AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO INSTRUMENTAL
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
DEFICIÊNCIA DE GRAVAÇÃO
Sumário

I - O tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis.
II - Pode ainda a ampliação da decisão da matéria de facto decorrer de factualidade complementar ou concretizadora da que as partes tenham alegado e que se tenha vindo a revelar no decurso da instrução da causa, tal como previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil.
III - A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório.
IV - A matéria de facto instrumental não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve relevar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para permitir a prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes e daí que não deva constituir objeto de ampliação da decisão da matéria de facto.
V - A matéria de facto instrumental só pode adquirir relevo probatório desde que se impugne a factualidade essencial que possa ser posta em crise ou provada por tal materialidade instrumental.
VI - O Tribunal da Relação não está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória, sempre que não tem ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, razão pela qual, nesse circunstancialismo, deve ser indeferida a reapreciação da prova sujeita à livre apreciação do tribunal.
VII - Não obstante a gravação deficiente não ser, em regra, um vício de conhecimento oficioso, quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso, como seja a necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto, necessariamente tal vício será também de conhecimento oficioso.

Texto Integral

Processo: 4280/21.0T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 4280/21.0T8PRT.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 16 de março de 2021, com referência ao Juízo Central Cível do Porto, Comarca do Porto, A..., S.A. instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra o Banco 1..., S.A. pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 490 614,09, acrescida de juros de mora vencidos desde 05 de maio de 2020 e vincendos até pagamento efetivo.

Para fundamentar as suas pretensões, a autora alegou, em síntese, que se dedica à aquisição, venda, transporte e comercialização de vestuário e produtos têxteis e todos os tipos de acessórios e produtos relacionados; no exercício da sua atividade contratou com a sociedade B... Comércio, S.A. o franchising das marcas “A...”, “C...”, “D...” e “E...”, estipulando-se o fornecimento pela autora à B... dos produtos das respetivas marcas, diretamente ou por meio de outras sociedades autorizadas, nomeadamente a sociedade F..., S.A.; nos termos dos referidos contratos, os pagamentos dos produtos fornecidos seriam garantidos por uma carta de crédito, a favor da autora e de quem esta indicasse; no âmbito da referida relação contratual a B... Comércio, S.A., bem como a B... Retalho Especializado, S.A., relacionada com a primeira, fizeram diversas encomendas à autora e à F..., S.A., tendo os bens pretendidos sido entregues às sociedades adquirentes e sendo emitidas as respetivas faturas a pagar em noventa dias, no valor global de € 490 614,09 e enviadas às sociedades B... Comércio, S.A., e à B... Retalho Especializado, S.A. que as receberam e não devolveram nem pagaram; para garantia do pagamento do preço dos bens encomendados no âmbito da referida relação contratual, a B... Comércio, S.A. entregou à autora uma carta de crédito, com a referência ...30..., emitida em 17 de maio de 2016, válida até ao montante global de € 1 000 000,00, até 17 de maio de 2018, carta de crédito que foi prorrogada várias vezes, a última das quais até 17 de maio de 2020; além da entidade ordenadora, a B... Comércio, S.A., da beneficiária, a aqui autora e do Banco emitente, surgia nesta carta de crédito o réu como Banco confirmador; em 05 de maio de 2020, atendendo a que a B... Comércio, S.A. não pagou as faturas antes mencionadas, a autora acionou a referida carta de crédito, através do advising Banco, Banco 2..., a quem cabia solicitar o pagamento pela ré; a ré recusou o pagamento considerando que a referida carta seria “null and void”; através dos seus mandatários, a autora interpelou a ré para que procedesse ao pagamento, tendo esta reiterado a recusa em proceder ao pagamento solicitado; a autora nunca autorizou qualquer “revogação” da carta de crédito.

Citado, o Banco 1..., S.A. veio requerer a prorrogação do prazo para contestar, o que foi deferido por trinta dias.

O Banco 1..., S.A. contestou impugnando alguma da factualidade alegada pela autora na petição inicial, alegando que nunca teve qualquer interação com a autora senão através do Banco por ela indicado, primeiramente o Banco 3... e depois o Banco 2...; o Banco 1... considerava qualquer notificação ao Banco da beneficiária como feita diretamente a esta, tal como considerava as notificações recebidas do banco da beneficiária como provindo diretamente desta; a partir do momento em que passou a intervir, o Banco 2... formulava, em nome desta, os pedidos de pagamento, recebia os fundos por conta da autora, respondia a eventuais reclamações dos Bancos (Banco 4... e Banco 1...) quanto a discrepâncias, etc…; em 19.03.2020, o Banco 1... recebeu uma mensagem do Banco 4..., solicitando que a pedido do ordenante e com o acordo da beneficiária fosse a SBLC[1] considerada cancelada e, no mesmo dia o Banco 1... transmitiu ao Banco 2... o conteúdo dessa mensagem, respondendo o Banco 2... confirmando o cancelamento do assunto referido nos seus registos; em 20 de março de 2020, o Banco 1... enviou uma mensagem ao Banco 4..., informando: “Recebemos confirmação do Banco do Beneficiário que a operação está cancelada (…)”; apenas em 06.05.2020, veio o Banco 2... pretender sustentar que a beneficiária não tinha dado o seu acordo para o cancelamento sem no entanto formular qualquer pedido de pagamento; em resposta, o Banco 1... afirmou que o cancelamento da SBLC fora baseado na mensagem do Banco 2... de 20.03.2020, e que aquele não contava que este Banco da Beneficiária assumisse como verdadeira e exata a informação prestada pelo Ordenador; mais referiu que a beneficiária deveria ter sido consultada e que o Banco 1... assumira que tal havia sido feito, tendo o original da SBLC sido devolvido, acrescentando que, de todo o modo, iria transmitir ao Banco emitente a mensagem que recebera do Banco 2... e que voltaria ao seu contacto; em 06.05.2020, o Banco 1... retransmitiu ao Banco 4... a mensagem recebida do banco da beneficiária; em 07.05.2020, o Banco 2... apresentou ao Banco 1... os dois pedidos de acionamento da SBLC que estão em causa nestes autos; em 11.05.2020, o Banco 1... respondeu suscitando a seguinte discrepância quanto a ambos os pedidos: a SBLC encontrava-se cancelada, e esse cancelamento fora confirmado pelo Banco 2... através de mensagem de 20.03.2020; em 12.05.2020, o Banco 2... respondeu com duas mensagens do mesmo teor, autorizando que os documentos fossem enviados ao Banco emitente, com a discrepância encontrada; na mesma data, o Banco 4... respondeu à comunicação do Banco 1..., informando que tinha efetuado nessa data o último pagamento respeitante à SBLC, cujo pedido havia sido feito em fevereiro, confirmando o encerramento da SBLC nos seus registos, o que foi retransmitido pelo Banco 1... ao Banco 2...; em 25.05.2020, o Banco 1... informou o Banco 2... que tinha enviado os documentos dele recebidos ao banco emitente sujeitos à aprovação deste último; conclui o Banco 1... pela total improcedência da ação.

Notificada da contestação e documentos oferecidos com a mesma, a autora ofereceu articulado pronunciando-se sobre a prova documental oferecida pelo réu, respondeu à matéria de exceção e alterou o requerimento probatório.

Notificada do articulado oferecido pela autora, o réu pronunciou-se pela extemporaneidade da pronúncia da autora sobre a prova documental por si oferecida com a contestação e bem assim do requerimento de alteração das provas, arguindo a nulidade do articulado por não ter sido deduzida defesa por exceção na contestação e, porque, além disso, não era matéria nova tendo já sido ventilada pela autora na petição inicial.

A autora pronunciou-se sobre este requerimento do réu e, além disso, tal como este, declarou nada ter a opor à dispensa de realização da audiência prévia.

Em 27 de janeiro de 2022 foi proferido despacho admitindo a réplica da autora, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, fixou-se o valor da causa no montante indicado na petição inicial (€ 490 614,09), admitiram-se os meios de prova oferecidos pelas partes e sugeriu-se dia para realização da audiência final.

Em 15 de fevereiro de 2022, o réu veio requerer alterações na identificação do objeto do litígio e na enunciação do terceiro tema da prova, vindo a autora na mesma data requerer a supressão dos dois primeiros temas da prova e a alteração do enunciado do terceiro tema da prova.

Em 08 de abril de 2022 proferiu-se despacho deferindo os requerimentos das partes de 15 de fevereiro de 2022.

A audiência final realizou-se em três sessões e em 09 de janeiro de 2024 foi proferida sentença[2] que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu dos pedidos contra ele deduzidos.

Em 26 de fevereiro de 2024, inconformada com a sentença, A..., S.A. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I) DA NULIDADE (EM GERAL) DA SENTENÇA

A) A sentença é nula por omissão da pronúncia (art.º 615.º, n,º 1 al. d) na medida em que não responde à questão central enunciada no objeto do litígio e nos Temas da Prova, a saber: se o Banco confirmador, aqui Réu, podia ou não ter considerado cancelada a stand by letter of credit.

B) O Tribunal a quo não se pronunciou se, como invocado pelo Réu, a Carta de crédito que integra a causa de pedir teria sido cancelada a pedido do ordenante (null and word) em 19.03.2020.

C) O Tribunal a quo apesar de (bem) ter considerado relevante e, assim, necessário, apurar se foram observados os requisitos necessários para o válido cancelamento da Garantia sub judice, não respondeu a esta verdadeira questão.

D) Ou seja, na enunciação da matéria de facto (pontos 1 a 37) não se encontra a resposta às matérias enunciada nos Temas da Prova supra referidos, designadamente:

a. Apurar se foram cumpridos os requisitos necessários para o válido cancelamento da Carta de Crédito por parte do ordenante;

b. Apurar se tal carta de crédito se mostrava cancelada (null and void) quando foi accionada pela Autora.

E) Na Sentença impugnada o Tribunal à quo depois de, em 4 (quatro) páginas, discorrer sobre as garantias bancárias autónomas afirma em jeito de conclusão (que não é) que afinal a garantia bancária, havia já sido cancelada. Não responde, pois, à questão central dos presentes autos e assim inquina a Sentença com o vício da nulidade, por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1 al. d) do CPC).

F) Caso se entendesse que o Tribunal a quo respondeu – ainda que implicitamente – à questão central do cumprimento ou incumprimento dos requisitos necessários a um cancelamento válido; caberia, então, concluir que a Sentença se caracterizaria pela falta de fundamentação; ou seja, por ser nula, agora nos termos do artº 615º, nº 1, alínea b) do CPC.

G) A Sentença não permite concluir por que razão para o Tribunal merece acolhimento o entendimento – sustentado pelo Banco Réu – de que a Garantia em causa foi validamente cancelada.

II) DO ERRÓNEO JULGAMENTO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

H) Merece censura a circunstância de o Tribunal a quo concluir que “não existem factos que mereçam ser consignados como não provados” e, concomitantemente, não responder às interrogações de facto para que apontam, inclusive os Temas da prova.

I) Face ao alegado pelas partes, e aos enunciados Temas da Prova, ao Tribunal a quo impunha-se julgar e considerar na decisão final a seguinte factualidade:

I) A Autora, por si, ou por qualquer outra entidade, que se considerasse mandatada para o efeito, não autorizou a revogação ou cancelamento da standby letter of credit;

II) O Banco emitente, tal como o Banco Réu, tinha obrigação de saber que não podia, por si só, revogar/cancelar a carta de Crédito

III) O Banco Réu conhecia a limitação de poderes do Banco 2... (o Banco notificador);

IV) Foi o Réu que comunicou ao Banco 2... que o “cancelamento”; era feito “de acordo com o beneficiário” (“in accordance with the beneficiary”);

V) O Réu não pediu ao Banco 2... que contactasse a beneficiária para que esta lhe desse quaisquer instruções;

VI) O Réu limitou-se a informar o Banco 2... do “cancelamento”, de acordo com o beneficiário;

VII) Tal acordo não existiu;

VIII) O Réu não podia ignorar que o cancelamento de uma Carta de Crédito tem de ser expressamente autorizada pelo Beneficiário.

J) Como a Recorrente não pode presumir que aquela factualidade se deve considerar incluída na referência feita pelo Tribunal a quo à inexistência de factos relevantes não provados, tem de concluir, também aqui, pela existência de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

K) Face à prova produzida, o Tribunal errou ao não dar como provados os seguintes e concretos pontos de facto:

(i) A Autora nunca manifestou a intenção de cancelar a garantia bancária sub judice. Não autorizou, por si, ou por qualquer outra entidade, que se considerasse mandatada para o efeito, a revogação da standby letter.

(ii) A Autora não acordou com a devedora o cancelamento da garantia.

(iii) A Banco 2..., o Banco avisador, interpretou a comunicação SWIFT que lhe foi dirigida a 19.03.2020 (doc. nº 21 junto com a Contestação), pelo Banco Réu, com o sentido de que, com o acordo do Beneficiário, havia sido cancelada (null and void) a garantia prestada.

(iv) Foi considerando aquele sentido – atribuído à comunicação de 19.03.2020 –, que a Banco 2... respondeu ao Banco Réu, confirmando o encerramento do processo, do “expediente” (doc. 22, junto à Contestação).

(v) A Banco 2..., com a resposta, mensagem, que consta do já referido doc. 22, não pretendeu confirmar que o beneficiário da garantia dava o seu acordo ao cancelamento.

(vi) O Banco Réu, banco Confirmador, não pediu ao Banco 2... que contactasse o beneficiário do crédito, a Autora, para, então, poder confirmar a existência de aceitação do cancelamento da garantia.

(vii) Na prática bancária, para efeitos de cancelamento de uma garantia, é o banco emitente ou o banco confirmador que têm de certificar a aceitação do beneficiário, sendo que, existindo banco avisador, devem solicitar expressamente a este um contacto com o beneficiário para obter dele a confirmação.

(viii) Quando o banco confirmador pretende obter, junto do banco avisador, a confirmação do cancelamento de uma garantia, pede expressamente àquele que contacte este último.

(ix) O banco réu não podia ignorar, que o cancelamento de uma Carta de Crédito tem de ser expressamente autorizado pelo Beneficiário

K) Impõem tal julgamento, sobre os referidos pontos de facto, os depoimentos testemunhais de: AA (registo da gravação: 8.06.2022; Início 11h03, fim 13h07 – e, mais em concreto, o depoimento gravado aos minutos: 3.30 a 7.48; 11.53 a 13.14; 15.31 a 18.45; 19.48 a 23.17; 29.28 a 30.32;31.45 a 38.25; 45.10 a 45.28; 46.10 a 46.41; 1h12.40 a 1h14.08; 1h19.03 a 1h20.42; e 1h21.58 a 1h22.49); BB (registo da gravação: 23.05.2022; início 10h27, fim 11h26 – e mais em concreto o depoimento gravado aos minutos: 25.49 a 29.25); CC (registo 23.05.2022; início 11h27, fim 12h15 – e mais em concreto o depoimento gravado aos minutos: 10.54 a 11.52 e 11.56 a 21.15); DD (registo da gravação: 07.07.2022; início 10h30, fim 10h52 – e mais em concreto o depoimento gravado aos minutos: 18.02 a 20.19); conjugados, sobretudo, com os documentos nºs 10, 21 e 22, juntos à contestação (fls…).

L) O Tribunal a quo errou, ainda, no julgamento da matéria de facto quanto aos seguintes pontos (considera-se a enumeração dos mesmos contantes da sentença):

(I) Ponto 18, quanto à amplitude de poderes de representação (i.e., quando aí se refere ao Banco 3... e Banco 2... como “[o] Banco indicado pela autora beneficiária e que a representou em toda a operação”);

(II) Ponto 19, quando se refere ao Banco 2... como “representante” da A., por apenas acolher parcialmente a figura de “Advising Bank” (“Banco Avisador”), que foi a posição efetivamente assumida por este;

(III) Ponto 21, quando refere que “todas as comunicações relativas à carta de crédito stand by eram feitas entre Bancos”.

(IV) Ponto 24, quando refere que a beneficiária “apenas tinha contacto directo ou com o seu próprio Banco ou com o ordenante”, por ser redutor.

M) Impunham e impõem uma decisão diferente os depoimentos das testemunhas: AA (registo da gravação: 8.06.2022; Início 11h03, fim 13h07, designadamente o depoimento registado nos minutos: 22.18 a 23.17; 16.39 a 16.58; 17.47 a 21.09); CC (registo da gravação: 23.05.2022; início 11h27, fim 12h15, designadamente o depoimento registado nos minutos 5.40 a 7.51; 27.54 a 28.04; 28.15 a 28.40 a 29); EE (registo da gravação: 07.07.2022; início 10h15, fim 10h26 – e mais em concreto o depoimento gravado aos minutos: 09.06 a 09.22);

N) Tomando como referência os Temas da Prova e os factos dados como provados na Sentença impunha-se considerar o seguinte julgamento da matéria de facto:

(I) Se tais valores (os reclamados e enunciados no Objeto do litigio) se mostram garantidos pela carta de crédito junta aos autos sob o doc. nº 6 da petição inicial e suas posteriores renovações”.

Provado; conforme pontos: 8, 17, 19, (com exceção da referência à representação) e 22;

(II) Se este valor foi reclamado pela autora à ré em 05.05. 2020.

Provado; conforme ponto: 22

(III) Apurar os termos da apresentação a pagamento da carta de crédito”

Provado; conforme pontos: 22, 23, 24.

(IV) Apurar se foram cumpridos os requisitos necessários para o válido cancelamento da Carta de Crédito por parte do ordenante.

Provado que não foram cumpridos os requisitos necessários (vide pontos I a VIII, ponto 15.1); ou assim não se entendendo, o julgamento da mesma matéria deverá ser: não provado.

(V) Apurar se tal carta de crédito se mostrava cancelada (null and void) quando foi acionada pela Autora”.

Atenta a resposta dada em IV, deverá julgar-se que o Banco Réu não demonstrou a factualidade que permita concluir no sentido do cancelamento.

III) DO ERRO NA SUBSUNÇÃO OU APLICAÇÃO DO DIREITO. A DISCIPLINA NORMATIVA

APLICÁVEL

O) Atenta a relação material controvertida configurada pelas partes, sobre a Autora recaía o ónus de alegar e provar: (I) a existência de um crédito não liquidado pelo Devedor; (II) a celebração de um contrato de garantia, pelo qual o Banco Réu se obrigou a liquidar a importância de € 490.614,09 (III) a interpelação do banco Réu para proceder àquele pagamento. Assim decorre do art. 342.º nº1 CC. Pois bem, quanto a estes factos não pode duvidar-se que a Autora logrou fazer a respetiva prova, conforme resulta dos pontos: 5, 8, 9, 10º, 12, 13, 14, 19, 22 (repetição) 24, 25 e 26, da Sentença.

P) Sobre o Banco réu, atento o nº 2 do art. 342.º CC, recaía o ónus da prova dos factos extintivos do direito invocado, in casu, o invocado cancelamento da garantia; e importa concluir que não o logrou fazer.

Q) O tribunal concluiu que no momento do acionamento da garantia está já estava cancelada; trata-se, no entanto, de uma proposição conclusiva não acompanhada por qualquer proposição concludente, que não pode ser relevada.

R) O Tribunal a quo podia e devia ter dado como provado um conjunto de factos que permitem concluir no sentido do erróneo entendimento do banco Réu quanto à sua convicção do cancelamento da garantia; que a sua atuação foi desconforme com a prática e obrigações de banco Confirmador. Mas ainda que assim se não viesse a entender/concluir, sempre haveria de se considerar que sobre o banco Réu impendia o ónus de demonstrar o acerto da sua conclusão (i.e. a validade do cancelamento) e que o mesmo não o logrou fazer; impondo-se retirar daí a devida consequência: a improcedência da exceção e, logo, a total procedência do pedido.

IV) DO DIREITO (DICIPLINA NORMATIVA APLICÁVEL)

S) Conforme consta da SBLC em causa nos presentes autos (Doc. 6 junto com a PI), as partes intervenientes naquela Garantia submeteram a sua regulamentação às Regras e Usos Uniformes para Créditos Documentários (RUU), revisão de 2007, publicada como UCP 600 e as regras ISP (“International Standby Practices”) 98;

T) Esta “disciplina normativa” é do conhecimento geral, das partes e constitui “prática bancária” corrente, decorrendo do respetivo conteúdo as obrigações de cada interveniente, especificamente no que se refere a uma relação comercial como a que ora se discute, a saber:

a. A obrigação do Banco emitente/emissor de honrar ou pagar o montante garantido pela carta de crédito standby (Regras 1.11, c) (i), 2.01 (a) das ISP98, e artigo 7 das UCP 600);

b. A obrigação do Banco confirmador (o ora R./Recorrido) que “acresce” a obrigação assumida pelo Banco emitente (Regras 1.11, c) (i), 2.01 (a) das ISP98, e artigo 8 das UCP 600);

c. A necessidade de consentimento expresso de (i) banco emitente/emissor; (ii) banco confirmador (quando houver); e (iii) beneficiário para o cancelamento de uma carta de crédito standby, sendo devido particular cuidado em caso de cancelamento de uma carta de crédito standby – o que justifica o capítulo especialmente dedicado a esta matéria, com particular enfoque nas medidas “sugeridas” aos obrigados ao pagamento para verificarem o consentimento por parte do beneficiário (Regras 7 das ISP98 – 7.01 e 7.02 – e, na medida do aplicável, artigo 10, a. das UCP 600);

d. Em caso de “cancelamento” de uma carta de crédito, não ocorre necessariamente a intervenção do banco notificador para este efeito (Regras 2.04 e 7 das ISP98 e Artigo 10, a. das UCP 600 – as duas últimas a contrario);

e. A transmissão de uma comunicação pressupõe a verificação dos termos da mensagem notificada (regra 2.05 das ISP98).

U) Para o R., como Banco confirmador, decorre uma especial obrigação/responsabilidade, originária ou principal, de garantir o crédito que a A. pretende ver satisfeito, nos termos estipulados entre as Partes e constantes da carta de crédito em causa nos presentes autos;

V) Que assim é decorre da prática bancária tida como a mais adequada, como resulta dos depoimentos testemunhais a que se faz referência em K e M, para que se remete.

W) O R. violou as obrigações por si assumidas e constantes nas normas adotadas pelas partes (ISP98 e RUU - UCP 600); violou os seus deveres como “mandatário” do ordenante/emitente, na medida em que aceitou a revogação deste mandato, ainda que tivesse sido conferido no interesse da A. (artigo 1170º, nº 2 do Código Civil); violou os deveres de atuação que sobre si impendem como instituição de crédito, em particular os de cuidado e diligência, que conduziriam a que, quer perante o banco emitente, quer perante o banco notificador/avisador, se assegurasse do consentimento do beneficiário – que, na presente situação, nunca ocorreu (em particular, artigos 73º a 75º do D.L. 298/92 de 31/12, que instituiu o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).

X) O Tribunal a quo, ao desconsiderar em absoluto a disciplina normativa aplicável, emaranhando-se, escusadamente, na discussão sobre a natureza abstrata da garantia, não soube relevar, como se impunha, o resultado da prova testemunhal no seu todo e em especial, os depoimentos testemunhais a que se faz referência em K e M. E, em ultima instância, não soube retirar as consequências jurídicas da repartição do ónus probandi, in casu do ónus que sobre o banco Réu recaía de demonstrar a exceção invocada.

O Banco 1..., S.A. respondeu ao recurso requerendo a retificação de um segmento da fundamentação jurídica da sentença recorrida e ofereceu as seguintes conclusões:

1.ª- Não se verificam os vícios de nulidade imputados pela Apelante à douta sentença recorrida.

2.ª- O Tribunal a quo, ao decidir que, “quando a autora pretendeu accionar tal garantia, esta não se encontrava já vigente, tendo sido cancelada/anulada (null and void)” pronunciou-se claramente sobre a questão essencial dos autos.

3.ª- E resulta claramente da sentença que, com base nos factos que foram dados como provados, com relevo para os que constam dos pontos 18, 21, 23 (parte final), 24 e 27 a 32, e atento o “regime geral das obrigações, sem prejuízo do seu enfoque jurisprudencial e doutrinal e, bem assim, das práticas bancárias nacionais e internacionais que conjugadamente acabam por traduzir verdadeiros usos bancários” — do que sobressaem o modo e por quem devem ser feitas as comunicações, no âmbito de uma operação de standby letter of credit (SBLC), e a necessidade de acordo das partes para a sua alteração ou cancelamento — é perfeitamente “percetível o iter prosseguido pelo julgador para decidir como decidiu”, sendo que, se a sentença considerou que a carta de crédito foi cancelada através da troca de comunicações entre os bancos, em Março de 2020, necessariamente reputou terem sido “observados os requisitos necessários para o válido cancelamento da Garantia sub judice”.

4.ª- Contrariamente ao que consta da alínea B) das conclusões do recurso a que se responde, o Réu não invocou que a carta de crédito que integra a causa de pedir foi cancelada a pedido do ordenante (null and void) em 19.03.2020.

5.ª- O que o Réu alegou foi que tal carta de crédito foi cancelada em 20.03.220 após a troca de comunicações swift, ocorrida nos dias 19 e 20 de Março de 2020, entre os bancos intervenientes na operação.

6:º- Na confusa impugnação da decisão sobre a matéria de facto levada a cabo no recurso, a Apelante não cumpriu os ónus previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, para além de que os factos que pretende ver aditados à matéria assente, são conclusivos ou inócuos para a decisão da causa.

7.ª- Os meios de prova indicados pela Apelante são insubsistentes para esta sua pretensão.

8.ª- Por outro lado, a qualidade do Banco 2..., como representante da beneficiária, aqui Apelante, resultou, não só da prova documental e testemunhal, como das próprias regras e práticas internacionais.

9.ª- A afirmação de que “não pode concluir-se que todos os contactos relativos à carta de crédito stand by eram feitas ou teriam de se efetuar entre Bancos” é, salvo o devido respeito, descabida, e nem tal resulta dos depoimentos invocados pela Apelante.

10.ª- Finalmente, assinala-se que a Apelante não impugnou o ponto 23 (o primeiro) da decisão de facto, de onde consta, na sua parte final, o seguinte: “nunca o banco réu tendo tido qualquer interacção directa com a autora, senão através do Banco por ela indicado”.

11.ª- A análise das mensagens referidas nos factos provados n.ºs 27 a 30 e dos esclarecimentos prestados em audiência pela única testemunha que interveio na operação, o colaborador do Réu FF, levam necessariamente à improcedência do pedido formulado pela Autora.

12.ª- Por seu turno, a Apelante sustenta a maior parte do seu recurso no depoimento da testemunha AA, funcionário do Banco 2..., omitindo que o mesmo não tem experiência na área operacional, não interveio na operação nem no seu desfecho, apenas tendo colaborado com a equipa de operações para tentar resolver a situação “descoberta” em Maio de 2020.

13.ª- No fundo, o que esta testemunha veio fazer ao Tribunal foi dar o seu parecer sobre o que se tinha passado, tentando a todo o custo — mesmo falseando a realidade, contradizendo-se aqui e ali e deixando muita coisa por explicar —, desresponsabilizar a sua entidade empregadora pelo sucedido e discorrer sobre “as normas”, o que fez repetidamente.

14.ª- Na douta sentença, nada de relevante ficou por dar como provado ou não provado: a Autora ficou vencida na acção, não porque tivesse acordado pessoalmente no cancelamento desse garantia, mas sim porque o seu representante na operação a que respeitam os autos confirmou, em seu nome e em sua representação (como fazia sempre) que “já tinha cancelado” a standby letter of credit, através da mensagem que enviou enviada ao Banco 1... no dia 20.03.2020, representante esse que, pelo teor da mensagem que enviou (e pelo tempo verbal utilizado), aparentemente até já teria obtido o consentimento da Autora para esse cancelamento.

15.ª- O argumento da Apelante de que o Banco 2... não contactou a beneficiária porque tal não lhe foi pedido expressamente, para além de ser, salvo o devido respeito, disparatado, esbarra no tero da mensagem de maio daquele banco, onde o mesmo não referiu que tinha respondido da forma como o fez por não lhe ter sido pedido expressamente que contactasse a beneficiária para confirmar a autorização para o cancelamento.

16.ª- As regras da CCI não contêm a disciplina jurídica completa e auto-suficiente da operação de crédito documentário, dado que se preocupam sobretudo com a operação bancária em si mesma e com as relações entre os bancos intervenientes, e não tanto com relações que possam existir entre algum dos bancos intervenientes e os comerciantes envolvidos, nomeadamente, para o caso aqui em discussão, a relação de representação entre a Autora, enquanto beneficiária da standby, e o banco encarregado da notificação da mesma, o Banco 2....

17.ª- A Autora confunde dois planos que cabe distinguir com clareza:

— O primeiro desses planos é o da intervenção do Banco 2... na operação bancária desencadeada com a emissão da carta de crédito enquanto banco notificador, intervenção essa que as regras da CCI visam regular, enquanto relacionamento interbancário que é parte da execução da operação de abertura de uma carta de crédito standby;

— O segundo desses planos, diversamente, tem a ver com a relação que possa existir, e que no caso efectivamente existia, entre o beneficiário e o banco notificador, ao abrigo da qual o banco actua na operação de crédito documentário como representante do beneficiário.

18.ª- Relativamente a este segundo plano, contrariamente ao que sugere a Autora, as relações em discussão nesta acção, e concretamente a relação existente entre a Autora e o Banco 2..., são, antes de mais, reguladas pelas regras gerais do ordenamento jurídico e não pelas regras da CCI, que não as pretendem disciplinar.

19.ª- Ora, não cabem dúvidas de que os actos jurídicos praticados pelo banco em representação do beneficiário produzem efeitos na esfera jurídica do beneficiário como se tivessem sido por ele praticados (artigos 258.º e 295.º do Código Civil).

20.ª- O Banco 3..., S.A. e, depois, o Banco 2... desempenhou na operação o duplo papel de banco notificador e de banco representante do beneficiário, representando este para todos os efeitos na relação com o Réu, este último enquanto banco confirmador, pelo que o Réu nunca teve qualquer contacto directo com a Autora, senão através do Banco 2... (cfr. os referidos factos provados n.ºs 18 a 20 e ainda os factos provados n.ºs 23 e 24).

21.ª- Os contactos entre os bancos, e concretamente entre o Banco 2... e o Réu, foram feitos através da troca de mensagens SWIFT (facto provado n.º 21).

22.ª- O Réu, enquanto banco confirmador, cumpriu o que da sua parte era exigível ao considerar cancelada a carta de crédito quando obteve o assentimento para o efeito da parte daquele que, na concreta relação estabelecida entre as diversas partes em resultado da emissão da carta de crédito standby, representava nela a Autora enquanto beneficiária, que era o Banco 2....

23.ª- Quando o Réu recebeu do banco emitente uma comunicação SWIFT dando-lhe conta de que “a pedido do ordenante e de acordo com o beneficiário” a carta de crédito se deveria considerar cancelada, o Réu seguiu o procedimento observado em toda a operação e que está de acordo com as práticas bancárias uniformemente adoptadas: enviou uma mensagem SWIFT ao Banco 2... transmitindo-lhe a mensagem recebida do banco emitente e pedindo instruções relativamente a ela (facto provado n.º 28).

24.ª- O que mostra que o Réu procurou diligentemente obter a certificação do acordo da beneficiária, tendo-o feito através da apresentação de um pedido de instruções ao Banco 2..., que era o banco que, na operação de crédito documentário, representava para todos os efeitos a beneficiária. E obteve efectivamente essa confirmação, através da resposta dada pelo Banco 2... confirmando que tinha cancelado também a operação nos seus próprios registos (facto provado n.º 29).

25.ª- Qualquer intérprete razoável deste pedido de instruções dirigido ao representante do beneficiário lhe dá o significado que a sua letra imediatamente inculca: que o Réu, enquanto banco confirmador, tendo recebido notícia de um pedido de cancelamento da carta de crédito em que é mencionado o acordo da beneficiária, está a solicitar ao representante da beneficiária que este diga se ela concorda ou não com esse cancelamento.

26.ª- Os bancos intervenientes numa operação de abertura de uma carta de crédito standby sabem perfeitamente que, como a Autora não se cansa de lembrar, o cancelamento da mesma supõe o assentimento do beneficiário, pelo que se o banco confirmador pede ao banco representante do beneficiário instruções sobre um pedido de cancelamento que proveio do ordenante, tais instruções só podem visar que se transmita se existe ou não acordo para o cancelamento.

27.ª- Se o Banco 2... interpretou mal esta comunicação, só a ele poderá a Autora responsabilizar pelas consequências de tal acto, sendo certo que, agindo o Banco 2... como seu representante, é sobre a Autora, e não sobre o Réu, que recairão essas mesmas consequências. E se o Banco 2..., tendo alegadamente interpretado a comunicação do Réu com o sentido de que havia sido cancelada a operação com o acordo da beneficiária, nada fez para procurar confirmar junto daquela, sua representada, o acerto de tal interpretação, uma vez mais só de si mesmo se poderá queixar e a Autora só ao próprio Banco 2... é que poderá pedir contas sobre o desacerto da sua actuação.

28.ª- É descabida a tese da Autora de que o Banco 2..., ao responder à comunicação do Réu nos termos constantes do facto provado n.º 29 (“Relativamente à vossa MT799 datada de 19 de Março de 2020, confirmamos que cancelámos o assunto referido nos nossos registos”), não estaria a exprimir o assentimento da Autora mas o seu próprio assentimento (isto para além de essa tese ser contraditória com o entendimento, também sustentado pela Autora, de que a comunicação do Réu se dirigiria somente a comunicar que a carta de crédito estava já cancelada).

29.ª- Na verdade, o Banco 2... interveio sempre como representante da beneficiária em todos os actos relativos à execução da carta de crédito standby (facto provado n.º 18), pelo que também este pedido de instruções se destinava a que o Banco 2... exprimisse a posição da sua representada relativamente a este pedido de cancelamento.

30.ª- O banco notificador, enquanto tal, não tem que ser ouvido para nenhum efeito relativamente ao cancelamento da carta de crédito. Na situação em apreço foi dirigido ao Banco 2... este pedido de instruções, como havia sido dirigido anteriormente um outro relativamente a modificações da carta de crédito, porque o Banco 2... agia não só como banco notificador mas também como representante da beneficiária e havia que apurar junto dele sobre a posição dessa mesma beneficiária relativamente ao pedido de cancelamento.

31.ª- As regras da CCI, e nomeadamente a regra 7.01 das ISP98, não exigem em parte alguma a intervenção pessoal do beneficiário para o cancelamento, nem obstam a que o consentimento possa ser expresso através de um banco que aja como representante do beneficiário.

32.ª- Em face de todo o exposto, não houve qualquer violação, por parte do Réu, dos seus deveres enquanto banco confirmador ao recusar o pagamento da carta de crédito por esta já estar cancelada.

33.ª- Verifica-se, em suma, que não tem fundamento a alegação da Autora de que a douta sentença recorrida teria incorrido em erro na determinação e aplicação das regras legais aplicáveis.

Em 28 de maio de 2024 foi proferido despacho em que se deferiu a retificação da sentença requerida pelo apelado, admitiu-se o recurso interposto por A..., S.A. como de apelação, a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo e concluiu-se não se verificar nenhuma das nulidades da sentença recorrida arguidas pela apelante.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;

2.2 Da impugnação dos pontos 18, 19, 21 e 24 dos factos provados[3] e da ampliação da decisão da matéria de facto;

2.3 Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução final do caso.

3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida[4]

3.1 Factos provados

3.1.1

A autora, A... SA, é uma sociedade que se dedica à aquisição, venda, transporte e comercialização de vestuário e produtos têxteis e todos os tipos de acessórios e produtos relacionados.

3.1.2

No âmbito da sua atividade comercial, a autora vende produtos das marcas “A...”, “C...”, “D...”, “E...”, entre outras, comercializando peças de vestuário e acessórios sob as referidas marcas.

3.1.3

Estas marcas são detidas e exploradas pela Sociedade G..., S.A. (anteriormente denominada A..., S.A.), sociedade de direito espanhol com sede na Avenida ..., ..., em Espanha.

3.1.4

A autora é detida pela Sociedade G..., S.A., enquadrando-se no circuito comercial desta.

3.1.5

A sociedade A..., S.A. contratou com a sociedade de direito angolano “B... COMÉRCIO SA” o franchising das marcas “A...”, “C...”, “D...”, “E...”.

3.1.6

Nos termos destes Contratos, ficou estipulado entre as Partes o fornecimento pela sociedade A..., S.A. à Sociedade “B... COMÉRCIO SA” dos produtos das respetivas marcas, diretamente pela autora ou por outras sociedades autorizadas.

3.1.7

Nestes Contratos, encontram-se autorizadas para o fornecimento das peças das marcas a ora autora e a sociedade “F..., S.A.”.

3.1.8

Nos termos dos mesmos Contratos (em disposições idênticas), os pagamentos dos produtos fornecidos seriam garantidos por uma Carta de Crédito (Standby Letter of Credit), a emitir nos termos do Anexo nº 5 aos Contratos, a favor da autora ou de quem esta indicasse.

3.1.9

No âmbito da relação comercial existente e nos termos dos contratos acima referidos, a sociedade “B... COMÉRCIO SA”, bem como a Sociedade (com esta relacionada) “B... RETALHO ESPECIALIZADO, S.A.” fizeram diversas encomendas à autora e à sociedade “F..., S.A.”.

3.1.10

Os bens encomendados foram entregues às sociedades que os encomendaram e foram emitidas as respetivas faturas.

3.1.11

Conforme acordado entre as partes, com as encomendas feitas, a autora e a Sociedade “F..., S.A.” iriam emitindo as respetivas faturas, que ficariam a pagamento por 90 (noventa) dias, nos termos contratuais aplicáveis.

3.1.12

Com efeito, as faturas emitidas e enviadas às sociedades “B... COMÉRCIO SA” e “B... RETALHO ESPECIALIZADO, S.A.”, [foram] por estas recebidas e não devolvidas.

3.1.13

Tais faturas foram emitidas entre 30.05.2018 e 09.01.2019, somando todas o valor de € 490 614,09 (quatrocentos e noventa mil seiscentos e catorze euros e nove cents).

3.1.14

Tal valor não foi pago pelas sociedades devedoras, pelo que se encontra em dívida.

3.1.15

Para garantia do pagamento do preço dos bens encomendados no âmbito desta relação comercial plurilateral, a sociedade “B... COMÉRCIO SA” entregou à autora uma carta de crédito (“standby letter of credit”), com a refª ...30..., emitida em 17.05.2016 pelo Banco 4... (Banco 4...), válida até ao montante global de € 1 000 000,00 (um milhão de euros), até 17.05.2018.

3.1.16

Esta Carta de Crédito foi prorrogada várias vezes, com validade até 17.05.2020.

3.1.17

Além da entidade emissora[5] e da beneficiária (a aqui autora) e do Banco emitente, nesta carta de crédito surgia como Banco Confirmador o ora réu.

3.1.18

O Banco indicado pela autora beneficiária e que a representou em toda a operação foi inicialmente o Banco 3..., S.A. (“Banco 3...”) e, posteriormente, a partir de maio de 2019, o Banco 2... (“Banco 2...”).

3.1.19

Com efeito, em 09.05.2019, o Banco 1... recebeu uma mensagem do Banco emitente referindo que o ordenante B... Retalho Especializado, S.A. lhe dera instruções para alterar a Standby Letter of Credit n.º ...30... quanto ao prazo, que foi prorrogado pelo período de 6 meses passando a vigorar até 17.11.2019, quanto às beneficiárias, onde foram incluídas a A..., S.A., e a G..., S.A., e quanto ao representante destas que passaria a ser o Banco 2... em vez do Banco 3....

3.1.20

Destas alterações à SBLC deu o réu conhecimento ao Banco 3... em 16.05.2019.

3.1.21

Aliás, todas as comunicações relativas à carta de crédito standby eram feitas entre os Bancos através da rede “SWIFT” (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) tendo em conta a segurança desta.

3.1.22

Todas as mensagens SWIFT incluem as letras “MT” (message type), seguidas de três dígitos, que indicam a categoria, grupo e tipo de mensagem.

3.1.23

Nas aludidas mensagens trocadas entre os Bancos estes eram também identificados pelas seguintes siglas: o Banco 4... por “PRTLAOLU”, o Banco 1... por “BCOMPTPL” ou “BCOMPTPLLEU”, o Banco 3... por “BSCHESMM” e o Banco 2... por “MIDLESMM”, nunca o banco réu tendo tido qualquer interação direta com a autora, senão através do Banco por ela indicado.

3.1.24

E a autora ou as outras beneficiárias (referidas como “o Beneficiário” – “the beneficiary” nas mensagens) apenas tinham contacto direto ou com o seu próprio Banco ou com o ordenante, no âmbito das suas relações comerciais.

3.1.25

O réu, Banco 1..., é uma sociedade comercial que se dedica à “actividade bancária com a latitude consentida pela lei”, prestando este serviço bancário (de se constituir como Banco Confirmador) no âmbito da sua atividade comercial.

3.1.26

Em 05.05.2020, atendendo a que a sociedade “B... COMÉRCIO SA” não pagara as faturas acima indicadas, a autora acionou a carta de crédito também acima referida, juntando os documentos necessários para esse efeito, solicitando o pagamento de faturas vencidas e não pagas no montante total de € 490 614,09 (quatrocentos e noventa mil seiscentos e catorze euros e nove cents).

3.1.27

O que fez através do advising, Banco, Banco 2..., a quem cabia solicitar o pagamento.

3.1.28

O réu recusou o referido pagamento, por considerar que a referida Carta de Crédito seria “null and void” (“nulo e sem efeito”).

3.1.29

Não se conformando, a autora interpelou o réu para que procedesse ao pagamento devido, através dos seus mandatários.

3.1.30

O réu continuou a recusar o pagamento, referindo que se verificara uma “precedente revogação da stand by letter of credit (SBLC) em causa”, referindo que o seu cancelamento “foi requerido, a 19/03/2020, pelo Banco 5... (Banco 5...)/Luanda, tendo antes exigido a usual ratificação pelo Banco 2...”.

3.1.31

De facto, o réu Banco 1..., em 19.03.2020, havia recebido uma mensagem do Banco 4..., solicitando que, a pedido do ordenante e com o acordo do beneficiário fosse a SBLC considerada cancelada (“null and void” é o termo utilizado nas mensagens entre os Bancos para significar “sem efeito” ou “cancelado”), acrescentando que “Estamos a encerrar este ficheiro (dossier) nos nossos registos. Agradecemos a vossa confirmação”.

3.1.32

No mesmo dia, o Banco réu, enviou a seguinte mensagem ao Banco 2...: “Transmitimos a mensagem MT792 recebida do (PRTLAOLU): Citação À atenção de LC Dept Com referência à nossa MT760 datada DD 11/05/2016 de EUR 1.000.000,00 A pedido do ordenante e de acordo com o beneficiário, por favor considerem esta SBL cancelada. Estamos a encerrar este ficheiro nos nossos registos. Agradecemos a vossa confirmação (a vossa pronta resposta será muito apreciada) Melhores cumprimentos L/C Dept Fim de citação Por favor indiquem-nos as vossas instruções L/C Dept”.

3.1.33

Em resposta, de 20.03.2020, o Banco 2... referiu que “Relativamente à vossa MT799 datada de 19 de março de 2020, confirmamos que cancelámos o assunto referido nos nossos registos”.

3.1.34

Nesse mesmo dia, o Banco 1... enviou uma mensagem ao Banco 4..., informando: “Recebemos confirmação do Banco do Beneficiário que a operação está cancelada. Estamos a encerrar os N/ registos. Melhores cumprimentos. Créditos documentários”.

3.1.35

Só posteriormente, em 06.05.2020, veio o Banco 2... informar que o beneficiário lhe comunicara que não tinha dado o seu acordo para o cancelamento, sem no entanto formular qualquer pedido de pagamento.

3.1.36

O Banco 1... respondeu, informando que o cancelamento da SBLC fora baseado na mensagem do Banco 2... de 20.03.2020, e que aquele não contava que este Banco do Beneficiário assumisse como verdadeira e exata a informação prestada pelo Ordenador. Mais referiu que a beneficiária deveria ter sido consultada e que o Banco 1... assumira que tal havia sido feito e que o original da SBLC havia sido devolvido, acrescentando que, de todo o modo, iria transmitir ao Banco emitente a mensagem que recebera do Banco 2... e que voltaria ao seu contacto.

3.1.37

No mesmo dia 06.05.2020, o Banco 1... retransmitiu ao Banco 4... a mensagem recebida do banco do beneficiário.

3.1.38

Em 07.05.2020, o Banco 2... apresentou ao Banco 1... os dois pedidos de acionamento da SBLC que estão em causa nestes autos.

3.1.39

O Banco 1... respondeu em 11.05.2020, informando quanto a ambos os pedidos, que a SBLC se encontrava cancelada, cancelamento que havia sido confirmado pelo Banco 2... através de mensagem de 20.03.2020.

3.1.40

O Banco 2... respondeu em 12.05.2020, com duas mensagens do mesmo teor, autorizando que os documentos fossem enviados ao Banco emitente, com a discrepância encontrada.

3.1.41

O Banco 4..., em 12.05.2020, respondeu à comunicação do Banco 1..., informando que tinha efetuado nessa data o último pagamento respeitante à SBLC, cujo pedido havia sido feito em fevereiro, confirmando o encerramento da SBLC nos seus registos.

3.1.42

O que foi retransmitido pelo Banco 1... ao Banco 2....

3.1.43

Em 25.05.2020, o Banco réu informou o Banco 2... que tinha enviado os documentos dele recebidos ao banco emitente sujeitos à aprovação deste último.

3.2 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia

A recorrente suscita a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação.

A nulidade decorrente da falta de pronúncia decorreria de o tribunal a quo não ter conhecido da questão de o banco confirmador ter cumprido os requisitos de cancelamento da carta de crédito e ainda por não ter julgado provados ou não provados os factos alegados nos artigos 43 a 46 da petição inicial e nos artigos 10 e 16 a 19 da réplica.

Na perspetiva da recorrente, a nulidade por falta de fundamentação resultaria, de o tribunal recorrido não indicar a razão por que foi validamente cancelada a garantia.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis[6], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.

No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[7].

Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do Código de Processo Civil. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[8]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem de necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas, enquanto os argumentos são as razões ou fundamentos aduzidos para sustentar uma certa resposta a uma questão jurídica.

Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.

Apreciemos em primeiro lugar se de facto se verifica a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação e que decorreria de não ter indicado a razão por que foi validamente cancelada a garantia.

No último parágrafo da fundamentação jurídica da sentença, imediatamente antes do dispositivo, com a retificação determinada no despacho de 08 de maio de 2024[9], o tribunal recorrido escreveu o seguinte:

Acontece, porém, que no caso presente, o accionamento da garantia foi efectuado em momento em que a garantia prestada pelo Banco réu (como confirmante da garantia prestada por Banco Angolano), havia sido já cancelada pelas partes intervenientes na relação estabelecida com o Banco réu. Recorde-se que o Banco réu nunca se relacionou directamente com a autora, “confirmando” a Carta de Crédito emitida por Banco Angolano (emitente) surgindo nessas relações como [representante do] beneficiário [o] Banco Espanhol, ao qual a ré comunicou o cancelamento e por este aceite, ambos encerrando o dossier, pelo que, quando a autora pretendeu accionar tal garantia, esta não se encontrava já vigente, tendo sido cancelada/anulada (null and void).

Lendo este segmento da fundamentação da sentença recorrida extrai-se dele que o tribunal recorrido considerou operante o cancelamento da carta de crédito em virtude de ter sido comunicado ao banco representante da autora e de o mesmo banco ter aceitado esse cancelamento.

Assim, ainda que de forma perfunctória, o tribunal a quo indicou a razão por que, na sua perspetiva, foi eficaz o cancelamento da carta de crédito, pelo que não se verifica esta invocada nulidade.

Vejamos agora as nulidades por alegada omissão de pronúncia, a primeira decorrente de o banco confirmador não ter cumprido os requisitos de cancelamento da carta de crédito e ainda por não ter julgado provados ou não provados os factos alegados nos artigos 43 a 46 da petição inicial e nos artigos 10 e 16 a 19 da réplica.

Ora, pelas razões já adiantadas quando se analisou a alegada nulidade por falta de fundamentação, entende-se que, ainda de forma resumida, o tribunal recorrido entendeu que o banco confirmador comunicou o cancelamento da carta de crédito ao banco notificador, alegadamente representante da beneficiária da referida carta, e que este banco comunicou a aceitação desse cancelamento, assim conhecendo do cumprimento dos requisitos de cancelamento da carta de crédito.

Questão diversa é a de saber se estes requisitos são bastantes para que opere o cancelamento da carta de crédito, mas isso não integra nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo antes erro de julgamento na determinação e aplicação do direito que determina a ilegalidade da mesma peça.

Deste modo, improcede esta arguição de nulidade.

Vejamos agora a alegada nulidade da sentença recorrida por não ter julgado provados ou não provados os factos alegados nos artigos 43 a 46 da petição inicial e nos artigos 10 e 16 a 19 da réplica.

A nosso ver, esta patologia invocada pela recorrente não integra nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas sim, eventualmente, um erro, por omissão, no julgamento da matéria de facto, enfermando a fundamentação de facto de insuficiência.

Esta patologia está contemplada na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, sendo de conhecimento oficioso.

Ainda que assim não fosse, a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente sempre obrigaria a aferir da suficiência da fundamentação de facto da sentença recorrida.

Assim, pelo exposto, não se verifica nenhuma das nulidades da sentença arguidas pela recorrente.

3.3 Da impugnação dos pontos 18, 19, 21 e 24 dos factos provados e da ampliação da decisão da matéria de facto

A recorrente pugna pela ampliação da decisão da matéria de facto, pretendendo que o tribunal conheça da matéria vertida nos artigos 43 a 46 da petição inicial e dos artigos 10 e 16 a 19 da réplica[10] e impugna os pontos 18, 19, 21 e 24 dos factos provados[11].

Para fundamentar a sua pretensão de ampliação a recorrente invoca os depoimentos das testemunhas AA, BB, CC e de DD, nos segmentos que localiza na gravação e que transcreve, traduzindo os depoimentos prestados em língua castelhana e ainda nos documentos nºs 10, 21 e 22 oferecidos pelo réu com a sua contestação.

No que respeita aos pontos de facto impugnados a recorrente apoia-se nos depoimentos das testemunhas AA, CC e de EE, nos segmentos que localiza na gravação e que transcreve, traduzindo os depoimentos prestados em língua castelhana.

Quanto à matéria que pretende seja ampliada a recorrente propõe as seguintes respostas:

(I) A Autora nunca manifestou a intenção de cancelar a garantia bancária sub judice. Não autorizou, por si, ou por qualquer outra entidade, que se considerasse mandatada para o efeito, a revogação da stand by Letter

(II) A Autora não acordou com a devedora, o cancelamento da garantia.

(III) A Banco 2..., o Banco avisador, interpretou a comunicação SWIFT que lhe foi dirigida a 19.03.2020 (doc. nº 21 junto com a Contestação), pelo Banco Réu, com o sentido de que, com o acordo do Beneficiário, havia sido cancelada (null and void) a garantia prestada.

(IV) Foi considerando aquele sentido – atribuído à comunicação de 19.03.2020 – que a Banco 2... respondeu ao banco réu, confirmando o encerramento do processo, do “expediente” (doc. 22º junto à Contestação).

(V) A Banco 2..., com a resposta, mensagem que consta do já referido doc. 22, não pretendeu confirmar que o beneficiário da garantia, dava o acordo ao seu cancelamento.

(VI) O Banco Réu, banco Confirmador, não pediu ao Banco 2... que contactasse o beneficiário do crédito, a Autora, para, então, poder confirmar a existência de aceitação do cancelamento da garantia; limitou-se a informar aquela entidade do “cancelamento”, de acordo com o beneficiário.

(VII) Na prática bancária, para efeitos de cancelamento de uma garantia, é o banco emitente ou o banco confirmador, que têm de certificar a aceitação do beneficiário, sendo que, existindo banco avisador, devem solicitar expressamente a este um contacto com o beneficiário para obter dele a confirmação.

(VIII) Quando o banco confirmador pretende obter, junto do banco avisador, a confirmação do cancelamento de uma garantia, pede expressamente àquele que contacte este último.

(IX) O banco réu não podia ignorar que o cancelamento de uma Carta de Crédito tem de ser expressamente autorizado pelo Beneficiário.

Quanto aos pontos de facto impugnados pretende que sejam dadas as seguintes respostas, com referência aos temas da prova:

a) “Se tais valores (os reclamados e enunciados no Objeto do litígio) se mostram garantidos pela carta de crédito junta aos autos sob o doc. nº 6 da petição inicial e suas posteriores renovações”.

Provado; conforme pontos: 8, 17, 19, (com exceção da referência à representação) e 22.

b) “Se este valor foi reclamado pela autora à ré em 05.05. 2020”.

Provado; conforme ponto: 22

c) “Apurar os termos da apresentação a pagamento da carta de crédito”

Provado; conforme pontos: 22, 23, 24.

d) “Apurar se foram cumpridos os requisitos necessários para o válido cancelamento da Carta de Crédito por parte do ordenante.”

Provado que não foram cumpridos os requisitos necessários (vide pontos I a XIX do ponto 15.1); ou assim não se entendendo, o julgamento da mesma matéria deverá ser: não provado.

O recorrido contra-alegou pugnando pela rejeição da impugnação em sede de matéria de facto em virtude de a recorrente não ter observado o ónus de indicar de forma concreta os pontos de facto impugnados, por ter omitido uma análise crítica das provas que impunham diferente resposta aos pontos de facto impugnados e por não ter discriminado os meios de prova relevantes para cada um dos pontos de facto impugnados; refere ainda o recorrido que a recorrente pretende a inclusão na factualidade provada de matéria conclusiva sem qualquer relevo para a decisão da causa e, no mais, contrariou a “leitura” das provas pessoais e documentais feita pela recorrente.

Cumpre apreciar e decidir.

A impugnação da decisão da matéria de facto impõe ao recorrente a observância de diversos ónus previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil e que sendo inobservados implicam a rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto.

Da impugnação da decisão da matéria de facto há que distinguir a ampliação da decisão da matéria de facto que, estando também sujeita aos ónus previstos para a impugnação da decisão da matéria de facto, implica, além disso, o preenchimento da previsão da parte final da alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja, que se considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.

De facto, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis.

Pode ainda a ampliação da decisão da matéria de facto decorrer de factualidade complementar ou concretizadora da que as partes tenham alegado e que se tenha vindo a revelar no decurso da instrução da causa, tal como previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil e que tenha a qualidade de indispensabilidade com referência às diversas soluções plausíveis das questões decidendas.

A ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório [12].

A ampliação da decisão da matéria de facto não constitui um expediente processual para incluir factualidade instrumental na factualidade provada, pois não se pode considerar matéria indispensável para a dilucidação das questões que importa resolver e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito, já que tem apenas relevo probatório dos factos essenciais.

Na realidade, a factualidade instrumental tem uma função probatória de factualidade essencial e por isso não deve constar nos fundamentos de facto, antes deve operar em sede de motivação da decisão da matéria de facto para justificar a prova ou a não prova de algum facto essencial que haja sido alegado por qualquer das partes.

Ora, para que a matéria instrumental possa adquirir relevo probatório é necessário impugnar a factualidade essencial passível de ser posta em crise ou provada por tal materialidade instrumental.

Expostas estas notas genéricas sobre a impugnação e a ampliação da decisão da matéria de facto, apreciemos antes de mais se estão verificados os pressupostos legais da pretendida ampliação da decisão da matéria de facto.

A matéria contida nos artigos 43 e 44 da petição inicial é relevante para aferir de uma eventual ineficácia de declaração de assentimento ao pedido de cancelamento de uma carta de crédito.

Os artigos 45 e 46 da petição inicial contêm matéria conclusiva e de direito e por isso não têm os necessários atributos para integrar uma ampliação da decisão da matéria de facto.

De facto, saber se certa entidade tinha o poder de por si só proceder ao cancelamento de uma carta de crédito e determinar se essa mesma entidade tinha a obrigação de saber disso integra matéria normativa que, ressalvados os casos excecionais previstos no artigo 348º do Código Civil, não é passível de prova mas antes de um juízo especificamente jurídico de determinação, interpretação e aplicação de uma ou várias regras jurídicas.

O artigo 10 da réplica releva para aferir do conhecimento que o réu tinha do alcance dos poderes do Banco 2... relativamente à autora.

A nosso ver, os artigos 16 e 17 da réplica são meros factos probatórios relevantes para caraterizar a prática das entidades bancárias na transmissão de alterações nas cartas de créditos e auxiliar na prova de factos essenciais, no caso, a prática na transmissão do cancelamento de cartas de crédito. Não reúnem por isso as qualidades necessárias para suportar uma ampliação da decisão da matéria de facto, pois que têm mero relevo probatório de factos essenciais. Deste modo, embora não possam estes factos integrar os fundamentos de facto, serão apreciados e poderão relevar enquanto factos probatórios de factos essenciais.

A primeira parte do artigo 18 da réplica é redundante face ao vertido nos artigos 43 e 44 da petição inicial e a sua segunda parte integra matéria conclusiva e de direito.

O artigo 19 da réplica integra também matéria conclusiva e de direito.

Deste modo, a segunda parte do artigo 18 da réplica e o artigo 19 do mesmo articulado, pelas mesmas razões adiantadas relativamente aos artigos 45 e 46 da petição inicial não têm os necessários atributos para poder constituir objeto de ampliação da decisão da matéria de facto e desde logo porque não integram matéria de facto, sendo a primeira parte do artigo 18 do citado articulado redundante.

Importa agora aferir se a matéria vertida nos artigos 43 e 44 da petição inicial e no artigo 10 da réplica se mostra indispensável de modo que, sem a sua consideração, se deva concluir que a fundamentação de facto da sentença recorrida não contemplou toda a factualidade juridicamente relevante à luz das soluções plausíveis das questões decidendas.

Para tanto, há que atentar no regime jurídico da carta de crédito objeto destes autos, a denominada carta de crédito standby.

Em vez de se configurar como um meio de pagamento, como sucede no denominado crédito documentário, a carta de crédito standby é uma garantia bancária que opera logo que se verifiquem certas circunstâncias definidas nesse instrumento e mediante a apresentação da documentação referida no mesmo[13].

Os sujeitos intervenientes no instrumento objeto destes autos são a ordenante, devedora na relação jurídica cujo pagamento do preço se mostra garantida mediante a carta de crédito, o banco emitente, banco de que a ordenante é cliente e que a pedido desta emite a carta de crédito, o banco confirmador, réu nestes autos e que a pedido do banco emitente confirma a garantia prestada pelo banco emitente ficando também ele obrigado nos termos da carta de crédito, o banco notificador da beneficiária, escolhido pela mesma e a beneficiária, credora na relação material garantida pela carta de crédito.

A carta de crédito standby objeto destes autos, por força dos dizeres apostos na carta modelo, é regulada com referência ao “ISP98”[14].

Ora, de acordo com o ponto 7.1 do ISP98, os direitos de um beneficiário de carta de crédito standby não podem ser cancelados sem o seu consentimento. O consentimento pode manifestar-se por escrito ou por meio de uma ação tal como a devolução da carta de crédito standby original de tal modo que implique que o beneficiário consente no cancelamento[15]. O consentimento do beneficiário ao cancelamento é irrevogável logo que tenha sido comunicado ao emitente.

No caso em apreço, dados os termos da mensagem transcrita pelo réu e remetida ao Banco 2... (documento nº 21 oferecido pelo réu com a sua contestação), banco notificador de que a autora é cliente e que foi por ela indicada para interagir com o banco réu, banco este que nunca teve qualquer interação direta com a autora (veja-se o ponto 23 dos factos provados, não impugnado[16]), senão através do Banco por ela indicado, pode suscitar-se a dúvida sobre o seu real sentido: comunicação de um cancelamento verificado pelo emitente da carta de crédito ou transmissão pelo banco confirmador ao banco notificador da comunicação da intenção do emitente de cancelamento de carta de crédito com o acordo do beneficiário, em ambos os casos com pedido de transmissão de instruções pelo banco notificador ao banco confirmador.

Porém, independentemente destas dúvidas, a questão crucial que a nosso ver se coloca é a da definição do papel desempenhado pelo banco notificador.

Apesar de a recorrente impugnar os pontos de facto da decisão recorrida em que se alude à intervenção do banco notificador como seu representante (pontos 18 e 19 dos factos provados), não se mostra impugnado o primeiro ponto 23 dos factos provados, no qual, além do mais, consta como provado que nunca o banco réu teve qualquer interação direta com a autora, senão através do Banco por ela indicado.

A nosso ver, desta matéria de facto infere-se que o Banco 2... indicado pela autora teve intervenção nesta operação bancária por conta e no interesse da autora. Este banco obrigou-se a prestar um serviço à autora no âmbito desta operação bancária em que apenas intervêm entidades bancárias.

Enquanto entidade bancária, o Banco 2... não pode desconhecer que o cancelamento de uma carta de crédito, tal como uma sua modificação dependem do consentimento do beneficiário.

Além disso, o banco notificador não transmitiu à autora a comunicação que recebeu do banco confirmador de 19 de março de 2020, com o seguinte teor:

“Transmitimos a mensagem MT792 recebida do (PRTLAOLU): Citação À atenção de LC Dept Com referência à nossa MT760 datada DD 11/05/2016 de EUR 1.000.000,00 A pedido do ordenante e de acordo com o beneficiário, por favor considerem esta SBL cancelada. Estamos a encerrar este ficheiro nos nossos registos. Agradecemos a vossa confirmação (a vossa pronta resposta será muito apreciada) Melhores cumprimentos L/C Dept Fim de citação Por favor indiquem-nos as vossas instruções L/C Dept”.

O banco notificador não só não transmitiu à autora a mensagem que se acaba de reproduzir, como em 20 de março de 2020 respondeu a tal mensagem nos seguintes termos:

- “Relativamente à vossa MT799 datada de 19 de março de 2020, confirmamos que cancelámos o assunto referido nos nossos registos”.

Assim, em resposta a uma mensagem cujo assunto era o cancelamento de uma carta de crédito standby de que era beneficiária a autora, cliente do Banco 2..., este deu a anuência ao que lhe era pedido, aceitando deste modo o cancelamento daquela garantia, aceitação recebida pelo banco confirmador e prontamente transmitida ao banco emitente.

Neste circunstancialismo factual o cancelamento da carta de crédito tem na sua base uma conduta do Banco 2... que agia por conta e no interesse da autora e que não só não cuidou de transmitir a esta a mensagem que recebeu do banco confirmador em 19 de março de 2020, não obstante ser objeto da mesma o cancelamento de uma carta de crédito, como se apressou, no dia seguinte, a comunicar ao banco confirmador que aceitava o que lhe havia sido transmitido por este.

Dada a posição jurídica do Banco 2..., que foi agindo no âmbito da operação bancária por conta e no interesse da autora, a aceitação em 20 de março de 2020 do conteúdo da mensagem que lhe foi transmitida em 19 de março de 2020 sem cuidar de dar conhecimento da mesma à beneficiária e sem a prestação do consentimento para cancelamento da carta de crédito por parte da beneficiária constitui uma violação do contrato que o ligava à autora e que determinou o cancelamento daquela garantia bancária.

Ora, salvo melhor opinião, a autora não tem o direito a colocar em causa a validade ou eficácia de uma aceitação de cancelamento de uma carta de crédito prestada pela entidade bancária que agiu no âmbito dessa operação bancária por conta e no interesse da beneficiária e autora nestes autos apenas com base na alegada falta de prestação do seu consentimento para esse cancelamento, sendo a nosso ver necessária a alegação de factos reveladores de que o banco confirmador tinha conhecimento dessa falta de consentimento ou devia disso ter conhecimento (veja-se o artigo 269º do Código Civil).

Contudo, essa alegação consta do artigo 10º da réplica, matéria que a recorrente também pretende seja objeto de ampliação e que em todo o caso sempre deveria ser oficiosamente conhecida ex vi artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil.

Assim, tudo visto e sopesado conclui-se que a matéria vertida nos artigos 43 e 44 da petição inicial e no artigo 10 da réplica, à luz das soluções plausíveis das questões de direito, é indispensável para se poder tomar conhecimento de uma eventual ineficácia da aceitação do cancelamento da carta de crédito objeto destes autos, pelo que tem fundamento esta pretensão da recorrente de que a decisão da matéria de facto seja ampliada, conhecendo-se dessa matéria.

Uma vez que a recorrente questiona a posição jurídica do Banco 2... relativamente a si, afigura-se-nos que também parte da matéria contida no artigo 27º da contestação deve ser objeto de ampliação[17].

Pelo exposto, a ampliação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente cingir-se-á aos artigos 43 e 44 da petição inicial e 10 da réplica e alargar-se-á oficiosamente ao artigo 27º da contestação.

Ajuizemos agora da observância dos ónus que recaem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto.

A nosso ver, a recorrente indica os meios de prova documentais e pessoais que sustentam a impugnação deduzida, indicando as passagens dos depoimentos testemunhais que para o efeito considera relevantes.

Apesar de a alínea b) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil se referir à especificação dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, essa “imposição” tem de ser entendida cum grano salis, pois que, estando em causa a apreciação e valoração de provas sujeitas à livre apreciação[18], não existe verdadeiramente uma qualquer imposição de um certo resultado probatório. Só assim não será se estiverem em causa meios de prova com valor tarifado.

Por outro lado, em nenhuma das alíneas do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil vem previsto um ónus de análise crítica da prova produzida, sendo certo que pelas razões já antes adiantadas não resulta dessa eventual análise crítica a imposição de um qualquer resultado probatório, pelo que a exigência a que a recorrida se refere não tem base legal.

Finalmente, a recorrente especificou os concretos meios de prova distinguindo a matéria integrante de ampliação da decisão da que integra a impugnação da decisão da matéria de facto propriamente dita, sendo certo que a factualidade contida nesses dois grandes blocos está toda interligada.

Neste contexto, a especificação dos meios de prova a que a recorrente procedeu tem a suficiente concretização para permitir o exercício eficaz do contraditório pela parte contrária e bem assim uma perceção precisa das razões aduzidas pela recorrente por parte deste tribunal da Relação.

Pelo exposto, conclui-se que estão suficientemente observados os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto.

Procedeu-se à análise crítica da prova documental junta aos autos[19] destacando-se a cláusula 10.1.5 dos contratos de franquia[20], a cópia da carta de crédito emitida a favor da A..., S.A. anexa aos contratos de franchising de que se destacam os seguintes dizeres sob o título “outras condições”: “Comissões bancárias: Todas as taxas e comissões fora da Espanha ficam a cargo do ordenador”; (…) “Normas aplicáveis: ISP98”; cópia do documento nº 10 oferecido pelo réu com a sua contestação e já antes transcrito; cópia do documento nº 21 oferecido pelo réu com a sua contestação[21]; cópia do documento nº 22 oferecido pelo réu com a sua contestação; cópia do documento nº 23 oferecido pelo réu com a sua contestação[22]; cópia do documento nº 24 oferecido pelo réu com a sua contestação[23].

Procedeu-se à audição da prova pessoal produzida em três sessões da audiência final.

Os depoimentos prestados por videoconferência pelas testemunhas EE e DD apresentam um constante e intenso ruído de fundo que impossibilita a perceção da generalidade do que estas testemunhas declararam, apenas sendo audíveis algumas palavras.

Os depoimentos destas testemunhas foram invocados pela recorrente para sustentar as suas pretensões de impugnação e ampliação da decisão da matéria de facto.

Os Senhores Advogados que procederam à inquirição destas testemunhas indicaram por vezes aquilo que entendiam resultar dos depoimentos que iam sendo produzidos.

Contudo, estas indicações dos Senhores Advogados são já necessariamente interpretações do que foi declarado pelos depoentes, sendo essencial que o tribunal tenha acesso direto mediante o sentido da audição àquilo que foi dito pelas testemunhas, a fim de poder por si interpretar e valorar o que foi por elas declarado.

Como é sabido, a deficiência ou a falta de gravação constitui um vício que não é, em regra, de conhecimento oficioso (artigo 155º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Ora, a fim de que este Tribunal da Relação possa formar uma autónoma convicção tem que ter acesso a toda a prova que foi produzida perante o tribunal recorrido, como resulta inequívoco do disposto no nº 1, do artigo 662º do Código de Processo Civil.

Neste circunstancialismo, porque esta instância não tem ao seu dispor todo o manancial probatório que o tribunal a quo teve para formar a sua convicção probatória, esta instância de recurso não está legalmente em condições de sindicar os juízos probatórios do tribunal recorrido formulados com base em provas sujeitas à livre apreciação do julgador, formando a sua própria e autónoma convicção probatória, inclusivamente com base em provas ou segmentos de provas a que o tribunal recorrido ou as partes não deram relevância (veja-se a alínea b), do nº 2, do artigo 640º do Código de Processo Civil).

Por isso, em virtude deste tribunal não ter acesso a todos os elementos probatórios que foram produzidos perante o tribunal recorrido indefere-se a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pela recorrente, mantendo-se intocada a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido, sem prejuízo da correção de eventuais lapsos passíveis de correção oficiosa e a que já se procedeu quando se reproduziu a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido.

Porém, no que respeita a ampliação da decisão da matéria de facto, porque se trata de matéria de conhecimento oficioso por este Tribunal da Relação, importa determinar como se repercute a deficiência dessas gravações nesta pretensão da recorrente.

Não obstante a gravação deficiente não ser, em regra, um vício de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que quando haja necessidade de recorrer à prova gravada para sanação de um vício de conhecimento oficioso, necessariamente tal vício será também de conhecimento oficioso. Caso contrário, conhecer-se-ia, por exemplo, oficiosamente da existência de contradição na decisão da matéria de facto e não se poderia remover a mesma, o que, convenhamos, não quadra a um legislador minimamente diligente e inteligente (artigo 9º, nº 3, do Código Civil)[24].

Na verdade, nessa situação, verificada a necessidade de remoção de contradições na decisão da matéria de facto ou de ampliação da decisão da matéria de facto, bem como a inexistência ou inaudibilidade de uma ou várias gravações, o tribunal da Relação não tem ao seu dispor todos os elementos probatórios que permitam remover o vício, sendo o procedimento a adotar o previsto no artigo 662º, nº 2, alínea c) e nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil.

Assim, face ao exposto, anula-se a sentença recorrida proferida em 26 de fevereiro de 2024 e determina-se que seja repetido em audiência final o depoimento da testemunha DD e se sigam os termos subsequentes, devendo na decisão da matéria de facto da sentença a proferir conhecer-se da factualidade contida nos artigos 43 e 44 da petição inicial e no artigo 10 da réplica e no artigo 27 da contestação, nos termos antes delimitados em nota de rodapé, não abrangendo a repetição do julgamento os factos provados na sentença anulada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o exclusivo fim de evitar contradições.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente e do recorrido em partes iguais (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

4. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por A..., S.A. na parte em que requereu a ampliação da decisão da matéria de facto e improcedente no mais, anulando-se oficiosamente a sentença recorrida proferida em 26 de fevereiro de 2024, determinando-se que seja repetido em audiência final o depoimento da testemunha DD e se sigam os termos subsequentes, devendo na decisão da matéria de facto da sentença a proferir conhecer-se da factualidade contida nos artigos 43 e 44 da petição inicial, no artigo 10 da réplica e no artigo 27 da contestação, nos termos delimitados na nota de rodapé nº 17, não abrangendo a repetição do julgamento os factos provados na sentença anulada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.

Custas a cargo de recorrente e recorrido em partes iguais, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***


O presente acórdão compõe-se de trinta e seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 2025/3/10.

Carlos Gil

José Eusébio Almeida

Ana Paula Amorim

________________________________
[1] Abreviatura de “Standby Letter of Credit”.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 10 de abril de 2024.
[3] Existem dois pontos 24 dos factos provados pois que estão duplicados os pontos 22, 23, 24 e 25 dos factos provados. No entanto, pelo conteúdo das alegações da recorrente pode concluir-se com segurança que o ponto 24 impugnado é o primeiro.
[4] Corrige-se a numeração dos pontos de facto já que os números 22 a 25 dos factos provados estão repetidos, como se deu nota anteriormente.
[5] Sob pena de redundância neste ponto de facto, a referência à entidade emissora parece ter em vista o ordenante, ou seja, o cliente que solicita ao seu banco a emissão de uma carta de crédito a favor do beneficiário da garantia.
[6] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
[7] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI.
[8] A propósito veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[9] O conteúdo da retificação está entre parênteses retos.

[10] Os artigos 43 a 46 da petição inicial têm o seguinte conteúdo: “43º A A. nunca autorizou qualquer “revogação”, 44º Nem por si, nem por qualquer outra entidade que se encontrasse mandatada para proceder a tal. 45º O Banco emitente não podia, por si só, revogar/cancelar a Carta de Crédito, 46º Como a R. tinha obrigação de saber.” Por seu turno, os artigos 10 e 16 a 19 da réplica têm o seguinte teor: “10º Ou seja, de tal forma o R. conhecia a limitação de poderes do Banco 2... que solicitou que a beneficiária fosse contactada para dar as suas instruções – não se bastando pelas do Banco 2.... 16º Ao invés do que o próprio R. admite ter feito na situação que descreve nos artigos 28º a 40º da sua peça processual (artigo 30º), na presente situação, o R. não pediu ao Banco 2... que contactasse a beneficiária para que esta lhe desse quaisquer instruções. 17º O R. limitou-se a informar o Banco 2... do “cancelamento” “de acordo com o beneficiário”, 18º Acordo este que não existia nem nunca existiu, o que R. tinha obrigação de verificar, dada a sua qualidade. 19º O R. não podia ignorar que o cancelamento de uma Carta de Crédito tem de ser expressamente autorizado pelo beneficiário (neste caso, a A.).” O exato alcance do artigo 10º da réplica só se entende tendo presente que tem em vista o documento nº 10 oferecido pelo réu com a sua contestação e que tem o seguinte teor: “SWIFT-MT : 799 NORMAL SWIFT-DEST : MIDLESMM

SENT TO : Banco 2... PLC ..., .... ..., ... – SPAIN :20: TRANSACTION REFERENCE NO ...24 :21: RELATED REFERENCE NO ... :79: NARRATIVE +++++++++ ATTN. STAND BY L/C DEPT.+++++++++++ ++++ PLEASE CONSIDER THIS MSG AS ... +++ ++++++++++++++REFUSAL OF DOCS++++++++++++++++ . YR REMITTANCE LETTER DTD 22/11/2019 YR REF. ... OUR REF. ...24 STANDBY L/C REF.: 19030830/SBL/Banco 4... . WE ACKNOWLEDGE RECEIPT OF Y/REMITTANCE LETTER ENCLOSING DOCUMENTS FOR EUR 551.955,44 . AFTER SCRUTINIZING DOCS WE DETECTED THE FOLLOWING DISCREPANCIES: . +ORIGIN CERTIFICATE NOT PRESENTED . DOCUMENTS AT YOUR DISPOSAL IN OUR COUNTERS AND AT YOUR OWN RESPONSABILITY. PLEASE URGENTLY CONTACT BENEFICIARY AND INSTRUCT US ACCORDINGLY. . BEST REGARDS DO-DCE-L/C DEPT.

[11] Estes pontos de facto têm o seguinte conteúdo: “18- O Banco indicado pela autora beneficiária e que a representou em toda a operação foi inicialmente o Banco 3..., S.A. (“Banco 3...”) e, posteriormente, a partir de maio de 2019, o Banco 2... (“Banco 2...”). 19- Com efeito, em 09.05.2019, o Banco 1... recebeu uma mensagem do Banco emitente referindo que o ordenante B... Retalho Especializado, S.A. lhe dera instruções para alterar a Standby Letter of Credit n.º ...30... quanto ao prazo, que foi prorrogado pelo período de 6 meses passando a vigorar até 17.11.2019, quanto às beneficiárias, onde foram incluídas a A..., S.A., e a G..., S.A., e quanto ao representante destas que passaria a ser o Banco 2... em vez do Banco 3.... 21- Aliás, todas as comunicações relativas à carta de crédito standby eram feitas entre os Bancos através da rede “SWIFT” (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) tendo em conta a segurança desta. 24- E a autora ou as outras beneficiárias (referidas como “o Beneficiário” – “the beneficiary” nas mensagens) apenas tinham contacto direto ou com o seu próprio Banco ou com o ordenante, no âmbito das suas relações comerciais.”
[12] Neste sentido vejam-se: Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, primeiro parágrafo da página 358 e nota 564.
[13] Em geral, para caraterização destas cartas de créditos vejam-se: O Crédito Documentário Irrevogável, Gonçalo Andrade e Castro, Porto, 1999, páginas 54 a 61; Créditos Documentários, Carlos Costa Pina, Coimbra Editora 2000, páginas 41 e 42.
[14] Acrónimo de Internacional Standby Practices, aprovadas na Assembleia Geral das Nações Unidas de 05 de abril de 2000.
[15] Anote-se que não existe nos autos sequer cópia da carta de crédito standby em discussão nestes autos, mas apenas da carta modelo.
[16] Este ponto de facto, não impugnado pela recorrente, tem o seguinte conteúdo: “Nas aludidas mensagens trocadas entre os Bancos estes eram também identificados pelas seguintes siglas: o Banco 4... por “PRTLAOLU”, o Banco 1... por “BCOMPTPL” ou “BCOMPTPLLEU”, o Banco 3... por “BSCHESMM” e o Banco 2... por “MIDLESMM”, nunca o banco réu tendo tido qualquer interação direta com a autora, senão através do Banco por ela indicado.”

[17] Assim, deverá conhecer-se do seguinte: “A partir do momento em que interveio na operação, o Banco 2... formulava, em nome da autora, os pedidos de pagamento, recebia os fundos por conta da autora, respondia a eventuais reclamações dos Bancos (Banco 4... e Banco 1...) quanto a discrepâncias”.
[18] Relativamente à admissão de facto por acordo, a denominada confissão ficta, e às provas com força probatória plena vejam-se o artigo 663º, nº 2 e a segunda parte do nº 4, do artigo 607º, ambos do Código de Processo Civil. Quanto a estas figuras é que com propriedade se pode afirmar que impõem um certo resultado probatório ao contrário do que sucede com as provas sujeitas à livre apreciação do julgador, em que, por variadas razões, podem surgir divergências na sua apreciação e valoração.
[19] Sublinhe-se que a maior parte da prova documental oferecida pelo réu está em língua inglesa e não foi traduzida. Não se desconhece que de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 134º do Código de Processo Civil os documentos escritos em língua estrangeira apenas devem ser traduzidos desde que careçam de tradução, assim dependendo a necessidade de tradução da proficiência linguística dos diversos intervenientes processuais. Porém, para ler um texto não basta dominar a língua em que está escrito, sendo também necessário conhecer o sentido específico que cada termo tem no concreto domínio em que é utilizado, ou seja, é necessário conhecer as práticas linguísticas em cada setor da atividade humana. E isso não é fácil…
[20] Esta cláusula tem o seguinte teor: “10.1.5 O Franqueado deverá garantir o pagamento a 90 dias após a data da fatura através de uma Carta de Crédito Standby irrevogável (em anexo, como Anexo n.º 5, encontra-se um modelo dessa carta de crédito), face a todas as compras de produtos E... PARA O Território. Para este efeito, é expressamente referido que: “(…) b) A Carta de Crédito standby deve ser explicada , devendo ficar disponível no banco abaixo antes da requisição do Franqueador: Banco 3... (BSCHESMM), ou qualquer outra entidade indicada pelo Franqueador. c) Todas as taxas e custos derivados da carta de Crédito Standby, salvo no caso das taxas cobradas pelo banco indicado pelo Franqueador, deverão ser suportadas pelo Franqueado. d) O emissor da Carta de Crédito Standby deverá ser o banco, devendo este ser aprovado pelo Franqueador. O Franqueador poderá, adicionalmente, solicitar que um outro banco acrescente a sua confirmação à Carta de Crédito Standby. O Franqueado deverá alterar a Carta de Crédito Standby se necessário. e) O Franqueador deverá indicar o nome do beneficiário da Carta de Crédito Standby. O Franqueador reserva-se o direito de modificar o beneficiário da Carta de Crédito Standby durante a execução do contrato, mediante aviso prévio por escrito ao Franqueado. O Franqueado concorda que o único beneficiário da Carta de Crédito Standby seja a F..., S.A., a A..., S.A. ou um banco designado pelo Franqueador ao abrigo de um contrato de factoring, conforme o caso (…)”.
[21] Com o seguinte teor: “SWIFT-MT : 799 NORMAL SWIFT-DEST : MIDLESMM SENT TO : Banco 2... PLC ..., .... ..., ... – SPAIN :20: TRANSACTION REFERENCE NO ...24 :21: RELATED REFERENCE NO ...30... :79: NARRATIVE ATTN: L/C DEPT . WE RELAY MT792 RECEIVED FROM PRTLAOLU QUOTE ATTN: L/C DEPT . WE REFER TO OUR MT760 DD 11/05/2016 FOR EUR 1.000.000,00 . AS PER THE APPLICANT REQUEST AND IN ACCORDANCE WITH THE BENEFICIARY,PLEASE CONSIDER THIS SBL NULL AND VOID. . WE ARE CLOSING THIS FILE IN OUR BOOKS THANK YOU FOR YOUR CONFIRMATION (YOUR PROMPT REPLY IS HIGHLY APPRECIATED). BEST REGARDS L/C DEPT. UNQUOTE PLS PROVIDE YR INSTRUCTIONS BEST REGARDS L/C DEPT”

[22] Com o seguinte teor: “SWIFT-MT : 799 NORMAL SWIFT-DEST : ... SENT TO : Banco 4... RUA ... LUANDA ANGOLA

:20: TRANSACTION REFERENCE NO ...24 :21: RELATED REFERENCE NO ...30... :79: NARRATIVE ATTN L/C DEPT . REF. V/ .... 19/03/2020. RECEBEMOS CONFIRMACAO DO BANCO DO BENEFICIARIO QUE A OPERACAO ESTA CANCELADA. ESTAMOS A ENCERRAR OS N/ REGISTOS. MELHORES CUMPRIMENTOS CREDITOS DOCUMENTARIOS”
[23] Com o seguinte teor:

“MsgDetails

Tag            Message Content

20              TRN

   ...

21              RELATED REFERENCE

   ...30...

79            NARRATIVE

 DEAR SIRS,

.

PLS DELETE OUR PREVIOUS MT799 SENT TO YOU TODAY

AND TAKE INTO ACCOUNT THE FOLLOWING ONE:

.

QUOTE

.

PLEASE URGENTLY RELAY THE FOLLOWING MT799 TO

PRTLAOLU:

YOUR MT799 DATED 19MAR2020 STATED THAT BOTH

APPLICANT AND BENEFICIARY AGREED TO THE

CANCELLATION OF THE PRESENT SBLC AND FOR THAT

REASON TRUSTING IN YOUR SWIFT AND WITHOUT

BENEFICARY'S CONSET, WE SENT A SWIFT MESSAGE

INFORMING THAT OUR RECORDS COULD BE CLOSED.

HOWEVER, THE BENEFICIARY HAS CONFIRMED TO US THAT

THEY NEVER PROVIDED CONSENT TO THE CANCELLATION

AND THEREFORE THE PRESENT SBLC MUST BE CONSIDERED

OPEN.

.

PLEASE URGENTLY CONFIRM HAVING REOPENED YOUR

FILES ACCORDINGLY.

.

UNQUOTE

.

BEST REGARDS.

Banco 2..., SUCURSAL EN ESPANA”


[24] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 2022, proferido no processo nº 2450/18.7T8VRL.G1.S1, acessível na base de dados do IGFEJ.