I - É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que o tribunal de recurso vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
II - Não se verificando o primeiro requisito para ser decretado o arresto - provável existência do crédito -, fica prejudicada a apreciação do segundo, por se tratarem de requisitos cumulativos (art.º 391º CPC).
*
………………………………...
………………………………...
………………………………...
I. Relatório
No presente procedimento cautelar de arresto, em que figuram como:
- REQUERENTE: AA, divorciado, contribuinte nº ...09, residente em rua ...; e
- REQUERIDA: PROVÍNCIA PORTUGUESA DA CONGREGAÇÃO ..., Missionários ..., com sede na Estrada ..., ..., ...-....Lisboa
veio o requerente pedir o arresto dos bens da requerida, composto por saldos bancários, rendas, bem móveis e imóveis que indicou, até ao montante de €20.000.000,00 (vinte milhões) e a dispensa do prévio contraditório.
Alegou para o efeito, quanto ao crédito, que pela recente junção do processo de extinção da Fundação A..., por parte da Ré Arquidiocese ..., veio-se demonstrar e, consequentemente, provar aos autos que aquela e a Requerida Província incumpriram o Estatuto e Regulamento daquela fundação, lesando o Requerente patrimonialmente.
Não consta, no conteúdo do processo de extinção da Fundação A..., a notificação ao Requerente, para exercer o seu direito de defesa, ser ouvido ou manifestar a sua vontade, lesando assim direitos consagrados na Constituição e a tramitação do direito canónico.
Alegou, ainda, que decidiu dedicar-se ao desenvolvimento de ferramentas e métodos sustentados para o combate à pobreza. Decidiu, para isso, constituir uma fundação e convidou a Requerida Província Portuguesa da Congregação ..., Missionários ... ou ... para, conjuntamente consigo, fazer parte dessa entidade a criar.
Após reflexão conjunta, decidiram constituir a Fundação, de âmbito canónico para o combate à pobreza, a que deram o nome de Fundação A... para o Desenvolvimento Universitário e Empresarial, também conhecida por Ordem da Cruz A... Redentora, Obra da Cruz Redentora ou A... Redentora.
No sentido de executarem essa vontade comum, sujeitaram tal projeto à aprovação da Arquidiocese ..., em virtude da sede da fundação a constituir se situar na Rua ..., ... Guimarães, correspondente à Diocese ..., assim como a comunicação ao Governo Civil respetivo.
Por decreto de ereção canónica, datado de 23 de abril de 2009, é instituída a Fundação A... para o Desenvolvimento Universitário e Empresarial. A Fundação passou a reger-se pelos Estatutos próprios e também pelo Regulamento Interno, o qual resulta da concretização do artigo 1º, alínea a) dos Estatutos pelos quais a Fundação se rege.
Quer os Estatutos, quer o Regulamento, como parte integrante daqueles, estão assinados pelo procurador provincial, tendo o regulamento sido aprovado em reunião especifica do Conselho Provincial dos ....
Nos termos deste Regulamento Interno, no seu §-Segundo do artigo 3º consta que “Da mesma forma, 50% de todo o valor patrimonial da Fundação, no mínimo, é de gestão exclusiva do Fundador AA sendo ele Presidente do Conselho Superior ou não”. E, ainda, no mesmo Regulamento, artigo e parágrafo acima mencionados, consta que “No caso da saída da Fundação ... AA em que circunstância for, a gestão e aplicação desse valor mantém-se sob a sua alçada, sendo o seu destino, gestão ou uso, exclusivamente da sua responsabilidade ou vontade, incluindo retirá-lo da Fundação, bastando para isso a manifestação escrita da sua vontade, em vida ou morte”.
A fundação A..., devido ao reconhecimento do seu trabalho económico/social, foi autorizada a estabelecer-se em Timor-Leste, com patrocínio da Arquidiocese ... e autorização do Bispo de Dili e do Governo de Timor-Leste. Tinha como fins os previstos no artigo 7º. dos seus Estatutos.
A Fundação A... passou a deter, por doação, todo o património imobiliário do Requerente, avaliado em €2.642.000,00€ (dois milhões e seiscentos e quarenta e dois mil euros). E, ainda, passaria a deter 49% do capital social da editora “Editorial B...”, propriedade da Requerida Província. O património da fundação seria composto por estas duas doações.
O Requerente doou o seu património, mas a Requerida Província nunca cumpriu com a sua parte da doação.
O Requerente teve um dano emergente, cujo valor ascende aos € 2.642.000,00 (dois milhões seiscentos e quarenta e dois mil euros), que corresponde ao seu património doado que, face ao disposto no Regulamento, passa a ser credor a partir do momento da extinção da fundação.
A fundação A..., durante cerca de sete anos, lançou bases para o pleno exercício dos seus fins, ou seja, o combate à pobreza, concretamente tentando implementar em Timor-Leste, Cabo Verde e Guiné-Bissau o conceito de “ZEESM”, Zona Especial de Economia Social de Mercado, conceito do qual o ora Requerente é o respetivo autor e titular da propriedade intelectual. Consiste, sumariamente, na criação e implantação, numa área geografia concreta, de uma Zona Económica Especial, no fundo um polo geográfico ou “pequena cidade”, com enquadramento jurídico e fiscal específico, onde se concentrariam, uma série de atividades sociais, culturais, económicas e financeiras criadoras de emprego e riqueza para os locais, no país em que está implantada e, mesmo, para a zona do planeta em que se inserem.
Para a sua concretização seriam necessários parceiros ao mais alto nível do Estado, onde se tencionava inserir a ZEESM, bem como parceiros credíveis para o financiamento, supervisão, investimento, serviços a implantar, entre outros. O projeto ZEESM da Guiné-Bissau deveria ser concretizado na zona de ..., pequena localidade situada no noroeste do país, junto ao Atlântico, no Golfo da Guiné e num cenário paradisíaco. Verificando-se que tal projeto implicaria, na sua execução total um investimento previsto de mais de três mil milhões de euros - concretamente € 3.203.957.873,00 (três mil duzentos e três milhões, novecentos e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta e três euros) - atenta a sua autossuficiência, pois pretendia-se criar, com o apoio do Governo Guineense e investidores privados, adequadas infraestruturas de transportes, centrais energéticas e aeroporto no seio do projeto em si.
Segundo a avaliação de perito reconhecido, durante a sua concretização, o referido projeto movimentaria milhares de milhões de euros e poderia originar, num cenário
conservador e limitado, um rendimento para a fundação A... de cerca de € 25.689.143,00.
O projeto ZEESM da Guiné Bissau tinha todas as condições para avançar, pois não só contava com apoio incondicional do governo e instituições da Guiné-Bissau, como se reflete nas cartas remetidas pela Presidência de República da Guiné-Bissau e do Gabinete do Primeiro-Ministro Guineense, pelo testemunho escrito do Ex-Assessor do Primeiro Ministro para a área da Promoção Económica e Melhoria do Ambiente de Negócios e Investimentos, como também tinha o apoio de bancos e consultoras financeiras internacionais, indispensáveis para o financiamento e investimento na concretização do mesmo e, ainda, o apoio diplomático do Governo Português.
Destacou os seguintes parceiros que mostraram interesse neste projeto:
Banco 1...;
C...;
D... S.A.;
E...;
F...;
Universidade G...;
H... Lda.;
I... Lda.
Banco 2....
Na parte do Regulamento da fundação, que se debruça sobre as regras de gestão patrimonial a aplicar no futuro e, em particular, nos termos do artigo 3º, que 50% de todo o valor patrimonial da fundação A..., no mínimo, seria de gestão exclusiva do Requerente e, no caso de este sair da fundação, a gestão e aplicação deste valor mantinha-se sob a sua alçada, podendo até retirá-lo da fundação.
Se a fundação não tivesse sido extinta previa-se que esta iria arrecadar, pelo menos, € 25.689.143,00. Os créditos que o Requerente, em consequência da extinção da fundação, teria direito são de, pelo menos, €12.844.571,50, valor esse que corresponde aos 50% que caberia ao Requerente e que se peticiona na ação principal.
Mais alegou que se alcança pela recente junção do processo de extinção da Fundação A..., por parte da Ré Arquidiocese ..., que a extinção foi ilícita, ao não dar cumprimento ao Estatuto e Regulamentos daquela fundação, violando o direito canónico e constitucional em matéria de defesa do Requerente.
Ilicitude essa que determina a obrigação da Requerida Província e Ré Arquidiocese ... de indemnizarem o Requerente.
Alegou que reclama, não só da Requerida, mas também da outra Ré, a Diocese ..., o pagamento de indemnização, de um valor não inferior a € 708.000,00€, por danos não patrimoniais, pelos danos morais sofridos com a conduta daquelas, danos estes que têm vindo a aumentar.
A fundação A... extinguiu-se e afirma-se, publicamente, que o Requerente foi destituído/exonerado do cargo de Presidente do Conselho Superior. Quando na verdade, tal destituição/exoneração não foi precedida dos formalismos legais e não lhe foi comunicada formalmente.
Pela extinção da fundação, resulta, nos termos do Regulamento Interno artigo 3º, parágrafo segundo, que o Requerente tem direito a, por um lado, ser ouvido previamente, para reaver o património doado e por outro, direito a 50% do valor patrimonial da Fundação, sendo este o seu crédito, atual, constituído e vigente, que resulta da conjugação do Regulamento Interno e dos Estatutos da Fundação A....
O crédito contabiliza-se da seguinte forma:
- € 2.642.000,00, referente ao dano que o Requerente teve pelo património doado e não devolvido;
- € 12.844.571,50, referente aos 50% do valor patrimonial que a fundação teria adquirido com a execução do projeto ZEESM da Guiné-Bissau e, em consequência da extinção da fundação, cabem ao Requerente;
- €708.000,00, referente ao pagamento de um valor compensatório por danos morais sofridos pelo Requerente.
Ocorreu uma perda da Concessão, em montante de €15.000.000,00, valor este não peticionado na ação, porque à data da entrada desta, havia ainda a possibilidade de recuperar a concessão, o que não ocorreu devido à ausência de diálogo com a Requerida, que se frustrou.
Mais alegou que o estudo constante do documento nº. 19, corresponde ao crédito relativo ao património do Requerente e danos não patrimoniais.
A necessidade do arresto decorre do conteúdo da certidão do processo de extinção da Fundação, uma vez que se verifica do seu conteúdo que o Requerente não foi ouvido sobre o destino a dar aos bens, nem a exercer o seu direito de audição e defesa.
Sobre o justificado receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, alegou que veio ao conhecimento do Requerente que a Requerida Província vendeu, no passado dia 31 de julho de 2024, um dos seus imóveis.
Por escritura pública, celebrada no dia 31 de julho do corrente ano, no Cartório Notarial da Dra. BB, sito na rua ..., no Porto, consta que a Ré Província, legalmente representada Por CC
, vendeu a DD e a EE, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, o prédio urbano sito no nº ...45 da Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP de ... sob o nº ...68, e inscrito na matriz predial sob o artigo ...22. Vendeu pelo valor de €90.000,00 (noventa mil euros), muito próximo do valor patrimonial do imóvel que é de €84.904,76 (oitenta e quatro mil, novecentos e quatro euros e setenta e seis cêntimos).
Trata-se de um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, garagem, anexos e logradouro, no concelho ..., o qual tem um valor de mercado nunca inferior a, pelo menos, €270.000,00.
Conforme consta da escritura o prédio encontrava-se registado “a favor da “Província Portuguesa da Congregação ...” pela inscrição Ap. ..., de vinte e seis de setembro de dois mil e sete…”. Consultado o registo predial de tal imóvel constatou-se que, na referida Ap....7 de 2007/09/26 – Aquisição, os sujeitos passivos, curiosamente, são os agora compradores EE e mulher DD! A morada dos compradores, outrora vendedores, EE e DD, conforme consta da escritura pública é a mesma do imóvel vendido: rua ..., ..., ..., ....
A Requerida Província realizou contratos de compra e venda em 2007 e agora em 2024 com os mesmos outorgantes.
Mais alegou que tem tido imensa dificuldade em localizar registos prediais de imóveis da Requerida Província, assim como de publicações de oferta de venda.
Em anterior providência cautelar, indeferida liminarmente, foi pedido o arresto deste imóvel cuja suspeita de venda o Requerente já previa, agora “perdido”. A ação principal foi intentada em 2021.
Mais conseguiu apurar que, pela apresentação 22 de 2004/01/21, a Requerida
Província adquiriu a fração AS do prédio sito na Rua ... e duplex, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia ... sob o nº ...09....
Em 20.06.2022, após a entrada da ação, pela apresentação AP....47, a Requerida Província vendeu a referida fração à sociedade comercial J..., Lda..
Entre os dias 21 de setembro e 14 de outubro do corrente ano de 2024, a Requerida Província tentou vender o imóvel designado por “Seminário ...”. Venda essa que, embora tenha mediação imobiliária, não está publicada, sendo para venda de negociação direta com eventuais interessados, nomeadamente investidores.
Há cerca de um ano, este imóvel esteve praticamente vendido a um grupo espanhol da área do desporto, segundo informação confirmada junto do Sr. Padre FF. O negócio não se concretizou por motivo de desistência do potencial comprador.
Este “seminário” é a maior das propriedades, avaliada em € 11.000.000,00 (onze milhões de euros), mas que, para efeitos de valor de mercado e, em caso de “venda forçada”, poderá ser alienado pelo valor de €7.000.000,00 (sete milhões de euros). Este imóvel está atualmente no mercado para venda direta e sem publicidade.
Em junho de 2024, por meio de uma circular interna da Requerida Província, que veio ao conhecimento do Requerente através de foto tirada na sede da Requerida em Lisboa, esta dá conhecimento de estar em curso uma reestruturação, cujo conteúdo se transcreve:
“Esclarecimento.
Depois da nomeação do novo Superior-Geral da Congregação, do Santíssimo
Redentor, esta continua em reestruturação, a nível mundial, dada a diminuição dos seus membros.
Como consequência disto, a Congregação em Portugal e na Europa, também foi atingida. Disto resultou que a Província de Portugal, a de Espanha, a da França e as duas de Itália fossem suprimidas e passassem a formar uma só Província, denominada, Europa Sul, passando os antigos superiores provinciais para membros da Direção da mesma.
Continuam as reuniões em Nápoles, precisamente nestes dias, para ver a melhor forma de nos organizarmos a nível de cada uma destas nações, e por consequência, também, de Portugal.
Veremos como as coisas vão ficar, de maneira que sejamos capazes de continuar o nosso Apostolado. Lisboa, 13 de junho de 2024 “
A reestruturação será a nível mundial e implica a diminuição de membros, a supressão das províncias existentes, incluindo a Portuguesa.
A supressão resultará na formação de uma só província, “denominada, Europa Sul, situada em Itália, conforme decorre do teor do documento nº. 26, suprimindo não só a província em Portugal, mas também as sediadas em Espanha e França.
A Requerida Província já procedeu à venda de dois imóveis, o último em escritura de 31 de julho do corrente ano e tem à venda no mercado o “seminário”.
As vendas de dois imóveis, um deles em valor próximo do valor patrimonial e aos antigos proprietários, em valor abaixo de valor real de mercado, assim como a colocação no mercado de venda, por negociação direta, de um bem vendável por €7.000.000,00, que, a suceder, como se receia, causou e irá causar uma perda de garantia de pagamento do crédito do Requerente.
O Requerente receia pela perda da garantia de pagamento do seu crédito.
Mais alegou que as entidades jurídicas canónicas possuem cartórios e notários próprios, registos próprios, cujos atos poderão não chegar ao conhecimento público (com exceção dos obrigatórios de registos predial, automóvel e entidades bancárias), como por exemplo, à semelhança do que se passou nos autos principais, de que tudo fizeram para evitar a junção do processo de extinção da fundação e assim se provar a ilicitude do ato.
À semelhança da ação principal em que, quer a Requerida, quer a outra co Ré, de tudo fizeram para evitar a junção do processo de extinção, não obstante os despachos judiciais nesse sentido, escudando-se atrás de argumentos como “proteção de dados e “autorização da Santa Sé”, bem como questões de direito internacional, o Requerente terá dificuldade em localizar bens em nome da Requerida Província. Fazem uso da argumentação dilatória de que se não lhes aplica o direito português, mas antes, porém o direito privado internacional (Estado do Vaticano), jogando com a jurisdição e a propriedade dos bens, conforme se prevê. Podendo vender o património entre instituições canónicas, sediadas em Itália ou outro, onde não se aplicará a lei portuguesa, nem se conseguirá chegar à identificação dos proprietários. Se a Requerida passar a titularidade dos seus bens para outrem, será difícil, senão mesmo impossível, ao Requerente obter o pagamento do seu crédito.
Por fim, alegou que o património da Requerida é composto por contas bancárias, imóveis sitos, nomeadamente, em Lagos, Porto, Lisboa, Vila Nova de Gaia, Guimarães e Sintra, veículos automóveis e rendas provenientes do arrendamento de imóveis da propriedade da Requerida, que o Requerido não consegue melhor identificar, exceto se forem oficiadas, por este tribunal, as entidades do IRN- predial e automóvel, assim como a Autoridade Tributária e Aduaneira.
Atendendo aos fundamentos invocados, a prova de vendas já realizadas, um imóvel vendável por €7.000.000,00 à venda no mercado por negociação direta, aos valores em causa, facilidade de transferência de dinheiros, de encerramento de contas bancárias e transferência de titularidade da propriedade de bens imóveis e móveis sujeitos a registo que a Requerida tem, justifica-se que esta não seja ouvida antes do decretamento da providência por sério risco de dissipação de património e de eficácia da presente providência.
O Requerente arrolou testemunhas e juntou aos autos vários documentos, tais como, entre outros:
- Proc. ...4/2018 denominado “Autos de Aprovação da Supressão da Fundação A...”, contendo o Decreto de Extinção de Ente Canónico, onde foi decretada a extinção da FUNDAÇÃO A... PARA O DESENVOLVIMENTO UNIVERSITÁRIO E EMPRESARIAL, datado de 17 de abril de 2018;
- Correspondência vária trocada entre a Requerida e D. GG, Arcebispo ...;
- Comunicações da Arquidiocese ... para o Governador Civil do Distrito ..., Registo Nacional de Pessoas Coletivas, Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social ... e para a Fundação A...;
- Ofício do Governo Civil ... para a Arquidiocese ...;
- Decreto de Aprovação do Estatuto e Personalidade Jurídica que aprova o Estatuto da Fundação A... de 23 de abril de 2009;
- Documento denominado Regulamento Interno datado de 18/01/2009 assinado pelo Requerente, ali na qualidade de Presidente da Fundação A... e pelo Padre FF, na qualidade de Procurador Provincial da CSSR;
- Ata de reunião do Conselho Provincial Extraordinário de 15/01/2009;
- Correspondência enviada pela Arquidiocese ... ao Bispo de Dili em 16/06/2011;
- Correspondência enviada pela Diocese de Dili à Fundação A... em 13/07/2013;
- Correspondência enviada pela Fundação A... ao Bispo de Dili em 8/07/2013;
- Ofício do Ministro da Justiça ao Presidente da Fundação A... Dr. AA em 22/07/2013;
- Comunicações pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo de Portugal de Registo da obra (ZEESM);
- Estudo de Avaliação de Projeto da Fundação A... ZEESM Guiné-Bissau para a Fundação A... datado de 30/06/2014 realizado pela “D...”;
- Relatório denominado “Quantificação de perdas supervenientes lucros cessantes” por parte de AA e Fundação A... realizado por K... em 30/11/2018;
- Correspondência enviada pela República da Guiné Bissau ao Requerente Presidente do Conselho Superior da Fundação A... em 22/08/2017, 27/09/2018 e em 10/07/2018;
- Documento proveniente de “L..., Lda.” sob o título Fundamentação do Crédito invocado pelo Requerente sobre a Requerida datado de 16/08/2024;
- Cópia de escritura de compra e venda de imóvel;
- Certidões Permanentes emitidas pela Conservatória do Registo Predial de ...;
- Avaliação Imobiliária de Imóvel produzido por “M...” em novembro de 2024;
- Cópia de documento denominado “Esclarecimento” sem proveniência e origem.
“Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais, julgo o presente Procedimento Cautelar improcedente, por indiciariamente não provado, e em consequência absolvo a Requerida do peticionado.
Custas pelo Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário – cf. art.º 39º, nº 1 do Código de Processo Civil.
Registe e Notifique.
Fixo à presente providência cautelar o Valor de 20.000.000,00 (cf. art.º 304º, n.º 3, al. d), segunda parte, do C.P.C.)”.
I. O Tribunal a quo entendeu considerar que, para além de o recorrente não provar, indiciariamente, a existência do seu crédito, veio pôr em causa o Regulamento Interno, como não fazendo parte do Estatuto da Fundação, decidindo a final que não se verificaram os requisitos para o deferimento da requerida providência cautelar, bem como entendeu por “displicente apreciar o pressuposto da existência do justo receio, tendo a presente providência que
claudicar”.
II. O ora recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo de indeferimento, pois, no seu entender, salvo melhor entendimento, com base nos elementos factuais, testemunhos e documentos constantes nos autos, a decisão deveria deferir o pedido de arresto.
III. A Douta sentença, dá como provado no 8º de “factos indiciariamente provados” que “A Fundação passou a reger-se pelos Estatutos próprios”, estatutos estes onde consta a menção expressa a um regulamento Interno.
IV. Em contradição, vem dar como não provado indiciariamente, na sua alínea a) o seguinte: “E também pelo Regulamento Interno, que ora se junta sob documento nº 7 e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual resulta da concretização do artigo 1º, alínea a) dos Estatutos dos pelos quais a Fundação se rege.”, bem como, na alínea b)” Quer o regulamento, como parte integrante daqueles”.
V. Resulta do documento nº 8, intitulado “Reunião do Conselho Provincial Extraordinário”, datado de 15 de janeiro de 2009 onde consta: “Antes da apresentação dos Estatutos da Fundação ao Ordinário do Lugar, para sua aprovação, exigia-se o parecer positivo por parte deste Conselho Extraordinário. Passou-se à leitura dos Estatutos, ponto por ponto. No decorrer da leitura, os membros do Conselho Extraordinário foram pedindo explicação acerca do articulado, manifestando as suas opiniões concordantes e discordantes. (…) No final, os membros do Conselho Extraordinário, por unanimidade, deram o seu parecer positivo à aprovação dos Estatutos da Fundação, tendo em conta as anotações e correções apontadas”.
VI. O recorrente não pode aceitar a fundamentação com base no facto da data de publicação do Estatutos ser posterior à do regulamento, porquanto a aprovação dos Estatutos ocorreu em 15 de janeiro de 2009, ou seja, antes da data do Regulamento Interno, que ocorre só a 18 de janeiro de 2009, independentemente da publicação daqueles ocorrer só em abril do mesmo ano.
VII. Ao aprovar os Estatutos, o Recorrente passou a exercer o cargo de Presidente, como aliás resulta do próprio Estatuto no seu artigo 34º, de acordo com o Cânone 120 e 320, obriga sempre à prévia audição do Presidente para o destino a dar aos bens doados, leia-se oferentes, no caso o doador, aqui recorrente.
VIII. Importa relembrar que o artigo 34º dos Estatutos diz que em caso de extinção os bens passam para a Requerida, mas exclusivamente para dar continuidade aos projetos da Fundação, o que não sucedeu.
IX. Bem como o recorrente teria de ser, na qualidade de doador e presidente, ouvido sobre o destino dos bens, até porque em rigor, foi dado como provado que a Requerida não fez doação dos 49% de uma editora, pelo que não cumpriram os estatutos e como tal não tem poder nem direitos.
X. Como consta dos factos provados indiciariamente, em 12º que o recorrente doou o seu património, entende o recorrente que face ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 3º do regulamento deveriam tais bens “Propriedades patriarcais” para uso exclusivo seu e com usufruto a favor dele e dos seus descendentes.
XI. No entanto, a ata do Conselho Provincial Extraordinário de 15.01.2009 foi relevante para que o tribunal tivesse formado a sua convicção quanto aos factos indiciariamente provados, conforme consta da sentença ora recorrida, não podendo ser ignorado o seu conteúdo, reitere-se, conteúdo esse que confere a aprovação dos Estatutos e todo o seu conteúdo.
XII. Conforme depoimento da testemunha Padre HH, prestado com a referência 02025-01-17_14-15-08, que parcialmente se transcreveu nas motivações, nomeadamente, a partir do minuto 07:45 até 08:13, o regulamento existe, é do conhecimento da testemunha, leu trechos do mesmo e corroborou que tal foi elaborado e do conhecimento da Requerida.
XIII. Tal regulamento foi assinado quer pelo presidente, quer pelo responsável com poderes para o ato, em representação da requerida, conforme documento junto sob nº 9 que corresponde a um substabelecimento sem reserva.
XIV. Sobre a questão do crédito do recorrente, não foram considerados como provados indiciariamente, as avaliações quer dos prédios doados pelo recorrente, os quais constituem património a ser-lhe devolvido após extinção da fundação, quer das avaliações do projeto a implementar e danos causados, bem como do bem em vias de ser vendido pela requerida.
XV. Assim consta da sentença ora recorrida, nos seus factos não provados indiciariamente, com os quais o recorrente não se conforma, as alíneas c), d) e g) e os seguintes valores:
c) Avaliado em €2.642.000,00€ (dois milhões e seiscentos e quarenta e dois mil euros);
d) Segundo a avaliação de perito reconhecido, durante a sua concretização, o referido projeto movimentaria milhares de milhões de euros e poderia originar, num cenário conservador e limitado, um rendimento para a fundação A... de cerca de €25.689.143,00;
g) Este “seminário” é a maior das suas propriedades, avaliada em cerca de €11.000.000,00(onze milhões de euros).
XVI. Note-se que consta do regulamento interno os valores dos imóveis doados pelo Recorrente à Requerente, no artigo 3º, alínea a), cuja soma é de €2.250.000,00, valor este que nunca foi contestado na ação principal pela Requerente.
XVII. As avaliações foram devidamente fundamentadas e provadas por documentos subscritos por peritos credíveis, cujas competências foram provadas.
XVIII. No caso do Dr. II, que subscreveu a avaliação a nível do projeto Zeesm e a fundamentação do crédito do recorrente, é Revisor Oficial de Contas, com certificação da CMVM, Auditor, Consultor, com 30 anos de presenças em tribunal, é perito e avaliador internacional, membro de vários Conselhos Fiscais de grupos económicos e bancos nacionais e internacionais, também tendo sido avaliador da Bolsa de Valores Portuguesa e, como o próprio declarou, ao longo do seu depoimento, com a referência 02024-12-26_10-03-31, que parcialmente se transcreveu nas motivações, nomeadamente partir do minuto 00:28 da gravação até ao minuto incluindo 18:01, cuja reapreciação se requer.
XIX. Foi posto em causa o método de avaliação aplicado pelo Dr. II, tendo o tribunal a quo entendido que a Fundação não podia ter lucro nem prejuízo, tendo aquele explicado, sem ser entendido, a metodologia internacional de Cash-Flows e de perpetuidade, usada mundialmente para atribuir o valor presente.
XX. Tal método também foi explicado pelo recorrente no seu depoimento, pois que a, Fundação, pelo seu enquadramento jurídico, não é uma empresa e como tal não tem lucros contabilísticos, mas precisa ter receitas e resultados positivos para poder ser sustentável e suportar os seus projetos e apoios que são custos.
XXI. O valor das receitas exclusivamente referentes a uma fonte, a relativa às taxas administrativa da Zona Especial que foi comparada testemunhalmente com taxas de gestão de um condomínio, excluindo todas as outras como as receitas inerentes ao valor da terra, do imobiliário, da energia, do Porto de mar, aeroporto, da praça financeira.
XXII. Quanto ao Engenheiro JJ, encontra-se junto aos autos o documento nº24, emitido pela M..., sobre a avaliação do referido Seminário, no ponto 2 “termos de contratação, alínea a. Identificação do avaliador “JJ, engenheiro civil, membro sénior da OET com cédula profissional nº ...33, com formação em avaliação imobiliária pelo Ciccopn, OutoftheBox, IPP, FIPP, IDT, HVS e ABED.”
XXIII. Este mesmo perito fez a avaliação constante da alínea c) dos factos não provados indiciariamente, assim como os da alínea g) e conforme consta do seu currículo, posto em crise, o qual, como se alcança, tem capacidade profissional credível e idoneidade profissional para as avaliações por si realizadas.
XXIV. A capacidade e idoneidade deste perito também foi corroborada pelo depoimento da testemunha KK, prestado com a referência 02025-01-17_14-37-56, que parcialmente se transcreveu nas motivações, nomeadamente a partir do minuto 004:15: da gravação até ao minuto 14:05, cuja reapreciação se requer.
XXV. O tribunal a quo pôs em causa os peritos e o método de avaliação que são as melhores práticas internacionais, dando uma interpretação totalmente errada da metodologia e, não tendo entendido nem feito perguntas sobre a metodologia.
XXVI. Quanto à questão do justo receio, como já se referiu ficou preterido, após a decisão, com a qual o recorrente não se conforma de não ter alcançado a demonstração do seu crédito, quando na verdade foram dados como provados factos, documentados e por prova testemunhal, de que bens da requerida foram vendidos e estão à venda, pondo em crise o crédito do
recorrente.
XXVII. Veja-se desde logo que consta da sentença, nos factos indiciariamente provados, nos seus nºs. 22º a 37º, prova inequívoca de que a requerida está a alienar património.
XXVIII. Nomeadamente o imóvel mencionado nos factos indiciariamente provados em 22º a 28º, recentemente vendido (julho de 2024) a terceiros, o qual já tinha sido identificado para arresto em anterior pedido de providencia de arresto, indeferido liminarmente.
XXIX. A douta sentença considera como provado que “Consultado o registo predial de tal imóvel constatou-se que, na referida Ap....7 de 2007/09/26 –Aquisição, os sujeitos passivos, são os agora compradores EE e mulher DD”.
XXX. E ainda que “A morada dos compradores, outrora vendedores, EE e DD, conforme consta da escritura pública é a mesma do imóvel vendido: rua ..., ..., ..., ...”.
XXXI. Este imóvel foi vendido, sem intervenção imobiliária (facto também considerado como provado) e a verdade é que já não faz parte do património da Requerida.
XXXII. A Recorrida continua a vender imóveis e, não obstante, não é apreciado o justo receio.
XXXIII. As testemunhas, nos seus depoimentos, nomeadamente KK, fizeram prova cabal e suficiente para que ficasse provada a existência do requisito “periculum in mora” e até o próprio recorrente quem, em declarações, reforçou a dificuldade em obter informação, leia-se nula, acerca dos bens ainda existente em nome da Requerida.
XXXIV. Não obstante a sentença considerar como provados factos indiciários, quer por documentos, quer através da prova testemunhal e do depoimento do recorrente, o Tribunal a quo entendeu que, para além de não provar, indiciariamente, a existência do crédito, pondo em causa o Regulamento Interno, apresentado como prova documental, como erradamente, não fazendo parte do Estatuto da Fundação decidiu por “displicente apreciar o pressuposto da existência do justo receio, tendo a presente providência que claudicar.”
XXXV. Assim, o presente recurso tem por objeto a decisão de improcedência do arresto, proferida na sentença que ora se coloca em crise, confiando que o Acórdão a ser proferido por este Tribunal Ad quem revogue a sentença, decidindo pelo decretamento da providência cautelar de arresto, atendendo à reapreciação:
a. - Do erro na apreciação da matéria de facto, e
b. - Dos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentação, do registo e gravação dos depoimentos das testemunhas.
XXXVI. Assim resta concluir que, não se conformando o ora recorrente com esta sentença, entende que perante as motivações deste recurso deverá ser revogada a sentença proferida e substituída por outra em que se faça Justiça.
Termina por pedir o provimento do recurso e a revogação da sentença.
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.
As questões a decidir:
- reapreciação da decisão de facto;
- mérito da causa.
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos indiciariamente provados e não provados no tribunal da primeira instância:
1º A Arquidiocese ... procedeu ao processo de extinção da Fundação A....
2º Não consta, no conteúdo do processo de extinção da Fundação A..., a notificação ao Requerente, para exercer direito de defesa, ser ouvido ou manifestar a sua vontade.
3º O Requerente decidiu criar ferramentas e métodos para o combate à pobreza.
4º Para tanto, decidiu, constituir uma fundação e convidou a Requerida Província Portuguesa da Congregação ..., Missionários ... ou ... para, conjuntamente consigo, fazer parte dessa entidade a criar.
5º Decidiram constituir a Fundação, de âmbito canónico para o combate à pobreza, a que deram o nome de Fundação A... para o Desenvolvimento Universitário e Empresarial, também conhecida por Ordem da Cruz A... Redentora, Obra da Cruz Redentora ou A... Redentora.
6º No sentido de executarem essa vontade comum, sujeitaram tal projeto à aprovação da Arquidiocese ..., sendo a sede da fundação a constituir a situar na Rua ..., ... Guimarães, correspondente à Diocese ..., assim como a comunicação ao Governo Civil respetivo.
7º Por decreto de ereção canónica, datado de 23 de abril de 2009, é instituída a Fundação A... para o Desenvolvimento Universitário e Empresarial.
8º A Fundação passou a reger-se pelos Estatutos próprios.
9º Pela Arquidiocese ... foi enviada uma missiva ao Bispo de Dili em 16/06/2011, onde a Arquidiocese refere que “abordaram a possibilidade de a Fundação …vir a exercer a sua atividade em Timor-Leste…” e consigna que a Fundação A... é “… orientada para a solidariedade social, económica, educativa, técnico-científica, cultural, ambiental e desportiva”.
10º A Fundação A... passou a deter, por doação, património imobiliário do Requerente.
11º E, ainda, passaria a deter 49% do capital social da editora “Editorial B...”, propriedade da Requerida Província.
12º O Requerente doou o seu património, mas a Requerida Província não doou os 49% do capital social da sua editora.
13º A fundação A..., tentou implementar em Timor-Leste, Cabo Verde e Guiné-Bissau o conceito de “ZEESM”, Zona Especial de Economia Social de Mercado, conceito do qual o ora Requerente é o respetivo autor e titular da propriedade intelectual.
14º Consiste, aquele conceito, sumariamente, na criação e implantação, numa área geografia concreta, de uma Zona Económica Especial, de um polo geográfico ou “pequena cidade”, com enquadramento jurídico e fiscal específico, onde se concentrariam, uma série de atividades sociais, culturais, económicas e financeiras criadoras de emprego e riqueza para os locais, no país em que está implantada e, mesmo, para a zona do planeta em que se inserem.
15º Para a sua concretização seriam necessários parceiros ao mais alto nível do Estado, onde se tencionava inserir a ZEESM, bem como parceiros credíveis para o financiamento, supervisão, investimento, serviços a implantar, entre outros.
16º O projeto ZEESM da Guiné-Bissau deveria ser concretizado na zona de ..., pequena localidade situada no noroeste do país, junto ao Atlântico, no Golfo da Guiné e num cenário paradisíaco.
17º Prevendo-se que tal projeto poderia implicar, na sua execução total um investimento previsto de cerca de mais de três mil milhões de euros - concretamente € 3.203.957.873,00 (três mil duzentos e três milhões, novecentos e cinquenta e sete mil oitocentos e setenta e três euros) - atenta a sua autossuficiência, pois pretendia-se criar, com o apoio do Governo Guineense e investidores privados, adequadas infraestruturas de transportes, centrais energéticas e aeroporto no seio do projeto em si.
18º O projeto ZEESM da Guiné Bissau tinha condições para avançar, contava com apoio do governo e instituições da Guiné-Bissau, tinha o apoio de bancos e consultoras financeiras internacionais e, ainda, o apoio diplomático do Governo Português.
19º Destacam-se os seguintes parceiros que mostraram interesse neste projeto:
-Banco 1...;
- C...;
- D... S.A.;
- E...;
- F...;
-Universidade G...;
- H... Lda.;
- I... Lda;
- Banco 2...
20º A fundação A... foi extinta.
21º Do processo de extinção da Fundação verifica-se (do seu conteúdo) que o Requerente não foi ouvido sobre o destino a dar aos bens, nem foi notificado para exercer direito de audição e defesa.
22º Por escritura pública, celebrada no dia 31 de julho do corrente ano, no Cartório Notarial da Dra. BB, sito na rua ..., no Porto, a Ré Província, legalmente representada por CC, vendeu a DD e a EE, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, o prédio urbano sito no nº ...45 da Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP de ... sob o nº ...68, e inscrito na matriz predial sob o artigo ...22.
23º Vendeu pelo valor de €90.000,00 (noventa mil euros), muito próximo do valor patrimonial do imóvel que é de €84.904,76 (oitenta e quatro mil, novecentos e quatro
euros e setenta e seis cêntimos).
24º Trata-se de um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, garagem, anexos e logradouro, no concelho ....
25º Conforme consta da escritura o prédio encontrava-se registado “a favor da “Província Portuguesa da Congregação ...” pela inscrição Ap. ..., de vinte e seis de setembro de dois mil e sete…”.
26º Consultado o registo predial de tal imóvel constata-se que, na referida Ap....7 de 2007/09/26 – Aquisição, os sujeitos passivos, são os agora compradores EE e mulher DD.
27º A morada dos compradores, outrora vendedores, EE e DD, conforme consta da escritura pública é a mesma do imóvel vendido: rua ..., ..., ..., ....
28º Como resulta da escritura, este negócio não teve intervenção imobiliária.
29º A ação principal foi intentada em setembro de 2021.
30º Pela apresentação 22 de 2004/01/21, a Requerida Província adquiriu a fração AS do prédio sito na Rua ... e duplex, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia ... sob o nº ...09....
31º Em 20.06.2022, pela apresentação AP....47, a Requerida Província vendeu a referida fração à sociedade comercial J..., Lda..
32º Entre os dias 21 de setembro e 14 de outubro do corrente ano de 2024, a Requerida Província tentou vender o imóvel designado por “Seminário ...”.
33º Venda essa que não está publicada, sendo para venda de negociação direta com eventuais interessados, nomeadamente investidores.
34º Em junho de 2024, veio ao conhecimento do Requerente uma foto com o conteúdo seguinte:
“Esclarecimento.
Depois da nomeação do novo Superior-Geral da Congregação, do Santíssimo
Redentor, esta continua em reestruturação, a nível mundial, dada a diminuição dos seus membros.
Como consequência disto, a Congregação em Portugal e na Europa, também foi atingida. Disto resultou que a Província de Portugal, a de Espanha, a da França e as duas de Itália fossem suprimidas e passassem a formar uma só Província, denominada, Europa Sul, passando os antigos superiores provinciais para membros da Direção da mesma.
Continuam as reuniões em Nápoles, precisamente nestes dias, para ver a melhor forma de nos organizarmos a nível de cada uma destas nações, e por consequência, também, de Portugal.
Veremos como as coisas vão ficar, de maneira que sejamos capazes de continuar o nosso Apostolado.
Lisboa, 13 de junho de 2024”
35º CC, está munido de “CREDENCIAL DA CHACELARIA DO PATRIARCADO DE LISBOA”, que lhe confere poderes para vender imóveis em nome da representada - a Requerida Província.
36º As entidades jurídicas canónicas possuem cartórios e notários próprios, registos próprios.
37º O património da Requerida é composto por contas bancárias, imóveis sitos, nomeadamente, em Lagos, Porto, Lisboa, Vila Nova de Gaia, Guimarães e Sintra, veículos automóveis e rendas provenientes do arrendamento de imóveis da propriedade da Requerida.
a) E também pelo Regulamento Interno, que ora se junta sob documento nº. 7 e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual resulta da
concretização do artigo 1º, alínea a) dos Estatutos pelos quais a Fundação se rege.
b) Quer o Regulamento, como parte integrante daqueles.
c) Avaliado em €2.642.000,00€ (dois milhões e seiscentos e quarenta e dois mil euros).
d) Segundo a avaliação de perito reconhecido, durante a sua concretização, o referido projeto movimentaria milhares de milhões de euros e poderia originar, num cenário
conservador e limitado, um rendimento para a fundação A... de cerca de € 25.689.143,00.
e) O qual tem um valor de mercado nunca inferior a, pelo menos, €270.000,00 (doc. nº. 21).
f) Imóvel este que continua no mercado à venda.
g) Este “seminário” é a maior das propriedades, avaliada em cerca de € 11.000.000,00 (onze milhões de euros).
Não se responde à demais matéria alegada por a mesma se revelar indiciariamente conclusiva ou se traduzir em conceitos jurídicos, juízos conclusivos, repetidos e estarem em direta oposição com a demais factualidade dada por indiciariamente provada.
- Reapreciação da decisão de facto-
Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXV, insurge-se o apelante contra a decisão de facto, pretendendo a sua reapreciação, com fundamento em contradição na decisão de facto e erro na apreciação da prova.
Considera, sob os pontos III e IV das conclusões de recurso, que se verifica contradição entre o ponto 8 dos factos provados e as alíneas a) e b) dos factos julgados não provados.
Nos termos do art.º 662º/2 c) CPC a decisão da matéria de facto de conteúdo deficiente, obscuro ou contraditório justifica a anulação do julgamento, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto.
A contradição pode derivar da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes.
A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada a certo elemento constante do processo com força probatória plena ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal “a quo” se tenha baseado, como determina o art.º 662º/2 c) CPC[2].
No caso presente a contradição é apontada entre o ponto 8º dos factos provados, onde se consignou que: “A Fundação passou a reger-se pelos Estatutos próprios”, e os factos não provados da alínea a) “E também pelo Regulamento Interno, que ora se junta, sob o documento nº 7 e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual resulta da concretização do artigo 1º, alínea a) dos Estatutos dos quais a Fundação se rege.”, bem como, na alínea b) “Quer o regulamento, como parte integrante daqueles”.
Considera que não se justifica julgar não provados tais factos, quando do Estatuto consta a menção expressa a um Regulamento Interno.
A resposta negativa equivale à não alegação do facto não provado, fazendo jogar as regras da distribuição do ónus da prova e por isso, não significa a prova do facto contrário[3]. Desta forma, não pode apontar-se uma contradição entre um facto provado e um não provado, porque este para todos os efeitos não existe.
A questão que o apelante suscita está relacionada com a reapreciação da decisão de facto e a interpretação que se possa ou deva fazer dos Estatutos.
Conclui-se que não se justifica a alteração da decisão, quanto às alíneas a) e b) dos factos não provados, com fundamento em contradição.
O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – prova testemunhal, documental e por declaração - e decisão que sugere.
Em relação aos factos a reapreciar, considera-se que a reapreciação da decisão de facto tem por objeto as alíneas a), b), c), d) e g) dos factos julgados não provados.
Quanto à prova a reapreciar, para além da indicação que consta das conclusões de recurso, na motivação do recurso a apelante transcreve excertos dos respetivos depoimentos para sustentar a alteração da decisão e tece considerações sobre os depoimentos prestados, motivo pelo qual se considera que fundamenta a impugnação nos depoimentos consignados na gravação, pelo que, se mostra preenchido o pressuposto de ordem formal quanto à indicação da prova gravada.
Por fim, refira-se que o apelante deixou expressa a decisão que sugere, pretendendo que os factos impugnados se julguem provados, o que faz constar da motivação do recurso de forma expressa. Esta forma de alegação está conforme com a interpretação dos ónus de impugnação expressa no AUJ 12/2023, DR 220, I série, 14 de novembro de 2023.
Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[4].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[5].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[6].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
Também neste domínio o Tribunal da Relação vai reapreciar os fundamentos da decisão. É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[7] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.
Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[8].
Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.
O apelante impugna a decisão dos seguintes factos julgados “não provados”:
a) E também pelo Regulamento Interno, que ora se junta sob documento nº. 7 e aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o qual resulta da
concretização do artigo 1º, alínea a) dos Estatutos pelos quais a Fundação se rege.
b) Quer o Regulamento, como parte integrante daqueles.
Na fundamentação da decisão, considerou-se como se passa a transcrever:
“Volvendo agora a atenção para o Doc. junto como Doc. 7 denominado ‘Regulamento Interno’: Concretamente, consignamos que em relação ao documento referido pela Requerente como documento nº 7, não podemos, em concreto, concluir que aquele é o Regulamento Interno mencionado no nº 1, al. a), parte final, do Estatuto da Fundação A..., porquanto ali está escrito que a Fundação se regerá pelos presentes estatutos, “por um regulamento interno” (sublinhado nosso), desconhecendo-se contudo se é a este concreto texto denominado “Regulamento Interno” e junto como Doc. 7 a que o Estatuto se refere.
Senão vejamos.
O Doc. 7 encontra-se datado de 18 de janeiro de 2009, ou seja, foi redigido e assinado mais de três meses antes do Decreto de Aprovação do Estatuto e Personalidade Jurídica da Fundação A... (datado de 23 de abril e 2009) e está assinado pelo Requerente, ali na qualidade de Presidente da Fundação A... e pelo Padre FF, na qualidade de Procurador Provincial da CSSR. Ora, na data de 18/01/2009, o Requerente não tinha sido ainda designado para o cargo de Presidente, não tendo a qualidade com que assina naquela data, não podendo vincular a Fundação”.
Está em causa apurar se a Fundação A... se regia pelos Estatutos e por um Regulamento Interno e que constitui o documento nº 7.
O apelante sustenta a alteração nos depoimentos das testemunhas FF e HH e ainda, nos documentos nº 8 e nº 9 juntos com o requerimento inicial.
Cumpre ter presente uma súmula do depoimento das testemunhas indicadas a respeito da concreta matéria de facto.
- FF -
Sacerdote, reside em Lisboa, praticamente aposentado. Tem 89 anos. Trabalhou desde sempre no Seminário ..., nunca esteve em paróquias.
Referiu:
“Amigo dos pais e conhece o requerente desde criança. O requerente foi ter com ele para iniciar este projeto da Fundação.
É membro da Congregação, desde 1954-1955. Funções de Cónego provincial e professor no Seminário.
Foi a ... para constituir a Fundação. Trabalha na Fundação desde o princípio.
Conhece o Estatuto. O regulamento está assinado por si, na qualidade de Procurador da Província. Não sabe dizer se quando foi criada a Fundação tinha poderes de representação.
Objetivo da Fundação – ajuda para os pobres e criar polos de desenvolvimento, universidades para pobres; criar estruturas e pessoas.
A Fundação extinguiu-se em 2017, parece”.
Sobre a causa da extinção, disse:
“Houve um problema. Um sujeito que nos enganou e tiveram de repor dinheiro. Criou mal-estar. Começou em 2010. Faltava dinheiro e foram para tribunal. Em 2015 saiu a sentença que tinha de devolver e não devolveu, criou-se mal-estar. Advogado teve de localizar os bens. Em 2018 reunião com os membros da Congregação e esteve presente a testemunha e o requerente e a advogada. Nada fizeram para recuperar esse dinheiro.
A Congregação instaurou um processo em ....
Fez uma carta a pedir para não extinguir e o Arcebispo agradeceu. Passado algum tempo os colegas foram ter com o arcebispo e extinguiram a Fundação. Não avisaram ninguém. Escreveu ao Arcebispo ... e este respondeu que foi extinta a pedido dos membros da Congregação”.
Sobre o destino dos bens, após a extinção, referiu:
“Se fosse extinta os bens voltavam para o AA. O requerente entrou com três imóveis e a requerida devia ter entrado com uma quota da editora, mas não o fizeram. Um colega escreveu que a Congregação era herdeira legítima da Fundação. Mais tarde escreveu que a Fundação devia dinheiro à Congregação e o resto ficava para o AA.
Deixou de ser procurador em 2015. Acompanhou mais algum tempo por ter o processo em tribunal porque conhecia o processo.
O requerente era o Presidente da Fundação. No Direito Canónico diz que as “obras da Igreja” não se extinguem sem antes se avisar o presidente e as pessoas da direção. A Fundação era uma Obra – obras de bem fazer para ajudar os pobres. Não o fizeram. Fundação foi aprovada pela Arquidiocese ... e depois pelo Governo. O presidente nunca foi destituído do cargo. Não deviam ter extinguido sem avisar primeiro.
Esteve no Seminário ..., em ... e depois mandaram-no para Lisboa, por Ordem ... – “exilado”. Foi para Lisboa depois da extinção, por causa do mal-estar que se instalou com a extinção da Fundação”.
Cónego; sacerdote há 59 anos.
Há 53 anos em ...; antes esteve em ... e ... a estudar. Desde 1971 vive em ....
Referiu:
“O requerente procurou-o em 2009 em ..., aquando da constituição da Fundação. A Congregação tem a casa mais antiga em Guimarães, que pertence à Arquidiocese ....
Redentorista é uma grande Congregação. Não tem ligação à Congregação e sobretudo a partir de 2009, através do FF, que era ecónomo, manteve contactos com a Congregação. Estabeleceram uma relação de muita proximidade, sendo um homem sábio e prudente, querendo a harmonia entre todos.
Um amigo comum, advogado ..., é que me conhecia a mim e ao AA. O AA pensou em ..., porque a casa mais antiga situa-se em Guimarães. Exerce funções como Presidente do N... – ... e responsável da Casa Sacerdotal ... e perante tal relação, o requerente pensou que a testemunha podia ajudar na constituição da Fundação, porque o requerente não tinha conhecimento de ninguém na ....
O único interlocutor da requerida era o FF.
Não elaborou os Estatutos da Fundação. Fez parte do Conselho Superior. Tem conhecimento do Regulamento, mas não participou na sua celebração. Foi feito pelos ...”.
Questionado sobre os destinos dos bens em caso de extinção da Fundação, disse:
“Do que se recorda é que 50% dos bens reverteria sempre para o doador”.
A respeito dos bens que compunham o património da Fundação, referiu:
“Bens pessoais, imóveis do requerente e uma percentagem dos ..., mas que nunca entrou. Dois milhões e seis mil euros– valor avaliado pelos peritos - e que pertenciam ao requerente.
Regulamento Interno – consultou, porque trazia consigo - e no parágrafo único –[leu]. Parágrafo segundo.
A Fundação foi extinta. O requerente não foi ouvido sobre a extinção e chamou a atenção do senhor Arcebispo. O que se disse do requerente não corresponde à verdade. Soube-se da extinção, depois da extinção e foi pedir uma cópia da extinção e foi negado e só quando o tribunal obrigou a entregar essa decisão tomou conhecimento. Nulidade insanável.
Falta de lealdade do arcebispo, sem dar possibilidade de se defender e continuando com os projetos implementados. Timor não assinaram os acordos. Guiné Bissau tudo preparado e surge a extinção o que impede a implementação dos projetos. Nunca houve da parte da Diocese o reconhecimento que ocorreram falhas.
Direito Canónico – devia ser sempre ouvido o requerente”.
O documento nº 7 - Documento denominado “Regulamento Interno”, com data de 18 de janeiro de 2009.
O documento nº 8 – Ata da Reunião do Conselho Provincial Extraordinário, com data de 15 de janeiro de 2009.
O documento nº 9 – substabelecimento sem reserva, com data de 28 de maio de 2008, no qual a requerida atribui à testemunha FF poderes de representação.
Resulta do depoimento das testemunhas, que apesar de se reportarem aos Estatutos e ao Regulamento, não concretizaram os procedimentos adotados para a elaboração do Regulamento. Não se apurou como surge este documento.
A testemunha HH reportou os procedimentos formais para a elaboração e aprovação dos Estatutos, mas nada referiu em relação ao Regulamento.
A testemunha FF que teve uma participação mais ativa na promoção dos procedimentos para a constituição da Fundação, até porque representava uma das partes no processo, a requerida, também nada referiu a respeito da relação que se estabeleceu entre os Estatutos e o Regulamento. Referiu que conhecia os dois documentos e que assinou o Regulamento. Quando questionado sobre se o Regulamento foi por si elaborado, respondeu apenas que o assinou e não foi solicitado qualquer outro esclarecimento sobre este assunto, nomeadamente se o documento já existia aquando da discussão dos Estatutos, na reunião do Conselho Provincial Extraordinário, realizada em 15 de janeiro de 2009, ou, se surgiu posteriormente, por iniciativa do requerente ou, conjuntamente, do requerente e da testemunha.
O documento nº 8, a que se reporta o apelante no ponto V das conclusões de recurso, constitui uma ata de uma reunião do Conselho Provincial Extraordinário, com data de 15 de janeiro de 2009, onde se refere que os Estatutos – diremos projeto de Estatutos - foram discutidos em todos os pontos pelos presentes, mas nesse documento nada se dispõe sobre a elaboração de um regulamento e para que fim. Aliás, o excerto transcrito nas conclusões de recurso, revela que apenas foi apreciado e analisado o texto do que viriam a ser os Estatutos.
Argumenta o apelante, sob o ponto VI das conclusões de recurso, que o recorrente não pode aceitar a fundamentação com base no facto da data de publicação dos Estatutos ser posterior à do regulamento, porquanto a aprovação dos Estatutos ocorreu em 15 de janeiro de 2009, ou seja, antes da data do Regulamento Interno, que ocorre só a 18 de janeiro de 2009, independentemente da publicação daqueles ocorrer só em abril do mesmo ano.
Os Estatutos apenas foram aprovados e publicados por decreto de ereção canónica datado de 23 de abril de 2009 (ponto 7 dos factos provados). A reunião do Conselho Provincial Extraordinário, da requerida, realizada em 15 de janeiro de 2009, destinou-se apenas a aprovar o texto que viria a constituir os Estatutos, como decorre da ata. O documento designado como “Regulamento” contém a data de 18 de janeiro de 2009. É forçoso concluir que este documento contém uma data anterior à data da aprovação e publicação dos Estatutos, o que leva a supor que foi elaborado em data anterior.
Com efeito, como se referiu, nenhuma testemunha se pronunciou sobre esta tramitação e por isso, não se pode extrair outra conclusão que não seja a que consta da fundamentação da decisão, ou seja, que o Regulamento precedeu os Estatutos, sendo certo que se mostra relevante o facto de existir por parte das entidades intervenientes na constituição da Fundação um particular cuidado na discussão dos Estatutos, lavrando uma ata que consigna as questões suscitadas e paralelamente não ocorrer o mesmo interesse ou cuidado na discussão do Regulamento, que supostamente também passaria a reger os destinos da Fundação, o que tudo leva a considerar que este documento não resulta como sendo o Regulamento a que se reportam os Estatutos.
Contrapõe, ainda, o apelante na motivação do recurso, que o Regulamento é igualmente mencionado no art.º 14º dos Estatutos, ao contrário do que a sentença recorrida diz de “o texto o Estatuto da Fundação não remete nem faz qualquer referência para um concreto texto de um qualquer Regulamento não acolhendo nem dando por integrado qualquer texto que possa ser rotulado de regulamento interno”. E adiante, mais diz a sentença que “nem se apreende por que razão o estatuto da Fundação não menciona de forma direta ou por remissão, falando no art.º 1º, al a) parte final em “um regulamento interno”, usando artigo indefinido, sendo que em momento algum da leitura e interpretação dos estatutos da Fundação podemos inferir se existe em concreto regulamento interno e, na afirmativa, onde se encontra o mesmo”.
No artigo 14º dos Estatutos consta: “...quando em relação aos descendentes, se verifiquem as circunstâncias previstas no regulamento Interno da Fundação…”.
Confirma-se que o art.º 14º remete para o Regulamento Interno da Fundação, mas estranha-se que o apelante não se indique a norma do Regulamento Interno que visa regular e regulamentar o que está estatuído no art.º 14º do Estatuto. Por outro lado, sendo esta a única referência que nos Estatutos se faz ao Regulamento Interno, então será de concluir que apenas o regime previsto no art.º 14º dos Estatutos devia ser objeto de regulamentação e tudo o mais está disciplinado pelos Estatutos.
Porém, não é isso que resulta do documento denominado “Regulamento Interno” que se estende por muitas e diferentes matérias relacionadas com a organização institucional e gestão do património da Fundação. Tal circunstância adensa a dúvida real e efetiva sobre a natureza deste documento e da sua relação com os Estatutos da Fundação.
Refira-se, ainda, que as restantes testemunhas inquiridas não se pronunciaram sobre esta concreta matéria de facto, pelo que os respetivos depoimentos não merecem qualquer relevo para a prova destes factos.
Desta forma, é de concluir que a prova produzida não permite concluir que a atividade da Fundação se regia pelos Estatutos e pelo documento designado “Regulamento Interno”, junto como documento nº7, motivo pelo qual não merece censura a decisão que julgou não provada a matéria de facto das alíneas a) e b).
Consignou-se nos factos não provados:
c) Avaliado em €2.642.000,00€ (dois milhões e seiscentos e quarenta e dois mil euros).
d) Segundo a avaliação de perito reconhecido, durante a sua concretização, o referido projeto movimentaria milhares de milhões de euros e poderia originar, num cenário
conservador e limitado, um rendimento para a fundação A... de cerca de € 25.689.143,00.
g) Este “seminário” é a maior das propriedades, avaliada em cerca de € 11.000.000,00 (onze milhões de euros).
Na fundamentação, ponderou-se, como se passa a transcrever:
“ Objetivamente, não foi alinhada qualquer prova consistente que permita concluir que os bens destinados pelo Requerente à Fundação tinham o valor invocado, pois nenhuma prova foi trazida quanto a este circunspecto de molde a formar a convicção do Tribunal.
Também não foi carreada prova apta a sustentar que o projeto para a Guiné Bissau originaria um rendimento de cerca de 25 milhões para a Fundação, pois não podemos escamotear que, ouvido em audiência o Sr. Dr. II, este afirmou que o objetivo da Fundação “ não era dar lucro, mas também não era dar prejuízo” e esclareceu que as rentabilidades que aponta só seriam expectáveis ao fim de 20 anos de implementação do projeto e se tudo corresse bem, razão pela qual este Tribunal tem dificuldade em compreender a razoabilidade dos valores peticionados, manifestamente indemonstrados.
O facto de todos os relatórios apresentados nos autos que impropriamente chamaremos de estudos - (3 no total: Estudo de Avaliação de Projeto da Fundação A... ZEESM Guiné-Bissau para a Fundação A... datado de 30/06/2014 realizado pela “D...”; Relatório denominado “ Quantificação de perdas supervenientes lucros cessantes” por parte de AA e Fundação A... realizado por K... em 30/11/2018; Documento proveniente de “ L..., Ldª” sob o título Fundamentação do Crédito invocado pelo Requerente sobre a Requerida datado de 16/08/2024), dois deles assinados pela testemunha II e o terceiro assinado pela sua esposa, - serem todos subscritos por empresas relacionadas com aquela testemunha Dr. II, sem qualquer contraditório, nos merecem reticiências quanto ao seu conteúdo e conclusões ali vertidas.
Em suma, impõe-se referir que os estudos económicos, e relatórios de viabilidade foram produzidos unilateralmente pelo Requerente, a seu pedido, sem possibilidade de contraditório, sendo de extrema importância o facto de o Dr. II, aquando da sua inquirição, ter referido que os valores que refere como passíveis de serem alcançados, em termos de Lucro, só seriam viáveis num prazo de 20 anos de investimento e no caso de as coisas correrem bem, o que conjugado, não permite a este Tribunal dar por indiciariamente provado o que o Requerente alega em termos de valores previsivelmente alcançáveis.
Também as avaliações juntas, por si só, sem estribo em outras provas, não permitem chegar aos valores invocados pelo Requerente.
No que concerne ao valor patrimonial do imóvel do Seminário, nenhuma prova foi carreada que nos permita concluir pelo valor alegado, mais se adiantando que não foi possível concluir se aquele imóvel se encontra à venda, pois neste aspeto os depoimentos do Sr. Padre FF e da testemunha KK resultaram díspares”.
O apelante pretende que se julguem provados os factos impugnados e sustenta a alteração da decisão nos depoimentos das testemunhas II e KK e o documento nº 24 (relatório de avaliação).
Está em causa apurar o valor do crédito que o requerente reclama a título de prejuízos sofridos com a extinção da Fundação.
Cumpre ter presente uma súmula dos depoimentos prestados.
- II
Gestor; revisor de contas e consultor, licenciado em gestão de empresas.
Referiu:
“Conheceu o requerente em 2014 [mas depois retificou para 2013]. Apoiou como consultor nos últimos anos. Elaborou um relatório como ROC., dos danos.
Sabe que a requerida era um parceiro no projeto do requerente, mas não conhece pessoalmente. Não tem nenhuma ligação à ré Arquidiocese ....
Conheceu a Fundação, quando fez o estudo inicial. Era a empresa. A fundação assentava num conceito que não era negócio, assentava no conjunto das coisas que estavam envolvidas. A Igreja católica que atribuía um carater multinacional e ético e relacionado com o desenvolvimento em determinadas zonas do mundo que já foram ex-colónias portuguesas.
O primeiro projeto tinha como objeto Timor Leste. Criar um projeto que o governo de Timor viesse a apadrinhar porque vinha a beneficiar. Tinha várias vertentes para desenvolver os jovens – “Zeesm”.
Um ano depois estava ativo em Cabo Verde e dois anos depois a dar os primeiros passos na Guiné-Bissau.
Fez um estudo quanto aos danos pela extinção da Fundação. Não foi remunerado dos serviços prestados: estudo junto da fundação e apuro de danos. Pelo menos conheceu o requerente em 2013 e foi a partir desta altura que começou a ajuda não remunerada. Fez estudo para cada um dos projetos.
D... – nome da empresa, a testemunha foi o sócio fundador, 100%.
L..., Lda. – fez um estudo para o processo, doc. nº 13 (inserido a páginas 106) – um estudo de projeto de viabilidade económica em Guiné-Bissau - e doc. 19 – apuramento dos danos por efeito da extinção (documentos que foram exibidos).
O projeto era parecido com ..., em Portugal, na fase inicial. Em condições normais de mercado era expectável obter estes rendimentos. ... com mais diversidade, serviços, componente multireligião. Projeto de turismo.
D... iria recrutar interessados na zona e depois os rendimentos obtidos é
que seria remunerado.
Doc. nº 14 – sociedade da testemunha e da mulher e depois de sair da D...”.
Sobre o concreto dano reclamado pelo requerente, a testemunha disse:
“Altura em que a Fundação foi extinta, de uma forma irregular e ilegal. Irregular quando o parceiro do requerente não realizou a parte dele em capital e o requerente realizou, com três imóveis. Os ... iam doar uma percentagem relevante numa sociedade que detinham ligada a impressão, livros, uma editora. Inseria-se no esforço académico da Fundação.
A forma como fizeram, foi-me relatado pelo requerente. Conhecia o Estatuto e as obrigações e ele salientou que não foi ouvido em coisa nenhuma.
O relatório - doc. nº 14 – página 122 – imóveis, projeto de Timor, Cabo Verde e Guiné. Nenhum destes projetos dava dinheiro tinha de haver investidores e o dinheiro não era para gastar, mas para investir no projeto. MEMO fazia estudos de porto de mar, também havia um porto de mar. Estava dividido por fases. Prazo de 20 anos. Retorno ao fim de cinco anos. O retorno total era o equivalente a valor a 20 anos.
Houve uma altura em que estavam em simultâneo. Em Timor acabou por não ser assinado o acordo. Cabo Verde parou por proximidade entre as autoridades de Timor Leste e de Cabo Verde.
Em 2013 constatou que o projeto não foi concretizado. Em Cabo Verde não se concretizou (2014-2015). A Guiné estava muito bem encaminhada e o assunto acabou em 2018, porque a Fundação foi extinta. Não puderam pedir indemnização por incumprimento, quanto a Timor, porque a Fundação se extinguiu.
[Leu o relatório].
Perda global do requerente – 32 milhões euros… dizem respeito à soma das fatias da perda; perda do património que entregou, perda habitação, saldo em divida de 15 000€ e aval a fornecedores; perda dos projetos.
Existe também a perda dos ..., como consta do documento.
O investimento dele, ficou sem os bens (três milhões). Aval a um fornecedor e um cheque da família. 25 milhões – Guiné tem um valor de um terreno que estava prometido pelo Estado. O que era expectável se tudo corresse bem. 60 anos - o prazo da concessão. Só na Guiné é que havia essa expetativa de entrega do terreno.
Documento nº 19
Produziu o documento. Perda do requerente e na sequência das medidas em que se extinguiu a Fundação. Apresenta de forma muito sucinta o que acabou de se falar sobre Timor Leste, Cabo Verde e Guiné Bissau.
Perda das propriedades – 3. Propriedades que entregou como capital social. Da parte da Guiné Bissau – 12 milhões; atribuição da propriedade. Realização do capital, perda dos bens patrimoniais; Guiné. Perda do requerente. Se não fosse a extinção as coisas teriam corrido muito bem, na Guiné. Timor e Cabo Verde não teve nada a haver com a extinção da Fundação”.
Mais esclareceu que os dois projetos – Timor e Cabo Verde - não se concretizaram, por motivos alheios à Fundação e a Fundação não reagiu judicialmente.
Questionado sobre os bens da Fundação, disse:
“Se fosse extinta os bens voltavam para o AA. O requerente entrou com três imóveis e a requerida devia ter entrado com uma quota da editora, mas não o fizeram. Um colega escreveu que a Congregação era herdeira legítima da Fundação. Mais tarde escreveu “a Fundação devia dinheiro à Congregação e o resto ficava para o AA”. Deixou de ser procurador em 2015.
[…]
Sobre o edifício do Seminário em ..., ouviu falar que os espanhóis queriam comprar, para um ginásio, mas não sabe em que ficou. Acha que foi antes da extinção, mas não sei. Não se concretizou porque os espanhóis desistiram. Não sabe o valor. Ecónomo. Não sabe o valor. Zona central de ....
A Congregação tem outros bens, em Lisboa, Guimarães, Castelo Branco, o Seminário. Não sabe se o Seminário está outra vez à venda.
De acordo com a Circular vai-se proceder a uma reestruturação da Congregação. Os bens ficam na Congregação. Têm vendido alguns bens da Província, ouviu dizer. Pediram a documentação da Fundação e entregou à Congregação. O Conselho Presidencial, CC, antes da extinção pediu os documentos da extinção.
A venda é feita nos Cartórios Civis e o registo também. Têm arquivos próprios.
O projeto de Timor – não foi assinado pelo governo de Timor. Ficaram com o projeto e não assinaram o documento. Já havia obra feita”.
Técnico superior de turismo, com master em gestão de empresas.
A testemunha disse que esteve envolvido nas negociações do projeto em causa nos autos, tendo sido contactado, pelo requerente, através de amigo comum, em 2017, no início prestando consultoria, a pedido do Presidente da República da Guiné Bissau, e, após, como representante do governo da Guiné Bissau.
Referiu:
“O projeto na Guiné-Bissau – projeto na zona de um porto de mar, mercadorias.
Falou sobre o projeto. Não tinha participação do Estado Português. Na reunião não estiveram presentes as entidades indicadas pela requerente. Soube mais tarde que a Fundação foi extinta.
Previsão de 3 mil milhões de euros. Investidores de vários setores e a Fundação a pilotar. A Fundação é que iria arranjar os investidores.
O Governo de 2018 herdou o projeto e iria dar continuidade ao projeto. O Presidente da República estava envolvido. A testemunha representava o governo”.
[má audição; a reprodução do depoimento só foi possível perante os esclarecimentos prestado a solicitação da senhora Juiz]
Gestor. Conhece o requerente desde 2017-2018.
Referiu:
“Participou em 2018 numa reunião em ..., reunião dos .... Estava o FF, e outras pessoas, mas não sabe identificar; o requerente, Eng.º JJ, a testemunha (que tinha uma imobiliária na altura que estava a comercializar alguns imóveis da Fundação), a advogada do requerente e mais duas ou três pessoas próximas do requerente.
Tinha uma imobiliária em ... e comercializou um imóvel da Fundação para venda e foi nestas circunstâncias que conheceu o requerente. O Eng.º JJ era avaliador e conheceu na reunião e depois numa diligência no Tribunal do Porto.
Imóveis avaliados em 2 mil e setecentos (3 prédios). Na imobiliária só tinha a Quinta ... – 700 000 euros. Os imóveis estavam em nome da Fundação e estava tudo legalizado.
O requerente contactou-o para saber se o Seminário estava à venda. Diligenciou e soube que em 2022 estava à venda, por ordem dos .... Contactou por telefone e por mensagens, via WhatsApp. O amigo é que lhe disse que tinha o contacto dos .... Era sigiloso. A venda não tem imobiliária envolvida, não tem anúncios. Algumas pessoas de confiança iam dizendo que estavam interessados.
Não tem dados para atribuir um valor ao seminário.
Anteriormente, um ano antes, esteve à venda por algum motivo não conseguiram vender. Não sabe o preço.
Doc. nº 25 – o seminário pertence aos .... Não sabe o valor. Sabe que fica no centro de ....
Doc. nº 20 – compra e venda.
O prédio vendido pela requerida, com o valor de € 90 000,00 é inferior ao valor real”.
Os depoimentos prestados não justificam a alteração da decisão por se revelarem vagos e contraditórios nos seus termos.
O apelante veio reclamar o prejuízo sofrido pelo facto de não se conseguir implementar na Guiné-Bissau o projeto por si desenvolvido e encabeçado pela Fundação. Alegou que só não conseguiu implementar o projeto porque a Fundação se extinguiu. Este prejuízo constitui uma parcela do alegado crédito.
A testemunha II chamado a pronunciar-se sobre tal assunto, apresentou um depoimento vago, revelando dificuldade em explicar a forma como se apurou o crédito correspondente ao prejuízo, apesar de serem da sua autoria os estudos com os quais foi confrontado e que estão juntos com o requerimento inicial. Não conseguiu demonstrar como sendo o projeto da Fundação, o facto de não se concretizar representava um prejuízo para o requerente e um prejuízo no montante indicado. Acresce que frisou sempre que o projeto seria implementado com capital de investidores e essa era a tarefa do requerente, obter e arranjar investidores, o que significa que não era o património da Fundação que garantia a exequibilidade e muito menos o património do requerente.
Mesmo adaptando ao caso o instituto do “administrador do condomínio”, referenciado pela testemunha, não resulta demonstrado que o “administrador era o requerente”, quando como parece assente o projeto era promovido pela Fundação.
Admite-se que a ideia ou o estudo do projeto têm um custo e como serviço prestado deve ser remunerado, mas não é com essa base que surge reclamado o crédito pelo requerente. Alias, fica por demonstrar se os custos do projeto seriam suportados pela Fundação ou pelo Estado que beneficiaria com o projeto.
Nenhuma outra testemunha se pronunciou sobre este concreto crédito do requerente e perante a insuficiência de prova não se justifica alterar a decisão da alínea c).
Em relação ao valor atribuído aos imóveis que o requerente-apelante doou à Fundação, também a prova se revela escassa. A testemunha KK não procedeu à avaliação dos imóveis. Referiu-se sempre a uma avaliação realizada pelo Eng.º JJ. O referido avaliador não foi indicado como testemunha. Por outro lado, a testemunha apenas efetuou diligências no sentido de proceder à venda da Quinta ... (um dos imóveis doados), por ordem da Congregação. Não revelou conhecer os restantes imóveis doados, um, sito no Alentejo e outro, no Gerês e nenhuma outra testemunha revelou conhecer os referidos imóveis.
O facto de constar do documento “Regulamento Interno” o valor atribuído aos imóveis doados, não releva como meio de prova, quando, como se deixou dito não resulta demonstrado que a Fundação se regia por tal documento.
A prova indicada pelo apelante não justifica a alteração da alínea d).
Por fim, a avaliação do seminário.
Sobre a possível venda do edifício onde está instalado o seminário e o seu valor não foi produzida prova.
A testemunha KK não fez a avaliação do imóvel e não soube indicar um valor de mercado para o mesmo, apesar de conhecer o edifico e exercer a sua atividade no ramo imobiliário. Apesar de ter conhecimento que estarão a diligenciar vender não revelou ter conhecimento do preço de venda.
Acresce que a testemunha FF, membro da Congregação, referiu que o edifício não está à venda. Depois referiu que no passado (sem dar uma certeza), em data anterior à extinção, o imóvel esteve à venda, que não se concretizou porque o comprador desistiu.
Não se apurou ser este o maior imóvel da requerida, nem ainda o seu valor no mercado imobiliário.
Perante a insuficiência da prova produzida não merece censura a decisão que julgou não provada a alínea g).
Pelo exposto não merece censura a decisão de facto que se mantém.
Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos I a XXV.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXVI a XXXVI, a apelante insurge-se contra o segmento da decisão que julgou prejudicada a apreciação de um dos requisitos da providência cautelar de arresto – o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Na decisão recorrida considerou-se que não estava indiciariamente provada a provável existência do crédito e não se decretou a providência.
A questão que se coloca consiste em apreciar se mesmo assim devia o tribunal apurar da verificação do justo receio de perda da garantia patrimonial.
O arresto insere-se no âmbito dos procedimentos cautelares e tem como função: assegurar a eficácia da execução da sentença que o credor se propõe obter contra o devedor.
A razão de ser deste instituto reside no facto do património do devedor constituir a garantia dos credores e foi atendendo a determinado património que estes com ele contrataram, sendo por isso justo permitir o arresto, logo que os bens que formam o conteúdo desta garantia começarem a desaparecer, a ponto do desaparecimento poder levar à diminuição da garantia patrimonial[9].
Para que seja decretado o arresto é necessário alegar e provar:
- a provável existência do crédito; e
- o receio de perda da garantia patrimonial (art.º 391º a 392º CPC e art.º 619º CC).
ALBERTO DOS REIS referia a respeito da análise deste segundo requisito que: “[n]ão basta qualquer receio; é necessário, segundo a lei, que seja justo. Isto significa que o requerente há de alegar e provar factos positivos que, apreciados no seu verdadeiro valor, façam admitir como razoável a ameaça de insolvência próxima”[10].
Da análise da jurisprudência retira o ilustre Professor dois ensinamentos, a respeito da interpretação do conceito:
- “o justo receio de insolvência deve ser alegado e provado por forma clara, não bastando invocar o simples receio, nem fazer uma prova mais ou menos conjetural”; e
- “o arresto não deve ser decretado quando o justo receio de insolvência se funda em simples conjeturas, e não em factos apreciáveis, mais ou menos precisos”[11].
A respeito do regime previsto no art.º 391º CPC e art.º 619º CC, refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que o justo receio da perda da garantia patrimonial: “[p]ressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”[12].
O critério de avaliação deste requisito deve basear-se em factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como fator potenciador da eficácia da ação declarativa ou executiva, podendo considerar-se como factos índice as circunstâncias que possam conduzir ao reconhecimento da situação de insolvência, como sejam, a falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante ou circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações, o abandono da empresa ou do estabelecimento, a dissipação ou o extravio de bens, a constituição fictícia de créditos ou a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de incumprir[13].
Na jurisprudência sobre a matéria e no sentido exposto, podem ler-se, entre outros: Ac. Rel. Porto 13.11.2012, Proc. 3798/12.0YYPRT-A.P1; Ac. Rel. Porto 11.10.2010, Proc. 3283/09.7TBVCD-A.P1, Ac. Rel. Porto 16.06.2009, Proc. 3994/08.4TBVLG-C.P1, Ac. Rel. Porto 31.03.2009, Proc. 17/08.7TBARC-B.P1, Ac. Rel. Porto 26.01.2009, Proc. 0846632, Ac. Rel. Lisboa 16.07.2009, Proc. 559/08.4TTALM.L1-4 Ac. Rel. Lisboa 19.08.2009, Proc. 4362/09.6TBOER.L1-7Ac. Rel. Coimbra 30.06.2009, Proc. 152/09.4TBSCD-A.C1, Ac. Rel. Coimbra 15.05.2007, Proc. 120/07.0TBPBL.C1 e Ac. Rel. Évora de 23.04.2009, Proc. 1318/08.0TBABF-A.E1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt ).
Não conhecemos posição diversa.
Recai sobre o requerente do arresto o ónus de alegar e provar os aludidos pressupostos, como se prevê no art.º 392º/1 CPC.
No caso concreto, o apelante não se insurge contra a solução de direito a respeito do primeiro requisito do arresto, na medida em que a impugna no pressuposto de alteração da decisão de facto, o que não se verificou.
Não se verificando o primeiro requisito para ser decretado o arresto - provável existência do crédito -, fica prejudicada a apreciação do segundo, por se tratarem de requisitos cumulativos.
Conclui-se que não merece censura a decisão, pelo facto de não ter procedido à apreciação do segundo requisito do arresto e indeferiu a providência cautelar.
Desta forma, improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos XXVI a XXXVI.
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Porto, 10 de março de 2025
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Juiz Desembargador-Relator
Carlos Gil
1º Adjunto Juiz Desembargador
Eugénia Maria Cunha
2º Adjunto Juiz Desembargador
_______________________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 8ª edição atualizada, Almedina, novembro 2024, pág. 404-405.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 662.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005, Proc. Proc. 577/05-1 - www.dgsi.pt.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[9] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código Processo Civil - Anotado, vol. II, 3ª edição-Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim., 1981, pág. 20.
[10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, ob. cit., pág. 19.
[11] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, ob. cit., pág. 19.
[12] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, 2ª edição Revista e Atualizada, Coimbra, Almedina, 2003, pág. 186.
[13] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma do Processo Civil, ob. cit., pág. 187 - 189.