisição em 06/04/1987, o que fizeram pela a AP. 10 de 06/04/1987.16. KK, mãe dos autores, faleceu em 02/03/2008. - Cfr. Assento de Óbito de KK, n.º 28 do ano de 2008, que ora se junta como documento nº. 9.
17. Quando em 07/12/2018, os Autores tentaram registar o remanescente da parte omissa do prédio, verificaram que o Réu havia já registado 1/3 (um terço) a seu favor.
18. Razão pela qual, nessa data, os Autores procederam ao registo, a seu favor, do 1/3 (um terço) do prédio que se encontrava ainda omisso, junto da supra referida Conservatória.
19. Para o que, foi título bastante e suficiente para legitimar o direito que pretendiam registar a escritura de habilitação de herdeiros da herança da sua mãe.
20. O que fizeram pela AP. ...49 de 07/12/2018.
21. Pela escritura de doação de 18/01/2007, o Autor CC doou ao seu irmão AA, também Autor, 1/6 (um sexto) da propriedade do prédio - AP. ...56, de 24/01/2019. - Cfr. Escritura Pública de doação, datada de 18/01/2007, lavrada a fls. 32 do Livro nº. ...1-E 7 (…).
22. Pela AP. 1504, de 23/06/2016, o Réu registou a seu favor uma aquisição gratuita, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária do seu pai II, de 1/3 (um terço) da propriedade do prédio que, à data, se encontrava omisso.
23. O registo em causa nos autos foi realizado com base na escritura de habilitação de herdeiros de II e no comprovativo da participação do respetivo óbito às Finanças. Cf. Enviado: Segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023 18h07 títulos e restante documentação que serviu de base ao registo a que se reporta a AP. 1504 de 23/06/2016 referente ao prédio descrito sob o número ...06.
24. Na relação de bens apresentada pela Cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de II, foi indicada, como Verba n.º 1, 1/6 do prédio urbano com o artigo ...36, freguesia ....
25. Em 10/12/1975, GG, avô dos Autores, requereu, para o prédio objeto dos presentes autos e junto da Câmara Municipal ..., licença para a construção de um bloco habitacional.
26. Que veio a ser concedida, com validade até 21/03/1976. - Cfr. Alvará de Licença n.º ...34 que ora se junta como documento nº.11.
27. Nesse mesmo ano, construiu, por sua própria determinação e vontade, e suportando integralmente os respetivos custos, o pretendido bloco habitacional.
28. Construção que, ainda hoje, faz parte da composição do prédio.
29. Em 05/06/1976, GG, avô dos Autores, apresentou, para o mesmo prédio e novamente junto da Câmara Municipal ..., um novo requerimento para realização de obras de ampliação, tendo em vista acrescentar-lhe um terceiro piso, até então inexistente.
30. Para tanto, mandou elaborar, suportando os respetivos custos, o projeto de obra que pretendia realizar (e efetivamente realizou), a estimativa do custo, a declaração de responsabilidade e a memória descritiva. - Cfr. Documentos camarários, que ora se juntam como documentos nos. 12,13 e 14.
31. Em 17/09/1976, GG contratou, junto da Câmara Municipal ..., o serviço de fornecimento de água para um apartamento no prédio que acabara de construir. Cfr. Contrato de fornecimento de água que ora se junta como documento nº. 16. Note-se que as requisições para o fornecimento de água não respeitam ao prédio mas sim a apartamentos. Uma dessas requisições é feita pelo II em 2/7/1976.
32. CC pediu empréstimos a II, ora cônjuge da R. e a NN.
33. Todos amigos e conhecidos.
34. NN deu de empréstimo quer dinheiro, quer ouro em barras.
35. Factos que são do pleno conhecimento dos AA.,
36. Os quais reconheceram a dívida de JJ junto do NN.
37. A interveniente e o seu cônjuge, II começaram a passar fins-de-semana nos imóveis, bem como as férias de verão.
38. Não pagando pelo gozo, uso e fruição do imóvel ora frações qualquer renda ou contrapartida a quem quer que fosse.
39. Nem tampouco os AA. e seus antecessores assim o exigiram.
40. A R. e seu cônjuge adquiriram diversos equipamentos domésticos e eletrodomésticos para as duas frações correspondentes ao 1ºA e 2ºA.
41. II procedeu à comunicação da sua propriedade junto da Fazenda Nacional para efeitos de pagamento da contribuição autárquica ora IMI.
42. Contratou exclusivamente em seu nome os serviços de água e eletricidade.
43. A partir 01 de outubro de 1993 e pelo menos até 31 de julho de 1995, o co-Réu DD habitou em comunhão de mesa e habitação juntamente com a sua família, mulher e filho no 2º A.
44. Em 2020 os AA. mudaram as fechaduras de todas as frações.
45. O que fizeram sem o conhecimento, autorização dos RR. tendo sido apresentada queixa a 11.07.2020, pela ora interveniente. FF na qualidade de cabeça de casal da herança de II.
46. O que impede os RR. de àquelas livremente aceder, obstando e tornando impossível, a partir do dia em que as fechaduras foram alteradas.
47. Em 31 de dezembro de 2010 os AA. assinaram em conjunto com NN e os herdeiros de II ora Réus um requerimento dirigido ao Chefe da Repartição de Finanças ... [SF 0779] com o objetivo de retificação de frações de comproprietários com a finalidade de proceder à devida correção de forma a que exista uma justa e correta distribuição tributária.
48. Neste requerimento as partes, incluindo o agora A. AA, à época também titular do sexto doado pelo seu avô ao seu irmão, indicaram que a propriedade do referido imóvel deveria ficar registada nos seguintes termos:
a) A NN, NIF ...91, a titularidade de uma fração – 1.º B (1/10 da totalidade de frações);
b) Herdeiros de II, NIF ...75..., em que é cabeça de casal FF, são titulares de duas frações – 1º A e 2.º A;
c) Os restantes 7/10 são da titularidade de AA – (7/10 da totalidade das frações).
49. No ano de 1976 II requereu a título pessoal o fornecimento de água junto da Câmara Municipal ...:
“REQUISIÇÃO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA
O abaixo assinado, II, morador em ..., requisita à Câmara Municipal ..., o fornecimento de água para um apartamento que possui no referido lugar, num prédio pertencente a GG, declarando aceitar e sujeitar-se ao preço e condições estabelecidos e a estabelecer para o fornecimento e para o aluguer do contador, pelo período de um mês, sucessivamente prorrogável.
..., 2-JUL-1976”,
50. Todas as frações são suscetíveis de utilização independente.
FACTOS NÃO PROVADOS
Da petição inicial:
29º Há mais de 40 anos, os Autores, por si e respetivos antecessores, virem ocupando e utilizando a totalidade do prédio.
38.º Todos os documentos que instruíram as edificações que existem no prédio referem-se ao avô dos Autores como único possuidor, proprietário e dono da obra.
40º que realizou e suportou integralmente.
40.º Em 15/03/1977, requereu o licenciamento de obras de alteração do prédio. - Cfr. Pedido de licenciamento de obras particulares, Processo nº. ...10 que ora se junta como documento nº. 17.
46.º Contratando, exclusivamente em seu nome, serviços de água e eletricidade.
47.º Nele realizando obras de restauro, conservação e de modificação à custa do seu património, conforme bem entendiam.
48.º Celebrando contratos de arrendamento sobre as suas divisões suscetíveis de utilização independente.
49.º Tudo assim, à vista da generalidade das pessoas.
50.º Sem nunca se depararem com oposição de terceiros.
51.º De forma pública, pacífica, continuada e ininterrupta [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico].
52.º Acresce que, desde sempre, foram GG e mulher, a sua única filha KK e os seus respetivos descendentes (aqui Autores) a assumirem as despesas do imóvel, nomeadamente, as despesas de água, eletricidade, gás e, ainda, os impostos sobre a propriedade.
53.º Tanto é que, ainda hoje, é o primeiro Autor quem assume todos esses encargos.
72.º antes dos Autores, já os seus pais e avós vinham atuando por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre a totalidade do imóvel [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico]
73.º Fazendo-o com a intenção de exercer sobre o prédio o direito correspondente ao seu domínio de facto.
76.º À vista de todos.
(…)
79.º Ao longo de mais de quarenta anos.
81.º ter sido o primeiro Autor a assumir, nos anos subsequentes, o pagamento de todas as despesas e encargos relacionadas com o imóvel [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico].
111.º ao longo destes anos, os Autores e os seus antecessores, suportaram integralmente todas
as despesas das obras necessárias de construção, ampliação, manutenção, restauro (urgentes e não urgentes), na totalidade do imóvel, inclusivamente na parcela de imóvel de que o Réu se arroga proprietário [para o caso de se entender que tem algum conteúdo fáctico].
(…).
Das contestações:
10. No exercício da sua atividade comercial de ourives e com vista a suprir quer as necessidades do ofício, quer as necessidades da sua família, que desde meados da década de 70 e durante a década de 80 (1980) a família ... e ..., composta por GG e sua falecida esposa LL ora avós dos AA. … e KK ora progenitores dos AA. financiaram-se pedindo de empréstimo milhares de euros, na altura escudos/contos, a II, ora cônjuge da R. e a NN.
12. II ora cônjuge da R. emprestou unicamente dinheiro…
(…)
18. Aconteceu, porém, que a partir de determinada altura os pais dos AA. deixaram de cumprir com essas suas obrigações.
19. Esta realidade levou o casal ora progenitores dos AA. e GG e sua esposa LL ora avôs dos AA., no ano de 1976, a entregar parte da propriedade do referido imóvel ao cônjuge da R., II, na proporção de um terço, de forma extinguir uma dívida pecuniária existente de um empréstimo de dinheiros.
20. Na verdade e num primeiro momento deram como forma de pagamento da quantia em dívida as frações correspondentes ao 1.º A do primeiro piso e 2.º A do segundo piso.
21. Posteriormente, os progenitores dos AA., em data que não se consegue precisar, mas no final da década de oitenta (1980) e/ou início da década de noventa (1990), certamente anterior a 1993, deram outra parte da propriedade do referido imóvel a II ora cônjuge da R. e a NN, em partes iguais, de forma extinguir uma outra dívida pecuniária existente por empréstimo de dinheiros – oitocentos mil escudos ora oitocentos contos, na moeda atual: € 4.000,00,
22. Cujos credores eram a II e NN, da quantia de quatrocentos mil escudos, atualmente € 2.000,00, cada um.
23. Na verdade, deram como forma de pagamento da quantia em dívida a fração correspondente ao 2.º B do segundo piso.
24. Neste contexto, os pais e os avós dos AA., como forma de pagamento da dívida à Interveniente e a seu marido, e na qualidade de proprietários do imóvel sub judice, deram um terço do referido prédio, sem determinação de parte ou direito, a II e sua esposa FF, ora interveniente, e a NN
26. Desde o ano de 1976 que GG e sua esposa, como a filha destes KK e seu esposo OO ora avós e progenitores dos AA. …deram, para pagamento da dívida que tinham para com ele, um terço da propriedade do imóvel, sem determinação de parte ou direito, a II, ora cônjuge da R..
27. A partir deste momento, 1976 foi entregue parte do imóvel na proporção de um terço a DD ora cônjuge da R. para extinção da obrigação de pagamento da dívida.
31. ao cônjuge da R., II, foram entregues pelos avós e pelos pais dos AA. as chaves das frações que correspondem aos andares 1.º A e 2.º A do primeiro e segundo piso, tendo a partir do ano de 1976 começado a deslocar-se com a sua família e amigos e de forma regular às aludidas frações.
32. Relativamente à fração correspondente ao 2.º B do segundo piso, a posse deste bem foi transmitida ao cônjuge da R., II, e NN com a entrega das chaves, que ocorreu em momento anterior ao ano de 1993.
33. Os avós e progenitores dos AA. entregaram há mais de 15, 20, 30 anos as chaves de três apartamentos do imóvel (1.º A, 2.ª A e 2.º B) ao cônjuge da R., II, e NN.
34. Neste contexto e como forma de pagamento e extinção da dívida a II foram entregues as chaves do 1.º A e 2.º A do primeiro e segundo piso.
35. Quanto ao 2.º B do segundo piso os progenitores dos AA., em data anterior ao ano de 1993, e como forma de pagamento e extinção de uma dívida comum a II e NN entregaram a estes as respetivas chaves.
36. …começaram a usar-se do imóvel logo no ano de 1976, aí se deslocando e permanecendo.
37. Apresentando-se a todos os vizinhos, inquilinos e transeuntes como proprietários
40. Mais, logo no ano de 1976 e desde então até à presente data…a saber: Fogão (…)
43. Começou a pernoitar com a sua esposa, ora R., e o seu filho DD, co-Réu, nas frações que correspondem aos andares 1.º A e 2.º A do primeiro e segundo piso.
46. II permitiu que o seu filho DD ora co-Réu fosse para lá viver com a sua família [esposa ora co-Ré EE e filho II]
49. Enquanto a R. e seu falecido esposo II habitaram durante o mesmo período, de outubro de 1993 até julho de 1995, em comunhão de mesa e habitação outra das frações autónomas que compõem o prédio, mais concretamente o 1º A.
50. E fizeram-no com conhecimento público, inclusivamente dos AA. e sem qualquer oposição por parte de quem quer que fosse, nomeadamente dos AA. e dos seus antecessores, durante o referido período.
51. De forma pacífica, pública, continuada e ininterrupta.
57. Porquanto, desde há largos anos que a R. e II ora falecido cônjuge da R. e atualmente o filho ora co-Réu, assumem na respetiva proporção as despesas de água, eletricidade, gás e, ainda, os impostos sobre a propriedade, liquidando para o efeito as contas mensais e o respetivo imposto municipal sobre imóveis,
58. Como também realizaram nas frações sob a sua posse diversas benfeitorias, úteis e necessárias, ao remodelar, reconstruir e requalificar as aludidas frações, com mudança e reparação de estores, realização de pinturas, reparação e substituição de canalização e esgotos.
71. … conviviam permanentemente com os pais dos AA. e com os AA., e todos demonstravam a aceitação plena da realidade fáctica descrita, sem qualquer conduta exteriorizada de oposição
76. os AA. sabiam e aceitaram durante mais de trinta anos, sem qualquer tipo de oposição, que tanto II, como osteriormente os seus herdeiros ora réus como NN eram em comunhão plenos possuidores e proprietários de parte do imóvel,
77. … eram possuidores legítimos das frações autónomas correspondentes ao 1º A, 2º A e 2º B do prédio urbano em propriedade vertical objeto dos presentes autos,
87. Os RR. mudaram as fechaduras dos dois andares,
88. E que usam para dormir,
89. tomar refeições,
90. receber e passar férias com amigos da família.
91. Pagam os respetivos tributos fiscais.
92. Suportam igualmente o pagamento dos respetivos consumos de água e eletricidade.
93. E ainda realizaram ao longo das últimas três décadas inúmeras benfeitorias de manutenção e reparação,
94. com reparação de estores, fechaduras, realização de pinturas, substituição de canalização e esgotos nas referidas frações,
95. O que foi suportado pelos RR. e o falecido II,
97. Sem qualquer oposição quer dos avós dos AA., quer dos pais dos AA., quer dos próprios AA..
98. Desde a década de setenta (1970) que os AA. reconhecem a posse dos RR. e seu antecessor e cônjuge da R. e no ano de 2010 expressamente reconheceram a compropriedade sobre o bem imóvel com os demais (NN e herdeiros de II), tanto assim foi que toleravam, permitiam a ação de proprietários dos demais sobre as frações ao longo de décadas,
99. Mais, peticionaram, em conjunto, ao Chefe da Repartição de Finanças do bem imóvel a alteração das áreas para efeitos de repartição do tributo à fazenda nacional.
104. Criando nos RR. e nos antecessores destes a convicção que a situação jurídico-real sobre o bem imóvel em vigor entre as partes não apresentava qualquer tipo de querela.
106. Manifestaram sempre de forma expressa, pública e inequívoca a existência de uma compropriedade pacífica quer quanto aos RR., quer quanto aos seus antecessores, em relação ao prédio objeto dos presentes autos.
135. tanto os AA. como os RR., bem os seus respetivos antecessores, vêm agindo em comunhão como proprietários do imóvel, o que fazem, ininterruptamente e em conjunto, há mais de quinze, vinte e vinte e cinco anos.
(…).
O tribunal recorrido, veio a julgar a ação totalmente improcedente, quanto às pretensões dos autores ao reconhecimento da propriedade dos autores sobre a totalidade do imóvel, com fundamento em que os autores não demonstraram os requisitos necessários para a aquisição por usucapião relativamente à totalidade da edificação.
Insurgem-se os Apelantes contra o decidido, com a seguinte argumentação:
ficou provado que o avô dos Recorrentes – GG – foi proprietário da totalidade do prédio objeto dos presentes autos, tendo sido o mesmo quem requereu junto da Câmara Municipal ... a licença para a sua construção e suportou todos os encargos – vide artigos 25.º e 27.º da petição inicial dados como provados na douta Sentença recorrida;
foi ainda provado que os pais dos Recorrentes eram os únicos herdeiros de GG e que os Recorrentes são os únicos herdeiros dos seus pais;
não se provou que II tenha recebido parte do prédio por doação ou mediante dação em cumprimento;
nem que os Recorridos, ou os seus pais, tenham sido possuidores do imóvel e praticado sobre os mesmos atos correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
os factos que a douta Sentença considerou apenas permitem concluir – de forma clara e inequívoca – que:
1) o avô dos Recorrentes (GG) foi proprietário da totalidade do imóvel;
2) o avô dos Recorrentes exerceu uma posse titulada, pública, originária e de boa-fé (cfr. artigo 1261.º do Código Civil).
os pais dos Recorrentes sucederam na posse de GG e os Recorrentes na posse dos seus pais;
posse que foi sendo adquirida, por sucessão mortis causa, com os mesmos caracteres da posse originária, sendo que a transferência da posse de opera por mero efeito da lei (art. 1255º do CC);
sucessão na posse dá-se ipso facto, com a morte, independentemente quer da apreensão efetiva do herdeiro, quer mesmo do seu conhecimento;
sendo os autores possuidores da totalidade do prédio, gozando os autores da presunção de propriedade, posse essa (posse do avô) que, sendo anterior ao registo efetuado pelos recorridos, prevalece sobre a presunção derivada do registo, nos termos do artigo 1268.º do Código Civil.
Não é de dar razão aos Apelantes, como passamos a explicar.
É certo que na sucessão, a transmissão da posse ao sucessor não necessita de qualquer tradição ou entrega, não dependendo da apreensão material da coisa e ocorrendo por força da lei, pela mera verificação do facto relevante, ou seja da morte do possuidor[3] (artigo 1255º do Código Civil).
Sendo esta posse contínua, a posse que continua nos sucessores é a posse do falecido, nos seus exatos termos:
- o início da posse do sucessor coincide com a aquisição da posse pelo de cuius;
- os carateres da posse do sucessor manter-se-ão idênticos aos da posse do possuidor (titulada ou não titulada, de boa-fé ou de má-fé; pacífica ou violenta, pública ou oculta), assim como a extensão do objeto possuído.
Mais teremos em consideração que, se o possuidor atual possuiu em tempo mais remoto, se presume que possui igualmente no tempo intermédio (artigo 1254º CC). Ou seja, a posse atual e a posse anterior, fazem presumir a posse intermédia[4].
Vejamos, assim, que posse foi sendo exercida por PP (avô dos autores) e pelos seus sucessores (pais dos autores) ao longo dos anos (tendo os pais dos autores falecido, respetivamente, a 22.04.2004 e 02.03.2008), e que terá continuado nos autores:
o prédio em questão, originalmente, e com diferente configuração, foi propriedade dos avós maternos dos Autores, GG e LL;
em 10/12/1975, GG, avô dos Autores, requereu, para o prédio objeto dos presentes autos e junto da Câmara Municipal ..., licença para a construção de um bloco habitacional;
no ano de 1976, o GG construiu, por sua própria determinação e vontade, e suportando integralmente os respetivos custos, o pretendido bloco habitacional;
em 05/06/1976, GG, apresentou, para o mesmo prédio e novamente junto da Câmara Municipal ..., um novo requerimento para realização de obras de ampliação, tendo em vista acrescentar-lhe um terceiro piso, até então inexistente;
para tanto, mandou elaborar, suportando os respetivos custos, o projeto de obra que pretendia realizar (e efetivamente realizou), a estimativa do custo, a declaração de responsabilidade e a memória descritiva. - Cfr. Documentos camarários, que ora se juntam como documentos nos. 12,13 e 14.
em 17/09/1976, GG contratou, junto da Câmara Municipal ..., o serviço de fornecimento de água para um apartamento no prédio que acabara de construir, cujas requisições não respeitam ao prédio, mas sim a apartamentos;
uma dessas requisições é feita a título pessoal pelo II em 2/7/1976; II
“REQUISIÇÃO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA
O abaixo assinado, II, morador em ..., requisita à Câmara Municipal ..., o fornecimento de água para um apartamento que possui no referido lugar, num prédio pertencente a GG, declarando aceitar e sujeitar-se ao preço e condições estabelecidos e a estabelecer para o fornecimento e para o aluguer do contador, pelo período de um mês, sucessivamente prorrogável”,
a interveniente e o seu cônjuge, II começaram a passar fins-de-semana nos imóveis, bem como as férias de verão.
não pagando pelo gozo, uso e fruição do imóvel, ora frações, qualquer renda ou contrapartida a quem quer que fosse.
nem tampouco os AA. e seus antecessores assim o exigiram.
a R. e seu cônjuge adquiriram diversos equipamentos domésticos e eletrodomésticos para as duas frações correspondentes ao 1ºA e 2ºA;
II procedeu à comunicação da sua propriedade junto da Fazenda Nacional para efeitos de pagamento da contribuição autárquica ora IMI.
contratou exclusivamente em seu nome os serviços de água e eletricidade.
a partir 01 de outubro de 1993 e pelo menos até 31 de julho de 1995, o co-Réu DD habitou em comunhão de mesa e habitação juntamente com a sua família, mulher e filho no 2º A.
Ao contrário do defendido pelos Apelantes, destes factos não podemos retirar que a posse exercida pelo GG e mulher (na qualidade de comproprietários, face à doação de 1/3 aos aqui autores em 1980), continuada após a sua morte, pelos pais dos autores, até à morte destes (em 2004 e 2008), abranja a totalidade do prédio.
Com efeito, foi dado como provado nos atos a prática de uma série de atos por parte do II, que correspondem a poderes de facto sobre, pelo menos dois apartamentos, atos dos quais se extrai o animus de proprietário, sendo indiferente para a questão que não tenha sido dada como provada a concreta utilização ou finalidade dada a tais apartamentos durante todos estes anos.
Embora tenha sido o GG (avô dos autores) quem, no ano de 1976, construiu, num prédio que era do casal, um edifício constituído por 10 apartamentos, mediante licença de construção requerida em seu nome, tendo sido ele quem custeou tais construções, o primeiro ato praticado pelo II surge ainda nesse ano de 1976.
Com efeito, tendo sido efetuados pedidos de fornecimento de água para alguns dos apartamentos de tal imóvel, um em nome do avô dos autores e dois em nome do pai dos autores, o primeiro deles foi formulado a 01-07-1976, por II que contratou junto da CMM o serviço de fornecimento de água “para um apartamento que possui no referido lugar, num prédio pertencente a GG”.
E sabemos que, a partir daí, o II e a mulher e depois o seu filho, ocuparam dois apartamentos, aí instalando eletrodomésticos, contratando os serviços de água e luz, passando fins de semana e férias num deles, e tendo o filho e a sua mulher chegado a viver no outro durante alguns anos (pelo menos entre 1993 e 1995).
Mais sabemos que nada ter sido exigido ao II e descendentes pela ocupação e uso de tais frações. E, se tais atos eram compatíveis com uma situação de mera tolerância do construtor do edifício, o facto de os II ter procedido à comunicação da sua propriedade junto da Fazenda Nacional para efeitos de pagamento da contribuição autárquica ora IMI, diz-nos que tal posse era exercida com animus domini.
De tais atos se extrai o exercício de poderes de facto com a intenção de se agir como beneficiário de um direito de propriedade.
Tal solução é ainda confirmada pelo nº2 do artigo 1252º do CC, que nos diz que, em caso de dúvida, “presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto”.
Era esta a situação à data do falecimento dos avós e dos pais dos autores, em que sobre dois dos apartamentos a posse era exercida pelo falecido II e esposa (e herdeiros), pelo que, não podemos concluir que a posse que continuou nos autores abrangesse a totalidade do prédio, como seus exclusivos (com)proprietários, com exclusão dos réus.
E assim terá continuado, após a morte dos pais dos autores, uma vez que tal situação, foi expressamente reconhecida pelos mesmos, nos seguintes termos:
“47. Em 31 de dezembro de 2010 os AA. assinaram em conjunto com NN e os herdeiros de II ora Réus um requerimento dirigido ao Chefe da Repartição de Finanças ... [SF 0779] com o objetivo de retificação de frações de comproprietários com a finalidade de proceder à devida correção de forma a que exista uma justa e correta distribuição tributária.
48. Neste requerimento as partes, incluindo o agora A. AA, à época também titular do sexto doado pelo seu avô ao seu irmão, indicaram que a propriedade do referido imóvel deveria ficar registada nos seguintes termos:
a) A NN, NIF ...91, a titularidade de uma fração – 1.º B (1/10 da totalidade de frações);
b) Herdeiros de II, NIF ...75..., em que é cabeça de casal FF, são titulares de duas frações – 1º A e 2.º A;
c) Os restantes 7/10 são da titularidade de AA – (7/10 da totalidade das frações).
Provada a posse atual (daí a necessidade que os autores tiveram de mudar as fechaduras, para recuperar as frações, pedindo nos autos que se declare a restituição de 1/3 de que os réus se arrogam titulares), bem como a posse anterior, presume-se a posse intermédia (nos termos do art. 1254º CC), ou seja, que continuaram a ter tais frações em seu poder até os autores terem procedido à mudança das fechaduras de todas as frações em 2020, dias antes da propositura da presente ação, facto contra o qual os réus se insurgiram.
Tal posse é incompatível com a posição dos autores de que são eles os (com)proprietários exclusivos da totalidade do prédio, caindo por terra a argumentação dos Apelantes de que beneficiam da presunção de propriedade, decorrente da posse exercida por si e antepossuidores, sobre a totalidade do prédio.
Os Apelantes vêm, nas suas alegações de recurso, e ao abrigo do artigo 6º, nº 7 do Regulamento da Custas Processuais, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça, com a seguinte alegação:
a causa não reveste de especial complexidade, pois trata-se de uma mera ação de reivindicação, não foram discutidas questões técnicas, os articulados são curtos, os meios de prova não foram morosos nem implicaram especiais conhecimentos técnicos, e a análise dos meios de prova também não é complexa;
a aplicação automática ou mecânica da regra de que nas causas de valor superior a 275.000.00 € é devida 3 UC por cada 25.000,00 € ou fração para além daquele valor imporia às partes a necessidade de suportar esse remanescente, afigurando-se desproporcionada a contraprestação específica que nos presentes autos lhe coube.
A parte contrária nada disse quanto a tal pedido.
Da argumentação expendida pelos Apelantes na fundamentação de tal pedido, extrai-se que os Apelantes pretendem que este tribunal se pronuncie sobre a dispensa, na ação e no recurso, de pagamento da taxa de justiça remanescente a que haja lugar nos termos do nº7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
Determina o nº7 do artigo 6º do RCC (aditado pela Lei nº7/2012, de 13 de fevereiro), que “Nas causas de valor superior a 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento”.
Em todos os processos autónomos são devidas custas, considerando-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria (artigos 1º e 2º do RCP).
Tendo a presente ação o valor de 337.961, 58 €, e não tendo sido requerida por nenhuma das partes na 1ª instância, na decisão recorrida nada consta quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Podendo tal dispensa ser decretada oficiosamente, a omissão de pronúncia, a sentença, parte do juiz, pode ser objeto de impugnação por meio de pedido de reforma quanto a custas (artigo 616º, nº1 do CPC) ou, havendo lugar a recurso de tal decisão, nas respetivas alegações (artigo 616º, nº1, CPC)[5].
Assim sendo, passamos a apreciar se se encontram preenchidos os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na ação principal e no recurso.
Para a tomada de tal decisão, o nº7 do artigo 6º aponta dois critérios que se hão de ter por verificados cumulativamente: i) um de natureza objetiva (a complexidade da causa) e outro de natureza subjetiva (conduta processual das partes).
Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, o artigo 530º, nº7 do CPC, considera de especial complexidade as ações que:
a) contenham articulados ou alegações prolixas;
b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) impliquem a audição de um elevado numero de testemunhas, a análise de mos de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Começando pela complexidade da causa e do recurso, constata-se que o respetivo (e elevado) valor acaba por não tem correspondência nas exigências que coloca ao tribunal, seja pelo grau de dificuldade ou ao tempo que exigiu ao tribunal. Quanto à natureza das matérias que envolve, temos uma comum ação de reivindicação e respetivo pedido de cancelamento do registo, ainda que, com uma ampliação de pedido, que não foi admitida; quanto aos articulados da ação e as alegações de recurso, não se afiguram extensos, nem neles são levantadas questões de especial complexidade, sendo de fácil leitura e compreensão; como meios de prova, apenas foi produzida prova testemunhal e documental.
Quanto ao comportamento processual das partes, não há nada de negativo a salientar.
Assim sendo, tendo em conta que cada uma das partes já pagou, a título de taxa de justiça na ação, a quantia de 1.632,00 €, mais 816 € de taxa de justiça na instância de recurso (correspondentes ao valor de 275.000 €), e que o remanescente da taxa de justiça implicaria ainda o pagamento de mais 3 UCs por cada 25.000 € ou fração, na ação, e de mais 1,5 UCs por cada 25.000 € ou fração, no recurso, consideramos que qualquer pagamento adicional se afiguraria desproporcional e sem correspondência com os serviços prestados pelo tribunal e usufruídos pelas partes.
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação parcialmente improcedente:
- confirmando-se a decisão recorrida,
- determinando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na ação e no recurso, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº7, do RCP.
Custas da Apelação a suportar pelos Apelantes.
Notifique.
Coimbra, 11 de março de 2025
V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).
[1] “Ampliação do pedido em consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo”, in “Novos Estudos sobre Direito Civil e Processual Civil”, GESLEGAL, pp. 112-113.
[2] “Manual de Processo Civil”, Vol. I, AAFDL Editora, pp. 462-463.
[3] Armando Triunfante, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, nota I. ao artigo 1255º, p. 31.
[4] Armando Triunfante, obra citada, nota III ao artigo 1254º, p. 30.
[5] Cfr., a tal respeito, Acórdão UJ nº 1/2022, de 03 de janeiro, relatado por Fernando Batista de Oliveira, que estabeleceu a seguinte uniformização: "A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo", disponível in , https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/1-2022-176907543