CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL COM PRAZO CERTO
RENOVAÇÃO
NORMA SUPLETIVA
PRAZO MÍNIMO PERMITIDO
Sumário

O artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, é uma norma supletiva, pelo que, nos termos da liberdade contratual prevista no artigo 405º, n.º 1 do mesmo diploma legal, é válida a estipulação pelas partes, constante do contrato de arrendamento celebrado, de acordo com a qual, após o decurso do prazo inicial de um ano, o arrendamento se renovará por iguais e sucessivos períodos de um ano, sem prejuízo de o prazo mínimo garantido da vigência do contrato ser de três anos a contar da data da sua celebração, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 1097º do Código Civil. O legislador ao salvaguardar a “estipulação em contrário”, permitiu às partes convencionar prazos de renovação distintos do prazo mínimo de 3 anos indicado no artigo 1096º do CC para a renovação contratual.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

AA, solteira, maior, contribuinte n.º ...05, residente na Rua... – ... ..., instaurou Acção Declarativa de Condenação contra, BB, NIF ...98..., residente na Rua ..., ..., ..., ... ...,

Pedindo:

1) Declarar válida e eficaz a oposição, deduzida pela Autora em 05 de abril de 2022, à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré relativamente ao imóvel acima identificado no artigo 1º desta p.i., nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 1097º do Código Civil.

2) Declarar extinto o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré em 26-11-2019, relativamente ao imóvel acima identificado no artigo 1º desta p.i., com efeitos a partir de 26-11-2023.

3) Condenar a Ré a entregar à Autora o locado identificado no artigo 1º desta p.i., livre de pessoas e bens.

4) Condenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização pelo uso do locado, equivalente ao dobro da renda mensal, no valor 750,00 € por cada mês vencido desde a data da extinção do contrato de arrendamento até à data em que a Ré proceda à entrega efetiva do locado à Autora, livre de pessoas e bens e que se liquida atualmente na quantia de 2.250,00 €.

5) Condenar a Ré nas custas e procuradoria condigna.

Alega:

O locado encontra-se na sua detenção, por acordo de comodato com a proprietária, pelo período de 10 anos. Na qualidade de senhoria outorgou com a Ré, em 26 de Novembro de 2019, contrato de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de 1 ano, com início no dia 26 de Novembro de 2019 e termo a 25 de Novembro de 2020. No dia 5/4/2022, a Autora, mediante o envio de carta registada com AR, que a Ré recebeu, comunicou à Ré a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento. Por carta, a Ré, a 18 de Abril de 2022 respondeu à Autora, respondendo que o prazo de oposição não tinha sido cumprido, pelo que o contrato se iria renovar. A Ré até ao presente não entregou o imóvel livre de pessoas e bens.

A Ré contestou, alegando que por não ter sido cumprido o prazo imposto por lei, o contrato não se extinguiu validamente por comunicação de oposição à renovação, encontrando-se ainda vigente.


*

No Juízo Local Cível de Porto de Mós foi proferida a seguinte decisão final:

“Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, decide este Tribunal julgar a acção totalmente procedente e em consequência:

VI. Declarar a extinção do contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré, por caducidade, no dia 26 de Novembro de 2022;

II. Condenar a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens à Autora;

III. Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €2.250,00, a título de indemnização, valor vencido entre Novembro de 2023 e a data da entrega da PI, em Março de 2024;

IV. Condenar a Ré no pagamento à Autora de indemnização pelo uso do locado, de valor equivalente ao dobro do valor da renda mensal, desde Abril de 2024 e até entrega efectiva do locado à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens;

V. Condenar a Ré nas custas da acção;

VI. Valor da acção: €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros).

Notifique.

Juízo Local Cível de Porto de Mós


*

BB, Ré nos autos à margem referenciados, não se conformando com tal decisão dela recorre, assim concluindo:

(…).

AA, Autora no processo à margem identificado, apresenta as suas contra-alegações, assim concluindo:

(…).


*

2. Do objecto do recurso

2.1 – Da nulidade;

Neste particular alega a Apelante:

XVII - Porém, e em resposta à comunicação enviada pela ora Recorrente em 18 de Abril de 2022, a Autora/Recorrida, em carta enviada à ora Recorrente a 20 de Maio de 2022 (doc. 7 junto à PI), invocou que o motivo pelo qual serve de oposição à renovação do contrato de arrendamento (necessidade de utilização do imóvel para habitação própria e permanente da senhoria e do seu filho menor); que eu não tenho qualquer outro imóvel dentro do mesmo concelho, nem concelho limítrofe; o respeito pelo prazo de apresentação e aviso prévio da não renovação.”

XVIII - A Autora/Recorrida ao invocar como causa para a cessação do referido contrato de arrendamento a denúncia para habitação, que é uma excepção à oposição à primeira renovação do contrato, prevista no n.º 4 do artigo 1097º do Código Civil, o que se aplica nos presentes autos, tal denúncia operaria os seus efeitos em 25 de Novembro de 2022.

XIX - Face ao motivo invocado pela Autora/Recorrida a ora Recorrente, em carta enviada a 24 de Maio de 2022 (doc. 1 junto à Contestação), aceitou a denúncia invocada por aquela, uma vez que está previsto na lei tal direito ao senhorio.

XX - Porém, a mesma só seria eficaz se a Autora/Recorrida procedesse ao pagamento do montante equivalente a um ano de renda à Ré ora Recorrente, conforme o estipulado por lei (artigo 1102º, n.º 1 do Código Civil, ex vi artigo 1097º, n.º 4 do Código Civil).

XXI - Ora, a Autora/Recorrida nunca pagou nem pôs à disposição da ora Recorrente tal montante, pelo que o direito de denúncia invocado por esta tornou-se ineficaz.

XXII - Acontece que a sentença proferida pelo tribunal “a quo” fez “tábua rasa” de todas as questões invocadas pela ora Recorrente na sua contestação, não se pronunciando sobre as mesmas.

XXIII - Ora tais questões são fundamentais serem apreciadas pela tribunal “a quo” a fim de julgar pela procedência ou improcedência do pedido da Autora/Recorrida.

XXIV - Pelo que a sentença proferida pelo tribunal “a quo” é nula pois não se pronunciou sobre questões que tinha o dever de apreciar, supra referidas, violando, assim, o disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil.

XXV - Ora, tal omissão de pronuncia sobre tais questões, tem relevância para a decisão de mérito da causa e é insuprível, pelo que deve ser declarada nula a sentença ora recorrida e, em consequência, serem os presentes autos remetidos ao tribunal “a quo” para se pronunciar sobre as mesmas”.

Avaliando.

Como é sabido, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, sendo que a nulidade por omissão de pronúncia - art.º 615.º, n.º 1, d), do Código do Processo Civil -, sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, do mesmo diploma, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes - ou de que se deva conhecer oficiosamente-, cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados.

A Apelante, neste particular, fundamenta tal vício processual no facto de a 1.ª instância não ter apreciado o regime legal invocado pela Senhoria numa segunda comunicação enviada no dia 20 de Maio de 2022, de oposição à renovação do contrato por necessidade de utilização do imóvel para habitação própria e permanente desta e do seu filho menor, invocando o artigo 1097.º, n.º 4 do Código Civil – será o diploma a citar sem menção de origem.

Ora, na sua decisão a 1.ª instância ateve-se à primeira comunicação enviada a 18.4.2022 e ao regime legal invocado pela Autora na petição inicial, cujo pedido se encontra formulado em 1), ou seja, navegou na causa de pedir e pedido formulado pela Autora, sendo que a invocada excepção, do não pagamento do montante equivalente a um ano de renda à Ré ora Apelante, conforme o estipulado por lei - artigo 1102º, n.º 1 do Código Civil, ex vi artigo 1097º, n.º 4 do Código Civil -, não navega nas águas da causa de pedir e pedido buriladas na decisão da 1.ª instância - A falta (ou omissão) de pronúncia prevista na primeira parte da referida al. d) decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão. No mais alegado pela Ré/Apelante, e que agora fundamenta o seu pedido de nulidade da sentença, ficou prejudicado pela solução jurídica dada pelo julgador do Juízo Local Cível de Porto de Mós ao caso. Nas suas palavras (a) relevância que a Ré atribui às declarações complementares enviadas em 20 de Maio de 2022, após a recepção de comunicação com excepções de natureza legal invocadas pela Recorrente, trata-se de uma interpretação jurídica que irreleva, tendo em consideração o regime invocado e aplicado.

Improcede, pois, a nulidade e as conclusões X) a XX).

2.2 - A 1ª instância fixou, assim, a matéria de facto:

3.1 – FACTOS JULGADOS PROVADOS

1. Em 30-09-2018, por escrito particular epigrafado “contrato de comodato”, rubricado em todas as páginas e subscrito no final pelo punho dos três outorgantes, CC, com o consentimento do seu marido DD, com o qual é casada no regime de comunhão de adquiridos, declarou ceder à Autora, a título gratuito e pelo prazo de 10 anos, o gozo do imóvel, do qual é dona e legítima possuidora: “Casa de habitação e rés-do-chão com 5 divisões e casa de banho, barracão e pátio, com a área total de 180 m2, sendo a área coberta de 140 m2 e a área descoberta de 40 m2, sito na Rua ..., ..., lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...57 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...98, freguesia ...”;

2. A Autora, por escrito particular epigrafado “contrato de arrendamento para habitação”, celebrado em 26 de novembro de 2019, rubricado em todas as páginas e subscrito no final pelo punho de Autora e Ré, outorgou a cedência temporária do gozo, “para habitação secundária da Ré”, do imóvel identificado em 1., à Ré, pelo valor anual de €4.500,00, a pagar em duodécimos, no valor de €375,00, a ser pagos à Autora até ao dia 8 do mês anterior ao que respeita, por depósito ou transferência bancária para conta bancária titulada pela Autora;

3. No escrito descrito em 2., acordaram as partes outorgantes a previsão de vigência do contrato pelo período de um ano, com início em 26 de Novembro de 2019 e termo em 25 de Novembro de 2020, com a renovação automática, por períodos sucessivos de um ano, estipulando que a denúncia teria de ser realizada por carta registada com AR, com a antecedência mínima de 60 dias;

4. Por comunicação escrita datada de 5/4/2022, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de não renovar o contrato de arrendamento, informando a data da extinção do contrato em 25/11/2022 e solicitando a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens;

5. Por carta registada, com AR, datada de 18/4/2022, a Ré comunicou à Autora a sua oposição à declaração de não renovação do contrato, declarando que considerava o contrato válido até 26 de Novembro de 2023;

6. Por carta registada, com AR, datada de 20/5/2022, a Autora comunicou à Ré o seguinte:

“Venho por este meio, em reposta à sua missiva de oposição à renovação do contrato de arrendamento, datada de 18/04/2022, informar que não lhe assiste razão, porquanto o artigo 1096º do Código Civil, apenas tem aplicação salvo estipulação entre as partes em contrário, isto é, o legislador deu abertura às partes para estipularem os períodos de renovação ao abrigo da sua liberdade contratual, e, nos casos em que as partes não estipularam essa renovação, então aplicar-se-á a norma referida.

O que não foi manifestamente o caso.

Olhando para o contrato de arrendamento celebrado com V. Exa. no dia 26/11/2019, mais exatamente para o nº 2, da cláusula terceira, foi estipulado que “o presente contrato renova-se automaticamente no seu termo por períodos sucessivos de 1 ano, caso nenhuma das partes se oponha à renovação …”.

Assim, tendo em conta: a) O motivo pelo qual serve de oposição à renovação do contrato de arrendamento (necessidade de utilização do imóvel para habitação própria e permanente da senhoria e do seu filho menor); b) Que eu não tenho qualquer outro imóvel dentro do mesmo concelho, nem concelho limítrofe; c) O respeito pelo prazo de apresentação e aviso prévio da não renovação, A oposição à renovação é inoperante e de nenhum efeito.

Concluindo, aguardo a entrega do imóvel (livre de quaisquer ónus ou encargos) e das suas chaves até ao dia do vencimento do contrato de arrendamento (25/11/2022).

Caso não entregue o imóvel livre de quaisquer ónus ou encargos dentro do prazo previsto, serei obrigada a intentar a ação de despejo coercivo, e pedido de indemnização associado”;

7. Por carta registada, com AR, datada de 24/5/2022, a Ré defendeu a posição anteriormente vertida na comunicação descrita em 5., e ainda comunicou à Autora, que ao invocar outra causa para a cessação do contrato de arrendamento, por necessidade de habitação do próprio, denúncia que a Ré aceitava, se encontrava obrigada a pagar à Ré o montante equivalente a um ano de renda, no valor de €4.500,00;

8. Por carta registada, com AR, datada de 21/11/2023, a Autora solicitou à Ré a entrega das chaves até o dia 26/11/2023, no escritório de advogado mandatado para o efeito;

9. Por carta regista, com AR, datada de 3/12/2023, a Ré comunicou à Autora entender que ao não responderem ao teor da comunicação descrito em 7. e ao nada terem respondido, nem nada terem pago, o direito de denúncia por aquele motivo caducou, informando que o contrato se renovou até 26 de Novembro de 2026.


*

2.3 - Da imperatividade ou supletividade do art.º 1096º nº1.

Ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, ao contrato celebrado entre Autor e Ré, aplicam-se as normas previstas na Subsecção VII, do capítulo IV, título II, Livro II, dedicado ao arrendamento para habitação, até às alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, vigente desde 13 de Fevereiro de 2019, tendo em consideração a celebração do contrato a 26 de Novembro de 2019.

Face à factualidade julgada provada, verifica-se terem as partes celebrado contrato de locação, na modalidade de arrendamento para fim habitacional, com prazo certo - artigos 1022.º, 1023.º, 1027.º e 1095.º.

Como escreve a 1.ª instância:

“Prescreve o artigo 1095.º, n.º 2 do CC (na redacção dada pelo seguinte diploma: Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), que o prazo certo a que respeita o contrato de arrendamento para habitação, previsto no contrato, não pode ser inferior a um ano, nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respectivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.

Trata-se, como se depreende da letra da lei, de uma norma imperativa, impondo que as partes só têm liberdade para estipular prazos superiores a 1 ano e inferiores a 30 anos.

Por sua vez, prescreve o artigo 1097.º, n.º 3 do CC, que “[a] oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data”.

A norma de carácter imperativo, impõe, nas palavras de Jorge Pinto Furtado, “um autêntico vinculismo arrendatício temporário que cessa, logo que cumpridos os três anos iniciais de duração efectiva” (Jorge Pinto Furtado, in “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 2019, p. 577).

Prescreve o artigo 1096.º, n.º 1 do CC, que “[s]alvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior”.

Constatamos que do contrato, consta a estipulação de prazo certo de um ano, assim como a estipulação expressa de renovação automática por períodos sucessivos de um ano (factos julgados provados em 3.).

Desenha-se na jurisprudência entendimento que defende a imperatividade do prazo imposto pelo legislador no artigo 1096.º, n.º 1, de mínimo de 3 anos de prazo de renovação, afirmando que a excepção constante da primeira parte da oração alude exclusivamente à possibilidade de afastamento do regime de renovação automática pelas partes (cfr. Ac. STJ de 20/9/2023, processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1, Ac. TRP de 25-10-2023, Processo n.º 1998/22.3T8PRD.P1).

Em sentido contrário, o entendimento que subscrevemos, louvando-se no recurso ao elemento sistemático e lógico da interpretação, tem argumentado não ser defensável sentido da interpretação unicamente fundado no elemento gramatical, que conclui pela imperatividade do limite mínimo de prazo de renovação de 3 anos, e é inconciliável com a letra da norma patente no artigo 1097.º, n.º 1, al. b) e c) do CC, que prevê os prazos a cumprir pelo senhorio, para comunicação da oposição à renovação do contrato, prevendo contratos com prazos de duração inicial e renovação inferiores a 3 anos (neste sentido, cfr. Ac. TRL de 10-09-2024, Processo n.º 814/24.6YLPRT.L1-7, Ac. TRL 18/4/2024, Processo n.º 2197/23.2YLPRT.L1-6; Ac. TRE de 2024-06-27, Processo n.º 7/24.2YLPRT.E1). Ou, ainda, atendendo à formulação do artigo 1097.º, n.º 2 do CC, não ser possível defender regime que impõe ao Senhorio duração contratual mínima de três anos, para após lhe impor período mínimo de renovação de três anos. Concluindo, não se alcança, como poderá o legislador permitir livremente o afastamento da renovação automática do contrato (artigo 1096.º, n.º 1 do CC), criador de maior instabilidade na relação de arrendamento, para após impor períodos mínimos de renovação de três anos, mesmo que as partes tivessem acordado expressamente períodos inferiores.

Como escreve Jorge Pinto Furtado: “[o]que o legislador pretendeu fixar foi apenas que, se a duração contratual estipulada fosse de dimensão inferior a três anos, o senhorio só poderia inicialmente lançar, uma oposição à renovação quando preenchidos, no mínimo, três anos sobre a sua celebração. (…) Cremos portanto e em conclusão poder validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro, cinco, como enfim se pretender.” (Jorge Pinto Furtado, in “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, Almedina, 2019, p. 579).

Nos termos do disposto no artigo 279.º, al. c) do CC, o prazo que seja fixado em meses e anos, termina às 24h do dia que corresponda, dentro do mês e ano correspondente.

Pelo exposto, a Ré sempre teria direito a gozar de 3 anos de vigência do contrato de arrendamento, que corresponde ao prazo certo imposto pelo legislador ao Senhorio, que se venceriam em 26 de Novembro de 2022.

Questionamos, na vigência deste período vinculístico, poderia o Senhorio, respeitando os prazos previstos no artigo 1097.º do CC, opor-se à primeira renovação automática do contrato?

Não existe nada na lei que obrigue o Senhorio a suportar, para além do prazo inicial do contrato, ou legalmente imposto de três anos, uma renovação automática, de um ano, ou no sentido de alguma jurisprudência, de 3 anos, para se poder validamente opor à prorrogação da vigência do contrato. O que a lei exige é que o arrendatário tenha sempre direito a um período inicial de vigência do contrato de arrendamento para habitação, de – pelo menos – três anos.

No que respeita aos prazos expressamente previstos no artigo 1097.º, n.º 1, al. b) do CC, constatamos que o legislador previu como prazo mínimo de antecedência, para comunicar ao arrendatário a intenção de oposição à renovação do contrato, para contratos com prazo inicial do contrato ou renovação igual ou superior a 1 ano e inferior a cinco anos, o prazo mínimo de 120 dias.

Nos termos dos artigos 9.º e 10.º do NRAU, a forma de comunicação entre as partes num contrato de arrendamento, salvaguardada disposição expressa da lei em contrário, é mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada, com AR. A comunicação realizada respeitando aquela formalidade, considera-se efectuada mesmo que a carta venha devolvida, por o destinatário se ter recusado a recebe-la ou por não a ter levantado, no prazo regulamentado pelos serviços postais, com excepção das comunicações tendentes à transição do contrato para o NRAU ou título para pagamento de rendas, que possam servir de base a despejo, salvo no caso de domicílio convencionado, circunstância em que o senhoria deverá remeter nova carta registada com AR, decorridos que seja 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta”.

Actualmente, os tribunais portugueses seguem, pelo menos, três interpretações diferentes em relação ao disposto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, a saber, que a norma consagra (i) um prazo de renovação mínimo imperativo de três anos; (ii) um prazo de renovação mínimo supletivo; ou que (iii) além de um prazo de renovação mínimo supletivo, a norma, quando interpretada em conjugação com o disposto no artigo 1097.º, n.º 3, obriga ao decurso prévio de três anos de duração inicial antes da primeira renovação automática do contrato.

Assim, enquanto para uma parte da jurisprudência, no âmbito da qual citamos, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.04.2024 (Jorge Esteves) P. 2197/23.2YLPRT.L1-6 – disponível em www.dgsi.pt e a extensa jurisprudência nele citada -, tem sustentado que a expressão salvo estipulação em contrário constante do n.º 1 do art.º 1096.º quer significar que é lícito convencionar um prazo de vigência diferenciado, assumindo a norma uma natureza supletiva, devendo nessa medida prevalecer o convencionado entre as partes.

Para outra parte da jurisprudência, no âmbito da qual citamos, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.05.2024 (Maria Calheiros) P. 1282/23.5YLPRT.L1-8 – no mesmo sitio - a expressão salvo estipulação em contrário quer significar que as partes podem por convenção afastar a possibilidade de renovação, mas tendo convencionado a mesma, o prazo mínimo de renovação terá de ser o tempo mínimo de três anos, atento o caráter imperativo da norma que lhe é conferido pela lei, não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.

No Acórdão do STJ de 17.01.2023 (Pedro Gonçalves) P. 7135/20.1T8LSB.L1.S1 – pesquisável em www.dgsi.pt  - , sustenta-se que a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro visou estabelecer um conjunto de medidas com a finalidade de corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, provocada pelas renovações de curto prazo, privilegiando a posição dos primeiros, através do reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, aumentando o prazo de duração do contrato e a antecedência pela qual a revogação deveria operar.

Deste modo e seguindo de perto o supra citado acórdão, que segue aliás a posição da doutrina expressa por Rui Ataíde e António Rodrigues, deve o regime por ela estabelecido considerar-se por isso como imperativo, no sentido de que é lícito às partes afastar a renovação automática do contrato, mas uma vez convencionada a renovação, deverá a mesma obedecer aos limites mínimos previstos na lei.

Lê-se neste aresto do STJ, além do mais, que:

“Por força do disposto no artigo 1080.º do Código Civil, são imperativas as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano.

O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.

É esta a posição assumida por Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues (In “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 302 e 303.), José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.).

O Conselheiro Pinto Furtado (In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 651 a 653.) faz uma interpretação um pouco mais restritiva deste normativo e em conjunto com o artigo 1097.º, n.º 3 do Código Civil, ao considerar que esta renovação de três anos apenas ocorre na primeira renovação, permitindo a liberdade contratual outro clausulado. Posiciona-se assim este autor, “Se, pois, se tiver estabelecido, como duração contratual, um prazo inferior a três anos, por exemplo, um ou dois anos (o que é legítimo – arts. 1095-2 e 1096-1), o que resulta, quanto a nós, do disposto no art.º 1097-3 – e insiste-se – é, tão-somente, que esses contratos serão necessariamente não renováveis (o que é legítimo – n.º 1 do presente artigo). E se, por acaso, nesses contratos de duração inferior a três anos, o arrendatário venha a permanecer no prédio após ter decorrido o período contratual, e uma sua renovação assim se verificar, então ela terá de protelar-se até o contrato durar três anos.

Depois disso, ou há cláusula estabelecendo os períodos de renovação contratual, ou não há: havendo-a, será ela que se aplica; não a havendo, regerá a parte final do n.º 1 do presente artigo e as renovações, por falta de estipulação nos referidos contratos, serão de períodos sucessivos iguais à duração contratual.

Deste modo e se bem pensamos, ultimados os três primeiros anos sobre uma celebração contratual, para a sua primeira oposição à renovação, não exige depois a lei, para nenhuma outra oposição à renovação, qualquer limite específico de duração convencional; podem, pois, as partes fixar, para estas, aquela que bem lhes parecer, salvo, claro está, se outra disposição legal, que não esta, impusesse algum limite à liberdade contrato.

Ora, já se viu que o n.º 1 do presente artigo só dispõe para o silêncio contratual e, como no art.º 1097-3 também não se estabelece qualquer dimensão para o ulterior período de renovação, em si, daí se seguirá, se bem nos parece, que, quando pretenda estabelecer-se renovação para um arrendamento habitacional de prazo certo terá de atribuir-se à própria duração desse contrato, pela aplicação conjugada dos dois preceitos, uma duração mínima de três anos.

Cremos, por conseguinte e em conclusão poder, pois, validamente estabelecer-se, ao celebrar-se um contrato, que este terá necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações, de dois ou de um ano, quatro ou cinco – como, enfim, se pretender.”.

No mesmo seguimento, em comentário ao artigo 1097.º do Código Civil, o Conselheiro Pinto Furtado - Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2021, pp. 656 a 657 - esclarece que a interpretação a dar ao n.º 3 deste normativo, em conjugação com artigo 1096.º, do seguinte modo, sendo assim, quanto aos contratos de arrendamento habitacional existentes, que se submetiam ao disposto na Lei n.º 31/2012 e, não havendo estipulação contratual, estavam a renovar-se supletivamente, sem mais, segundo períodos de dimensão igual à duração contratual, interessará considerar os celebrados por um ou dois anos.

Ora, neste particular, seguimos o entendimento do Acórdão desta Relação de Coimbra de 8.10.2024, acessível em www.dsi.pt - ao escrever:

6.3.1.

A interpretação de uma norma, da cláusula de uma declaração negocial ou de um contrato, visa que dos mesmos, e de entre os vários sentidos possíveis que podem encerrar, se retire o sentido real, verdadeiro, prevalente ou decisivo.

Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica, alcançar a real essência do pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.

Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para alcançar o melhor sentido, o dever ser que nela está ínsito.

Porém, certo é que a letra da lei é o elemento matricial, liminar e tendencialmente determinante da interpretação.

Tanto assim que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da um mínimo de correspondência verbal – artº 9º nº2 do CC.

Se deste elemento restarem dúvidas quanto ao pensamento do legislador, então o intérprete tem de socorrer-se de outros elementos da hermenêutica jurídica, como sejam o histórico, sistemático, lógico e teleológico – artº 9º nº1 do CC.

O elemento histórico da interpretação atem-se, vg. à occasio legis, a qual se reporta a todo o circunstancialismo que rodeou o aparecimento da letra, o texto, da lei ou do contrato.

Já o elemento sistemático reclama e exige uma conexão da letra, do texto, com o texto que o precede ou lhe sucede, isto é, com o seu contexto.

Ou seja, a norma ou cláusula não devem ser interpretadas isoladamente, mas em consideração ao quadro circunstancial – fáctico ou legal - em que se inserem –

Finalmente o elemento teleológico reporta-se e clama pela finalidade última e essencial, pelo fito primordial, da lei ou da clausula negocial.

Por outras palavras, consiste na sua justificação, social da lei.

Efetivamente: «todo o direito é finalista. Toda a fonte (norma) existe para atingir fins ou objetivos.

Por isso enquanto não se atingir o para quê duma lei, não se detém ainda a chave da sua interpretação» - Cfr. Oliveira Ascensão in O Direito, ed. Gulbenkian, 2ª ed. p.354 e sgs.

Sendo ainda de considerar e ter presente que com a interpretação visa-se fazer emergir o sentido e alcance do texto que melhor e mais adequadamente possa dar resposta a uma real e concreta situação vivencial.

Na verdade, a interpretação deve efetivar-se de modo a ajustar-se o mais possível às exigências e ao desenvolvimento da vida em sociedade.

Uma boa interpretação não é aquela que, numa perspetiva hermenêutico - exegética, determina corretamente o sentido textual da norma; é antes aquela que numa perspetiva prático-normativa utiliza bem a norma como critério de decisão do problema concreto – cfr. Ac. do STJ de 30-05-2006, p. 06A1219, citando Castanheira Neves in Metodologia Jurídica e Ac. da RP de 31.03.2009, p. 2665/07.3TBPRD in dgsi.pt.

6.3.2.

Como se expende na sentença, neste domínio a jurisprudência e a doutrina encontram-se divididas quanto ao jaez do aludido segmento normativo.

No sentido de que ele é imperativo e se sobrepõe à vontade das partes, pugnam alguns, como os constantes nos arestos citados na sentença, boa parte deles com votos de vencido.

No sentido de que ele é supletivo esgrimem outros. -cfr. vg., Ac. RP de 14.09.2023, p. 1394/22.2YLPRT.P1, e Ac. RL de 18.04.22024, p. 2197/23.2YLPRT.L1-6, todos in dgsi.pt. e votos de vencido, vg. no aludido Acordão do STJ de 20/09/2023, p. 3966/21.3T8GDM.P1.S1 .

Para aqueles este segmento normativo pretende atingir um maior equilíbrio contratual, protegendo adicionalmente o inquilino com maior duração do contrato e consequente estabilidade vivencial.

Assim, as partes podem não prever a renovação do contrato, mas, se a preverem, o prazo de renovação, se o contratualmente anuído for inferior, é obrigatoriamente de três anos.

Para estes, os elementos supra referidos da hermenêutica jurídica não dão sustentação a tal tese.

Incluímo-nos nesta última corrente.

Efetivamente, e perante os elementos da hermenêutica jurídica supra aludidos, a posição contrária, sdr, não tem cabimento.

Perscrutemos.

Desde logo devemos atentar nos elementos literal, lógico, teleológico e histórico.

O literal.

À expressão, «salvo estipulação em contrário» segue-se uma vírgula.

Após a qual vem a restante estatuição, em bloco e continuamente.

Logo, e desde logo pelas regras da sintaxe, é meridianamente evidente que aquela expressão inicial abrange todo o restante texto.

É assim claro que o legislador não distinguiu, no sentido de, por um lado, permitir às partes que não previssem a renovação ou, expressamente, a proibissem; mas, por outro lado, se a previssem, obrigá-las a um período mínimo de três anos.

Pelo que, atento o estatuído no artº 9º nº2 do CCivil e pelo brocardo "Ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus", tal interpretação é tolhida.

O lógico.

Ademais, esta exegese é vedada pelas regras da lógica jurídica.

Pois que violava o princípio jurídico interpretativo de que quem pode o mais pode o menos.

Ou seja: se as partes têm a liberdade de acordar pela não renovação do contrato (o mais) também se deve concluir, que, se a estipularem, podem fixar o período que bem entenderem (o menos).

O teleológico.

Estava encontrada a fórmula mágica para os senhorios firmarem contratos de arrendamento para habitação de curta duração.

Bastava estipularem o prazo mínimo legal de um ano – artº 1095º nº2 do CC - e estabelecerem expressamente a sua não renovação.

Note-se que o disposto no artº 1097 nº3 do CC, a saber:

«3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.», não impede esta consequência.

É que, como se vê do seu texto, ele apenas rege nos casos em que haja renovação do contrato, reportando-se à primeira.

E esta renovação, na própria tese da imperatividade, pode ser excluída pelas partes.

Decorrentemente, contrato de um ano com renovação excluída, cessaria, se o senhorio assim o desejasse, no fim do ano.

E assim se verificando que a tese da imperatividade acabava por não ter respaldo no elemento teleológico, pois que descambava no seu desvirtuamento. Já que acarretava resultados contraproducentes no que tange à pretendida maior duração e estabilidade do arrendamento.

Pois que descambaria num maior encurtamento do arrendamento com a consequente maior instabilidade vivencial. – neste sentido, se bem interpretamos, cfr. voto de vencida no Ac. RE de 25.01.2023, p. 3934/21.5T8STB.E1.

O histórico.

Eram as seguintes as redações deste preceito, anteriores à atual:

«1 - Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos.

2 - Qualquer das partes se pode opor à renovação, nos termos dos artigos seguintes.»

Redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.

3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.»

Redação da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto.

Vemos assim que o legislador, mesmo de vários quadrantes políticos, sempre fez depender o prazo legal de três anos para a renovação da vontade das partes, ou seja, apenas este era aplicado, se outro não fosse contratualmente previsto, ou, o que tem o mesmo significado e alcance, salvo estipulação em contrário.

Ora no domínio da redação de 2006 e de 2012, que se saiba, nunca se levantou polémica, ao menos com dimensão relevante, sobre a natureza da norma: supletiva ou imperativa, sendo unívoco que assumia aquele jaez.

A discussão surgiu apenas com a redação introduzida pela reforma de 2019.

Esta limitou-se a acrescentar à frase “períodos sucessivos de igual duração” a expressão “ou de três anos se esta for inferior”.

O efeito que a tese da imperatividade pretende evitar: renovações inferiores a três anos, já podia verificar-se nas anteriores redações da norma se o prazo inicial fosse inferior a tal período de tempo.

Destarte, se o legislador pretendesse atribuir imperatividade ao segmento, bastaria eliminar a expressão «Salvo estipulação em contrário».

Como sucede noutras normas, como é o caso da do nº 3 do artº 1097º.

Mantendo tal expressão, é óbvio que, também por razões históricas, a supletividade é patente.

Esta tese tem um limite quanto à duração do contrato.

É o imposto pelo citado nº3 do artº 1097º.

Perante este preceito e nos casos em que as partes nada digam quanto à renovação ou a prevejam – e não naqueles em que a proíbam – o senhorio só pode opor-se à primeira renovação se o contrato já tiver durado três anos.

Assim, vg., se foi estabelecido um período inicial de um ano com renovação por igual período, o senhorio pode opor-se à primeira renovação antes que sejam recorridos três anos na duração do contrato.

Mas os efeitos da mesma apenas se produzem quando estiver decorrido este lapso de tempo.

Nos casos em que a renovação esteja vedada no contrato, este limite inexiste, valendo o limite mínimo legal de um ano previsto no artº 1095º nº2 do CC.

Estes dois segmentos normativos demonstram alguma incongruência do legislador.

Pois que se ele entende, como dimana do nº3 do artº 1097º, que o prazo de três anos é o mínimo para conferir alguma estabilidade vivencial ao inquilino, deveria desde logo estatuí-lo no nº2 do artº 1095º.

A justificação desta disparidade parece ser ainda a vontade das partes.

Se elas expressamente anuem a não renovação, então o inquilino sujeita-se ao prazo legal geral de um ano.

Se nada dizem, ou adrede aceitam a renovação, então o senhorio tem de arcar com a duração mínima de três anos.

Também neste sentido, os Acórdão da Relação de:

 - Évora de 10.9.2024:O artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, é uma norma supletiva, pelo que, nos termos da liberdade contratual prevista no artigo 405º, n.º 1 do mesmo diploma legal, é válida a estipulação pelas partes, constante do contrato de arrendamento celebrado, de acordo com a qual, após o decurso do prazo inicial de um ano, o arrendamento se renovará por iguais e sucessivos períodos de um ano, sem prejuízo de o prazo mínimo garantido da vigência do contrato ser de três anos a contar da data da sua celebração, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 1097º do Código Civil. O legislador ao salvaguardar a “estipulação em contrário”, permitiu às partes convencionar prazos de renovação distintos do prazo mínimo de 3 anos indicado no artigo 1096º do CC para a renovação contratual;

- Guimarães de 10.7.2023: A redação do n.º 1 do art. 1096.º do Código Civil, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de três anos de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao aludido prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto.

- Lisboa de 16.5.2024: A solução legal de renovação, por pelo menos três anos, dos contratos de arrendamento que vem prevista no art.º 1096 nº 1 do CC pressupõe a inexistência de cláusula contratual que disponha diversamente, todos pesquisáveis em www.dgsi.pt

Nas palavras da 1.ª instância:

Em face da imposição legal, o contrato de arrendamento para habitação conheceria o seu termo em 26 de Novembro de 2022, pelo que a Autora sempre teria de comunicar à Ré a intenção de oposição à renovação do contrato - impreterivelmente - até o dia 29 de Julho de 2022.

No que respeita à comunicação remetida pela Autora, à Ré, constatamos que inexiste qualquer formalidade especial para a sua comunicação entre locatário e senhorio, aplicando-se a regra prevista no artigo 9.º, n.º 1 do NRAU.

Verificamos que a Autora remeteu para a Ré, carta registada, com AR, comunicando-lhe a sua intenção de se opor à renovação do contrato, identificando a data de extinção do contrato (25 de Novembro de 2022) e pedindo a sua devolução do locado livre e devoluto de pessoas e bens até aquele dia, remetida nos dias 5/4/2022, 20/5/2022, cumprindo o prazo imperativo de antecedência.

Ora, constatamos que a Autora se enganou na contagem dos prazos e identificou como termo do contrato o dia 25, quando deveria ter identificado o dia 26 de Novembro de 2022 – contudo, tendo em consideração a irrelevância do erro, não se afigura suficiente para rejeitar a validade da comunicação, que fora este lapso, é clara e inequívoca no direito que a Autora pretende exercer.

Constatamos que a Autora pede a declaração de caducidade, em 26 de Novembro de 2023. Tendo em consideração que a Autora no pedido formulado pretende, a título principal, a declaração de extinção do contrato de arrendamento, entendemos que sem prejuízo da aplicação das normas legais, resultar data anterior à pretendida, a decisão a proferir ainda se integra no pedido formulado pela Autora, não contendendo com o preceituado no artigo 609.º, n.º 1 do CPC.

Pelo exposto, verificado que a declaração de oposição à renovação cumpre todos os requisitos legais, é a mesma válida e eficaz e cumprido o período de duração a que estava legalmente sujeito (3 anos), o contrato de arrendamento extinguiu-se por caducidade, no dia 26 de Novembro de 2022.

Com a caducidade do contrato de arrendamento, impõe-se condenar a Ré na entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens, no estado em que o recebeu, cfr. artigo 1043.º do CC.

Improcede, pois, o recurso.

Sumário:

(…).

3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, confirmamos a decisão proferida no Juízo Local Cível de Porto de Mós.
As custas ficam a cargo da Apelante.
Coimbra, 11 de Março de 2025
(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Chandra Gracias- 1.ª adjunta)
(Anabela Marques Ferreira- 2.ª adjunta)