I - Da deficiência da gravação, que não conduza à nulidade do ato, resulta impedimento da reapreciação da prova, pois que, tendo o Tribunal da Relação de reapreciar a prova com base nos mesmos elementos que o Tribunal de primeira instância dispôs tal deixa de ser possível quando a gravação da prova não permita a compreensibilidade de tudo o que foi produzido.
II - Não provando o Autor os factos constitutivos do contrato de mútuo que invoca nem os do enriquecimento sem causa da Ré, que, subsidiariamente, alega, impendendo sobre si o respetivo ónus da prova (cfr. nº1, do art. 342º, do Código Civil), não pode a pretensão formulada deixar de soçobrar.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Recorrente: o Autor - AA
Recorrida: a Ré - BB
AA propôs ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra BB, pedindo a condenação da Ré a pagar a quantia de €10.000,00 acrescida de juros de mora vincendos (à taxa legal) desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Alega, para tanto e resumidamente, ter celebrado com a Ré um contrato de mútuo tendo-lhe, conforme acordado entre ambos, emprestado a importância de 10.000,00€, com obrigação assumida, pela Ré, de restituição da referida importância e, a assim se não considerar, que se verifica enriquecimento sem causa da Ré naquele valor[1].
A Ré contestou defendendo-se por exceção, ao invocar a sua ilegitimidade, e por impugnação, negando os factos alegados pelo Autor, sustentando nenhum contrato ter celebrado com o Autor e que a conta onde este depositou o dinheiro não era movimentada por si, mas unicamente pelo seu, então, seu marido, CC, de quem se encontrava, já, separada de facto, sem que tivesse conhecimento de movimentos ou quantias que lá eram depositadas.
“1ª testemunha da ré
DD, profissão, contabilista certificado, não conhece o autor, mas conhece a ré.
Prestou juramento legal, de acordo com o disposto no artº 513º, n.º 1 ex: vi 459º, nº 2 do C.P.C., tendo sido advertido de que estava obrigado a dizer a verdade.
Encontrando-se a sua identificação, juramento e depoimento gravado digitalmente no sistema informático H@bilus Media Studio.
Dada a palavra à Il. Mandatária do autor, pela mesma foi dito que nada tem a opor, não prescindindo de prazo de vista, cujo conteúdo se encontra gravado digitalmente no sistema informático H@bilus Media Studio.
O tribunal ao abrigo do artigo 423º do C. P. Civil, admite a junção aos autos dos documentos (e-mails) exibidos pela testemunha, concedendo 10 dias como prazo de vista às partes, cujo conteúdo se encontra gravado digitalmente no sistema informático H@bilus Media Studio.
Notifique.
Do despacho acabado de proferir, foram os presentes devidamente notificados”.
CONCLUSÕES:
I. Constitui Legal Dever do Tribunal o Julgamento de toda a matéria, de facto e de Direito, alegada pelas partes, e desta forma de todo o objecto do processo, respondendo a toda a matéria de facto alegada pelas partes pronuncie na sentença quanto a todas as questões, com vista a uma justa e boa decisão da causa.
II. Ainda que se reconheça que no nosso ordenamento jurídico vigore o princípio da livre apreciação da prova, princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, C.P.C. detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, sempre será de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art.º 607, n.º4 C.P.C.)
III. Requer-se que a parte da prova documentada, cuja gravação é impercetível, seja declarada nula, nos termos conjugados dos artigos 195º, 197º e 199º, n.º 2 do C.P.C
IV. Requer-se que seja ordenada a repetição da prova declarada nula.
V. O reexame da matéria de facto, pelo Tribunal ad quem, consubstancia uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, estritamente balizada, pela lei, aos factos erroneamente apreciados com as respectivas gravações das diversas sessões de audiência de julgamento.
VI. Devem ser julgados, na perspetiva do recorrente, e ao reexame das provas que escoram esse entendimento.
VII. Andou mal, ab initio o Douto tribunal ao não considerar que cabe razão ao autor no que diz respeito, à indisponibilidade das gravações das diversas sessões de audiência de julgamento, na funcionalidade competente da plataforma CITIUS.
VIII. As mesmas, apenas, ficaram disponíveis após requerimento do Autor a denunciar a situação, a 17/10/2024.
IX. Ora, a lei processual obriga no n.º 3 do art.º 155º do CPC, que: “a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de 2 dias, a contar do respectivo ato”, e o Autor denunciou a situação ao tribunal a quo no prazo mencionado no n.º 4 do referido artigo.
X. A audição do depoimento do Autor é impercetível e foi denunciado no prazo legal, desde o momento em que as gravações ficaram disponíveis, pelo que estamos perante uma nulidade, nos termos conjugados dos artigos 195º, 197º e 199º, n.º 2 do C.P.C
XI. Como consequência da referida nulidade que deve ser declarada, deverá ser ordenada a repetição da prova declarada nula.
XII. Contudo, caso assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca à cautela ainda diremos o seguinte:
XIII. Em sede de Fundamentação considerou a Mm.ª Juiz com relevância para a Acção provados todos os factos descritos nos pontos A a W da Sentença recorrida.
XIV. Outra é, evidentemente, a nossa opinião considerando que alguns dos factos foram erroneamente dados como provados e/ou outros como não provados por cotejo quer com a prova documental junta, quer a prova testemunhal realmente produzida em sede de Audiência de Julgamento.
Destarte,
XV. Andou mal, o Douto Tribunal ao interpretar e concluir sobre a matéria de facto dada como Provada e não provada quando decisão diferente decorre da prova quer documental, quer testemunhal, objecto de gravação quanto aos seguintes factos:
Facto Provado B - Em18.05.2018 o A. procedeu ao depósito do valor de €10.000,00 em conta de que a ré é, também, titular, junto ao Banco 1..., está em contradição, clara, e evidente com os factos dados como não provados 1 e 2:
1.Que em 18.05.2018 o A. emprestou à ré BB a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
2. E que esse concreto empréstimo foi feito através do deposito – em numerário em nome da R. em conta de que esta é titular junto ao Banco 1....
XVI. Com o devido respeito, parece-nos no mínimo contraditório os factos provados e não provados, pelo tribunal a quo. a ininteligibilidade parece-nos evidente na contraposição destes factos referidos na douta sentença, dados como provados (B) e os não provados (1 e 2).
XVII. Assim em nossa humilde opinião a análise perpetuada pelo tribunal a quo emerge na caracterização dos factos de forma contraditória, por se mostrem absolutamente contraditórios entre si, de tal forma que não nos parecem poder coexistir, ou seja, quando se apresentem com um conteúdo logicamente incompatível, de tal modo que não possam subsistir entre si.
XVIII. Relativamente a estes factos, nenhuma testemunha pode confirmar os mesmos ou desmentir;
XVIX. Não sabiam e não tinham como saber por ser factos que dizem respeito à intimidade financeira da Ré, e do seu então marido.
XIX. A testemunha DD, como amigo muito chegado da Ré e da sua família, acaba por não precisar a data de separação do casal, sendo que verificamos perante perguntas que saem do programado, a testemunha deixa de conseguir firmar respostas sólidas, concretas e escorreitas.
XX. Deste modo, entende-se perfeitamente que o seu depoimento surge na qualidade de amigo a quem foram transmitidas circunstâncias e elementos necessários a ser carreados para os presentes autos de forma a sustentar a posição da ora ré.
XXI. Tal conclusão fica clarificada, com o testemunho de ouvir dizer trazido por esta testemunha, quando menciona que entrou em contato com a ré que lhe explicou o conteúdo do presente processo e, ainda, entrou em contato com o senhor CC, para se informar de mais elementos e, por fim carrear para os autos documentos, alegadamente, enviados por este através de e-mail.
XXII. Relativamente ao testemunho de ouvir dizer, é um depoimento indireto, não passível de contraditório, não tendo sido indicado o meio de prova direto, permitindo que o juiz e as partes possam então, ouvir essa fonte e desencadear o princípio do contraditório, nos termos do art.º 3ºn.º 3 do C.P.C.
XXIII. A violação do princípio do contraditório do artigo 3º, n.º 3 do CPC dá origem ou uma nulidade do próprio acórdão por excesso de pronúncia nos termos dos artigos 615º n.º 1 alínea d), 666º n.º 1 e 685 do CPC, o que desde já se invoca, com todas as consequências legais.
XXIV. Acresce, que a mesma testemunha, carreia para os autos documentos, devidamente impugnados pelo Autor, que não foram alvo de despacho relativamente à referida impugnação, pelo tribunal a quo, e
XXV. Os mencionados documentos, como fotocópias impressas, pugnam pela falta de genuinidade, veracidade e certeza jurídica tendo sido considerados válidos e base para fundamentar a sentença do tribunal a quo.
XXVI. Por não ter sido aferido a genuinidade e veracidade das fotocópias juntas pela testemunha DD, o tribunal não poderia utilizar os mesmos para consubstanciar a sua posição na sentença que proferiu, violou assim as mais regras basilares do direito, pois parece-nos estar perante uma evidente, NULIDADE DA PROVA, que culmina na Nulidade Processual prevista no art.º 615.º1 d)
XXVII. As diversas testemunhas apresentadas pela ré, BB, foram categóricas em dizer que não tinham conhecimento do “empréstimo”. realizado pelo autor a esta.
XXVIII. Assim EE, FF, GG e DD, não puderam vir acrescentar quaisquer elementos substanciais a este respeito.
XXIX. No entanto, também as mesmas testemunhas, em forma de conluio, vêm dizer que CC, lhes havia solicitado para nunca falarem desse assunto à frente da BB, para que a sua mulher não soubesse nada.
XXX. Torna-se evidente, a concertação de depoimentos por parte das testemunhas da ora ré, usando-se sempre os mesmos exemplos e inclusive as mesmas expressões por todas as testemunhas em causa.
XXXI. Não é plausível que os mesmos amigos de CC e da ré, constantemente, e durante anos a fio sejam, coniventes com este em e esconder a atividade de investimentos na bolsa de valores exercida por ele.
XXXII. Sendo esta uma atividade que até e estava, como se verifica documentalmente, pelos documentos juntos pela AT devidamente espelhada no IRS de ambos,
XXXIII. Não se verifica, POR CONSEGUINTE, razão alguma para que esta atividade não fosse do conhecimento da ré e que houvesse a necessidade de esconder a referida atividade da mesma.
XXXIV. Aliás os documentos juntos pela AT, são claros e evidentes nos valores apresentados como mais-valias e que estes têm de ser obrigatoriamente conhecidos pela ré,
XXXV. Tal desconhecimento alegado pela Ré, e suas testemunhas, acontece durante anos a fio, e portanto, ao longo de vários anos civis, o que é INVEROSÍMIL!
XXXVI. O homem médio, base pela qual se formaliza todo o juízo de avaliação de ações ou omissões por parte de um ser humano dentro da normalidade intelectual e física, terá de ter conhecimento dos valores apresentados no seu IRS,
XXXVII. Quando estes superam 1000000 de euros em mais valias, acresce com certeza a obrigação se aferir estes mesmos valores declarados.
XXXVIII. Consequentemente, a ré como mulher inteligente, licenciada não pode alegar o desconhecimento destes factos, e muito menos considerar que o tribunal seja manipulado pela versão das diversas testemunhas por si apresentadas, em como a ré seria uma inocente esposa sem qualquer conhecimento da atividade do marido enquanto investidor na bolsa de ações.
XXXIX. Os documentos em causa não foram sequer apreciados devidamente pelo Tribunal a quo, e muito menos, foi efetuada qualquer avaliação do depoimento das testemunhas neste contexto, avaliação essa terá sempre por base de referência a do homem médio de acordo com a legislação civil.
XL. Ao contrário do defendido em Sentença não existe qualquer coerência, nem clareza, no que respeita ao depoimento da Ré e das suas testemunhas.
XLI. Desta forma não podemos ser coniventes com este raciocínio do Tribunal a quo, pois o mesmo enferma indubitavelmente de uma avaliação consonante com a realidade que todos teremos de conhecer, neste caso os elementos consagrados na folha de IRS em que a ré era um dos sujeitos passivos no mesmo.
XLII. A outra conclusão temos de chegar considerando por inverosímeis os diversos testemunhos, das testemunhas EE FF GG e DD e verificar que os mesmos foram consertados com a intenção, clara, de ludibriar o tribunal a quo,
XLII. Quanto às conclusões que deveriam ser tomadas e por fim levaram à apresentação de uma sentença que não se coaduna com o raciocínio lógico e consistente com a verdade material e formal dos factos.
XLIII. No que diz respeito ao facto E, dado como provado em sentença: a ré não conheço o autor nunca o contatou nem nunca dele ouviu falar, temos de concluir que tal não pode ser considerado comprovado atendendo aos elementos documentais juntos aos autos que demonstram exatamente o contrário;
XLIV. Assim o ponto T dos factos provados menciona que: “O documento junto aos autos pelo autor é o mesmo documento que foi junto como um dos elementos probatórios no âmbito do processo de execução que, sob o n.º ..., correu seus termos no Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, e posteriormente, em sede de recurso, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto “ onde, alegadamente o ora A, teria sido apontado como Testemunha.”
XLV. Se a ré não conhecesse nem nunca tivesse ouvido falar do autor o de elementos do ponto T, não poderiam ter sido dados como provados.
XLVI. Ou o facto apresentado o ponto E, é verdade ou o facto do ponto T é verdadeiro; ambos os factos E e T serem dados como verdadeiros contradizem a lógica e o raciocínio plausível!
XLVII. Não é possível no facto E, dizer que não se conhece que nunca ouviu falar, quando no ponto T se diz que o autor foi alegadamente um dos intervenientes no supramencionado processo em que a ré foi igualmente interveniente.
XLVIII. Acresce que a ré foi notificada judicialmente pelo autor na referida notificação judicial avulsa (doc. 2 da P.I.) e fez constar a existência do depósito em conta titulada pela ré e que requer a devolução desse mesmo valor.
XLIX. Assim como pode ser dado como provado o facto E quando documentalmente está provado que houve uma tentativa de contato judicial por parte do autor à ré, em data anterior a da propositura dos presentes autos.
L No mínimo incongruente a apresentação dos fatos provados pelo Tribunal a quo que deverá ser devidamente corrigida Pelo Tribunal ad quem.
LI. No que diz respeito ao facto T supramencionado, foi mesmo dado como provado quando na realidade não existe documento algum nos autos carreado pela ré, (a quem caberia o ónus da prova), provando o mesmo.
LII. Mais acresce, no facto T considerado provado, que o documento 1 da PI, encontrava-se junto ao supramencionado processo como um elemento integrante do mesmo, quando na realidade nos presentes autos não existe sequer um documento comprovativo deste de facto dado como provado, pelo que forma se impugna por considerar como não provada a factualidade constante do facto T e E.
LIII. Teria auxiliado na prova deste facto a R. ter junto aos Autos, um documento que comprovasse o alegado por si em sede de contestação, mal andou a R. não juntou o mesmo, apesar de a nosso entender ser crucial, para prova destes factos.
LIV. Em consequência deste raciocínio caímos na análise do facto U, facto que menciona que o autor foi indicado como testemunha do exequente senhor HH, e quer em sede de primeira instância, quer em sede segunda instância, decidiu-se pela extinção da execução quanto à embargada, aqui ora ré.
LV. Não existe e, voltamos a repetir, porque, aparentemente torna-se pertinente, qualquer documento que mencione que o autor esteve indicado como testemunha ou sequer eu conhecia o senhor HH ou sequer que a ré foi embargada nos referidos autos ou, ainda, que aqueles tivessem sido extintos.
LVI. Não existe uma certidão judicial, não existe um único elemento ou documento trazido pela Ré, a quem caberia o ónus, da prova que confirme qualquer um dos elementos considerados provados, em sede de sentença.
LVII. Não basta dizer que..... Tem de existir plasmado na sentença elementos que considerem os factos dados como provados prova efectiva, concludente, sem sombra de dúvidas, visto que no caso em questão não estamos perante um juízo cognitivo ou de valor do Tribunal a quo,
LVIII. Estamos perante FACTOS que, facilmente, seriam ou não confirmados com uma mera certidão judicial que deveria ter sido carreada para os autos pela Ré ou oficiosamente pelo tribunal a quo.
LIX. Não tendo tal acontecido, mal esteve em nossa opinião ao considerar o Facto U como provado conjugado com o facto T, também, dado como provado, pelo que se impugna, por consideramos, como não provados os factos T e U.
LX. Assim, custa entender na nossa modesta opinião como poderá o tribunal a quo formalizar um por um raciocínio que extravasa a prova realizada em audiência de julgamento e todos os documentos carreados para os autos e que poderiam ser analisados e consubstanciarem a sentença em crise.
LXI. Não existem documentos, não foi feita prova, de que o facto E, T e U, sejam considerados indubitavelmente para provados, padecendo assim, a sentença em crise de vícios na análise da prova realizada.
LXII. O facto F enferma da mesma situação pois, como sabemos, não existe um único documento que demonstre quer a data de divórcio quer a data da separação de facto.
LXIII. Em consequência o facto I dado como provado, não pode ser considerado como tal.
LXIV. Mais uma vez, deparamo-nos, apenas, com a palavra da ré, para fundamentar a prova, não é carreado qualquer documento comprovativo da alteração de morada do marido inclusive no ano de 2017.
LXV. No ano 2017, ano em que a Ré alega a referida separação de facto ambos continuam a realizar o IRS em conjunto; torna-se, útil, patrimonialmente falando a Ré, apresentar o IRS com o marido, quando aquele documento espelha mais valias do casal de mais de 5000000 de euros.
LXVI. Como se pode analisar, e utilizando a mais pura das gírias portuguesas a “bota não bate com a perdigota,” não existe qualquer facto, ou documento relevante que demonstre sequer por mera hipótese que o alegado pela Ré corresponda, efetivamente, à verdade.
LXVII. As testemunhas que alegadamente são próximas da ré, nomeadamente, o Sr. DD não conseguiu sequer confirmar a data de separação de facto da ré e do marido.
LXVIII. Muito será de estranhar que a testemunha DD, que janta todas as sextas-feiras com a ré e o marido, não saiba precisar no tempo, a data em que deixou do ter contato com o marido da ré nas reuniões sociais e na vida em comum de ambos.
LXIX. Estranho, para quem passava férias com a ré e marido não saiba precisar a data em que o marido desta deixou de fazer parte das férias em conjunto com os sogros e com a própria Ré.
LXX. Estranhar porquê? Afinal só podemos concluir que tal não é verdade, ré e marido mantiveram-se juntos até a data do divórcio ou pelo menos deixaram de fazer vida em comum em momentos anteriores e não com a disparidade do tempo que a ré alega nos presentes autos.
LXXI . Não tendo no seu livre exercício de convicção, o Tribunal a quo indicado quaisquer fundamentos para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se pudesse de alguma forma aceitar a razoabilidade dos factos erroneamente julgados como provados, deverá ser a sentença em crise apreciada de acordo com as regras do senso comum e sobretudo com base na documentação junta aos autos.
LXXII. A ré tenta convencer o tribunal a quo da realidade que não viveu, aliás a mesma refere no seu depoimento que não queria divorciar-se por razões religiosas.
LXXIII. Mais uma vez isso nos parece inverosímil, atendendo ao momento da história em que acontece, 2019.
A ré é uma mulher informada, licenciada, independente, inteligente e sobretudo capaz fosse de explanar até junto das entidades religiosas a sua situação, inclusive até pedir a nulidade do seu casamento junto de tribunal católico alegando o que veio aqui nos presentes autos afirmar.
LXXIV. Tal não aconteceu, porque na realidade foi mais a apresentação de uma defesa, argumentos que tendencialmente tentaram induzir o tribunal a quo erroneamente na sua decisão; O que conseguiu!
LXXV. Por consequência, também, não poderia ser dado como provado o facto Q, em que CC deixou de contribuir para as despesas do agregado familiar, visto que, apenas, foi tido em conta o depoimento da ré.
LXXVI. O depoimento da ré tem de ser analisado em conjunto com todos os elementos, efetivamente carreados para os autos, em que muitos dos fatos alegados por esta não correspondem à verdade, pelo que o depoimento em causa terá de ser valorado como pouco credível, incompreensível em muitos aspetos e até com falsidades o que inquina a sua versão global apresentada nos presentes autos.
LXXVII. Foram os Factos K, L e M, dados como prova do que:
1. ”O valor identificado em B. não se destinou a ocorrer aos encargos normais da vida familiar da ré.”;
2. L. “A conta sediada no Banco 1..., S.A., usada pelo autor para depositar a quantia identificada em B., era uma conta conjunta, co-titulada pela aqui ré e pelo seu, à data, marido, CC. “,
3. M. “Era o CC o único que movimentava tal conta, sem dar qualquer conhecimento à ré dos movimentos ou quantias que ali eram depositadas.
LXXVIII. O depoimento da ré enviesa em muitos elementos que não poderemos considerar verdade, mais uma vez nos leva a questionar como é possível que a ré separada de facto, alegadamente, segundo o seu depoimento, (que tal como mencionamos, é pouco plausível) continua a ter contas conjuntas com o seu marido, nestas circunstâncias.
LXXIX. Faz parte da lógica comum que a primeira coisa que se faz quando existe uma separação de facto entre casal, é separar os patrimónios, pelo menos os sejam passíveis de ser separados, independentemente, de haver outros que apenas, possam ocorrer após o efetivo trânsito em julgado do divórcio.
LXXX. Obviamente que as contas bancárias, serão das primeiras a serem separadas.
LXXXI. Tal não aconteceu, como é visível e notório, em 2018 a Ré e o marido continuavam como titulares desta mesma conta, em que a ré era inclusive a primeira titular da mesma.
LXXXI. Quando a ré peticionou o valor de 10000 EUR ao autor disse para este depositar o valor em causa na conta por si titulada.
LXXXII. O autor tal como documento junto aos outros ao depositar os 10000 EUR na conta titulada pela ré verifica, apenas, que esta é a titular daquela não percebendo pelo documento que foi junto que existia sequer um segundo titular.
LXXXIII. Poderia ter levantado algum tipo de dúvida ao autor as pretensões da Ré se, por eventualidade, estivesse mencionado que o titular em vez da ré em primeiro lugar, estivesse o nome do seu marido CC, mas não tendo sido isso que aconteceu, o autor ficou convencido que o dinheiro que depositou na conta da ré seria, efetivamente, para dificuldades financeiras que esta estivesse a passar momentaneamente.
LXXXIV. Todos os elementos que o autor tinha em sua posse eram elementos que confirmavam a versão que a ré lhe apresentou, não sugerindo qualquer de facto dúvidas de que o valor que lhe estava a entregar fosse mais tarde devolvido conforme acordado entre ambos.
LXXXV. Obviamente, que este género de assuntos não são tratados na praça publica e que a única pessoa com quem, efetivamente, pediu conselho foi a sua esposa II.
LXXXVI. O depoimento desta foi completamente desconsiderado pelo Tribunal a quo quando, vimos que perante uma simples pergunta como o nome da filha da ré e do senhor CC foi questionado, esta testemunha sem qualquer tipo de dúvida respondeu de imediato. Tal é o espelho de haver uma relação de amizade entre os 2 casais (a ré e marido CC e o autor e a esposa II).
LXXXVII. Não há razão alguma para que II soubesse o nome da filha da Ré e CC se com eles não privasse e não tivesse o contato mínimo de amizade e de conhecimento da vida destes.
LXXXVIII. Por conseguinte, não se pode dar por provado o facto V de que ré, apenas, conheceu a existência do depósito dos 10000 EUR na citação da presente ação, visto que existiu uma notificação judicial avulsa que menciona a existência desse mesmo depósito e inclusive no facto T, é mencionado que este mesmo documento, também, tinha sido junto no processo de execução que, sob o n.º ..., correu seus termos no Juízo de Execução do Porto – Juiz 2, em que a ré for embargada.
LXXXIX. Voltamos a gíria portuguesa parece uma “pescadinha com rabo na boca”, em que os factos provados só poderiam ser comprovados com documentos juntos aos autos, nomeadamente certidão judicial ou outros, o que não aconteceu!
XC. Temos, então, uma contestação, sem documento algum que comprove o que é referido pela Ré neste ato processual e muito menos existe a confirmação por qualquer outro meio idóneo que leve o tribunal a quo a considerar estes fatos como verdadeiros e consequentemente provados.
XCI. Tal facto face quer à prova carreada para os Autos, tem que ser que ser tido como NÃO PROVADO.
XCII. O Apelante entende que, também, se verificou erro de Julgamento quanto à matéria de facto dada como NÃO PROVADA, nomeadamente:
No que diz que respeita à impugnação de matéria de facto dada como não provada parece-nos indubitável que às 8/05/2018 o autor tenha depositado em nome da ré, em conta em que esta era a primeira titular e sediada no Banco 1..., SA o valor de 10000 EUR e que obviamente, a mesma se fez proprietária, tendo usado como entendeu.
XCIII. Se a ré utilizou este valor para ajudar o marido nos seus negócios o apelante não sabia nem tem de saber!
XCIV. Mas a ré sabia bem que recepcionou o valor em questão, e mesmo que não soubesse, o que por mera hipótese se coloca com a citação da notificação judicial avulsa teria esse conhecimento.
XCV. A ré não vendeu qualquer bem ou serviço autor pelo que fez o seu o valor rececionado por depósito na conta por si titulada no Banco 1... SA, em que o autor a 18/05/2018 efetivou o referido depósito bancário.
Quanto à Matéria de direito
XCVI. Na sentença do Tribunal a quo é referido e passa-se a citar: “o autor não fez prova da causa de pedir invocada seja ela a de celebração do contrato mútuo ou de enriquecimento sem causa”
XCVII. No que diz respeito ao contrato mútuo o mesmo não exigia escritura pública, pelo valor, conforme o preceituado no código e efetivamente não fui combinado qualquer valor de juro ou sequer foi reduzido o mesmo à forma escrita.
XCVIII. Quanto ao enriquecimento sem causa, que aliás se alega, estão cumpridos todos os requisitos referidos na lei civil, nomeadamente, o facto de existir uma obrigação de restituir/indemnizar um valor que foi logo locupletado pela ré in casu.
XCIX. É evidente a existência do enriquecimento pela ré, sem causa justificativa e a existência de um empobrecimento patrimonial do autor, na qualidade daquele que pede restituição, não se verificando outra forma de se ver ressarcido.
C. Os elementos constitutivos do enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473º do Código Civil, nomeadamente, enriquecimento e favorecimento e o nexo causal entre um e outro e a falta de causa justificativa da declaração patrimonial verificada encontram-se presentes in casu.
CI. Existiu indubitavelmente uma vantagem de carácter patrimonial em que a ré viu o seu ativo patrimonial a aumentar e no caso em análise o autor viu o seu património a empobrecer por conta desta entrega de valor pecuniário a ré.
CII. A ré beneficiou deste valor fez sua a quantia em causa e usou como entendeu o referido valor.
CIII. É nosso entendimento e por conta de tudo o que foi anteriormente explanado que a ré “ludibriou” o autor apelando à relação de amizade e ao bom coração do autor e esposa para obter esta vantagem patrimonial.
CIV. Mas sem entrar em divagações, a realidade nua e crua, devidamente provada por fatos e documentos juntos aos outros é de que se encontra reunidos todos os requisitos legalmente previstos para ser decretado o instituto do enriquecimento sem causa no caso em apreço.
CV. Por conseguinte, deve a Ré ser condenada no pagamento do referido valor ao autor com a entrega efectiva no valor de 10000 EUR, devendo a sentença em crise ser revogada com todas as suas legais com consequências.
A sentença recorrida fez uma incorreta avaliação dos factos dados como provados e dos factos instrumentais carreados para o processo e da sua subsunção aos normativos jurídicos subjacente instituto do enriquecimento sem Causa, bem como as consequências desse enriquecimento.
II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1- Do caso julgado quanto à invocada nulidade processual (por deficiente gravação);
2- Da nulidade da sentença, por padecer de excesso de pronúncia, vício a que alude a al. d), do nº1, do art. 615º, do CPC;
3- Da impugnação da decisão da matéria de facto e se cabe efetuar alteração a tal decisão;
4- Se, por força dessa alteração ou independentemente dela, a sentença deve ser revogada: do cumprimento do ónus da prova e consequência de não cumprimento.
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com relevância para a decisão (transcrição):
A. O Autor e a Ré são pessoas singulares, trabalhadores por conta de outrem, não exercendo qualquer atividade comercial, ou profissão liberal que envolva fornecimento de bens ou serviços.
B. Em 18.05.2018, o A. procedeu ao depósito do valor de €10.000,00 em conta de que a ré é, também, titular, junto ao Banco 1....
C. A 20.01.2021, o ora A. procedeu à notificação Judicial Avulsa da ora R. que correu termos neste Tribunal, requerendo o (...) Pagamento do valor em divida a ou, a Confissão através de documento válido do valor em divida e formalização pelas vias legalmente previstas um plano de pagamento(...).
D. A ré não respondeu à notificação judicial avulsa, não entregou qualquer valor, nem assinou qualquer confissão de dívida.
E. A ré não conhece o autor, nunca o contactou, nem nunca dele ouviu falar.
F. Em 9 de setembro de 2012, a ré contraiu casamento com CC, do qual se separou de facto em meados de 2017, sendo que o divórcio entre ambos foi decretado em 6 de maio de 2019.
G. A separação de facto ocorreu por duas razões: a primeira, porque o CC havia deixado de contribuir, há já vários meses, com qualquer quantia para as despesas do agregado familiar, o que obrigava a ré a recorrer a ajuda de familiares, designadamente de seus pais, para fazer face às despesas do seu agregado familiar, nomeadamente com a sua filha menor de idade; a segunda, porque, nessa data (meados de 2017), chegou ao conhecimento da ré que o referido CC aliciava pessoas com as quais travava conhecimento, convencendo-as a emprestarem-lhe dinheiro, que, posteriormente, ele umas vezes gastava em jogos de casino, outras vezes aplicava na Bolsa.
H. A ré confrontou-o com tal situação, e que o mesmo não negou.
I. O CC foi morar para a Rua ..., em ... - ... e a ré, face ao trauma psicológico que sofreu ao tomar conhecimento da situação, pediu ajuda aos pais, acabando por deixar o apartamento em que habitava e foi residir com a sua filha para casa dos pais, na Rua ..., lugar de ... - ... - ....
J. A ré apenas conheceu a invocação de tal empréstimo com a notificação judicial avulsa rececionada em 01-02-2021.
K. O valor identificado em B. não se destinou a ocorrer aos encargos normais da vida familiar da ré.
L. A conta sediada no Banco 1..., S.A., usada pelo autor para depositar a quantia identificada em B., era uma conta conjunta, co-titulada pela aqui ré e pelo seu, à data, marido, CC.
M. Era o CC o único que movimentava tal conta, sem dar qualquer conhecimento à ré dos movimentos ou quantias que ali eram depositadas.
N. A ré, desde que começou a exercer atividade profissional, no início de 2009, sempre trabalhou como farmacêutica na Avenida ..., ... ..., sendo que atualmente a farmácia ali existente é propriedade da sociedade A..., Lda., pessoa coletiva n.° ...41.
O. O único rendimento que a ré auferiu, desde que ali começou a trabalhar e até à presente data, sempre foi e só o proveniente do seu salário, sendo que este lhe é pago por transferência bancária para a conta de que a mesma foi e é única titular na Banco 2..., balcão da ....
P. E, para a referida conta, nunca existiu qualquer transferência ou depósito de valores relativamente aos "negócios" do seu ex-marido, dos quais nunca, por ele, lhe foi dado qualquer conhecimento, não tendo retirado qualquer benefício ou vantagem patrimonial.
Q. Até à data de ser citada para a presente ação, a ré desconhecia, em absoluto, tal depósito, e foi só após a citação para esta ação que a ré se dirigiu ao Banco 1... e requereu o extrato bancário do período temporal identificado em B. e constatou que, efetivamente, houve em 18-05-2018 um depósito em numerário da quantia de € 10.000,00.
R. Sendo que, no mesmo dia, a referida quantia foi, de imediato levantada pelo CC: foi feita uma transferência bancária de € 2.000,00 para um "JJ" e foi feito um levantamento em numerário pelo CC da quantia de € 8.005,20.
S. E esse foi sempre o "modus operandi" do CC, como a ré veio depois a saber.
T. O documento junto aos autos pelo autor é o mesmo documento que foi junto como um dos elementos probatórios no âmbito do processo de execução que, sob o n.° ..., correu seus termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 2, e posteriormente, em sede de recurso, na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.
U. No referido processo, o aqui autor foi indicado como testemunha do Exequente, Sr. HH, e quer em sede de 1ª instância, quer em sede de 2.â instância, o decidiu-se pela extinção da execução quanto à embargada, a aqui ora ré.
V. As pessoas que, de livre e espontânea vontade, entregaram avultadas quantias ao seu ex- marido, enveredando num esquema de pirâmide, tentam agora recuperar tais quantias, à custa da ré, que nunca esteve envolvida em tal esquema, desconhecendo de todo o que o seu ex-marido se tinha envolvido ou criado tal esquema.
W. O autor tem conhecimento que a pessoa com quem contactou foi o ex-cônjuge da ré - CC, a quem alegadamente entregou a quantia cujo reembolso ora vem reclamar, bem sabendo que ele se ausentou para o estrangeiro, não se tendo logrado obter a sua citação em qualquer das ações pendentes ou já findas que, contra ele e contra a aqui ré, já foram interpostas, a não ser por via edital.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
1. Que, em 18.05.2018, o A. emprestou à ré BB a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
2. Que esse concreto empréstimo foi feito através do deposito - em numerário-em nome da R. em conta de que esta é titular junto ao Banco 1....
3. Que tal quantia foi emprestada de acordo com justificação dada ao Autor na data do pedido, com o propósito de fazer face ao pagamento de despesas urgentes e encargos familiares e pessoais da ora R. uma vez que o seu então marido CC, tinha criado para a família e em especial para a R. uma situação pontual de grandes dificuldades.
4. Que foi motivado por tal explicação que o autor fez o depósito descrito em B.
5. Que a R. prometeu reembolsar o valor identificado em B. até janeiro de 2020.
6. Que o valor identificado em B. foi depositado a título de auxílio feito à ora R. para fazer face a encargos e despesas familiares dando provimento a um momento pontual de aflição financeira que gerava a impossibilidade da requerida cumprir com compromissos, mediante o compromisso de reembolso até final de janeiro de 2020
7. Que a R foi várias vezes instada, quer verbalmente por telefone, a pagar ou caso não o pudesse fazer de uma só vez formalizar um plano de pagamentos, reembolsando de alguma forma o ora A.. da quantia de que se viu, injustificadamente enriquecida à custa do património deste.
8. Que o valor transferido e identificado em B. foi feito com apelo a valores morais e de solidariedade, sem qualquer fundamento.
Mostrando-se conhecida, nos termos acima expostos, a questão, suscitada pelo Autor, da nulidade processual decorrente da deficiência e ininteligibilidade da gravação, por decisão transitada em julgado, como dos autos resulta, vedada se mostra nova apreciação da questão da deficiência/ininteligibilidade da gravação, dado ter-se formado caso julgado formal (nº1, do art. 620º, do CPC), o que aqui expressamente se decide, indeferindo-se o requerimento apresentado nas alegações do recurso interposto da sentença.
A decisão recorrida, apreciando os factos e fundamentando de direito, a final tão só decidiu da verificação dos requisitos de procedência da ação, concluindo pelo não preenchimento dos mesmos. De nenhum excesso de pronúncia padece, antes, conheceu da questão que lhe foi submetida para apreciação e decisão, fazendo a subsunção jurídica do caso às normas aplicáveis e concluindo pela não verificação dos pressupostos de que depende a procedência da ação, que julgou improcedente.
Destarte, improcedem, por conseguinte, as referidas conclusões da apelação, não padecendo a decisão do vício, previsto na al. d), do nº1, do art. 615º, de nulidade por excesso de pronúncia, antes o Tribunal, no uso das suas atribuições e poderes, admitiu provas e procedeu à produção da prova, apreciou e decidiu as questões que lhe foram colocadas, no exercício do contraditório ao longo de todo o processo, proferindo decisão, que não padece do apontado vício.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.
Não se conformando o Autor com a sentença da mesma interpôs recurso, impugnando a decisão da matéria de facto.
Informou o Autor, em momento anterior à interposição do recurso, que a prova produzida em audiência não se encontra devidamente gravada, tendo arguido nulidade processual perante o Tribunal a quo, requerimento que mereceu a decisão supra exarada, proferida em 23/10/2024.
Definitivamente decidida a questão (decidido se mostrando ser a arguição da nulidade intempestiva, não cabendo ordenar a repetição da prova), não se pode concluir, também, pelo incumprimento dos ónus que impendem sobre o impugnante da decisão relativa à matéria de facto, previstos no artigo 640º, mostrando-se, nas conclusões das alegações, indicados os pontos que impugna e efetuada a especificação, na motivação, dos meios de prova que implicam decisão diversa, a indicação das passagens das gravações da prova gravada e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Contudo, a possibilidade de reapreciação da prova, a contender com a gravada, encontra-se inviabilizada em sede de recurso, por se não mostrar devidamente gravada a prova que cabia apreciar.
Tendo o apelante invocado perante o tribunal de 1ª instância, a nulidade decorrente da deficiente gravação da prova, inaudível nos termos que refere, o tribunal recorrido, pelas razões supra expostas, atinentes à intempestividade da arguição da nulidade, indeferiu tal arguição, não tendo o apelante impugnado essa decisão, que transitou em julgado, constituindo caso julgado formal. Apesar da possibilidade de recurso da sentença, incluindo de impugnação de decisão da matéria de facto, certo é, contudo, que, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 27/1/2025 em que a ora relatora foi adjunta “se a deficiência das gravações permitiu a elaboração do recurso e, nele, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, já não permite a reapreciação da prova neste tribunal de recurso”[12], aí se considerando:
“No acórdão desta mesma Secção de 5.06.2023 [Processo n.º 634/17.4T8FLG-C.P1, Relatora, Desembargadora Fátima Andrade, dgsi] deixou-se sumariado, além do mais: “I - A arguição de nulidade da gravação (artigo 155º nº 4 do CPC) deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela. (...) IV - Sendo imprescindível à reapreciação da decisão de facto em sede de recurso a audibilidade da gravação da prova produzida em audiência, a exigência imposta sobre as partes de controlar a sua qualidade no prazo previsto no artigo 155º nº 4 do CPC – e nada mais é exigido nesta altura, nos termos acima assinalados - nada tem de excessivo ou desproporcional, sequer prejudica o direito das partes ao recurso, sobre o qual legitimamente decidirão após o conhecimento da decisão”. No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2023 [Processo n.º 313/19.8T8PVL.G1, Relatora, Desembargadora Alexandra Rolim Mendes, dgsi], por sua vez, ficou sumariado: “(...) recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias arguir a respetiva nulidade. Não o fazendo, violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício. Pedida pelos recorrentes a reapreciação da matéria da prova gravada e sendo impercetível ou inaudível um ou mais dos depoimentos prestados em julgamento, tal reapreciação não poderá ocorrer, uma vez que a mesma tem de ser feita com recurso a toda prova disponível e, nomeadamente, a todos os depoimentos em que foram abordados factos abrangidos na matéria impugnada e não apenas aos depoimentos indicados pelo recorrente”. Por último, acrescentamos que no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.10.2019 [Processo n.º 2243/18.1T8STR.E1, Relatora, Desembargadora Ana Margarida Leite, dgsi] se sumariou: “(...) Tendo a Relação constatado que a gravação do depoimento prestado por determinada testemunha enferma de deficiências que o tornam impercetível e tratando-se de elemento probatório essencial para a apreciação da impugnação da decisão de facto, não dispõe a Relação de todos os elementos probatórios de que dispôs a 1.ª instância, pelo que se encontra impossibilitada de proceder à reapreciação da prova produzida, o que impede o conhecimento da impugnação da decisão de facto”.
Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 12.10.2022 [Processo n.º 171/21.2T8PNF .P1.S1, Relator, Conselheiro Ramalho Pinto, dgsi] deixou claro que “As deficiências na gravação da prova que inviabilizem o cumprimento da sua razão de existir – o duplo grau de jurisdição em matéria de facto - devem ser arguidas, em 1.ª instância, no prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo, não constituindo as alegações de recurso o meio processualmente idóneo para esse efeito”.
É certo que no acórdão de 31.03.2022, também do Supremo Tribunal de Justiça [Processo n.º 2450/18.7T8VRL.G1.S1, Relator, Conselheiro Oliveira Abreu, dgsi] foi admitido o conhecimento oficioso da nulidade decorrente da deficiente gravação [II. Não obstante a gravação deficiente não seja, em regra, um vício de conhecimento oficioso, impõe-se que quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso, necessariamente tal vício será também de conhecimento oficioso], mas apenas quando estivesse em causa um vício da matéria de facto, também de conhecimento oficioso, o que não é o caso presente.
Em suma, e tal como decorre das transcrições que antecedem, a deficiência da gravação, não conduzindo à nulidade do ato e não estando em causa vício de conhecimento oficioso, impede a reapreciação da prova, sendo processualmente irrelevante que o impugnante haja cumprido o ónus previsto no artigo 640 do CPC: o Tribunal da Relação tem de poder (re)apreciar o que a primeira instância apreciou e isso deixa de ser material e intelectualmente possível quando a gravação da prova não permita a compreensibilidade de todos os depoimentos prestados”[13].
Assim, não conduzindo a deficiente gravação, no caso, à nulidade do ato e não estando em causa vício de conhecimento oficioso, a gravação, inaudível em parte, impede a reapreciação da prova.
Com efeito, o Tribunal da Relação tem de poder reapreciar o que a primeira instância apreciou e isso deixa de ser possível quando a gravação da prova não permita a compreensibilidade de todos os depoimentos prestados, pelo que é de manter a matéria de facto fixada em primeira instância, por impossibilidade de reapreciação da prova na sua globalidade e, ainda, por se não verificarem as contradições apontadas nas alegações nem, com relação aos itens referentes ao divórcio e ao aludido nos processos mencionados nas conclusões da apelação, se mostrar útil conhecer da impugnação, vedada se mostrando a prática de atos inúteis no processo (cfr. art. 130º, do CPC)
Vejamos.
Com efeito, além do referido quanto à impossibilidade de reapreciação da prova gravada e, como tal, de alteração dos itens nela fundados, temos, também, que:
i) nenhuma contradição, em termos lógicos, se verifica entre os factos mencionados nas conclusões das alegações, seja entre os factos provados entre si seja entre os factos provados e os não provados, não padecendo a decisão de facto da apontada patologia;
ii) é inútil apreciar a impugnação quanto aos factos referentes ao divórcio e processos/atos processuais elencados nos fatos provados.
Na verdade, não existe a apontada contradição entre o Facto Provado “B - Em18.05.2018 o A. procedeu ao depósito do valor de €10.000,00 em conta de que a ré é, também, titular, junto ao Banco 1...” e os factos dados como não provados 1 e 2: “1. Que em 18.05.2018 o A. emprestou à ré BB a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros)” e “ 2. Que esse concreto empréstimo foi feito através do deposito – em numerário - em nome da R. em conta de que esta é titular junto ao Banco 1...”, pois que do depósito efetuado pelo Autor na conta de que a Ré é, também, titular, junto ao Banco 1..., não resulta ter tal depósito (referido no f.p. B)) sido um empréstimo efetuado à Ré, bem podendo, em termos lógicos, de nenhum empréstimo sequer se tratar (a quem quer que seja).
Também se não verifica qualquer outra das apontadas contradições entre os factos recolhidos para a sentença, que bem se mostram selecionados de forma inteligível, percetível, lógica e coerente, os quais para serem percebidos têm de ser interpretados no contexto da alegação. Não se verifica contradição entre o facto provado E - “E. A ré não conhece o autor, nunca o contactou, nem nunca dele ouviu falar” – e os outos factos que o apelante refere, nas conclusões das alegações, como a com este estarem em contradição, pois que o seu âmbito é diverso, não conflituando entre si, nada tendo estes a ver com o referido conhecimento da Ré ou com os aludidos contactos da Ré nem com as mencionadas conversações acerca da referida pessoa (o Autor) havidas à Ré. Assim, e por revestidos de diverso âmbito, de diferente conteúdo, não padecem da, invocada, contradição. E não se verifica, também, contradição entre os demais factos referidos, sendo, evidentemente, lógico que até à citação para a presente ação a Ré podia desconhecer o depósito e só após a citação para a ação se dirigir ao Banco 1..., só, então, requerer o extrato bancário do período temporal identificado em B dos factos provados e, apenas então, ter constatado que, efetivamente, houve, em 18/5/2018, um depósito em numerário da quantia de €10.000,00. De notificação Judicial avulsa a mencionar a existência de depósito ou de pendência de ação não decorre, necessariamente, o conhecimento da Ré em data anterior à da citação da, real, existência do depósito, nenhuma contradição existindo em termos lógicos. Com efeito, de notificação judicial avulsa ou do elencado quanto às ações mencionadas não decorre que efetivamente tivesse existido o depósito em causa e que o depósito (que tivesse existido) tivesse sido conhecido pela Ré e o momento do conhecimento da Ré, bem podendo, em termos lógicos, a mesma não o conhecer pese embora o referido na notificação judicial avulsa e nas ações, até se ir certificar, junto do banco em causa, da sua realização.
E quanto à falta dos documentos necessários à prova dos factos referidos, mencionados pelo apelante nas conclusões das alegações – de certidões comprovativas do divórcio e da separação de facto e do constante dos factos provados relativamente aos processos aí referidos -, sendo certo que, na verdade, o divórcio e os invocados atos processuais só podem ser provados por documento, como aliás, mesmo, o facto essencial, do casamento, de alegação do Autor na petição inicial, certo é, contudo, não serem aqueles (o divórcio e os relativos a processos) factos essenciais, irrelevantes sendo, até. Com efeito, não foram aqueles factos alegados pelo Autor, não sendo constitutivos do direito deste e o Autor sequer logrou provar, como se concluirá, os factos constitutivos do direito que alega, quer com fundamento no contrato de mútuo quer com fundamento no, subsidiariamente invocado, enriquecimento sem causa, sendo, assim, inútil é a apreciação da impugnação efetuada com relação àqueles (alegados pela Ré na contestação).
Temos, com relação à decisão da matéria de facto, que motivou o Tribunal a quo a decisão sustentando ter fundado a sua convicção com base nos seguintes elementos do prova:
“1. Talão do depósito de 10.000,00 efetuado pelo autor, em dinheiro, na conta bancária junto ao Banco 1... de que a ré e seu ex-marido eram co-titulares.
2.Notificação judicial avulsa da ora R. que correu termos neste Tribunal, requerendo o (...) Pagamento do valor em divida a ou, a Confissão através de documento válido do valor em divida e formalização pelas vias legalmente previstas um plano de pagamento(...).
3. Extrato da Conta Corrente da Conta Bancária n° ...20, do Banco 1... e do qual resulta um depósito em numerário, em 18.05.2018, no valor de 10.000,00, uma transferência MB para o JJ, no mesmo dia 18.05.2018, e um levantamento em numerário no valor de 8.005,20, da mesma data.
4. Documento Comprovativo daquele levantamento em numerário de 8.005,20 da referida conta bancária, assinado pelo ex-marido da ré.
5. Correspondência trocada entre o ex-marido da ré e os "investidores", com datas de 10.01.2019 a propósito de investimentos, taxas de juros, referências a outros investidores, promessas de pagamentos de determinadas taxas.
6. Declarações de Compromisso de Divida, nas quais o ex-marido da ré assume dividas correspondentes aos valores que lhe eram entregues pelos "investidores".
7. Três documentos comprovativos de transferências bancaria feitas pelo ora autor para a mesma conta n° ...20, do Banco 1..., indicando como destinatário o ex-marido da ré, CC, com datas de 6.11.2017, 01.09.2017, e 1.09.2017, nos valores de €20.000,00, €5.000,00 e €5.000,00, respetivamente.
8. Declarações de Rendimentos da ré enquanto casada, referentes aos anos de 2016, 2017, 2018 e das quais resulta que o casal apresentava declarações conjuntas e a participação de alienação oneração de partes sociais e outros valores mobiliários nos valores de €5.219.604,52 em 2016 e 4.316.610,00 em 2017.
9. Declaração de Rendimentos da ré enquanto casada, referentes ao ano 2018 e da qual resulta que a ré já apresentou a declaração separada do seu marido de então, mas já separados de fato, não existindo nela a participação de quaisquer participações de alienação oneração de partes sociais.
10. Depoimento de parte do autor.
11. Declarações do autor.
12. Declarações da ré.
13. Prova testemunhal arrolada pelo autor: II, mulher do autor.
14. Prova testemunhal arrolada pela ré: DD, FF, EE, KK e GG”.
E refere o Tribunal a quo ter conjugado todos os meios de prova entre si, nos termos que expõe[14], e dessa conjugação resultar que o autor, independentemente da versão da ré, não fez prova dos factos que alega a densificar a causa de pedir, seja a relativa celebração do contrato de mútuo, seja a atinente ao enriquecimento sem causa, pois que o autor nada prova com relação aos factos controvertidos, sendo que, além das suas declarações/depoimento de parte e da junção do talão do depósito, “ouviu apenas uma única testemunha”, “sua mulher”. Não atribuiu o Tribunal a quo credibilidade às declarações do Autor nem à única testemunha do Autor, a sua esposa, sendo ambos, manifesta e ostensivamente, interessados no êxito da ação e sendo tais declarações e depoimento parciais e não verosímeis, bem se notando prenderem-se com pormenores para, na convergência da prova, obterem um resultado favorável ao Autor.
Fundamenta, ainda, o Tribunal a quo resultar da conjugação destes depoimentos com os documentos, designadamente com aqueles que estavam na posse da testemunha, conforme supra referido, e que foram juntas ao processo, que o autor já antes havia depositado outras três quantias na conta do CC e da BB, o que contraria a versão do autor e da sua única testemunha. E quanto ao propósito desses depósitos, foi feita prova abundante do "esquema em Pirâmide" a que o ex-marido da ré se dedicava, atividade que já desenvolvia antes do casamento sem o conhecimento da ré, e que o autor foi um desses "investidores", como resulta das anteriores transferências para a mesma conta efetuadas por ele. Mais sustenta que resultou que a ré se separou de fato do CC em 2017, e, por isso, quando o depósito foi feito na conta do Banco 1... já os mesmos não estavam juntos, contrariamente às declarações do autor e da sua única testemunha que afirmaram terem estado com eles enquanto casal em 2018, o que se confirmou não ser verdade, tendo as declarações da ré sido credíveis e as do Autor nenhuma credibilidade mereceram.
Ora, não sendo possível a apreciação da prova, sendo de manter a decisão de facto que das apontadas contradições não padece, quer a provada quer a não provada, inútil se mostra, face ao referido, a apreciação dos itens referentes ao divórcio e aos processos mencionados pelo apelante nas conclusões da apelação, por falta das necessárias certidões.
Como bem se decidiu no proc. nº 1756/20.0T8MAI.P1, que não vimos publicado, “A Relação deve abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum na solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”[15].
“Mostra-se inútil proceder à reapreciação da decisão de facto, quando não se extrai qualquer consequência jurídica da reapreciação dos factos impugnados”[16] ou quando resulte evidente não se poder extrair.
Ora, resultando provado não ter sido celebrado qualquer contrato entre o Autor e a Ré, não movimentar a Ré a conta onde o Autor depositou o dinheiro e estar a mesma à data do depósito separada de facto do movimentador da conta, não se podendo apreciar, nessa parte, a decisão da matéria de facto dada a deficiência da gravação e não ser, por isso, possível ouvir toda a prova produzida em audiência de julgamento, nenhum enriquecimento tendo, para a Ré, advindo da transferência, nenhum outro facto se mostra necessário à decisão da causa, sendo os referidos, que o Autor pretende ver retirados dos provados, irrelevantes.
Na verdade, “O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a impugnação da matéria de facto teleológica e funcionalmente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional da impugnação da decisão da matéria de facto que faz circunscrever a sua justificação às situações em que os factos impugnados possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação que o recorrente pretende ver introduzida nos factos a considerar na decisão a proferir.
Se a matéria impugnada pelo recorrente não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia e indiferente à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito[17] ), não deverá a Relação conhecer da pretendida alteração, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – se os factos impugnados não forem relevantes, considerando as soluções plausíveis de direito da causa, é de todo inútil a reponderação da correspondente decisão da 1ª instância, como sucederá nas situações em que, mesmo com a substituição pretendida pelo impugnante, a solução e enquadramento jurídico do objecto da lide permaneçam inalterados[18]””[19].
Por isso, tal como decidido nos referidos Acórdãos, deve este tribunal de recurso abster-se de apreciar impugnação da matéria de facto em causa, segundo o pretendido pelo apelante, atenta a manifesta irrelevância e indiferença de tal matéria para a decisão da causa.
Acresce não ter, mesmo, o próprio Autor junto aos autos certidão de casamento da Ré.
Cumpre, ainda, deixar claro que os itens referentes à separação de facto, designadamente o momento em que a Ré deixou de viver com o alegado marido e a alteração de morada do mesmo (cfr., designadamente, f.p. I) não têm de ser provados por documento, podendo a decisão de tal matéria de facto assentar, como assentou, em diverso meio de prova, e basear-se na livre convicção do julgador advinda de toda a prova produzida, na oralidade e na imediação, como bem analisou o Tribunal a quo.
Improcede, pois, na totalidade, a impugnação da decisão da matéria de facto.
Invocou o autor, como causa de pedir da ação, a celebração de um contrato de mútuo e, a assim se não verificar, o enriquecimento sem causa da Ré.
Bem considerou o Tribunal recorrido a ação improcedente quer com base no alegado mútuo quer com fundamento no enriquecimento sem causa, por o Autor não ter logrado provar, como lhe competia (nº1, do art. 342º, do Código Civil), os factos constitutivos que alega.
Não resultando provado ter sido celebrado o contrato afirmado como acordado entre Autor e Ré, a nenhuma obrigação se tendo a Ré vinculado, nenhuma obrigação de restituir fundada em responsabilidade contratual se verifica.
E o instituto do enriquecimento sem causa, que constitui uma fonte obrigacional, com o seu regime consagrado nos arts. 473º e segs., do CC, prescreve, naquele artigo, que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
Deste modo, para que exista enriquecimento sem causa, torna-se necessária a verificação de três requisitos cumulativos:
i) a existência de um enriquecimento patrimonial de alguém;
ii) que esse enriquecimento careça de causa justificativa;
iii) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
O primeiro requisito consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
Quanto ao segundo requisito, faltará causa justificativa quando haja desarmonia com a ordenação dos bens aceites pelo sistema jurídico: se o enriquecimento está de acordo com o sistema jurídico a deslocação patrimonial tem causa justificativa; ao invés, se não está, se o enriquecimento houver de pertencer a outrem, carece de causa. Assim, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando, à luz do sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime o enriquecimento, quer porque tal relação ou facto (a causa) nunca existiu quer porque, entretanto, desapareceu.
Pelo terceiro requisito exige-se que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa de quem exige a restituição, isto é, sem que exista entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico de permeio, tendo, assim, de existir um nexo causal entre o enriquecimento do enriquecido e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição.
Ora, não resultando provada a celebração de contrato entre Autor e Ré, temos que também não resultaram provados os requisitos, cumulativos, do enriquecimento sem causa.
Bem sustenta o Tribunal a quo:
- Quanto ao mútuo:
“De acordo com o disposto no art. 1142°, do C. Civil, o contrato de mútuo é aquele pelo qual uma das partes - o mutuante - empresta à outra - o mutuário - dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. (…). São, pois, elementos constitutivos do contrato de mútuo a entrega a outrem de dinheiro ou coisa fungível e a obrigação do mutuário de restituir a coisa mutuada ao mutuante; cabendo, pois, ao mutuante o ónus da prova de tais elementos constitutivos do direito invocado (art. 342°, n.° 1, do C. Civil).
Ora, no caso em apreço, o autor não provou que emprestou à ré o valor de €10.000,00, nem provou que alguma vez a ré se tenha comprometido a devolver-lhe tal montante mais tarde”; e
- Quanto ao enriquecimento sem causa:
“… o autor não fez qualquer prova de que entregou à ré o valor que invoca, pese embora tratar-se de um depósito feito numa conta que a ré também era titular, mas esta nunca beneficiou desse valor, mas sim o seu ex-marido de quem já estava separada de fato nessa data.
Daí que também não se possa falar de proveito comum do casal, na medida em que à data a ré e o seu marido já não viviam juntos.
Em suma, da factualidade dada como provada resulta não ter existido um enriquecimento da ré…”.
Destarte, não tendo o Autor logrado provar nem a celebração do contrato de mútuo nem os requisitos, cumulativos, do enriquecimento sem causa, que, subsidiariamente, invoca, resultando, mesmo, não verificado enriquecimento da Ré à custa do Autor, tem a ação de improceder, sendo de manter o decidido.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
Porto, 10 de março de 2025
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim
__________________________________
[1] É o seguinte o teor da alegação fáctica efetuada na petição inicial:
“… A 18.05.2018 o A. emprestou a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) à R. BB
3º O referido empréstimo foi feito através do deposito - em numerário-em nome da R em conta de que esta é titular junto ao Banco 1...- Cfr doc1
4º Tal quantia foi emprestada de acordo com justificação dada ao Autor na data do pedido , com o propósito de fazer face ao pagamento de despesas URGENTES e encargos familiares e pessoais da ora R. uma vez que o seu então marido CC, tinha criado para a família e em especial para a R. uma situação pontual de grandes dificuldades
5.º Motivado por tal explicação o A. procedeu ao depósito do valor indicado tendo a R. prometido reembolsar até Janeiro de 2020.
6º Sucede que a apesar de várias vezes instada após essa data , nunca procedeu ao referido e prometido reembolso, nem se disponibilizou para reconhecer/confessar a divida contraída
7.º A 20.01 2021 o ora A. procedeu à notificação Judicial Avulsa da ora R. requerendo o (…) Pagamento do valor em divida a ou, a Confissão através de documento válido do valor em divida e formalização pelas vias legalmente previstas um plano de pagamento(...)
8.º A referida notificação correu termos neste Tribunal- Processo n.º197/21.6 T8STS, tendo a R. sido notificada a 1 de Fevereiro (cfr certidão) Doc2
9.º Não deu a ora R. qualquer resposta, não tendo de qualquer forma procedido ao reembolso da quantia que lhe foi depositada em conta a titulo de empréstimo,
10.º Nem tendo de qualquer forma negado a factualidade descrita na Notificação que foi feita na sua pessoa , conformando-se com com o invocado pelo ora A., i.e que valor em causa foi um a titulo de auxilio feito á ora R. para fazer face a encargos e despesas familiares dando provimento a um momento pontual de aflição financeira que gerava a impossibilidade da requerida cumprir com compromissos , bem como o compromisso de reembolso até final de Janeiro de 2020
11º A R. é assim devedora ao A. da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), desde pelo menos 1 de Fevereiro de 2020
12º Conforme supra se expôs a R. , desde Janeiro de 2020, data em que se havia comprometido a reembolsar no todo ou em parte o A , a R foi várias vezes instada, quer verbalmente por telefone, quer formalmente por via de notificação Judicial , a pagar ou caso não o pudesse fazer de uma só vez formalizar um plano de pagamentos,
13º reembolsando de alguma forma o ora A. . da quantia de que se viu,injustificadamente enriquecida à custa do património deste.”.
[2] Arguiu o Autor, intitulando-se de “Arguído”, “NULIDADE DA PROVA POR DEFICIÊNCIA E ININTELIGIBILIDADE DA GRAVAÇÃO”, alegando:
“…16º As mandatárias do Arguido tentaram discernir as palavras dos intervenientes em apreço, dentro das suas capacidades físicas e das condições técnicas do seu equipamento de escritório, sem que tenham obtido sucesso.
17º Na gravação em apreço nem tão pouco são audíveis as declarações do Arguido.
18º Os meios técnicos utilizados para proceder à gravação da prova em sede de Julgamento encontravam-se defeituosos, procedendo a uma
documentação da prova deficiente, fazendo com que as declarações não fossem percetíveis, …
19º Ora, a impossibilidade de ouvir na íntegra e de maneira percetível esses depoimentos, de inequívoco relevo no processo, conduz a que, por um lado, a parte que discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto e recorre não possa indicar as passagens da gravação que
alicerçam essa sua discordância, e leva, por outro, a que o Tribunal da Relação fique impedido de os sindicar e valorar convenientemente, não podendo cumprir a finalidade legal pretendida com o recurso relativamente à reapreciação da prova gravada.
20º A omissão ou deficiência da gravação configura uma nulidade processual que a parte interessada terá de arguir autonomamente, sem prejuízo da iniciativa oficiosa do juiz durante a audiência, ao qual compete tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida (cfr. artigos 195º, 197º e 199º, n.º 2 do Código de Processo Civil), pelo que é neste tribunal que vem requerer a nulidade do acto…”.
[3] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[4] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[5] Ibidem, pág 737
[6] Neste sentido Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143.
[7] Ibidem, págs. 55 e 143.
[8] Ac. da RL de 17/3/2016, Processo 218/10: dgsi.net
[9] Ac. do STJ, de 20/10/2015, Processo 372/10: Sumários, 2015, p.555
[10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712 e segs.
[11] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737
[12] Ac. de 27/1/2025, proc. n.º 59425/23.5YIPRT.P1(Relator: Eusébio Almeida).
[13] Ac. de 27/1/2025, proc. n.º 59425/23.5YIPRT.P1(Relator: Eusébio Almeida).
[14] Refere o Tribunal a quo:
“Quanto às declarações do autor:
O autor, que se apresentou como sendo amigo do casal (ré e seu ex-marido), disse que chegou a ir a casa destes, foram jantar a um restaurante, que disse chamar-se o ... e num outro dia encontrar-se no Continente, junto ao Estádio ..., que a filha do casal se chama LL (elementos que a testemunha fez questão de confirmar no seu depoimento, demonstrando uma evidente orientação a confirmar a tese do autor).
Em sede de depoimento de parte o autor limitou-se dizer é falso aos arts. 4° e 5° da contestação, não acrescentando qualquer outra informação.
E quando confrontado com a matéria alegada pela ré quanto aos investimentos, e com a questão quem lhe pediu o dinheiro, se o CC se a BB, respondeu que foi a BB quem lhe pediu o dinheiro e que, em maio de 2018, eles ainda viviam juntos como casal, nunca tendo dado a entender que poderia haver problemas entre eles.
Disse que tinha ideia que se tratava de pessoas com posses e que um dia a BB lhe telefona a pedir o dinheiro emprestado do telefone do CC, o que lhe causou alguma surpresa e que aceitou emprestar.
Ao longo do seu depoimento verificou-se que quem o autor conhecia bem era o ex- marido da ré, concretizando apenas o pedido de dinheiro ao telefone pela BB e que foi esta quem lhe deu o NIB da conta bancária ao telefone, mas quanto à restante realidade a envolvência era sempre com o CC.
Refira-se que existem documentos no processo que contrariam estas declarações, visto que o autor tinha feito outras transferências antes para a mesma conta bancária, por isso a sua identificação já era do seu conhecimento.
E contrariamente ao que declarou sabia que esta conta era também titulada pelo CC porque naquelas outras transferências ele indicou na mencionada conta como destinatário o nome de CC.
Concretizou as motivações do alegado empréstimo e o compromisso de devolução do valor emprestado que, segundo ela, entregariam rapidamente.
Quanto à concretização do depósito disse que quando o fez, o nome que aparecia na conta bancária era o da BB.
Acabou por admitir ter na sua posse uma declaração de diívida deste valor, mas não foi junta ao processo e riu-se quando confrontado com a questão a propósito da sua existência.
Disse que levantou o dinheiro da sua conta e acabou por fazer o depósito da conta indicada pela BB, o que também não configura uma situação normal, porque seria mais simples e mais habitual fazer uma transferência bancária de uma conta para a outra.
Aliás, o autor acabou o seu depoimento sem ter dado uma explicação plausível para o depósito ter sido feito em dinheiro.
Quanto à testemunha II:
A testemunha II, mulher do autor, professora, disse que estávamos a fazer o julgamento porque "eu e o meu marido emprestámos dinheiro à BB", daí o seu interesse no destino da acção, legitimo, de resto.
Disse que se lembrava de ter estado com o casal três vezes, uma junto ao ..., depois estiveram juntas num almoço e depois a BB e o CC em fevereiro de 2018 fizeram-lhes uma visita a sua casa para conhecer o filho.
Disse que o marido conheceu a BB antes dela própria conhecer o marido porque esteve num curso na Povoa e porque eles viviam ali perto conviviam.
Perguntada quem é quer tinha pedido o dinheiro respondeu "o meu marido disse que foi a BB quem lhe telefonou", acrescentando que "O meu marido contou-me que ela lhe telefonou a pedir-lhe dinheiro porque estavam a precisar, que tinham dinheiro, mas não podiam mexer e comprometeram-se a entregar rapidamente o dinheiro'.
Disse que o dinheiro saiu da sua conta conjunta com o autor, sediada no Banco 1..., não se recordando se foi por depósito em numerário ou transferência, viu o movimento, mas não sabe como foi sabendo que foi depositada na conta bancária da BB, porque o nome ela apareceu no documento de depósito.
Disse que antes deste momento nunca tinham emprestado outro dinheiro à BB ou ao CC.
Disse que a ré e o seu ex-marido pareciam um casal que se davam bem, não conhecendo ao CC qualquer vício, que a ultima vez que esteve com a BB e com o CC foi em fevereiro de 2018 e o dinheiro só foi emprestado depois, sendo que os contatos telefónicos foram diminuindo, eles foram desaparecendo, sempre com desculpas”.
Quanto às declarações da ré.
A ré confirmou que apenas viu o autor no Tribunal, nunca falou com ele, nunca o contatou, nunca foi almoçar com ele, confirmou ter uma filha chamada LL. Disse que até ser citada para esta acção nunca ouviu falar em qualquer empréstimo, apesar de depois ter admitido que já tinha recebido uma notificação judicial avulsa.
Em maio de 2018 disse que já estava separada, uma vez que a separação ocorreu em 2017, altura da Páscoa, e nunca mais voltaram a estar juntos como casal.
Confrontada com os motivos pelos quais se separou disse ter sido por causa do comportamento dele, porque ele não ajudava nada lá em casa, nem com a filha, que no início achava que precisavam de estar juntos por causa da filha, mas ele não ajudava nada e daí que não precisava de estar com ele.
Ele trabalhava, e combinaram que o ordenado dela era para as despesas da casa e o dele era para amealhar e ela sempre julgou que ele o fazia.
Disse, ainda, que tinham um PPR numa conta no Banco 1... que era uma conta conjunta, mas era só o CC quem a movimentava e era só ele quem tinha e usava os cartões.
Quando se separou disse que nunca se lembrou que tinha esta conta conjunta com o CC, até porque foram momentos muito difíceis.
Perguntada sobre o motivo desta acção, disse que segundo soube depois o marido estava envolvido num esquema de investimentos em pirâmide, em que uma pessoa investe dinheiro e se ele arranjar outra pessoa recebe dinheiro e acha que esta acção deve ser isso, também, ou seja o autor investiu o dinheiro e pensou que ia ter retorno e não teve, o que lamenta, mas não tem culpa nenhuma.
Disse que se algum dia tivesse dificuldades teria os seus pais que sempre a poderiam ajudar.
Quanto a este negócio disse que nunca soube nada disso, porque um dia foi chamada à Policia sobre esta questão, foi-lhe mostrada uma lista de pessoas que lhe deram o dinheiro para investir, disse que eram mais de 100 pessoas, que não sabe como ele conseguiu fazer isso, que depois ela já teve muitos problemas, porque o seu ex-marido desapareceu e as pessoas procuram-na a ela, a ligaram-lhe, chegando mesmo a ir ter com ela à farmácia, que passou muito, chegando a ser ameaçada. Disse que foi muito mau, que lamenta o que as pessoas passam por causa disso, mas que não tem qualquer responsabilidade.
Disse que tem outro processo na Póvoa, também de um grupo de militares que também estão na mesma situação deste autor e já antes tinha tido outro processo no Porto, onde o autor foi testemunha e o exequente, ao que julga, também era militar.
Quando foi citada, foi ao Banco 1... e viu que estava lá um depósito de 10.000,00, mas que foi levantado pelo marido.
Que quando recebeu a notificação judicial avulsa porque a única hipótese que lhe dava era pagar e aconselhou-se com o advogado e não respondeu.
A ré apresentou-se como vítima de todo este envolvimento do seu marido e das pessoas que aceitaram participar nesse negócio.
Quanto ao motivo de ter aguardado cerca de dois anos para se divorciar disse que é uma pessoa muito ligada à igreja, que era catequista, e que foi uma decisão muito difícil de tomar.
Quanto às entregas das declarações de IRS disse ter apresentado as declarações em tempo.
Quando foi perguntada pelo motivo pelo qual associa este autor ao "esquema em pirâmide" quando afirma que nunca conheceu o autor, respondeu que foi pelo fato de ele ter sido testemunha numa execução instaurada por um senhor que estava envolvido nesse esquema em pirâmide, que recebia uma taxa de juro de 7% ao ano, e que depois também foi citada para outra acção que corre termos na Póvoa do Varzim instaurada por vários militares com uma residência próxima do aqui autor levou-a a concluir que se tratava de uma situação semelhante.
Em todas as ações foi invocado um empréstimo, sendo que apenas esta foi instaurada contra ela, enquanto que as outras foram instauradas contra ambos, contra ela e o seu ex- marido.
Quanto à testemunha DD.
Disse que conhecia a BB desde que nasceu por amigo dos pais dela, está atualmente divorciada, situação que julga verificar-se desde 2017. Soube que o ex-marido tinha um negócio de empréstimos com dinheiro que eram estranhos, como disse. Explicando que havia um grupo de pessoas que lhe entregavam dinheiro para ele investir e ele pagava-lhes juros a 3% ao mês.
Esta situação criou muitos problemas à família. Tem conhecimento que o aqui autor fez várias transferências para o ex-marido da ré e até os próprios pais do autor fizeram esses investimentos em cerca de €60.000,00.
Disse que sabia destas coisas todas porque quando se descobriu esta situação falou diretamente com o ex-marido da ré e foi ele próprio quem lhe contou e até lhe entregou alguns documentos que conformavam outros documentos feitos pelo ora autor, dizendo que era um negócio dele com essas pessoas e que a BB não tinha conhecimento, não sabia nada disso. As contas onde essas pessoas depositavam o dinheiro era só movimentada pelo CC e por isso é que a Sra. não sabia de nada. Concretizou que foi uma pessoa chamada JJ que era angariador, que levava uma comissão, e foi através dele que o CC conheceu o autor. Disse que era um grupo de militares que participaram no negócio.
Disse que a BB só soube desta situação em 2017, quando as pessoas começaram a andar atras dela, que nunca beneficiou deste negócio até porque ele perdeu tudo. Concluiu dizendo que a BB nunca precisaria de pedir dinheiro a ninguém, até porque tinha os pais e a própria testemunha.
Concluiu não ser normal que a BB conhecesse um militar de ....
Foram juntos aos autos os documentos mencionados pela testemunha, que os tinha na sua posse, e dos quais resulta que o autor já antes havia feito outros depósitos na mesma conta, tendo como destinatário o CC!
Quanto à testemunha FF.
Disse não ter qualquer conhecimento do empréstimo, sendo que a única coisa que sabe é que o CC, referindo-se ao ex-marido da ré, tinha investimentos que a BB não sabia, sendo que ele sabia porque ele próprio fez alguns investimentos e sabiam que existiam muitas outras pessoas que investiam.
Disse que em 2016 o CC começou a falhar com os investidores.
Quanto à testemunha EE
Disse que não conhece o autor e não sabe nada do empréstimo e disse que até acha ser pouco provável que alguém emprestasse dinheiro à BB porque ela sempre teve uma vida muito organizada e não precisa de pedir dinheiro a ninguém.
Tinha conhecimento dos investimentos do CC até porque em 2006 ele próprio fez um investimento de €2.000,00 e em 2010 já tinha €10.000,00, mas depois não recuperou o capital investido porque o CC começou a ter problemas em pagar a taxa de juro combinada, o que aconteceu lá para 2017/2018.
Disse eu a Sra não sabia de nada até porque o CC fazia questão de lhes pedir para nunca falarem desse assunto à frente dela, sendo uma preocupação real que a sua mulher não soubesse nada.
Quanto à testemunha KK
Confrontada com os documentos juntos pela Autoridade Tributária assumiu a autoria da apresentação da Declaração de Rendimentos da ré referente ao ano de 2018. Tem conhecimento que a ré se separou em 2017 mas ela não sabia que poderiam ter apresentado declarações em separado e achava que por continuarem casados tinha que apresentar a Declaração de Rendimento conjunta com o CC.
Transmitiu-me que nos anos anteriores era o seu ex-marido quem tratava do IRS e que a informava que tinham sempre que pagar.
Disse que a ré não fazia a mínima ideia do volume dos negócios do seu ex-marido.
Quanto à testemunha GG
Disse que era ele quem tratou da apresentação das Declarações de IRS do CC, que era seu amigo e era ele quem tratava desse assunto. Nunca tratou nada com a BB. Era sempre com o CC, sabendo que ela não sabia dos negócios do marido, concretizando que ele lhe pedia para não comentar nada com a mulher, dizendo que isto já acontecia quando eles eram só namorados. Que era o CC que trazia a sua senha e a senha da BB e os códigos eram logo alterados. Confrontado com os documentos juntos pela Autoridade Tributária, confirmou a autoria das declarações referentes aos Anos 2016 e 2017”.
[15] Ac. RP, proferido no proc. nº 1756/20.0T8MAI.P1(Relator: Ramos Lopes).
[16] Ac. RP de 11/12/2024, proc. 84196/20.3YIPRT.P1 (Relatora: Ana Paula Amorim), acessível in dgsi.pt
[17] Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1.
[18] Acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. No mesmo sentido, por mais recentes, os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Batista), no sítio www.dgsi.pt.
[19] Ac. RP de 30/5/2023, Proc. nº 697/22.0T8GDM.P1 (Relator: Rui Moreira).