VALOR DO PEDIDO
COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÃO INCORRETA À CENTRAL DE RESPONSABILIDADES DE CRÉDITO DO BANCO DE PORTUGAL
OFENSA DA PESSOA VISADA
Sumário

I - Sob o ponto de vista formal, de errore in procedendo, não fica inquinada de nulidade a sentença que condena para além do valor do pedido referente a danos não patrimoniais, mas dentro do valor do pedido globalmente entendido.
II - A comunicação de informação incorreta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal é suscetível de ofender a honra e o bom nome da pessoa visada por ser suscetível de pôr em causa a confiança que nela pode ser depositada para cumprir as suas obrigações.
III - Não sendo elevada a censurabilidade da conduta da instituição bancária, perdurando a informação incorreta quatro meses e desconhecendo-se que a notícia do inexistente incumprimento tenha chegado a terceiros ao sistema, é equitativa a indemnização de € 3.000,00 enquanto compensação para a aflição do lesado.

Texto Integral

Processo: 1229/23.9T8PTM.P1

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Sumário
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Relatora: Teresa Maria Fonseca
1.ª adjunta: Maria Fernanda Almeida
2.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1 - Relatório:
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra o “Banco 1..., S.A.”.
Pede que este seja condenado a pagar-lhe € 50.400,00, sendo € 44.400,00 a título de danos patrimoniais e € 6.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
Alega que o R. comunicou ao Banco de Portugal a existência de uma dívida sua para com este, dívida essa inexistente, o que levou a que fossem cancelados cartões de crédito de que era titular junto de outras instituições financeiras e diminuídos os respetivos plafonds.
O R. contestou, pronunciando-se pela improcedência do pedido.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e houve lugar à seleção de temas da prova.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o R. a pagar ao A. € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a data da sentença, até pagamento, absolvendo-se o R. do demais peticionado.
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Inconformado, o R. interpôs o presente recurso, que rematou com as conclusões que em seguida se transcrevem.
O recurso é interposto da sentença de 18-10-2024, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o Banco 1... no pagamento ao Autor da quantia de € 7.500 a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da sentença, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento.
O pedido feito pelo Autor, num total de € 50.400, correspondia à condenação do Banco na quantia de € 44.400 a título de danos patrimoniais sofridos, e € 6.000, a título de danos não patrimoniais, acrescidos, ambos os pedidos, de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
O Tribunal a quo considerou que o Autor não logrou demonstrar a existência dos danos patrimoniais, como lhe competia, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil, pelo que, quanto a essa parte, o pedido não podia proceder, pelo que o Banco Réu foi absolvido do pedido, quanto à condenação no pagamento da quantia de € 44.400 a título de danos patrimoniais sofridos, acrescidos de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Quanto aos danos não patrimoniais, e muito embora o pedido feito pelo Autor fosse de € 6.000, o Tribunal decidiu condenar o Banco no pagamento de € 7.500, acrescido de juros de mora desde a data da sentença, à taxa de 4 %, até efetivo e integral pagamento.
Como tal, os fundamentos para o presente recurso são:
a) A nulidade da sentença, nos termos dos artigos 609º, nº 1 e 615º, nºs 1, alínea e) e nº 4 do Código de Processo Civil;
b) A não verificação dos pressupostos para a condenação do Réu em danos não patrimoniais.
É entendimento do ora Recorrente que a condenação além do pedido, ou em quantidade superior ao pedido, determina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 609º, nº 1 do CPC.
O Autor pediu, de forma, explícita, a condenação do Réu Banco no pagamento da quantia de € 6.000, a título de danos não patrimoniais, alegando, nos artigos 65º a 67º e 69º da p.i., mostrar-se tal quantia adequada, equilibrada e justificada face ao comportamento do Réu.
O Tribunal, invocando jurisprudência dos Tribunais superiores, decidiu aumentar o valor peticionado para € 7.500; não invocando, porém, qualquer motivo relevante para tal aumento, invocando o “ juízo de equidade” do artigo 496º nº 3 do Código Civil.
Ao condenar no pagamento da quantia de € 7.500 a título de danos não patrimoniais o Tribunal condenou em quantidade superior ao pedido, o que lhe é vedado pelo artigo 609º, nº 1 do CPC, constituindo causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPC.
Nulidade que vem invocar, nos termos do nº 4 do mesmo artigo 615º do CPC, uma vez que a causa admite recurso ordinário.
Requerendo, desde já, que a mesma seja verificada e revogada a sentença, por nula.
Para além da nulidade da sentença, ou no caso de assim não se entender, vem o Banco invocar a não verificação dos pressupostos do artigo 483º do Código Civil para a condenação em danos não patrimoniais de que foi alvo.
Dando por reproduzida a matéria de facto, quer a dada como provada quer a não provada. Assim, na escritura de compra e venda celebrada em 17.07.2018, ficou expressamente convencionado que o segundo Outorgante - o ora Autor - assumia todas as responsabilidades referentes a quaisquer despesas, encargos, impostos ou taxas devidas a terceiros, que incidem ou venham a incidir sobre o imóvel objeto do contrato de locação financeira, mesmo que sejam devidos ou venham a ser apresentados ou debitados à representada do primeiro Outorgante - o Banco – em momento posterior a esta data, mas que reportem à utilização ou ao período de utilização do mesmo imóvel pelo locatário.
O Autor, entretanto, procedeu ao encerramento da sua conta no Balcão ... em 16.11.2018, tendo a conta sido definitivamente encerrada em 22.12.2018, deixando de ser cliente do Banco.
A AT não procedeu à substituição do proprietário, e em Abril de 2019, cerca de 9 meses volvidos desde a celebração da escritura de compra e venda, notificou o Banco para pagar IMI sobre esta fração, concretamente a primeira prestação do ano de 2018, no valor de € 223,85, o que o Banco fez, em Maio de 2019.
É importante realçar que os documentos para cobrança do IMI que são enviados ao Banco constam de listas extensas, não sendo temporal e humanamente possível verificar, individualmente, se os valores e imóveis constantes dessas listas estão corretamente identificados e são seus, pelo que o Banco procede ao pagamento nos prazos solicitados.
No caso do pagamento desta 1ª prestação do IMI, o Banco conseguiu, a posteriori, identificar o contrato de locação financeira imobiliária a que se reportava, e emitiu, com data de 24.05.2019, uma fatura/recibo em nome do Autor, na qual era identificado o valor inscrito como IMI 2018/1 e a referência ao contrato de locação financeira nº ..., tendo enviado tal fatura para a morada conhecida do aqui Autor - morada que ainda hoje se mantêm - por correio simples.
O Autor não pagou aquele valor, nem se dirigiu ao Banco a pedir esclarecimentos; o Banco também já havia perdido o contacto com o cliente, que encerrou a conta em dezembro de 2018.
A AT terá retificado a propriedade do imóvel, já depois de emitir aquele ofício para o Banco pagar a 1ª prestação, conforme documento que foi junto aos autos, e terá apresentado a totalidade do IMI a pagamento do Autor, o que não foi do conhecimento do Banco.
Assim, na data relativa à 2ª prestação do IMI - agosto de 2019 - o Autor pagou os valores relativos ao IMI do ano de 2018, e ao Banco foi devolvido aquele valor pago - € 223,85 - nas 2ª e 3ª prestações do IMI de 2018, diluído nos valores a pagar, constantes das extensas listas.
Nem o Banco soube que aquele pagamento foi posteriormente feito pelo Autor à AT, nem o Autor soube que ao Banco tinha sido cobrada a primeira prestação do IMI, em abril/maio de 2019; ou, pelo menos, ignorou a fatura emitida pelo Banco e enviada em 24.05.2019.
Dos factos dados como provados e aqui reproduzidos, verifica-se que o Banco não atuou com culpa, ficando tudo a dever-se ao lapso da AT, apenas por esta entidade corrigido na 2ª prestação do IMI, embora sem que fosse fornecida explicação detalhada ao Banco.
Ficou em aberto, na contabilidade do Banco, aquele valor pago à AT, e que não era da sua responsabilidade, mas sim do Autor, perante o Banco.
O Banco de Portugal impõe às instituições financeiras que estas reportem as dívidas existentes na sua contabilidade, por uma questão de segurança do comércio bancário.
Uma dívida com dois anos de maturidade, como era o caso desta, obrigava à participação ao BP, como crédito já incobrável, abatido ao ativo.
Esta dívida teve, obrigatoriamente, de ser comunicada ao BP, por existir nos livros do Banco e não ter sido paga, o que ocorreu em junho de 2021.
Não houve contacto com o cliente, porque a conta já não existia.
O Autor encetou contactos com o Banco em agosto de 2021, pedindo esclarecimentos quanto a esta atuação.
O Banco teve alguma dificuldade, no imediato, em identificar o assunto, desconhecendo o que se tinha passado com a cobrança do IMI ao Autor, por parte da AT.
Quando foi identificada a causa, o Banco solicitou ao Autor o comprovativo do pagamento do IMI do ano de 2018, o que este fez, por e-mail de 03.11.2021.
O Banco, de imediato, ordenou a retirada do nome do Autor da CRC do Banco de Portugal, disso lhe dando logo conhecimento.
Esteve em causa um período de 4 meses, apenas.
Contrariamente ao exemplo invocado pelo Tribunal “a quo” de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 12.07.2023, em que vem confirmar a condenação do Recorrente em 1ª instância em danos não patrimoniais, pelo valor de € 5.000, quando estava em causa um processo que já se arrastava há vários anos e que, mesmo em Tribunal, ainda não se mostrava retirado do BP a informação de incumprimento.
Parece, assim, ao Recorrente que o juízo de equidade invocado na sentença se mostra totalmente desproporcionado, face àquele exemplo.
Por outro lado, o facto de os plafonds de 2 dos cartões de crédito utilizados pelo Autor não terem sido repostos pelas entidades financeiras, depois de ter sido retirado o nome do Autor do BP, é totalmente alheio ao ora Recorrente e não lhe pode ser oponível.
Houve um outro cartão de crédito cujo plafond foi reposto, e o Autor continuou a utilizá-lo.
O argumento de que o Banco foi negligente não deve proceder, na medida em que o Banco não tinha conhecimento, até 03.11.2021, de que o Autor tinha procedido ao pagamento da totalidade do IMI do ano de 2018.
O próprio Tribunal admite que o Autor possa ter recebido a carta com a fatura emitida pelo Banco.
Os factos dados como provados sob os nº 42 e 43 são os factos relevantes para a condenação do Banco em € 7.500 de danos não patrimoniais.
Porém, o facto de as entidades financeiras - A...-B... e A... - C... - não terem reposto os plafonds de crédito após a retirada do nome do Autor do BP é uma decisão interna sua, pela qual o Banco não pode ser responsabilizado; em sentido contrário agiu a entidade financeira D....
Por outro lado, a afirmação de que o Autor se sentiu envergonhado e humilhado com o facto de estar comunicada uma dívida sua no BP não é de cariz a ultrapassar o próprio pedido de condenação feito pelo Autor, aumentando o valor da condenação.
E, reconhecidamente, o facto de o estabelecimento comercial do Autor estar encerrado, em 2021, fruto da pandemia do Covid 19, também não é culpa do Banco.
O Autor não fundamenta devidamente o pedido de condenação em danos não patrimoniais, limitando-se a invocar definições genéricas, nos artigos 65º a 67º e 69º da p.i.
O Banco entende que não se mostram provados os requisitos previstos no artigo 483º do CC para a condenação, não só nos danos patrimoniais (o que já foi confirmado pelo Tribunal, na sentença), como nos danos não patrimoniais.
Para além disso, a atitude do Autor configura culpa do lesado, como previsto no artigo 570º do Código Civil.
Da qual se realça o encerramento da conta, em 16.11.2018, impedindo ou, pelo menos, dificultando o diálogo entre o Balcão da conta e o cliente, o que concorreu para os danos agora invocados pelo Autor, e também o facto de o Autor não ter reagido à fatura /recibo emitida pelo Banco em 24.05.2019 e enviada para a morada conhecida do Autor - morada que ainda hoje se mantêm - por correio simples, não havendo resposta da sua parte a tal missiva.
Tal culpa, invocada na contestação e ignorada pelo Tribunal “a quo” deve ser verificada pelo Tribunal “ad quem”, afastando ou reduzindo a obrigação de indemnizar.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser julgado procedente o recurso agora interposto, e revogada a sentença por estar enfermar de nulidade, ou se assim não for entendido, por improcedente e não provada, absolvendo o Réu do pedido.
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O A. contra-alegou, finalizando nos moldes que se seguem.
A)- A presente ação funda-se na responsabilidade civil extracontratual, regulada nos artigos 483º e seguintes do CC.
B)- Este preceito estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Seguindo a lição do Prof Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral”, Vol. 1, 8ª edição, pág. 532 e seguintes, podemos destacar os seguintes requisitos da norma legal em análise:
1. Facto voluntário do agente: no caso dos autos, está em causa a comunicação, pela Ré, ao Banco de Portugal de que o Autor era seu devedor da quantia de 223,84€, relativa a “locação financeira imobiliária”;
2. Ilicitude: está em causa a violação de um direito de outrem, neste caso, os direitos ao bem-estar psicológico, à honra e ao bom nome perante as instituições financeiras e/ou crédito – artigos 70º n.º 1 do CC onde estão englobados todos os direitos do ser humano.
3. Culpa: torna-se necessário que a conduta do agente mereça “a reprovação ou censura do direito” o que acontece quando se concluir que aquele “podia e devia ter agido de outro modo”, havendo a existência de “um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente”. Ficou assente que, mais de dois anos após o pagamento da primeira prestação de IMI, relativa ao imóvel que fora adquirido pelo Autor, e mais de dois anos após ter enviado ao Autor a fatura para pagamento daquela quantia, a Ré comunicou ao Banco de Portugal a existência de uma dívida do Autor, sem procurar saber, em junho de 2021, se a mesma ainda existia, não tendo contactado, nessa data, o Autor, nem procurado saber, junto da AT, quem tinha liquidado as demais quantias relativas ao IMI do referido prédio.
4. O dano: no caso dos autos ficou assente a existência de incómodos, vergonha e humilhação por parte do Autor, que viu ainda outras entidades financeiras impediram-no de utilizar aqueles cartões.
5. Nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano: uma vez que os danos em causa fora consequência da comunicação da Ré ao Banco de Portugal, também aqui está verificado este pressuposto.
C)- Ou seja, todos os pressupostos da responsabilidade cível extracontratual se verificam.
D)- A Ré atuou sem a diligência e cuidado que lhe era exigível, sem se preocupar com as consequências, para o Autor da colocação do seu nome como devedor na lista do Banco de Portugal, ainda para mais imputando tal dívida ao contrato de locação financeira, o que não correspondia sequer à realidade.
E)- O bom nome é um direito que assiste a cada indivíduo, assim como não se sentir envergonhado e humilhado perante terceiros, face à conduta do agente, e que lhe provoca dor e sofrimento.
F)- O ressarcimento dos danos não patrimoniais assume uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.
G)- As circunstâncias a que a lei manda atender na determinação do valor são o grau da culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso que neste enquadramento se mostrem relevantes.
H)- No acórdão deste alto Tribunal da Relação do Porto, datado de 12/07/2023, e relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. Joaquim Moura, disponível em www.dgsi.pt, a propósito de uma situação semelhante àquela aqui em apreciação, escreveu-se que “(…) ter informações negativas no BP é, comumente, referido como constar da “lista negra”. É, na verdade, um ferrete, uma nódoa moral indelével, estigmatizada e só não se sente ofendido, envergonhado e humilhado quem é, realmente, incumpridor, o que não se verifica com o Autor.
I)- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
J)- É o dano e a sua gravidade, revelada na amplitude e intensidade do sofrimento suportado pela vítima, o parâmetro fundamental a considerar, pois é precisamente esse sofrimento que se pretende compensar através da indemnização.
K)- No caso dos autos, esteve em causa o período de quatro meses; uma dívida que, ainda que existisse, nada tinha a ver com o contrato de locação financeira que havia sido celebrado entre as partes; uma conduta negligente da Ré; as consequências para a vida do Autor, nomeadamente o facto de seu nome ter ficado “manchado”, com suspensão de cartões de crédito de que era titular, pelo que é aceitável concluir como equitativa a quantia de 7.500,00€ como indemnização a título de danos não patrimoniais, levando-se em conta a situação existente à data da presente sentença.
L)- Bem andou o Tribunal de Primeira Instância em considerar como fixado de uma forma equitativa o valor de 7.500,00€ a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora,
N)- Cumprindo assim com a determinação deste valor a função compensatória e também sancionatória do ressarcimento dos danos não patrimoniais invocados pelo Autor e efetivamente provados.
O)- Considera-se, pois, que não pode prevalecer a tese da Apelante, por ter sido corretamente interpretado e aplicado o Direito e que face à prova produzida e aos factos dados como provados, correta foi a decisão do MMº. Juiz “a quo”, não tendo havido incorreta aplicação dos preceitos legais, nem da livre apreciação da prova que ao Juiz do processo assiste.
P)- A prova produzida em julgamento não foi de molde a confirmar de uma forma cabal e segura a integralidade da versão apresentada pela Ré em sede de Contestação.
Q)- O MMº. Juiz elaborou a aliás douta sentença corretamente, com sabedoria, equilíbrio e boa administração da Justiça, devidamente alicerçada na matéria de facto que resultou provada e aplicação dos preceitos legais adequados ao caso sub judice.
R)- O MM.º Juiz faz constar da douta sentença todos os elementos essenciais e constando igualmente da mesma os factos dados como provados, bem como o Direito aplicado ao caso, fundamentado em pleno e sem contradição a sua decisão.
S)- Não existe pois qualquer motivação para a Recorrente peticionar a revogação da decisão do Tribunal de 1ª Instância, como alega.
T)- Não enferma a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância de qualquer vício, mormente a nulidade invocada, falta de fundamentação ou errónea interpretação dos preceitos legais adequados ao caso, encontrando-se antes sim a Sentença bem fundamentada e corretamente alicerçada nos fundamentos de direito e aspetos processuais / formais que se impõem ao julgador,
U)- Inexistindo nulidades que imponham decisão diferente da proferida que leve à alteração das respostas dadas e plasmadas na fundamentação da douta Sentença em apreço.
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III - Fundamentação de facto
A) Factos Provados:
1. Em 15 de maio de 2006 o Autor celebrou contrato de locação financeira imobiliária (aquisição) referente ao imóvel sito em ..., concelho de Lagoa, correspondente à fração autónoma designada pela letra A do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...;
2. Na proximidade da data do pagamento do valor residual, o Banco, ora Réu, informou o Autor das despesas que devia liquidar, para efeitos de celebração da escritura de venda de valor residual que veio a ocorrer a 17 de julho de 2018;
3. O Autor procedeu ao pagamento de todos os valores solicitados pela Ré.
4. Na data do pagamento da prestação do IMI no ano de 2018 após o mês de julho, o documento emitido pela Autoridade Tributária para esse fim já se encontrava em nome do Autor.
5. O Autor liquidou todos os IMI’s emitidos em seu nome, já desde 2018.
6. O Banco 1..., S.A. em 28 de junho de 2021, comunicou ao Banco de Portugal que o Autor era seu devedor de quantia de 223,84€, relativa a “locação financeira imobiliária”.
7. Em julho de 2021, a D..., instituição de crédito da qual o Autor possuía um cartão de crédito, comunicou a este que não poderia usar tal cartão, pois junto do Banco de Portugal constava a informação de que o Autor estaria em incumprimento;
8. Alguns dias depois, a instituição de crédito denominada A..., da qual o Autor possuía também um cartão de crédito, informou que, pelo mesmo motivo, lhe iriam reduzir o plafond de crédito.
9. Nessa data o autor teve conhecimento do facto descrito em 6.
10. O Autor dirigiu-se ao balcão do Banco 1..., S.A., agência de ..., onde expôs a situação e solicitou a rápida resolução do problema, nomeadamente a correção da inclusão do seu nome como devedor junto do Banco de Portugal, pois nada devia à Ré.
11. Como resposta obteve, em 26/08/2021, a informação da ré, via e-mail, de que o caso estava em análise.
12. Em setembro de 2021, o Autor apresentou Queixa Eletrónica ao Provedor de Justiça, atenta a ausência de resposta ou contacto por parte da Ré.
13. Apresentou igualmente reclamação no Livro Eletrónico contra o Banco 1...;
14. A aqui Ré, em 22 de outubro de 2021, respondeu novamente ao Autor, via e-mail, pedindo a apresentação do comprovativo do pagamento do IMI, ano de 2018, emitido pela Autoridade Tributária.
15. O que este fez, sendo que, por e-mail de 3 de novembro de 2021, a Ré deu a conhecer ao Autor que iria deixar de reportar o incumprimento à Centralização de Riscos de Crédito do Banco de Portugal, o que fez.
16. Posteriormente, a Ré emitiu nota de crédito e depositou na conta do Autor a quantia de 223,85€.
17. Em abril de 2019, o Banco foi notificado pela AT para pagamento do IMI – 1ª prestação - relativamente a esta fração de imóvel, relativa ao ano de 2018, com data de 4-4-2019, tendo sido emitida Nota de Cobrança – n.º ... – com referência Multibanco para pagamento, relativa ao ano de 2018, do prédio urbano ...-A (fração), da freguesia ... e SF ....
18. O valor do IMI a pagar, relativo ao ano de 2018, e quanto a esta fração, era de € 671,56, sendo que o pagamento teria de ser feito até ao dia 31.05.2019, tendo o Banco, na sequência da notificação, procedido ao pagamento da 1ª prestação, no montante de € 223,85.
19. O Banco tem em seu nome inúmeros imóveis próprios para o exercício da sua atividade (Balcões e Edifícios de Serviços Centrais), como também imóveis decorrentes de contratos de locação financeira imobiliária, dos quais é Locador e Proprietário.
20. Os documentos para cobrança do IMI são emitidos pela AT em listas extensas.
21. O Banco, quando foi notificado para pagar este IMI, não verificou, como não verifica, em regra, se tais valores e imóveis estão corretamente identificados e são seus.
22. Procedendo aos pagamentos nos prazos solicitados.
23. O Banco pagou esta 1ª prestação do IMI, relativa ao ano de 2018 - € 223,85;
24. Depois de ter pago o valor solicitado pela AT, identificou esta fração com o contrato de locação financeira imobiliária celebrado com o Autor e emitiu, em 24-5-2019, uma Fatura/Recibo em nome do Locatário deste imóvel – o ora Autor.
25. Enviando a fatura/recibo para a morada conhecida no Banco, à data do encerramento da conta por parte do autor, que era a Rua ..., ..., r/c ..., em ... Portimão, por correio simples.
26. A morada em causa ainda é a do autor, como era em 2019.
27. O Autor não pagou o documento, nem se dirigiu ao Banco para apurar a razão de estar a receber tal fatura pelo correio.
28. A Autoridade Tributária alterou o nome do proprietário do imóvel em 23-4-2019, com efeitos tributários a 17-7-2018.
29. A AT procedeu à devolução do valor de € 233,85, por dedução no pagamento das 2ª e 3ª tranches de outros IMI’s que o Banco pagou naquele ano, relativamente a outros imóveis.
30. O Autor trabalha como empresário em nome individual no sector da hotelaria.
31. Em 2021, o estabelecimento comercial do Autor estava encerrado, fruto da pandemia do COVID 19.
32. O Autor tinha, para além do cartão de crédito RP on da D..., cartão de crédito A.../B... e ainda um cartão A.../C....
33. Junto da D..., o Autor tinha um plafond de 1.250,00€, que podia utilizar de dois em dois meses, que lhe foi bloqueado em julho de 2021.
34. Em janeiro de 2022, a D... desbloqueou a linha de crédito e foi possível o plafond de 1.250,00€ continuar a ser utilizado.
35. Quanto ao A... Banco, o limite máximo do cartão C... era de 4.600,00€ de reserva de compras, e de 3.850,00€ para reserva financeira, a ser utilizado também de dois em dois meses.
36. O autor utilizava esse plafond, por vezes, para satisfazer parte das suas despesas, como ocorreu entre março e abril, no valor mensal de 6,48 €, no que se refere a compras;
37. Sendo que, no cartão B... era de 2.650,00€ reserva de compras e 2.450,00€ para reserva financeira, a ser utilizado de 2 em 2 meses.
38. O autor utilizava, por vezes, este plafond para satisfazer parte das suas despesas, sendo que, até abril de 2021, e em período não determinado, tinha utilizado o valor de 469,53 € e 669,43 € em compras.
39. No seguimento da comunicação da ré ao Banco de Portugal houve uma comunicação em setembro de 2021, de que iria ocorrer uma redução do limite de crédito.
40. Após o desbloqueio, em janeiro de 2022, o cartão C... passou definitivamente para 300,00€ de reserva de compras e 100,00€ para reserva financeira;
41. Na mesma data o cartão B... passou a ter um limite de 500,00€ para reserva de compras e 100,00€ para reserva financeira.
42. Mesmo após a comunicação ao Banco de Portugal em como estava tudo regularizado, os anteriores plafonds não foram repostos.
43. O autor sentiu-se envergonhado e humilhado com o facto de estar comunicada uma dívida sua no Banco de Portugal.
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Factos não provados:
a) que o autor utilizasse, até junho de 2021, todo o plafond dos cartões de crédito identificados nos factos assentes;
b) ou que os utilizasse regularmente.
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IV - Fundamentação jurídica da causa
a - Da nulidade da sentença
O R. invoca a nulidade da sentença por o A. ter pedido a sua condenação no pagamento de € 6.000,00 a título de danos não patrimoniais, tendo sido condenado a pagar € 7.500,00.
Considera ter sido condenado em quantidade superior ao pedido.
Prevê o art.º 609.º/1 do C.P.C., sob a epígrafe limites da condenação, que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Segundo a alínea e) do art.º 615.º do C.P.C., é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Lê-se no ac. do STJ de 19-01-2017 (proc. 873/10.9T2AVR.P1.S1, Tomé Gomes): (…) a decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe sim ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido (…).
O pedido formulado nos presentes autos é de condenação do R. a pagar ao A. € 50.400,00, sendo € 44.400,00 a título de danos patrimoniais e € 6.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos à taxa legal.
Não houve lugar à condenação do R. no pagamento de danos patrimoniais, extravasando a condenação do R. o pedido atinente a danos não patrimoniais, mas compreendendo-se no âmbito do pedido entendido na sua globalidade.
A questão que nesta sede se coloca reside em apreciar se é nula a decisão que, em ação cujo pedido se decompõe em mais do que uma parcela, condena em mais do que o peticionado numa delas, ainda que se contenha no valor do pedido correspondente à soma dos pedidos parcelares.
Sabemos que as nulidades da sentença previstas no art.º 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento - errore in procedendo - e não patologias que traduzam erros judiciais - error in judicando. Em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário(in Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 686).
A sentença, como ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à luz do qual é proferida, torna-se passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do C.P.C. (in ac. da Relação do Porto de 20-5-2024, proc. 3489/22.3T8VFR.P1, Germana Ferreira Lopes).
Nesta sede, não se trata da admissibilidade da condenação do ponto de vista do erro de direito, mas sim de aquilatar se o seu eventual desvalor procedimental inquina a decisão.
Ora, ao menos sob o estrito ponto de vista formal, não se nos afigura que a sentença prolatada tenha ficado inquinada de nulidade pela circunstância de ter condenado o R. para além do valor do pedido por danos não patrimoniais, que não do valor do pedido globalmente entendido. O limite da condenação, ditado pelo princípio do dispositivo, não é violado pela condenação dentro do pedido, ainda que além do valor de um dos pedidos decompostos.
Improcede, por isso, o pedido de declaração de nulidade da sentença.
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b - Se existe fundamento para a condenação do R. no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais e, em caso afirmativo, do montante da indemnização.
Está em causa a comunicação pelo R. ao Banco de Portugal de que o A. era seu devedor pela quantia de € 223,84, relativa a locação financeira imobiliária.
Esta comunicação opera no contexto da celebração entre as partes, em 15 de maio de 2006, de contrato de locação financeira imobiliária referente a imóvel sito em ..., concelho de Lagoa. O A. liquidou tanto quanto lhe foi exigido pelo R., vindo a ser celebrada escritura de compra e venda em 17 de julho de 2018. Consta ainda dos factos assentes que na data do pagamento da prestação do IMI no ano de 2018 após o mês de julho, o documento emitido pela Autoridade Tributária (AT) para esse fim já se encontrava em nome do A., tendo este liquidado todas as quantias devidas a título de IMI em 2018.
Todavia, em abril de 2019 o Banco foi notificado pela AT para pagamento do IMI - 1.ª prestação - relativamente ao imóvel do A., por referência ao ano de 2018. O Banco procedeu ao pagamento por não ter verificado, como se apurou não verificar, em regra, se os valores e imóveis estão corretamente identificados, dada a extensão do seu património imobiliário.
Após o pagamento, solicitou ao A. que este lhe pagasse aquela quantia, enviando fatura para a morada daquele e em 28 de junho de 2021, volvidos mais de dois anos, comunicou ao Banco de Portugal que o A. era seu devedor da quantia de € 223,84, relativa a “locação financeira imobiliária”.
A questão que se perfila em primeira linha consiste em definir se o comportamento do R. foi consentâneo, ou, pelo contrário, desconforme com o que deveria ter sido a sua atuação. Discute-se a responsabilidade do R. enquanto instituição de crédito, pelo cumprimento dos deveres inerentes à transmissão de dados no âmbito da aplicação do decreto-lei 204/2008, de 14 de outubro.
Da análise conjugada do art.º 1.º/1/a/b/2 e do art.º 2.º/1/4 do decreto-lei 204/2008, de 14 de outubro emerge que compete ao Banco de Portugal reunir e divulgar a informação centralizada às entidades participantes, sendo responsabilidade destas transmitir àquela central de dados as responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito, sob qualquer forma ou modalidade, de que sejam beneficiárias pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes em território nacional. A informação divulgada pelo Banco de Portugal, constante da Central de Responsabilidade de Créditos, é da responsabilidade das entidades que a tenham transmitido, cabendo exclusivamente a estas proceder à sua alteração ou retificação, por sua iniciativa ou a solicitação aos seus clientes, sempre que ocorram erros ou omissões.
Nos termos do disposto no art.º 3.º/1 do mesmo decreto-lei 2004/2008, de 14-10, as entidades participantes ficam obrigadas a fornecer ao Banco de Portugal, conforme a regulamentação aprovada, todos os elementos de informação respeitantes a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal que são referidos no número seguinte, e, quando requeridos pelo Banco de Portugal, todos os elementos de informação relativos a responsabilidades efetivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido no estrangeiro pelas suas sucursais no exterior.
Sabemos já que a comunicação pelo R. ao Banco de Portugal foi indevida. O A. não era devedor da quantia que o Banco alegou estar em dívida.
Embora se possa compreender os motivos pelos quais o R. procede ao pagamento do imposto municipal sobre imóveis conforme lhe é comunicado pela Autoridade Tributária, partindo do pressuposto de que a comunicação é correta (a detenção de extenso património que dificulta anormalmente a verificação caso a caso), nem por isso a sua conduta deixou de ser ilícita. Como se lê no ac. da Relação do Porto de 12-7-2023 (proc. 4288/19.5T8GDM.P1, Joaquim Moura), os clientes de uma instituição bancária têm o direito de esperar que esta atue com zelo e diligência e que esteja devidamente apetrechada para evitar erros como o cometido (…).
Quanto à conduta do A., constata-te que nada comunicou ao Banco sobre o mal fundado do envio da fatura para pagamento, remetendo-se à inércia.
É sabido que constituem fundamentos da responsabilidade civil extra-contratual, prevista nos artigos 483.º e seguintes, o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
A comunicação operada pelo R. foi ilícita por se reportar a dívida inexistente, já que o Banco R. não era credor do A..
Ainda que a conduta do R. seja meramente negligente, nem por isso se deixa de verificar o pressuposto da culpa. Efetivamente, a comunicação foi culposa, pois que impendia sobre o R. o ónus de se certificar da real existência do crédito. O R. não agiu com dolo, mas podia e devia ter agido de outro modo, consentâneo com os deveres que sobre si impendem enquanto instituição de crédito.
Existe relação entre a conduta do R. e os prejuízos de ordem não patrimonial causados na esfera jurídica do A.. Os prejuízos consistem na vergonha e humilhação sentida pelo A. pela circunstância de estar comunicada uma dívida sua no Banco de Portugal - note-se que os bloqueios nas linhas de crédito do A. junto da D..., A.../B... e A.../C... se reportam à vertente patrimonial do dano, que vimos já ter sido arredada na 1.ª instância.
Verificados que são os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, analisemos agora a questão sob o ponto de vista da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais. Neste âmbito, a apelante insurge-se contra a condenação de que foi alvo no pagamento de € 7.500,00, pugnando pela não fixação de indemnização, ou, pelo menos, pela redução da indemnização.
Preceitua o art.º 70.º/1 do C.C. que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Definem-se tradicionalmente os danos não patrimoniais como prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 571, 6.ª ed.). Esta expressão abarca diversas realidades: dores físicas, desgostos morais, perda de prestígio ou reputação.
Os danos morais resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, como a integridade física, a saúde, a tranquilidade, a liberdade, a honra, a reputação, bem-estar físico e psíquico, etc. (Pedro Branquinho Ferreira Dias, O Dano Moral na Doutrina e na Jurisprudência, Almedina”, 2001, pp. 23 e ss.).
No Código Civil de 1966 foi introduzida a norma genérica constante do art.º 496.º, declarando indemnizáveis todos os danos não patrimoniais, desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Por aqui já se vê que o Código Civil não opera qualquer restrição quanto à origem dos danos de natureza não patrimonial, exigindo apenas que os danos revistam gravidade. Impõe-se, pois, proceder à respetiva quantificação.
O número 3 do art.º 496.º do C.C. preceitua que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo infligido.
Perante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não tem por escopo a sua reparação económica, mas compensar o lesado pelo dano sofrido, proporcionando-lhe uma quantia pecuniária que lhe permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão.
A compensação por danos não patrimoniais, para responder de forma atualizada ao comando do art.º 496.º do C.C., e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Entende-se que os danos não patrimoniais em questão são de molde a merecer a tutela do direito.
Trata-se da inclusão num sistema oficial de controle do risco de crédito de uma informação falsa, segundo a qual o A., pessoa singular, tinha uma dívida, para com o R., no valor de € 233,85.
É certo que o sistema de informação é sigiloso (artigos 2.º/5, 5.º/2 e 7.º/2 do decreto-lei 204/2008) e que nada se provou quanto à divulgação da informação perante terceiros (para além do Banco de Portugal e das outras instituições financeiras). Sem embargo, a potencialidade de consequências negativas para a credibilidade do visado é de tal ordem, que o mero conhecimento da comunicação parte deste é suscetível de lhe causar preocupação e transtorno. É a esta alteração psíquica e emocional que a ordem jurídica não deve ficar indiferente.
Cremos, pois, que a presente situação se integra no âmbito daquelas que, como se dá conta na doutrina (António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª edição, Almedina, p. 448), têm originado a responsabilização pelos tribunais dos participantes na Central de Responsabilidades de Crédito.
Como se lê no ac. da Relação de Lisboa de 28-9-2017 (proc. 15249/15, Jorge Leal, consultável em https://www.jusnet.pt/), que refere extensa jurisprudência, as angústias e transtornos causados pela indevida inclusão de um nome na base de dados de incumpridores, transmitida e comunicada ao Banco de Portugal, atingem o património moral dessa pessoa, devendo merecer a tutela do direito e, pela sua gravidade, ser indemnizados, nos termos previstos pelo art.º 496.º do C.C.
Objeta o apelante que se verifica culpa do lesado nos termos do preceituado no art.º 570.º do C.C.. Vejamos, pois, se se verifica culpa do A. que conduza à redução ou mesmo à exclusão de indemnização.
Sustenta o R. a este propósito: (…) realça(-se) o encerramento da conta, em 16.11.2018, impedindo ou, pelo menos, dificultando o diálogo entre o Balcão da conta e o cliente, o que concorreu para os danos agora invocados pelo Autor, e também o facto de o Autor não ter reagido à fatura /recibo emitida pelo Banco em 24.05.2019 e enviada para a morada conhecida do Autor - morada que ainda hoje se mantêm - por correio simples, não havendo resposta da sua parte a tal missiva. Tal culpa, invocada na contestação e ignorada pelo Tribunal “a quo” deve ser verificada pelo Tribunal “ad quem”, afastando ou reduzindo a obrigação de indemnizar.
O n.º 1 do art.º 570.º do C.C. prevê que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
O art.º 570.º/1 C.C. refere duas realidades diferentes: uma, em que o facto do lesante e o facto do lesado concorrem para a produção dos danos, falando-se a esse respeito de concorrência de causas, e outra, em que se verifica concorrência do facto do lesado apenas para o agravamento dos danos, verificando-se uma causalidade sucessiva.
Relativamente à censura do R. à conduta do A. por este ter encerrado a sua conta no Banco, com o que teria dificultado os contactos, é apodítico que o A. não estava obrigado a manter conta junto daquele, tampouco se alcançando em que medida a manutenção da conta teria impedido o ocorrido.
Quanto ao facto de o A. não ter entrado em contacto com o Banco R. a fim de chamar a atenção para a circunstância de que a quantia pedida não era devida, trata-se de incúria que, conquanto não tenha contribuído para uma resolução, que poderia ter sido simples, do lapso, não é causal do mesmo. Limitou-se a concorrer para a manutenção do engano, não determinando, porém, o agravamento do dano.
Conclui-se, tudo visto, inexistir fundamento para isentar a R. do dever de indemnizar ou sequer para a diminuição da medida da reparação.
Importa, pois, proceder à fixação da indemnização.
No que concerne ao montante indemnizatório, importa que não nos distanciemos do valor relativo das decisões jurisprudenciais. Nas palavras do ac. do Supremo Tribunal de 31-1-2012 (proc. 875/05.7TBILH.C1.S1, Nuno Cameira), o montante da indemnização deve ser fixado mediante recurso à equidade (…), o que, levando a ter que considerar as circunstâncias particulares de cada caso concreto, potencia o risco de decisões demasiadamente marcadas pelo subjetivismo dos magistrados; ora, isto não é positivo para a administração da justiça, desde logo porque os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição.
Veja-se ainda o ac. Relação de Lisboa de 23-6-2022 (proc. 14842/20.7T8LSB.L1-6, Ana Azeredo Coelho): a questão da medida da indemnização implica um exercício de superior dificuldade qual seja o de traduzir quantitativamente o que é intrinsecamente qualitativo. Em consequência, têm de procurar-se critérios que levem à determinação do “indeterminável”, ou seja, a exprimir em valor patrimonial aquilo que o não tem, por ser de outra ordem. Nestas circunstâncias, o critério de fixação da indemnização funda-se na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso - artigos 496º, nº3, e 494º, ambos do Código Civil - bem como a atribuição de uma indemnização cujo valor patrimonial proporcione nessa dimensão patrimonial algum conforto específico.
Em casos paralelos, os tribunais têm atribuído valores que, como não poderia deixar de ser, refletem as circunstâncias concretas de cada caso, variando os valores com que nos deparámos entre € 2 500,00 e € 15 000,00 (cf. ac. da Relação do Porto de 27-5-2010, proc. 671/08.0TBPFR.P1; ac. do S.T.J. de 18-1-2011, proc. 6725/04.4TVLSB.L1.S1; ac. do S.T.J. de 19-5-2011, proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S2; ac. da Relação de Lisboa de 15-9-2011, proc. 6771/09.1TBOER.L1-8; ac. da Relação de Lisboa, de 12-1-2012, proc. 6512/04.0TVLSB.L1-2; ac. da Relação de Lisboa de 20-5-2014, proc. 1723/10.1TXLSB.L1-1; ac. da Relação do Porto de 28-4-2015, proc. 5472/12.8TBMTS.P1; ac. da Relação de Lisboa de 28-9-2017, proc. 15249/15; ac. da Relação de Lisboa de 2019, proc. 1594/17.7T8VCT.L1-2).
As situações vertidas diferem, porém, grandemente daquela em causa nos autos, exceto no que se reporta ao último dos acórdãos enumerados.
Esse último acórdão (ac. da Relação de Lisboa de 2019, proc. 1594/17.7T8VCT.L1-2, António Moreira) reporta situação em que foi comunicada a existência de créditos vencidos na situação de litígio judicial, o que não correspondia à verdade, por os AA. se encontrarem a cumprir pontual e integralmente o seu crédito. A indemnização foi fixada em € 2.500,00, sendo dois os AA..
O ac. a que o apelado faz apelo (o ac. da Relação do Porto de 12-7-2023, proc. 4288/19.5T8GDM.P1, Joaquim Moura) descreve dupla comunicação pela instituição financeira de duas situações de que a lesada não teve qualquer conhecimento, bem como insistências desta durante um ano, sem que a instituição fornecesse qualquer esclarecimento, omissão que se manteve.
Já no caso dos autos, o grau de censurabilidade da atuação do apelante não é elevado, dadas as circunstâncias em que recebe as notificações para pagamento do imposto municipal sobre imóveis e o lapso de tempo em que perdura a comunicação indevida e o conhecimento do A. da mesma é diminuto. A comunicação do R. ao Banco de Portugal data de 28 de junho de 2021. O conhecimento do ocorrido pelo A. é de julho do mesmo ano. A queixa do A. junto do R. ocorre em 26 de agosto de 2021. A resposta do Banco em como iria deixar de reportar o incumprimento à Centralização de Riscos de Crédito do Banco de Portugal data de 3 de novembro. Como também já referimos, não se detetou concreto conhecimento, por terceiros, para além do Banco de Portugal, e das instituições de crédito, do incumprimento imputado pelo R. ao A..
Assim, tudo ponderado, realçando-se que a aflição gerada na pessoa do A. pela comunicação do inexistente incumprimento tem a duração de cerca de quatro meses, afigura-se-nos ser de reconhecer àquele uma compensação no valor de € 3.000,00, Entende-se esta quantia como bastante para compensar o pesar ocasionado ao A..
Cifrando-se o quantitativo da indemnização dentro do valor peticionado pelo A., conhecer da apelação na parte em que o recorrente se insurge contra a fixação em 1.ª instância de valor superior ao peticionado pelo A. neste estrito âmbito, consubstanciaria a prática de um facto inútil (art.º 130.º do C.P.C.). Como tal, não nos debruçaremos sobre o tema.
O montante indemnizatório foi alterado por esta Relação, esclarecendo-se que a quantia fixada o foi atualisticamente. Assim, os juros de mora serão apenas devidos a partir do dia do presente acórdão (confira-se o Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9-05-2002, publicado no D.R. I série-A, de 27-06-2002, que fixou jurisprudência no sentido de que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação).
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, fixando-se a indemnização devida ao A. na quantia de € 3.000,00, indo o R. condenado a entregar-lhe esse montante, acrescido de juros de mora à taxa de juros civis desde a data do presente acórdão até pagamento.
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Custas pelo A. e pelo R., que se cifram em 50% para cada um, por existir decaimento parcial de ambos (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 10 de março de 2025
Teresa Fonseca
Fernanda Almeida
Fátima Andrade